b'Jose\' Maria da Silva, \n\nCalcaci\xc2\xbb ci\xc3\xb2 Collegio \n\nN.\xc2\xb0 19. \xe2\x80\x94 PARA\' \n\n\n\n% LIBRARY OF CONGRESS. \n\nfi : \n\n8 Ctap.~&X..m.2~ \n\n\n\nShelf \n\n\n\n\xc3\xac \n\n\n\nUNETED STATES OF AMERSCA. \n\n\n\nC0D1G0 \n\nDO BOM TOM \n\n\n\nQUOD ENIM MUNUS RElPUBLIC^l MAJUS \nMELIUSVE OFFERRE POSSUMUS \nQUAM SI DOCEMUS ATQUE \nERUD1MUS JUVEN- \nTUTEM? \n\nQUE MAIOR E MELHOR SERVIO PO- \nDEMOS FAZER \xc3\x80 REPUBLIC A \nDO QUE ENSINARMOS \nE INSTRUIBMOS A \nMOCIDADE? \n\nGic, De Divinata \xc3\xac\xc3\xac, 4. \n\n\n\nPARIS,\xe2\x80\x94 TYP. PORTUG. DE SIM\xc3\x80O RAgON E COMP., RUA d\'erFURTH, 1 \n\n\n\nTROHTISPKIO \n\n\n\n\nCODIGO \n\n\n\nDO BOM TOM \n\nou \n\nREGRAS DA CMLIDADE E DE BEM VIVER \n\nNO XIX SECULO \nPOR J. I. ROQUETTE \n\nCONEGO DA S\xc3\x89 PATRIARCHAL \nPROFESSOR D\'ELOQUENCIA SAGRADA NO SEMINARIO DE SANTAREM \nCAVALHEIRO DAS ORDE.NS DE N. S. DA CONCEIC\xc3\x80O EM PORTUGAL \nE DA ROSA NO IMPERIO DO RRAZIL \nE SOCIO CORRESPONDENTE DA ACADEMIA REAL DAS SCIENClAS DE LISBOA. \n\n\n\nNOVA EDIQAO \n\nCorrigida e considera vdmente augmentada, \n\nCOM QUATRO ESTAMPAS GOLORIDAS \n\n\n\n\nPARIS \n\nV* j. p. aillaud, guillard e o \n\nLivreiros de Suas Mageslades o Imperador do Brazil e El-liei de Porlugal \n\nBUA SAINT-ANDR\xc3\x89-DES-ARTS, 47 \n\n\n\n18G7 \n\n\n\nADVERTENCIA \n\n\n\nSaiu \xc3\xa0 luz este Opusculo em 1845; trez edig\xc3\xb2es se \nt\xc3\xa8m publicado at\xc3\xa9 este anno de 1866, mas em nenhuma \nd\'ellas se fez mudanga notavel no seu conte\xc3\xb9do e redac- \ngao; m\xc3\xaco acontece por\xc3\xa9m assim nesta, que \xc3\xa9 a quarta, \nmas a que cliamaremos Nova EDiglo, porque effecti- \nvamente ha nella muita cousa nova, com os necessarios \nmelhoramentos que o tempo e as circumstancias pe- \ndiam, e que ham de agradar e ser uteis aos benevolos \nleitores. \xe2\x80\x94 Simplif\xc3\xaccaram-se alguns artigos que, para \nPortugal, eram algum tanto ditfusos; modificaram-se \noutros em harmonia com os novos usos que o tempo \ntem introduzido : entremearam-se varias anecdotas \nchistosas que dam amenidade ao estylo didactico do \nlivro ; e accresceram finalmente alguns Gontos moraes \n\n\n\n2 ADVERTENCIA. \n\nem que transluz a virtude modesta entrelagada com a \ncivilidade pollila, que fazem o verdadeiro ornamento \nd\'urna educag\xc3\xa0o desvelada. \n\nSuppoe-se nelle um Gentilhomem que saira de Portu- \ngal em 1834 com dous f\xc3\xaclhosde menor idade, orf\xc3\xa0os de \nsua m\xc3\xa0i, os quaes mandou educar em Franga, e a quem \nleva para a patria depois de dez annos de ausencia. \nComo remate da desvelada educag\xc3\xa0o que Ihes dora, en- \nsina-lhes n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 tudo o que pertence a civilidade e cor- \ntezia, mas em suas instrucgoes d\xc3\xa0-lhes muitos conselhos \nsaudaveis para bem viverem com os homens, e n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 \nemPortugal senao em Franga. Qual seja o plano e firn \nd\'estas instrucgoes facilmente se conhecera pela leitura \nda Introducg\xc3\xa0o. \n\nRece\xc3\xa0mos ter infringido o preceito de Horacio que \nnos diz sejamos breves quando demos preceitos 1 . Mas a \nvariedade de assumptos que foi mister tratar, dado que \nsuperficialmente, e o querermos seguir outro preceito \ndo mesmo Poeta Philosopho que o misturar o util com \no agradavel \xc3\xa9 o melhor melo dHnstruir seni enfastiar*, \nforam causa da diffusao de que talvez nos accusem, \nmas que n\xc3\xa0o temos por ociosa, antes por util para n\xc3\xa0o \n\n1 \xc2\xab Quidquid precipies, estobrevis. \xc2\xbb \n\nHoracio, De Artpoet. \n\n2 \xc2\xab Olirne (ulit punctum, qui miscuit utile dulci, \n\xc2\xab Lectorem delectando pariterque monendo. \xc2\xbb \n\nlbid. \n\n\n\nADVERTE\xc3\x8cNCTA. 3 \n\nca\xc3\xacr na obseuridade que \xc3\xa9 quasi inseparavel da brevi- \ndade\'% corno elle confessa. \n\nDas maximas que expendemos, algumas ach\xc3\xa0mos es- \ncritas em livros nacionaes e estrangeiros, outras sam \nf\xc3\xaclhas da experiencia acompanhada da reflex\xc3\xa0o. Tanto \numas corno outras sam de irmi frequente applicalo no \nseculo em que vivemos, e temos a firme convicg\xc3\xa0o que \nnenhum mal vira a quem por ellas se guiar. \n\nNenhum partido 011 opini\xc3\xa0o busque neste livro louvor \nnem vituperio, nem ainda allusoes que possam offender \nou lisongear ; leiam-no coni imparcialidade e acharao \ns\xc3\xb3 amor da verdade, desejo do bem publico, respeito e \nsubmiss\xc3\xa0o n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 \xc3\xa0s leis vigentes sen\xc3\xa0o aos veneraveis \nusosde nossos maiores, zelo talvez demasiado por tudo \nque \xc3\xa9 portuguez. \n\nBem quizeramos que o estylo ameno coni que lhe \ndemos principio podesse continuar at\xc3\xa9 o firn; mas, \npertencendo est\xc3\xa0 composito ao genero didactico n\xc3\xa0o \nadmittia tal adorno, e s\xc3\xb3 a poderiamos tornar menos \nfastidiosa com algumas anecdotas e digressoes, e assilli \no iizemos. \n\nSe nem sempre acert\xc3\xa0mos, culpa foi de nosso aca- \nnhado engenho, descuido do espirito desattento, n\xc3\xa0o \nm\xc3\xa0o desejo ou malicioso intento; e em nossa defesa in- \n\n5 \xc2\xab Dum brevis esse laLoro, obeurus ilo. \xc2\xab \n\nMd. \n\n\n\n4 \xc3\x80DVERTE1NCIA. \n\nvoc\xc3\xa0mos a benevola indulgencia do Lirico Romano, \nque