key: cord-0896939-pbjml2gw authors: Pimentel, Mauricio; Magalhães, Ana Paula Arbo; Novak, Camila Valvassori; May, Bruna Miers; da Rosa, Luiz Gustavo Bravosi; Zimerman, Leandro Ioschpe title: Arritmias Cardíacas em Pacientes com COVID-19 date: 2021-09-03 journal: Arq Bras Cardiol DOI: 10.36660/abc.20200963 sha: e312b0aca0b1ef6077a804b83f43ac99da4f7970 doc_id: 896939 cord_uid: pbjml2gw FUNDAMENTO: A doença pelo novo coronavírus (COVID-19) está associada a manifestações clínicas cardiovasculares, incluindo a ocorrência de arritmias cardíacas. OBJETIVOS: Avaliar a incidência de arritmias cardíacas (taquiarritmia atrial, bradiarritmia e taquicardia ventricular sustentada) e de parada cardiorrespiratória (PCR) em uma coorte de pacientes internados com COVID-19 em hospital universitário terciário. MÉTODOS: Estudo de coorte retrospectivo realizado por meio de revisão dos registros de prontuário médico. Para comparação entre os grupos, foi considerado como estatisticamente significativo valor de P < 0,05. RESULTADOS: Foram incluídos 241 pacientes consecutivos com diagnóstico de COVID-19 (idade média, 57,8 ± 15,0 anos; 51,5% homens; 80,5% de raça branca) e 35,3% com necessidade de ventilação mecânica invasiva (VM). A mortalidade geral foi de 26,6%, sendo de 58,8% entre aqueles em VM. Arritmias cardíacas ocorreram em 8,7% dos pacientes, sendo a mais comum taquiarritmia atrial (76,2%). Pacientes com arritmias apresentaram maior mortalidade, 52,4% versus 24,1% (p=0,005). Em análise multivariada, apenas a presença de insuficiência cardíaca foi associada a maior risco de arritmias ( hazard ratio , 11,9; IC 95%: 3,6-39,5; p<0,001). Durante a internação, 3,3% dos pacientes foram atendidos em PCR, com predomínio de ritmos não chocáveis. Todos os atendidos em PCR evoluíram com óbito durante a internação. CONCLUSÃO: A incidência de arritmias cardíacas em pacientes internados com COVID-19 em hospital terciário brasileiro foi de 8,7%, sendo a mais comum taquiarritmias atrial. A presença de insuficiência cardíaca foi associada a maior risco de arritmias. Pacientes com COVID-19 atendidos em PCR apresentam elevada mortalidade. Introdução A doença causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), denominada COVID-19, teve seus primeiros casos reportados na China e, em decorrência de sua rápida disseminação mundial, foi declarada pandemia pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020. No Brasil, o número de casos confirmados de COVID-19 ultrapassou 3 milhões em agosto de 2020. 1 Nas descrições das séries de casos de COVID-19, foram reportadas complicações cardiovasculares, incluindo injúria miocárdica, arritmias, miocardite, insuficiência cardíaca e choque cardiogênico. 2 O dano ao sistema cardiovascular provavelmente tem causa multifatorial, incluindo lesão cardíaca direta pelo vírus, resposta inflamatória sistêmica exacerbada e fenômenos tromboembólicos. 3 A ação do vírus por meio do receptor da enzima conversora de angotensina 2 e seu efeito de down regulation são fatores envolvidos na resposta inflamatória exacerbada. 4 No caso das arritmias cardíacas, pode-se considerar também a possibilidade de efeitos próarrítmicos de drogas utilizadas para tratamento da COVID-19, hipóxia causada por envolvimento viral pulmonar, isquemia miocárdica, distúrbios hidroeletrolíticos, "strain" miocárdico e alterações de volume intravascular. 5 A resposta inflamatória desbalanceada por células T helper dos tipos 1 e 2 constitui ainda outro mecanismo proposto para explicar inflamação e arritmogênese em pacientes com COVID-19. 6 As primeiras séries de casos da China mostraram incidência de arritmias cardíacas de 17%, podendo chegar a 44% em pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI). 