Microsoft Word - pensamento plural 10.doc Resenha Ana Cristina Lubke Mendes1 FERES JÚNIOR, João & POGREBINSCHI,Thamy.Teoria Política Contem- porânea: uma Introdução. Rio de Janeiro:Elsevier, 2010. A vida em sociedade exige que se tenha opinião formada sobre várias questões. Feres Júnior e Pogrebinschi ressaltam a importância da teoria política na formação da opinião sobre questões cotidianas, co- mo o aquecimento global, demarcação de reservas indígenas e outros debates que dizem respeito à vida em sociedade. Segundo os autores do livro, o conhecimento produzido pelos estudos das instituições e nor- mas que organizam a vida em sociedade, é fundamental para esta for- mação. Eles elaboraram a obra com o objetivo de completar /preencher um espaço vazio no mercado editorial brasileiro: a falta de livros que introduzam a teoria política, principalmente no que diz respeito à teoria política contemporânea. Para cumprir a proposta, apresentaram um panorama das principais vertentes teóricas da atuali- dade por meio da análise de seus conceitos fundamentais. Para o público que se interessa pela discussão teórica do campo da política, sejam profissionais, sejam estudantes de Ciência Política, Sociologia, Direito ou de outras disciplinas afins, o livro é de grande relevância. A forma sistemática com que Feres Júnior e Pogrebinschi apresentam os argumentos básicos de questões atuais, assim como a evolução dos debates a partir da contribuição de alguns de seus princi- pais autores, colabora na compreensão de tais temas, pois permite uma reflexão ampla e bem informada sobre o universo da política. 1 Mestranda em Ciência Política (PPGCPOL - UFPel). Pensamento Plural | Pelotas [10]: 227 - 232, janeiro/junho 2012 Pensamento Plural 228 Um dado interessante é que esta obra resulta de um curso de Teoria Política. O livro foi planejado e escrito durante dois anos se- guidos (2008 e 2009), em que os autores ensinavam conjuntamente no Curso de Teoria Política 3 do IUPERJ (Instituto Universitário de Pes- quisas do Rio de Janeiro), e, segundo eles, esta prática os levou a uma constante reelaboração do material. O livro é estruturado da seguinte forma: a) no capítulo 1 é a- presentada a construção do conceito de “Teoria política” e são descri- tos os conteúdos desenvolvidos nos capítulos posteriores, bem como a justificativa do trabalho; b) o capítulo 2 traz o conceito de justiça nas abordagens de liberalismo, igualitarismo, welfarismo, libertarismo, comunitarismo, multiculturalismo, feminismo e pós-colonialismo; c) da mesma forma, nos capítulos 3 a 7, são evidenciadas as discussões referentes ao reconhecimento, à democracia, ao poder, à resistência e à desobediência, à linguagem e à comunicação; d) no final da obra en- contra-se uma abundante bibliografia organizada de acordo com os temas desenvolvidos. Inicialmente, Feres Júnior e Pogrebinschi apresentam os limites da definição de “teoria política”, quando associada a um entendimen- to/significado superficial do “político”, ligada à teoria formal empiricis- ta. Já a abordagem apresentada no livro é de cunho normativo, o que não significa necessariamente que tal teoria não tenha base empírica. Outro aspecto explorado na obra são os contatos da teoria polí- tica com outras disciplinas, como a Ciência Política, a História e a Filosofia. Segundo os autores, o que diferencia a teoria política da Ciência Política, é que esta possui uma suposta posição epistemológica de neutralidade axiológica, e a teoria política ocupa-se em discutir valores, inclusive tomando posições em torno das possibilidades de organização da sociedade. Enquanto a História faz sua teorização ao partir do particular em direção ao abstrato, a teoria política trabalha com grau mais elevado de abstrações e generalizações. Estes contatos dão origem a subdisciplinas, que ora estão inclinadas a determinada modalidade, e ora a outras mais ou menos historicistas e empiricistas. Mesmo se tratando de outro objeto, a Sociologia, a Economia e o Direito também possuem intersecções com a teoria política. Porém, a posição dos autores é de tomar a teoria política como uma área razoa- velmente autônoma. Os autores trabalham com uma divisão disciplinar epocal da modalidade de teoria política “contemporânea”, que não inclui