fechou a boea aos criticos inexoraveis quando disse : \n\nNon ego paucis \n\n\xc2\xab Offendar macuiis, quas aut incuria fudit. \n\xc2\xab Aut humana parum cavit natura \xc2\xbb \n\nJ. I. ROQUETTE. \n\nParis, 1 de Novembro de 18G6. \n\n\n\nCODIGO \n\nDO BOM TOM \n\n\n\nREGRAS DE CIYILIDADE E DE BEAI VIVER \n\nNO XTX\xc2\xb0 SECULO \n\nLa v\xc3\xa9ritable politesse vient du coeur \nVauyenargues. \n\n\n\nIXSTRUCCAO PATERNA L \n\nA THEOPHILO E A EUGENIA \n\n\n\nINTRODUCCAO \n\nCircumstancias extraurdinarias e imprevistas me obri- \ngaram a sahir do ninho ineu paterno (para ine servir da \nmimosa espressilo de nosso immortai Camoes), e a pere- \ngrinar por estranhas terras, vendo povos e paizes que \nnunca vira, e ouvindo linguas e expressoes que nunca \nouv\xc3\xacra. Dez annos ha que o caro Tejo, e os crespos montes \nda fresca Cintra fugiram de meus olhos lacrimosos, \nsum indo-se no afogueado liorizonte que cinge o Atlantico. \n\n\n\n6 CODIGO DO BOM TOM. \n\nV\xc3\xb3s, caros f\xc3\xaclhos, junto de mim tristes e chorosos, ereis \nminha unica consolac\xc3\xa0o; em v\xc3\xb3s via debuxado o amado \nvulto d\'aquella com quem partilh\xc3\xa0ra minha existencia, \nd\'aquella que a injusta morte tao cedo roub\xc3\xa0ra de meus \nbracos, e em cujo sarc\xc3\xb3phago deix\xc3\xa0ra um corac\xc3\xa0o que \nsempre seu fora! Animado d\'aquelles santos, consoladores \nprincipios que com o leite beb\xc3\xa8ra, mais d\'urna vez levantei \nos olhos ao c\xc3\xa9o para adorar aquella Providencia que rege \no mundo, e por occultas vias conduz suavemente o homem \nao complemento de seus designios. Era a vez primeira que \natravessava as inquietas vagas do tumido Oceano; muitas \nvezes havia lido nos poetas, m\xc3\xb3rmente em Camoes, a \ndescripc\xc3\xa0o de suas bellezas e seus horrores; mas que dif- \nferenza entre ler o que do mar se diz, e sentir e ver o que \nsobre elle se passa ! Era naquella feliz estac\xc3\xa0o em que a \nloura Ceres reveste os campos, e o vicoso Baccho entre os \nverdes pampanos matiza d\'ouro e purpura seus primorosos \nfructos; sereno o ar, limpo o c\xc3\xa9o, manso o mar, vogava \ncom vento galerno o baixel que nos conduzia; nenhum \ntemor, nenhum receio d\'essas medonhas borrascas, que \npoem em sossobro os navegantes, me affligia; mas outros \ncuidados, outras inquietac\xc3\xb2es atormentavam o meu espi- \nrito, e por ventura com mais violencia! Minha imaginacao \nera continuamente assaltada da triste pintura dos males \npresentes e futuros que deviam pesar sobre nossa cara \npatria. Cidad\xc3\xa0o pacifico, obediente \xc3\xa0s leis, respeitador das \nautoridades, tendo caminhado sempre pela estrada real da \nhonra e do dever, nada tinha eu que receiar, nem a minha \nconsciencia me arguia de nenhum feio crime, mas previa \nque muitos de meus compatriotas. e por ventura alguns \nde meus amigos e parentes, passariam do fausto a parci- \nmonia, da opulencia a miseria, desceriam das honras \xc3\xa0 \nobscuridade, e deixariam os sumptuosos palacios da c\xc3\xb3rte \npara irem habitar as ruinas de modestos solares, e talvez \n\n\n\nISTRODUCQlO. 7 \n\nhumildes moradas; tambem previa grande mudarla e \ndecadencia em nossos antigos costumes ; por isso me re* \nsolvi, a grande pezar t\xc3\xacleu, a sair da patria para n\xc3\xa0o ser \ntestemunha de males, sempre inevitaveis em iguaes tir- \ncumstancias, de que n\xc3\xa0o tinha culpa, e a que n\xc3\xa0o podia \ndar remedio. Sabia al\xc3\xa9m d\'isso que o mar da politica \xc3\xa9 \nsempre agitado e tempesiuoso, e que por vezes levanta tao \nfuriosas ondas que rebentam em fior centra tudo que \ncncontram, e fazem t\xc3\xa0o grande escarc\xc3\xa9o que n\xc3\xa0o ha piloto \nque saiba sope\xc3\xa0l-as, nem navio que possa venc\xc3\xa8l-as; quiz \npois deixar passar essas vagas procellosas, em que muitos \npor imprudencia naufragaram, e esperar em terra estra- \nnila a desejada bonanca para regressar aos patrios lares, \n\nOutro pensamento occupava continuamente meu espi- \nrito : era vossa educac\xc3\xa0o, meus f\xc3\xaclhos. Quanto a mim bem \nsabia eu que meu primeiro dever era instruir-me, por \ntodos os meios que estivessem ao meu alcance, para poder \ninspeccionar vossa educac\xc3\xa0o, visto que eu a n\xc3\xa0o podia \nfazer s\xc3\xb3. Comecei desde logo a estudar commigo mesmo \ntodos os meios para que ella fosse o mais perfeita possivel. \nEste era o meu unico cuidado, este o pensamento de que \nsempre estive preoccupado. Mais d\'urna vez ponderei os \ninconvenientes d\'urna educac\xc3\xa0o feita em terra estranila, e \nem collegios d\'outra nac\xc3\xa0o; previa que os alumnos, vindo \nem tenra idade, aprendt m sim com perfeic\xc3\xa0o as linguas \nestrangeiras, mas esquecem a propria, a ponto de se lhes \ntornar estranila, e o que mais \xc3\xa9, adquirem habitos, id\xc3\xa9as \ne usos que n\xc3\xa0o sam os da sua terra, e quando voltam, \nacham-se nella estranhos e descontenles,preferindo muitas \nvezes a madrasta \xc3\xa0 m\xc3\xa0i patria. Maiores eram por\xc3\xa9m os \ninconvenientes de vossa educac\xc3\xa0o feita em Portugal em \nt\xc3\xa0o tristes tempos. \n\nTinba eu lido em minha mocidade no precioso livro de \nMassillon Petit Caverne, que os estrangeiros vinham em \n\n\n\n8 \n\n\n\nGODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nclmsma estudar a Franca os costumes