7 Esses estudos, porém, não descreveram de modo detalhado o tipo e as características das arritmias apresentadas. Trabalhos mais recentes em centros norte-americanos apontam incidência geral de arritmias de 6% e de taquiarritmias atriais de 16%. [8] [9] [10] Este trabalho tem como objetivo avaliar a incidência de parada cardiorrespiratória e de arritmias cardíacas em uma coorte de pacientes internados com COVID-19 em hospital universitário terciário brasileiro. Estudo de coorte incluindo pacientes consecutivos internados com diagnóstico de COVID-19 no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a partir de 1 de março até 20 de julho de 2020. Foram analisados os primeiros 241 pacientes consecutivos que tiveram diagnóstico confirmado de infecção por SARS-CoV-2 através de RT-PCR de aspirado nasofaríngeo. Todos os registros de prontuário médico eletrônico foram revisados para obtenção de informações demográficas e comorbidades e ainda de dados sobre desfecho da internação hospitalar (óbito ou alta hospitalar), necessidade de ventilação mecânica invasiva (VM) e ocorrência de parada cardiorrespiratória atendida e de arritmias cardíacas. Foram analisados os registros de evolução médica, de enfermagem e os traçados eletrocardiográficos quando disponíveis no sistema de prontuário eletrônico. Para os casos de parada cardiorrespiratória, foi revisada informação sobre ritmo inicial, classificado em: fibrilação ventricular/taquicardia ventricular (FV/TV), assistolia, bradiarritmia e atividade elétrica sem pulso (AESP). A ocorrência de arritmias cardíacas foi definida pela presença de taquiarritmias atriais sustentadas (fibrilação atrial, flutter atrial), bradiarritmias e taquicardia ventricular sustentada. Não foram incluídas arritmias já presentes na admissão hospitalar, apenas casos incidentes durante a internação. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. As variáveis contínuas com distribuição normal foram descritas através de média e desvio-padrão. O tempo de internação não apresentou distribuição normal pelo teste Shapiro-Wilk, sendo apresentado na forma de mediana e intervalo interquartil e comparado com teste de Mann-Whitney. As características demográficas e clínicas foram comparadas entre pacientes com e sem arritmias cardíacas utilizando-se o teste t de Student não pareado para variáveis contínuas e qui-quadrado para variáveis categóricas. A associação entre variáveis clínicas e a ocorrência de arritmias cardíacas foi avaliada com modelos de análise univariada e multivariada de Cox. Foi considerado como estatisticamente significativo um valor de p bicaudal < 0,05. Todas as análises foram realizadas utilizando o programa SPSS, versão 14.0 para Windows. Neste estudo de coorte foram incluídos 241 pacientes consecutivos internados com COVID-19 e idade média de 57,8 ± 15,0 anos, sendo 51,5% homens e 80,5% de raça branca. A mediana do tempo de internação foi de 9 (intervalo interquartil 5-17) dias, sendo que 35,3% dos pacientes necessitaram de VM. O tempo de internação foi maior naqueles que apresentaram arritmias cardíacas. A mortalidade geral foi de 26,6%, sendo 58,8% entre os que necessitaram de VM e 9% entre os que não necessitaram de VM (p=0,001). A ocorrência de arritmias cardíacas, definida pela presença de taquiarritmias atriais sustentadas, bradiarritmias e taquicardia ventricular sustentada, foi observada em 21 pacientes (8,7%). A Tabela 1 mostra as características demográficas e clínicas dos pacientes com e sem arritmias. Entre aqueles com arritmias, 16 (76,2%) apresentaram taquiarritmias atriais sustentadas, 3 (9,5%) taquicardia ventricular sustentada e 2 (9,5%) bradiarritmias. Pacientes com arritmias apresentaram maior mortalidade, 52,4% versus 24,1% (p=0,005). A ocorrência de arritmias cardíacas foi mais frequente em homens, pacientes em VM e com história de insuficiência cardíaca. A Tabela 2 mostra os resultados da análise univariada e multivariada de Cox para ocorrência de arritmias cardíacas. Nesse modelo, apenas a presença de insuficiência cardíaca foi associada significativamente a maior risco de arritmias cardíacas (hazard ratio, 11,9; IC 95% 3,6-39,5; p<0,001). Em modelo ajustado para a presença de insuficiência cardíaca, a ocorrência de arritmias cardíacas foi associada a maior risco de mortalidade total (hazard ratio, 3,4; IC 95% 1,8-6,7; p<0,05). Durante o período de internação, 8 pacientes (3,3%), todos admitidos em UTI, foram atendidos em parada cardiorrespiratória e suas características clínicas são apresentadas na Tabela 3. A Figura 1 mostra a distribuição dos ritmos de parada cardiorrespiratória, sendo FV/TV em 2 pacientes (25%), AESP em 3 (37,5%) e assistolia em 3 (37,5%). Todos os pacientes