a pola- rização ideológica entre liberais e marxistas. A metodologia utilizada Pelotas [10]: 227 - 232 janeiro / junho de 2012 229 parte dos principais conceitos (conceitos chaves) em direção às ques- tões que estes provocam. Trabalham sistematicamente com os autores identificados como centrais no debate atual. No capítulo 2 é apresentado um dos debates mais influentes da teoria política contemporânea: como conjugar o princípio de igualda- de a uma teoria liberal por meio do conceito de justiça. Este debate iniciou com a publicação de Uma teoria da justiça, de John Rawls, livro no qual o autor apresentou seu projeto de justiça liberal. Este capítulo é o mais extenso do livro, pois, além de demonstrar as propo- sições de Rawls, evidencia os debates que surgiram em decorrência destas propostas. A teoria rawlsiana trabalha com a concepção de justi- ça como equidade, chamada de “liberalismo político”, cujo objetivo é articular liberdade e igualdade. Nas seções que se seguem neste capítu- lo, os autores apresentam detalhadamente como o conceito de igual- dade e a questão da justiça distributiva se articulam com o conceito de bem-estar. Como a ideia norteadora do livro é introduzir o estudo de teorias políticas contemporâneas, são trabalhados os principais concei- tos utilizados por Rawls, tais como: a posição original, o véu da igno- rância, os princípios de justiça, justiça procedimental, o princípio da diferença, entre outros não menos importantes, que são apresentados de forma clara e objetiva, permitindo ao leitor uma visão ampla da teoria liberal. Também são identificadas três perspectivas definidoras do conceito de igualdade: igualdade complexa, elaborada por Michel Walzer; igualdade de recursos, defendida por Ronald Dworkin; e a abordagem analítica da capacidade de Amartya Sen. Nas últimas seções do capítulo 2, são discutidas as críticas feitas ao projeto de Rawls, as quais partem do libertarismo de Robert Nozick e passam para o co- munitarismo de Michael Sandel. Ao trazerem as perspectivas do multi- culturalismo, feminismo e pós-colonialismo, os autores demonstram o movimento de deslocamento da teoria liberal de foco igualitário para a abordagem que centra a discussão no conceito de diferença. Nestes últimos tópicos, os autores fazem argumentação de forma articulada, vão descrevendo as perspectivas de alguns autores como Charles Taylor e Will Kymlicka, que tratam do multiculturalismo, e também demons- tram as críticas que estes recebem, no caso, as contribuições de Homi Bhabha. Esta forma de apresentação das teorias, que estabelece as rela- ções entre as formulações e as críticas, permite que o leitor compreen- da os limites e avanços de cada teoria apresentada. O capítulo 3 trata do conceito de “reconhecimento”. Feres Jú- nior e Pogrebinschi dão prioridade às diferentes formas com que os autores contemporâneos trabalham as questões de demandas por reco- nhecimento e redistribuição. Este conceito é utilizado para analisar a Pensamento Plural 230 combinação entre sociedade multicultural e o sistema político demo- crático liberal. Os autores examinam o debate entre Axel Honneth e Nancy Fraser. Iniciam demonstrando como Honneth formulou sua teoria do reconhecimento a partir dos estudos de Hegel. Após, expõem a construção teórica de Fraser, que propõe a integração em uma única teoria das reivindicações por reconhecimento e por redistribuição. Por fim, apresentam a resposta de Honneth às críticas de Fraser. A seguir, no capítulo 4, os autores trazem a teoria democrática contemporânea, abordando os temas da representação, da participação e da deliberação. Iniciam com o conceito de representação de Hanna Pitkin, que define a representação como sendo a presença da ausência, ou seja, algo que não está presente literalmente e que é considerado presente em um sentido não literal. De acordo com o exposto por Feres Júnior e Pogrebinschi, Pitkin contribui para teoria da representa- ção ao argumentar que o conceito de representação traz em si um problema: é constituído por um paradoxo. Ao tentar redefinir o con- ceito de representação, Nadia Urbinati detecta que o problema está no déficit democrático da representação. Após esta introdução, e na se- quência do capítulo, os autores vão demonstrando o diálogo