d\'este povo para \ndepois os transportarem a seus paizes, e que at\xc3\xa9 os filhos \nde soberanos estrangeiros deixavam o esplendor e a ma- \ngnificencia de suas cortes para virem estudar corno ho- \nmens particulares a polidez e a civilidade franceza 4 ; \nformei por tanto desde logo o projecto de vos educar em \nFranca, reservando para mais tarde a escolha do collegio \ne casa de educacao que mais conviesse a ti, Theophilo, e a \ntua irm\xc3\xa0 Eugenia. \n\nAbsorto nestas id\xc3\xa9as passei o primeiro dia de viagem, e \nainda urna parte da noite. Com o corac\xc3\xa0o em Portugal, os \nolhos em v\xc3\xb3s, e o sentido na Franca, n\xc3\xa0o dei attencao a \nampolheta que seis vezes f\xc3\xacltr\xc3\xa0ra a movedi^a areia depois \nque o sol se escond\xc3\xa8ra. navio jazia quedo corno se esti- \nvesse pregado no fundo, o mar liso corno um espelho, a \nlua com seus brilhantes raios argentava os vastos campos \nneptuninos, cuja immensidade harmonizava com a im- \nmensa abobada d\'estrellas recamada. aprazivel silencio \nde que ent\xc3\xa0o gozava favorecia os devaneios de minha ima- \nginac\xc3\xa0o, que ora estremecia com a lembranca do passado, \nora se consolava com a esperanca do futuro. Ouvia-se \ns\xc3\xb3mente d\'espaco a espa^o bater a v\xc3\xa9la bamba no duro \nmastro, quando ligeira bafagem a agitava. Tu, Theophilo, \nque ent\xc3\xa0o tinhas oito annos, sentado junto de mim sobre \num cabo tinhas adormecido encostando a cabeca no meu \nlado, e tu, Eugenia, que a penas tinhas seis annos, assen- \ntada no meu collo tinhas pegado no somno. Ao ver o \nsocego com que dormieis, e o ar de innocencia que trans- \n\n1 \xc2\xab Les \xc3\xa9trangers (en France) y viennent en foule \xc3\xa9tudier nos mceurs, \net les porter ensuite dans les contr\xc3\xa9es les plus \xc3\xa9loign\xc3\xa9es; nous y \nvoyons m\xc3\xa8me les enfants des souverains s\'\xc3\xa9loigner des plaisirs et de \nla magnif\xc3\xaccence de leur cour, venir ici comme des hommes priv\xc3\xa9s \nsubstituer \xc3\xa0 la langue et aux mani\xc3\xa8res de leur nation la politesse \nde la n\xc3\xb3tre. \xc2\xbb [Petit Cav\xc3\xa8rne, sermon l er , 2 e partie.) \n\n\n\nIMRODUCC\xc3\x80O. 4 J \n\nluzia em vossos semblantes, levantei os olhos ao c\xc3\xa9o, e \ndentro em mini mesmo fiz est\xc3\xa0 orac\xc3\xa0o : \n\n\xc2\xab Anjo tutelar, que desde o berco da Monarchia proteges \na gente lusitana; tu, que fortaleceste o egregio braco \ndo grande Aflbnso para alcar victoriosas as sagradas \nQuinas sobre as meias luas musulmanas; tu, que inspi- \nraste amor da patria eximio e fero no peito nobre do \nprimeiro Jo\xc3\xa0o; tu, que ao venturoso Manoel abriste os \nthesouros do Oriente; tu, que em tao difficeis transes \nsalvaste est\xc3\xa0 porc\xc3\xa0o escolhida das garras de seus inimi- \ngos, salva-a tambem agora da hydra medonha da anar- \nchia, nao consintas que mais urna gota de sangue portu- \nguez se derrame no patrio solo ; v\xc3\xa9la pelo deposito sa- \ngrado da F\xc3\xa9, antiga heranca do povo f\xc3\xacdelissimo ; guarda \ntambem estas innocentes criaturas que ora peregrinam \nsem mais amparo que o d\'uni pai desconsolado e afflicto; \na leu cuidado as confio; nao consintas que a contagi\xc3\xa0o \nda culpa manche sua innocencia; faze que, educadas \nnas santas maximas de nossos pais, e nos honrados \nprincipios d\'aquelles que tornaram celebre o nome por- \ntuguez, possam regressar a cara palria, e ser-lhe uteis \ncom seus talentos e virtudes. \xc2\xbb \n\nFeliz me considero hoje, meus f\xc3\xaclhos, porque minhas \nsupplicas foram ouvidas sen\xc3\xa0o em ludo ao menos em \nparte; vejo que haveis terminado vossa educac\xc3\xa0o d\'urna \nmaneira brilhante, e que a Patria, j\xc3\xa0 nao agitada de \nface\xc3\xb2es, mas pacifica e desvelada, vos abre os bracos para \nvos receber em seu seio. \n\nBem sabeis, meus f\xc3\xaclhos, qual Ibi a minha solliciludc \ndurante os dez annos que estivestes nos collegios; nao se \npassava quasi dia nenlium em que nao fosse ver-vos, e \nlembrados estareis que nunca pei dia occasi\xc3\xa0o de vos \nfallar da nossa Patria e das nossas cousas, e que nos dias \nde so\xc3\xa9to, e nas fenas vos ensinava a historia de Portugal ; \n\nl. \n\n\n\n10 CODIGO DO BOI TOM. \n\nvia com prazer que tomaveis grande interesse pelos heroi- \ncos feitos de nossos maiores, e que lieis com avidez a vida \nde D. Jo\xc3\xa0o de Castro, de Fr. Bartholomeo dos Martyres, e \no inimitavel poema dos Lusiadas; nao foi pequeno o tra- \nballio que tive em fazer que, ao mesmo tempo que adqui- \nrieis a pronuncia franceza pura e desembara^ada, conser- \nvasseis a nossa sem mistura, e que ao mesmo passo que \nfazieis progressos na lingua de Racine e F\xc3\xa9nelon os f\xc3\xaczes- \ns?is egualmente na de Camoes e Vieira. Algamas vezes vos \ninfastiaveis quando eu insistia sobre varias miudezas da \nGrammatica, e quando vos fazia frequentes comparacoes \nentre urna e outra lingua, mostrando-vos a differenza \nessencial que ha entre ellas, e os torpes erros em que \nmuitos caem por nao saberem os principios fundamentaes \nd\'urna e outra; mas agora j\xc3\xa0 conheceis quanto eu tinha \nraz\xc3\xa0o, e dentro em pouco melhor apreciareis as minbas \nimpertinencias quando virdes no trato dos homens que \nnao \xc3\xa9 lido por bem criado aquelle que nao sabe bem a \nsua