atendidos em parada cardiorrespiratória evoluíram para óbito durante a internação. Neste estudo de coorte que incluiu pacientes consecutivos internados com COVID-19 em hospital de referência, a mortalidade geral foi de 26,6%, a incidência de arritmias, de 8,7% e a de parada cardiorrespiratória, de 3,3%. A taquiarritmia atrial foi mais comum, correspondendo a 76,2% das arritmias. A presença de insuficiência cardíaca foi a única variável associada a maior risco de arritmias cardíacas em análise multivariada. O tempo de internação de pacientes com arritmias foi maior do que o daqueles sem; isso pode se dever à necessidade de tratamento da própria arritmia ou representar a presença de maior complexidade e gravidade nos casos que desenvolvem arritmias. As séries iniciais mostraram incidência de arritmias cardíacas em pacientes com COVID-19 variando de 7% a 17%, porém não há descrição específica sobre o seu tipo. 7,10 Na coorte do estado de Nova York, a incidência de arritmias foi associada a diferentes combinações de drogas utilizadas para tratamento da COVID-19, variando de 10% a 20%, porém sem definição dos tipos de arritmia avaliados. 11 Em nosso estudo, não encontramos associação do uso de hidroxicloroquina com maior risco de arritmias. A incidência específica de cada tipo de arritmia foi descrita apenas recentemente. Dados de registro internacional que incluiu 1197 profissionais de eletrofisiologia mostram que fibrilação atrial foi a arritmia mais frequentemente descrita em pacientes com COVID-19. 12 Em estudo com 115 pacientes, a incidência de taquiarritmias atriais foi de 16,5%, sendo de 27,5% entre os admitidos em UTI. 8 Nosso estudo apresenta limitações que devem ser consideradas. O número de pacientes incluídos é relativamente pequeno, refletindo a experiência inicial de atendimento. Os pacientes internados em enfermaria não estavam em monitorização cardíaca contínua, assim, episódios de arritmia assintomáticos podem não ter sido relatados. O diagnóstico de arritmias foi obtido a partir da revisão dos registros de prontuário, sendo que em alguns casos a arritmia descrita foi visualizada apenas em monitor e não foi feito o registro em eletrocardiograma de 12 derivações. Não foram obtidos dados laboratoriais de marcadores de lesão e/ou disfunção miocárdica, como troponina e BNP, dados sobre formas de ventilação não invasiva, momento e doses no uso de drogas vasoativas, distúrbios hidroeletrolíticos e histórico prévio de arritmias, todos potencialmente associados à ocorrência de arritmias durante a internação. Trata-se de estudo com coleta de dados retrospectiva e em centro único terciário. Dessa forma, seus resultados não podem ser generalizados para outros cenários clínicos. Neste estudo de coorte de pacientes com COVID-19 internados em hospital de referência brasileiro, a incidência de arritmias cardíacas foi de 8,7%, sendo taquiarritmia atrial a mais comum. A presença de insuficiência cardíaca foi associada a maior risco de arritmias cardíacas. Pacientes com COVID-19 atendidos em parada cardiorrespiratória apresentam elevada mortalidade. Não há conflito com o presente artigo O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Não há vinculação deste estudo a programas de pósgraduação. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre sob o número de protocolo 12744919500005327. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. Brasília: Ministério da Saúde Cardiovascular Implications of Fatal Outcomes of Patients with Coronavirus Disease The Heart and COVID-19: What Cardiologists Need to Know Plasma Inflammatory Cytokines and Chemokines in Severe Acute Respiratory Syndrome Arrhythmias and COVID-19: A Review Human Immunopathogenesis of Severe Acute Respiratory Syndrome (SARS) Clinical Characteristics of 138 Hospitalized Patients with 2019 Novel Coronavirus-Infected Pneumonia in Wuhan, China Atrial Arrhythmias in COVID-19 Patients COVID-19 and Cardiac Arrhythmias Clinical Characteristics of Covid-19 in New York City Association of Treatment With Hydroxychloroquine or Azithromycin With In-Hospital Mortality in Patients With COVID-19 in New York State Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da licença de atribuição pelo Creative Commons