das teori- as participativas e deliberativas que buscam superar os limites da repre- sentação, trabalhando os seguintes autores: John Dewey, Benjamin Barber, Carole Pateman, Jane Mansbridge, Archon Fung. O tema central do capítulo 5 é o conceito de poder. Este capítulo encontra-se estruturado da mesma forma que os demais. Começa com uma visão progressiva da construção teórica referente à conceituação de poder. Posteriormente, os autores discorrem/colocam o debate atual sobre o tema. Apresentam a formulação teórica de Steven Lukes, com sua proposta de uma teoria do poder que seja empiricamente informada, passando a trabalhar com Hannah Arendt e Michel Foucault. Os conceitos de resistência e de desobediência são desenvolvi- dos no capítulo 6. Na introdução do capítulo, os autores demonstram a evolução da discussão sobre o direito de resistência. Começando por John Locke e seu fundamento liberal, passando para a ótica do pensa- mento contemporâneo de Henry David Thoreau, que desenvolve o conceito de desobediência civil. A seguir, Feres Júnior e Pogrebinschi analisam as quatro formas diferentes assumidas pelo direito de resitên- cia, respectivamente de Michael Walzer, Ronald Dworkin, Mangabeira Unger e Philip Pettit. No capítulo 7, último da obra, os autores apresentam os con- ceitos de linguagem e de comunicação. Seguindo a mesma lógica dos Pelotas [10]: 227 - 232 janeiro / junho de 2012 231 demais capítulos, tem-se uma exposição abrangente sobre o assunto. Primeiramente é apresentado o desenvolvimento do pensamento mo- derno até o contemporâneo. Começa pela discussão feita por George Herbert Mead a respeito do desenvolvimento da linguagem e segue com argumentos que comprovam a influência deste pensamento em obras de autores como Jurgen Habermas. Finalizando o livro de Feres Júnior e Pogrebinschi, encontra- mos as referências bibliográficas. Estas aparecem listadas de forma a facilitar o aprofundamento de estudos referentes aos temas apresenta- dos de forma sintética, porém educativa, pelos autores. Como foi demonstrado anteriormente, a organização do livro e a forma de apresentação dos capítulos busca proporcionar uma visão panorâmica a respeito de teorias políticas contemporâneas. Foram abordadas na obra as principais vertentes teóricas da a- tualidade, como o liberalismo, o igualitarismo, o comunitarismo, a teoria do reconhecimento e a teoria democrática, através da apresenta- ção analítica de seus conceitos fundamentais, quais sejam: justiça, democracia, poder, resistência, desobediência, linguagem e comunica- ção. Esta seleção de temas é relevante ao estudo das teorias políticas, pois se constitui como agenda das principais preocupações. Questões centrais estão presentes: como construir uma sociedade justa em meio a tantas desigualdades sociais e culturais? Outra questão não menos importante é: como ampliar a democracia? As teorias políticas apresen- tadas por Feres Júnior e Pogrebinschi podem ajudar na elaboração de respostas para esta problemática. Ao observar o grande número de temas tratados pelos autores, pode-se questionar a profundidade das respostas dadas às interroga- ções/perguntas/questões levantadas. Porém, como a intenção primaz era a de proporcionar uma visão panorâmica ao leitor sobre as teorias políticas contemporâneas, chegamos ao fim da análise verificando que esta intenção foi cumprida com sucesso, pois, ao trazer informações abrangentes de forma clara, com literatura bem selecionada, a obra é um ótimo recurso para a compreensão dos principais debates do cam- po da teoria política. Conclui-se que o esforço empreendido por Feres Júnior e Po- grebinschi de selecionar determinado tema, construindo cada capítulo com os argumentos básicos do tópico em questão, fazendo uma expo- sição da evolução do debate a respeito do assunto até atingir as discus- sões atuais, apresentando a contribuição dos autores considerados fundamentais para o debate, atingiu o objetivo de preencher a lacuna Pensamento Plural 232 de livros que introduzam os leitores ao estudo das teorias políticas contemporâneas, e, portanto, a utilização deste livro é ferramenta indispensável para interessados em estudá-las. Ana Cristina Lubke Mendes ana-lubke@hotmail.com Recebido em 01 set. 2012 Aprovado em 06 nov. 2012.