lingua. \n\nTenho-me por muito feliz, meus filhos, de ver vosso \naproveitamento, porque, segundo se diz em Franca, a \neducac\xc3\xa0o dos filhos \xc3\xa9 urna loteria, e eu posso gabar-me de \nter tido a sorte grande. Resta-vos por\xc3\xa9m ainda, meus \nfilhos, muito a aprender; urna nova escola vai abrir-se \npara v\xc3\xb3s, a escola do mundo, o trato dos homens, o com- \nmercio da sociedade; escola rnuitas vezes mais indulgente \ndo que as classes dos collegios, mas algumas vezes mais \nexigente e mais austera do que ellas. A sociedade tem \ntambem sua grammatica, que \xc3\xa9 necessario estudar, e os \nque desprezam suas regras se nao levam palmatoadas, ou \noutro qualquer castigo, sam olhados corno homens sem \neducac\xc3\xa0o, e rnuitas vezes rejeitados de seu seio. E corno \nnem sempre me podereis ter ao vosso lado para vos adver- \nlir do que deveis fazer em taes e taes casos, quero dar-vos \n\n\n\nINTRODUCCAO. 11 \n\npor esento algumas regras de civilidade e de bem viver, \nque vos ser\xc3\xa0o irmi uteis em todo o curso de vossa vida. \nEstas regras que tenho a dar-vos sam tanto mais necessa- \nrias, quanto \xc3\xa8 eerto que nos collegios de Franca, ainda os \nmelhores, de balde se busca hoje aquella antiga polidez e \nurbanidade que era nelles outr\'ora tao ordinaria 1 . Ensinar- \nvos-hei tudo que deveis saber para vos apresentardes \ndignamente em qualquer sociedad\xc3\xa8, assira porfugueza \ncorno franceza. \xc3\x88nao penseis que estas regras sam arbi- \ntrarias : n\xc3\xa0o, meus filhos, sam outras tantas leis que \xc3\xa9 \nmister observar; eu as encontrei escritas em livros, e \nrigorosamente observadas nas sociedades e no trato do \nmundo; e se v\xc3\xb3s tendes sido at\xc3\xa9qui doceis a todos os \nconselhos de vosso pai, espero que tambem agora o sereis. \nouvindo e pondo por obra tudo o que \xc3\xa0cerca da civilidade \ntenho a dizer-vos; e coni o andar do tempo conhecereis \nquanto sam uteis as regras de bem viver que me proponilo \na dar-vos. \n\nNem penseis, meus filhos. que sou eu o primeiro pai \nque tomo a rneu cargo est\xc3\xa0 sorte d\'instrucc\xc3\xa0o, tao neces- \nsaria aos mancebos e as donzellai que comecam a appa- \nrecerna sociedad\xc3\xa8. Lord Chesterfield, quando era Ministro \nd\'El-Rei d\'Inglaterra, consagrava urna parte do seu tempo \na escrever a M. Sianhope, seu f\xc3\xacllio, d\'idade de sete \nannos, sobre objectos que a milita gente pareceriam \npueris, mas que elle, estadista e homem do mundo, con. \nsid orava corno graves. Suas cartas estara cheias de con- \nselhos sobre a maneira d\'entrar Duma sala, de se assen- \n\n1 N\xc3\xa0o avango nada de minha cabega; \xc3\xa9 o P e L\xc3\xacaulard, fundador do \nCollegio Stanislao, que fallando da necessidade de \xc3\xac eformar a educa- \ng\xc3\xa0o em Franca, diz : \xc2\xab Je doute qu\'ils aient jairais beaueoup r\xc3\xa9tl\xc3\xa9chi \nsur les principes d\'une \xc3\xa9ducatioo propre a r\xc3\xa9g\xc3\xa9n\xc3\xa9rer la famille, et \na nous rappeler \xc3\xacnsensiblement \xc3\xa0 eetie ancienne douceur, \xc3\xa0 eelte \ngaiet\xc3\xa9 douce et a cette exqu\xc3\x8cM urbauit\xc3\xa9 qui ont fait longtenips \nnotre bonheur et notre gioire. x> M\xc3\xa9iu. de l\'abb\xc3\xa9 Liautard, II, 83.) \n\n\n\n12 \n\n\n\nCOMGO DO BOI TOM. \n\n\n\ntar, e de sair d\'ella; sobre o modo de estar \xc3\xa0 mesa, no \ntheatro, no passeio, na igreja : nada lhe esquece, nem \nmesmo a advertencia de se assoar a miudo, com aceio e \nsem ruido... V\xc3\xb3s talvez acheis n\'esta advertencia um mo- \ntivo de riso, mas eu que conheco o mundo melhor que \nv\xc3\xb3s, n\xc3\xa0o vejo n\'isto sen\xc3\xa0o urna sollicitude paternal que se \nestende a tudo, que se occupa das mais miudas particula- \nridades, e que quer achar a perfei^\xc3\xa0o no objecto de sua \nternura. Como v\xc3\xb3s, meus f\xc3\xaclhos, M. Stanhope tinha sido \neducado longe de seu pai, e muito mais longe que v\xc3\xb3s, e \nn\xc3\xa0o tinha elle a fortuna de o ver a miudo e de ouvir seus \nconselhos; por isso n\xc3\xa0o serei eu t\xc3\xa0o minucioso, e n\xc3\xa0o \nperderei o tempo em vos dizer o que j\xc3\xa0 sabeis. \n\nMuitas vezes vos disse que entre as provincias e a capital \nha certa differenza no modo de viver corno na maneira de \nfallar, mas que a capital d\xc3\xa0 a lei \xc3\xa0s provincias em tudo. \nVersam ordinariamente estas differen^as sobre costumes, \nusos e expressoes que facilmente se aprendem quando \nn\'isto pomos nosso cuidado e attenc\xc3\xa0o ; e \xc3\xa9 sem duvida a \nest\xc3\xa0 grande facilidade de adquirir o tom e as maneiras \nque agradam, que se deve attribuir a severidade da boa \ncompanhia para com as pessoas que n\xc3\xa0o curami ou desde- \nnham de se submetter a suasleis. \n\nEnaverdade, teremos por ventura direito de queixar-nos \ndo mundo, quando elle consente em julgar-nos pelo nosso \nporte, nossos discursos e nossas ac^\xc3\xb2es publicas? Muito se \ntem gritado contra a tyrannia d\'urna porc\xc3\xa0o da sociedade \nque classificava as pessoas, dizia-se,por urna express\xc3\xa0o ou \npor urna cortezia; mas o que aconteceria a milhares de \nmdividuos se, para serem admittidos n\'esta sociedade, \nlhes fosse necessario apresentar foiba corrida, e dar pro- \nvas de virtudes, saber, e todos esses merecimentos que \npedem longo exame? Usa-se de precauc\xc3\xa0o quando setrata \nd\'escolher um amigo; mas para povoar urna sala em dia \n\n\n\nINTRODUCQAO. 15 \n\nde concerto ou de baile \xc3\xa8 desnecessario tornar tantas pre- \ncauc\xc3\xb2es : meia bora de conversalo basta para tornar \nconbecimento com urna pessoa beni criada; e facilmente \ntrav\xc3\xa0mos amizade com ella, se com o tempo conbecemos \nque o interior corresponde \xc3\xa0s apparencias. N\xc3\xa0o \xc3\xa9 pois a \nfrivolidade, sen\xc3\xa0o a benevolencia, o amor social, e a \nurbanidade que trouxeram entre os povos civilizados o \nbabito de julgar ao principio superficialmente. Emfim, \nainda mesmo suppondo que a boa companbia \xc3\xa9 nesta \nparte injusta, tornou-se em certo modo est\xc3\xa0 in j Ustica uni \ndireito que ninguem contesta quando p\xc3\xb3de satisfazer a \nelle. Em vez de declamar contra urna exigencia que se \ncontenta com tao pouco, deve a maioria bemdiz\xc3\xa8l-a, \nporque em seu proveito \xc3\xa9 que as cousas se acbam assim \nestabelecidas. \n\nSabeis, meus filhos, d\'onde nascem as maneiras deli- \ncadas e polidas, as maneiras que encantam? D\'urna vir- \ntude inberente a natureza human a, d\'urna virtude evan- \ngelica sobre todas as outras, da cari\xc3\xa0tide... A verdadeira \npolidezvem do covacelo, disse um sabio de grande juizo l . \n\nE na verdade, em que consiste o ser perfeitamente po- \nlido, sen\xc3\xa0o em experimentar o desejo de ser util, e agra- \ni 1 iv 1: e de resolver-se a fazer, para o conseguir, muitis- \nsimas concess\xc3\xb2es e saerif\xc3\xaccios agradaveis aos outros, e que \nos convencam de que preferimos sua satisfac\xc3\xa0o \xc3\xa0 nossa? \nQue diz da caridade o bomem de mais profundo juizo dos \nantigos seculos 1 ? Ella \xc3\xa9 paciente, \xc3\xa8 benigna ; n\xc3\xa0o \xc3\xa9 inve- \njosa, n\xc3\xa0o obra temeraria, nem precipitadamente, m\xc3\xaco se \nensoberbece, n\xc3\xa0o \xc3\xa9 ambiciosa, n\xc3\xa0o busca os seus proi>rios \ninteresses, n\xc3\xa0o se irrita, n\xc3\xa0o suspeita mal, n\xc3\xa0o folga com \na injustica, mas folga com a verdade; tudo tolera, tudo ere, \n\n1 Vauvenargues. \n\n- S. Paulo, Ep. I aos Corinti!., cap. 15, v, c!c. \n\n\n\nU CODIGO DO BOM TOM, \n\nludo esper\xc3\xa0, ludo soffre. Se a isto juntarmos algumas for- \nmulas, sera o verdadeiro Christ\xc3\xa0o o homem mais distincto \nda sociedade, o palaciano mais digno de servir de modelo \nque no mundo se poder\xc3\xa0 encontrar. \n\nN\xc3\xa0o vos assusteis, meus filhos, com a palavra pala- \nciano : bem sabeis qual \xc3\xa9 a minila maneira de pensar a \nrespeito dos aduladores que cercanti os Reis. Estareis lem- \nbrados que vos dei a ler mais d\'urna vez aquelle serm\xc3\xa0o \ndo P e Antonio Vieira que elle pr\xc3\xa9gou na capella real con- \ntra os aduladores, em que sustentou que eram elles os \nmaiores inimigos dos Reis e dos povos ; n\xc3\xa0o \xc3\xa9 pois d\'estes \nque eu fallo, sen\xc3\xa0o d\'aquelles genlishomens que t\xc3\xa8m em- \nprego no palacio dos Reis, e por isso se chamam palacia- \nnos, ou que sam admittidos na sua c\xc3\xb3rte, e por isso se \nchamam tambem cortezdos. Posto que estes nomes sejam \nquasi sempre tomados a ma parte por isso que nas cortes \ne palacios \xc3\xa9 onde mais reina a intriga, a duplicidade e a \nlisonja, devemos com tudo reconhecer que \xc3\xa9 est\xc3\xa0 a melhor \nescola para aprender as boas maneiras, as express\xc3\xb2es esco- \nlhidas, a polidez, a urbanidade e um certo ar e boni tom, \nque annunciam o illustre nascimento e a boa criac\xc3\xa0o. \nN\xc3\xa0o imiteis, meus filhos, os defeltos dos palacianos e dos \ncortez\xc3\xa0os, mas imitai sua polidez e suas maneiras agra- \ndaveis. \n\nTu, Theophilo, pensa e obra corno philosopho Christ\xc3\xa0o, \nmas reveste teus pensamentos e acc\xc3\xb2es da polidez e urba- \nnidade que reina nas cortes; e tu, minila filila, segue os \nprincipios austeros da mulher forte, mas sa\xc3\xb9da corno \nurna fidalga, e esforca-te por adquirir seu fallar suave, e \naquelle ar Veservado e ao mesmo passo naturai que an- \nnuncia a modestia seni d\'ella fazer gala. \n\nJ\xc3\xa0 vos disse, meus filhos, que a verdadeira polidez era \ninspirada pela caridade e por um boni corac\xc3\xa0o : \xc3\xa9 isto tao \nVerdade que em minhas longas viagens n\xc3\xa0o encontre \n\n\n\nD\'TRODUCC\xc3\x80O. \n\n\n\nio \n\n\n\nnunca urna Freira que tivesse mas maneiras, e entre os \ncamponezes e trabalhadores que tenho conheeido, notei \nalguns que se distinguiam prodigiosamente entre seus \niguaes por certos modos que pareciam ser o resultado \nd\'urna educae\xc3\xa0o desvelada, sendo que so provinham de \nseu exeellente naturai. Por\xc3\xa9m a boa companhia tem adop- \ntado certos costumes, cerlas palavras. certas evpress\xc3\xb2es, \nque se n\xc3\xa0o adivinham ; urna ridicula presumpe\xc3\xa0o faz des- \ndenhar seu estudo, e muitas vezes o orgulho mesclado \nd\'inveja chega ao ponto d\'inspirar uni odio que n\xc3\xa0o tem \noutro fundamento sen\xc3\xa0o urna superioridade incontestavel \nna lingaagem e nas maneiras. Compaclee\xc3\xa0mo-nos d\'est\xc3\xa0 \nfraqueza do espirito humano mas n\xc3\xa0o a partilhemos; \nquanto a mini, quero antes modelar-me por uni Fidalgo \nda corte, quando se Irata de relae\xc3\xb2es soeiaes, do que pelos \npleb\xc3\xa8os que Ihe fazem as casacas, os sapatos e as cabellei- \nras, se beni que vos declaro que ha alfaiates, sapateiros e \ncabelleireiros cuja alma \xc3\xa9 mais pura que a de muitos Reis... \nMas n\xc3\xa0o \xc3\xa9 o me\'u inlento fazer agora uni curso de mora}, \ne ja me tenho bastante afastado do objeeto que me propuz. \n\n\xc3\x89 necessario couvirmos n\'uma colisa, meus filhos, e \nveni a ser, que me n\xc3\xa0o haveis de perguntar porque subsiste \ntal uso, porque \xc3\xa9 reputado de m\xc3\xa0o gosto tal express\xc3\xa0o, e \nporque a sociedade mesma que fez estas leis, as n\xc3\xa0o mo- \ntivou; a este respeilo acontece corno coni as differentes \nlinguas que se fallam sobre a terra : nunca as aprendemos \nbeni sen\xc3\xa0o quando consentimos em aceit\xc3\xa0l-as coni aquellas \ntransposic\xc3\xb2es de syntaxe que ao principio nos parecem l\xc3\xa0o \nestranbas, coni aquellas palavras que por nu\xc3\xb9to tempo n\xc3\xa0o \nt\xc3\xa8m para n\xc3\xb3s analogia alguma, coiti aquelles idiotismos e \ncaprichos que nos parecem t\xc3\xa0o desarrazoados, mas que \nconstituem sua phvsionomiae caracter. \n\nDesde minha infancia, uni mentre que Uve me fazia \naprender as regras de civilidade ntim livro que liiiha por \n\n\n\n16 CODIGO DO BOM TOM. \n\ntitillo Escola de Politica, e que ainda hoje se l\xc3\xa8, posto que \nos costumes e usos actuaes distem mais d\'um seculo dos \nd\'aquelle tempo. Este livro cont\xc3\xa9m muitas instruccoes, que \nn\xc3\xa0o t\xc3\xa8rn applicac\xc3\xa0o alguma, e outras que provocam o \nriso. Quem se n\xc3\xa0o rir\xc3\xa0 hoje lendo os Alvar\xc3\xa0s sobre os tra- \ntamentos, as pragmaticas em que se marcam os feitios \ndas casacas, e das vestias, e quantas algibeiras devem ter? \nQuem n\xc3\xa0o ter\xc3\xa0 corno ridiculo tudo que ali se diz \xc3\xa0cerca \ndas f\xc3\xacv\xc3\xa9las, do espadim, da cabelleira, etc.,?! Isto nao \nobstante, meus iilhos, devo dizer-vos que nelle ha boas \ncousas, as quaes eu n\xc3\xa0o desprezarei sempre que vos pos- \nsam ser uteis para conhecerdes os nossos usos e costu- \nmes, mas deixarei em esquecimento tudo o que \xc3\xa9 ridi- \nculo e inutil, nem vos fallarei de cousas insignificantes \nque v\xc3\xb3s j\xc3\xa0 ha muilo conheceis por habito, e s\xc3\xb3 vos darei \nas regras do bom tom e da civilidade actualmente seguidas \nem quasi toda a Europa, n\xc3\xa0o me descuidando nunca de \nvos advertir d\'algumas differencas que existam entre os \nusos da nossa Capital e da Franca, que desde o reinado de \nLuiz XIV est\xc3\xa0 na posse de impor suas leis de civilidade \xc3\xa0 \nEuropa, assim corno suas modas. \n\nN\xc3\xa0o quero que ignoreis, meus filhos, que n\'estes ullimos \ntempos (depois de 1850) em que grandes mudancas se t\xc3\xa8m \nproduzido na sociedade, muitas pessoas t\xc3\xa8m tratado de \npuorilidades a maior parte das exigencias da civilidade \nmoderna. N\xc3\xa0o deis ouvidos aos que assim fallarem, antes \naccreditai e tende corno verdade fundamental, que em \nmateria de civilidade n\xc3\xa0o ha nada pueril. A civilidade, ou \npara fallar urna linguagem mais moderna, a policlez n\xc3\xa0o \xc3\xa9 \noutra cousa sen\xc3\xa0o a manifestac\xc3\xa0o, a prova visivel, e por \nassim dizer palpavel, da bondade de cada qual que deve \nsempre transluzir no trato do mundo. E a moeda cunhada \ncom o metal precioso composto das virtudes amaveis que \nencerram os corac\xc3\xb2es generosos. \xc3\x89 a benevola affirmac\xc3\xa0o \n\n\n\nIN\'TRODUCCAO. 17 \n\ndos sentimenlos elevados, dos instinctos de obsequio e \ndedicac\xc3\xa0o. Em urna palavra, \xc3\xa9 a qualidade por excellencia \nque revela todas as outras qualidades, applicando ao bem- \nestar, a satisfac\xc3\xa0o de todos, at\xc3\xa9 mesmo as virtudes mais \nrecatadas que reservam seu encantos para aformosear o \nlar domestico, e que s\xc3\xb3 se exercem no cimilo da familia \ne no recinto da intimidade. \n\n\xc2\xab Se a verdadeira polidez vena do corac\xc3\xa0o, \xc2\xbb corno ha \np ou co vos disse, ficai sabendo que : \xc2\xab Para ser polido \xc3\xa9 \nmister ser bom. \xc2\xbb \n\nComecarei pelo objecto mais importante, que \xc3\xa9 o que \ndeveis a Deos. \n\n\n\nCAPITULO PRIMEIRO \n\nDA IGREJA \n\n\n\nQuando vos fallo da igreja, meus f\xc3\xaclhos, n\xc3\xa0o \xc3\xa9 para re- \nnova r as instruccoes que recebestes em vosso Catecismo \nsobre o respeito que \xc3\xa9 devido a casa do Senhor, que s\xc3\xb3 \ndeve ser destinada \xc3\xa0 ora$\xc3\xa0\xc3\xb3 e contemplac\xc3\xa0o das cousas \ndivinas ; estou bem certo que nada ignorais do que a Reli- \ngi\xc3\xa0o exige de v\xc3\xb3s quando entrais no tempio augusto do \nDeos trez vezes santo; com tudo, corno nas igrejas vos \nachais em companhia de differentes pessoas, e corno muitas \nvezes entrareis nas igrejas e templos por differente motivo \nque o de orar, cumpre que saibais a maneira de vos com- \nportar em taes casos. \n\nTirar o chap\xc3\xa9o \xc3\xa9 um signal de respeito que deveis dar \nem primeiro lugar, e ainda antes de por o p\xc3\xa9 na igreja; \nfosseis v\xc3\xb3s d\'outra religi\xc3\xa0o, seria urna loucura ou urna in- \nsolencia obrar de outro modo, quando entrais muito por \nvosso gosto num lugar onde o uso exige que se esteja com \na cabeca descoberta. \n\nA este respeito contar-vos-hei urna anecdota acontecida \nem Pariz, bavera seis annos, que eu mesmo presence\xc3\xa8i. \nNum enterro de grande pompa d\'um Par de Franca, acha- \nva-se um convidado amigo do defuncto, mas protestante, \nsegundo parecia, ou m\xc3\xa0o Christao; todo o cortejo se des- \n\n\n\nDA IGREJA. 19 \n\neobriu ao entrar ria igreja* s\xc3\xa9 aquelle senhor ficou com o \nchap\xc3\xa9o ria oabeca; vendo isto o Parodio, mandou-lhe dizer \npelo bede], que na igreja n\xc3\xa0o era costume ter o chap\xc3\xa9o na \ncabeca; n\xc3\xa0o fez nenhuin caso o incivil convidado, antes \npareceu fazer mola da advertencia; o Parodio, que era \nhomem prudente e de tino, chegou-se para o p\xc3\xa9 d\'elle, e \ncom boas palavras dissellile : i Se V. S. n\xc3\xa0o respeifa a \nigreja, respeite os despojos mortaes de s\xc3\xa9ti amigo, e estes \nSenhores que veni tributar-lhes as ultiraas honras; beni \ncreio que em sua casa d\'elles n\xc3\xa0o estaria V. S. coni o \nchap\xc3\xa9o na cabeca. i Ficou o homem confuso, n\xc3\xa0o leve \nque respond\xc3\xa8r ao boni do Parodio, e pediu-lhe mil per- \ndoes, dizendo que era distracelo. \n\nSirva-vos isto de lic\xc3\xa0o, \xc3\xa9specialmente a Theophilo, que \npor qualquer circumstancia p\xc3\xb3de alguma vez entrar rial- \ngum tempio que n\xc3\xa0o seja cattolico, e onde se deve sempre \ndescobrir, e mostrar-se grave erespeitoso. \n\nSe entrardes na igreja com ama senhora, deveis dar-lhe \nagua beuta, tendo cuidado de tirar aluva; porque deveis \nter notado que em muitas ceremonias religiosas, assim \ncorno nas relacoes materiaes que se t\xc3\xa8m coni os principes, \nexige a etiqueta que as m\xc3\xa0os estejam nuas : isto \xc3\xa9 contrario \nao uso n\'outras occasioes; mas supponilo eu que embara- \ncando as luvas o livre movimento das m\xc3\xa0os, e podendo \npor isso ser causa de muitos desasos, decidiu-se que se \ndeviam tirar para evitar todos os inconvenienles. \n\nDeveis-vos conservar de p\xc3\xa9, de joelhos ou assentados, \nconio estiverem todos cs mais. So vos recommendo com \ngrande instancia que, se vossa devoc\xc3\xa0o se n\xc3\xa0o satisfaz \nsen\xc3\xa0o coni a prostrac\xc3\xa0o, ou outra qualquer postura que \nn\xc3\xa0o \xc3\xa9 ordinaria, podeis inni beni faz\xc3\xa8l-O, mas n\xc3\xa0o lanceis \nuni olhar desdenhoso ou colerico para aquelles que junto \nde v\xc3\xb3s estam assentados, ou se contentali] coni fazer urna \ninclinac\xc3\xa0o; e ainda milito menos tenhais a liberdade de \n\n\n\n20 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nos advertir que mudem de posic\xc3\xa0o. Curvai, meus f\xc3\xaclhos, \nvessa fronte at\xc3\xa9 ao ch\xc3\xa0o; mas n\xc3\xa0o seja isto urna demons- \ntrac\xc3\xa0o va; seja humilde vosso corac\xc3\xa0o, e n\xc3\xa0o julgareis \nterdes direito a reprehender vosso proximo. Muitos man- \ncebos tenho eu visto com pretenc\xc3\xa0o de beatos que n\xc3\xa0o \npodem imaginar que urna pessoa fraca, ou que tem urna \nenfermidade occulta necessite d\'urna posic\xc3\xa0o differente da \nque elles affectam ; vi-os algumas vezes dirigir a imi velho \nou a urna mulher achacada o que elles chamavam urna \nadvertencia caridosa; mas n\xc3\xa0o creio que elles saissem \nmais justificados da igreja que o orgulhoso phariseo do \nEvangelho. N\xc3\xa0o obstante dar-vos este conselho, devo con- \nfessar-vos que muitas vezes me tem custado o calar-me \nquando me tenho achado na igreja ao lado de pessoas, que \nfallarci alto, ou estam sempre a conversar, ou, querendo \naffectar muita devog\xc3\xa0o e fcrvor, canlam mais de rijo que \nos Padres, tornando por isso impossivel todo o recolhi- \nmento. \n\nQuando entrares, meu fillio, n\'uma igreja para visitar \nos paineis, as estatuas ou outros quaesquer objectos d\'arte, \ne n\xc3\xa0o para fazer orac\xc3\xa0o, deves escolher as horas em que se \nn\xc3\xa0o celebrarci as missas ou fazem os officios divinos ; deves \nsempre fallar baixo, e andar pausadamente, n\xc3\xa0o dar o \nbraco \xc3\xa0s senhoras, e conservar urna compostura de corpo \nrecatada e respeitosa; e nunca s\xc3\xa0ias sem ajoelhar diante \ndo aitar onde estiver o Santissimo, e fazer urna breve ora- \nc\xc3\xa0o. Em rigor deve ser est\xc3\xa0 a primeira cousa por onde \nhas de principiar quando entrares na casa de Deos. \n\nEm Franca, se quizeres passar por bem criado, deves \nceder tua cadeira a urna senhora, a um velho, a urna pes- \nsoa que mostra alguma enfermidade, as quaes, se sua \neducac\xc3\xa0o n\xc3\xa0o \xc3\xa9 inferior a tua, recusar\xc3\xa0o o teu offereci- \nmento, ou n\xc3\xa0o o aceitar\xc3\xa0o sen\xc3\xa0o depois de grandes ins- \ntai! cias, e desfazendo-se em agradecimentos. N\xc3\xa0o sei se o \n\n\n\nDA IGREJA. 21 \n\nuso das cadeiras nas igrejas se acha introduzido em Por- \ntugal, mas se o estiver, faze o que te recommendo que \nfacas em Franca, e merecer\xc3\xa0s os louvores das pessoas \nsensatas e bem criadas. \n\nQuando fordes, meus f\xc3\xaclhos, ver alguma igreja, se o \nbedel, o sacrist\xc3\xa0o, ou outro qualquer empregado vos \nacompanhar, e vos mostrar o que ha de notavel, dai-lhe \ngratificaci\xc2\xae, segimdo for o estylo, n\xc3\xa0o espereis que elle \nvol-a peca, e no firn agradecei-lhe com urbanidade. Se vos \nassentardes em cadeira ou banco, em igrejas em que liaja \neste costume, pagai o aluguer que vos pedirem sem alter- \ncar com a pessoa que o recebe; evitai quanto poderdes \nbracar moedas d\'ouro ou prata, para o que deveis ir pre- \nvenidos de trocos. Se tendes que commungar, antes de vos \naproximar da sagrada mesa eucharistica, tirai as luvas, \nguardai o livro. Theophilo, se algum dia for militar, e \ntiver a sua espada a cinta, ou outra qualquer arma, deve \np\xc3\xb3l-a de parte; e tu, Eugenia, deves deixar o teu sacco ou \nindispensavel, e cobrir a cabeca com um v\xc3\xa9o preto. Em \nPortugal seria n\'outro tempo um grande escandalo ver \nurna senhora de chap\xc3\xa9o \xc3\xa0 mesa da communh\xc3\xa0o, n\xc3\xa0o acon- \ntece por\xc3\xa9m assim em Franca, onde at\xc3\xa9 as pessoas de boa \nreligi\xc3\xa0o entendem que o uso dos chap\xc3\xa9os nas igrejas n\xc3\xa0o \n\xc3\xa9 sen\xc3\xa0o a observancia do preceito de S. Paulo que recom- \nmenda que as mulheres tenham a cabeca coberta. J\xc3\xa0 vos \ndisse, minila filha, que n\xc3\xa0o devemos disputar sobre uso?, \nque devemos conformar-nos comelles; por isso, onde esle \nou qualquer outro n\xc3\xa0o estiver estabelecido, n\xc3\xa0o tenhas a \npretenc\xc3\xa0o de querer introduzil o, mas se a maior parte \ndas senhoras o seguir, faze corno ellas, n\xc3\xa0o sejas umica \nnem das primeiras, nem das ultinias. \n\nNa igreja, corno em toda parte, deveis dar a precedencia \naos Ecclesiasticos, aos velhos, e \xc3\xa0s senhoras. N\'outro tempo \nseria imiti! est\xc3\xa0 recommendac\xc3\xa0o, mas conio hoje a gente \n\n\n\n22 \n\n\n\nCOMGO DO BOI TOM. \n\n\n\nmoca \xc3\xa9 menos reverenciosa do que d\'antes era, n\xc3\xa0o sera \nella fora de proposito, e a este respeito vos contarei urna \nanecdota que se passou diante de mim. Vinha eu urna \nnoite coni um veneravel Ecclesiastico octogenario, que es- \ntiver\xc3\xa0 emigrado em Portugal, e que por isso folgava muito \nde conversar commigo; um moco estonteado, que ia \xc3\xa0s \ncarreiras, passa junto de n\xc3\xb3s atropelladamente, empucha \no pobre velho, que ia com a sua batina, e se n\xc3\xa0o fosse eu \nque o stative cairia na lama. boni do Padre que, apezar \nde velho, ainda linba forca, agarrou no braco ao moco, \nf\xc3\xa8l-o parar, e disse-lhe : \xc2\xab Mancebo, se n\xc3\xa0o respeitas o Sa- \ncerdote, respeita o velho. \xc2\xbb Ficou o moco espantado, tirou \nmuito depressa o cliap\xc3\xa9o, e pediu mil perd\xc3\xb2es. Espero, \nmeu fillio, que nunca ter\xc3\xa0s similhantes descuidos, mas se \npor ventura os tiveres, muito estimarci que encontres um \nhomem t\xc3\xa0o sensato corno aquelle veneravel Ecclesiastico, \ne rogo-te muito que recebas com docilidade sua admoes- \ntac\xc3\xa0o, e que lh\'a agrade^as com urbanidade. \n\nPor isso que fall\xc3\xa0mos dos costumes que se observam na \nigreja, quero dizer-vos alguma cousa das circumstancias \nque vos poclem ahi levar. \n\n\n\nBAPTIZADOS. \n\nN\xc3\xa0o me lernbra que nenhum de v\xc3\xb3s tenha sido padrinho \nnem madrinha, mas podereis vir a s\xc3\xa8l-o, e por isso cum- \npre que saibais o que em taes casos deveis fazer. Come- \ncarei porti, meu f\xc3\xacllio, e supponilo que te convidam em \nFranca para seres padrinho; e corno os Francezes sani \nmuito exigentes nos seus usos, e olham com desdem para \nos estrangeiros que os n\xc3\xa0o observam, vou a dizer-te tudo \no que deves fazer, e bem sabes que, tendo tu sido educado \nern Pariz, n\xc3\xa0o te perdoar\xc3\xa0o a mais leve falta. As pessoas \n\n\n\nBAPTIZADOS. 23 \n\nque te convidarem para padrinho de seus fillios, h\xc3\xa0o de \nser ric\xc3\xb2s ou pobres. Se forem ricos, deves dar uni pre- \nsente \xc3\xa0 m\xc3\xa0i, que constar\xc3\xa0 d\'algum vaso de porcelana, \nd\'a\xc3\xacguma pequena alfaia que possa servir de ornato de \nchemin\xc3\xa9, e a isto juntar\xc3\xa0s seis ou mais bocetas de amen \ndoas cobertas, a que dam o nome de drag\xc3\xa9es, que se ven- \nder\xc3\xb2 j\xc3\xa0promptas naslojas doseonfeiteiros. Mandaras \xc3\xa0 casa \nda Senhora ou menina, que \xc3\xa9 destinada para madrinha, \nurna cesta ou acafate (corbeille) com alguns pares de luvas \nbrancas, algumas bocetas d\'amendoas e um ramalhete de \nOores naturaes, ou urna jardineira contendo um arbusto \nvicoso. \n\nNo dia do baptizado ir\xc3\xa0s buscar em carruagem d\'alu- \nguer, se a n\xc3\xa0o tiveres tua, a madrinha a casa da m\xc3\xa0i da \nmanca, onde ella vos espera. Deves dar urna propina em \ndinheiro (nunca menos de ciuco francos) \xc3\xa0 enfermeira \nque tratou da m\xc3\xa0i, a que chamam garde, \xc3\xa0 ama de leite, \ne aos criados da casa. Baras esmola aos pobres que esti- \nverem i porta da igreja, ao bedel, ao suisso, aos meninos \ndo coro; e quando fores assignar o assento do baptismo \nna sacristia, deixar\xc3\xa0s sobre a mesa urna porc\xc3\xa0o de dinheiro \nque nunca seja menos de vinte francos. Em Franca n\xc3\xa0o ha \nDada f\xc3\xacxado para os baptizados, nem se exige colisa di- \ngiuna, mas n\xc3\xa0o se faz um s\xc3\xb3 em que os padrinlios n\xc3\xa0o \ndem alguma cousa; muitas vezes vi dar quarenta e cin- \ncoenta francos, e quando se convida o Parodio para fazer \no baptizado, nunca vi dar menos de ceni francos, oas \ngrandes freguezias, e quasi sempre em curo. Tambein se \ncostuma offerecer ao Parodio, ou Vigano que fez a cere- \nmonia, urna ou duas bocetas d\'amendoas (boltes dedrag\xc3\xa9es). \nConduzir\xc3\xa0s depois o menino a casa da m\xc3\xa0i, e a madrinha \na sua casa. Todos os aimos, no primeiro de Janeiro, rece- \nber\xc3\xa0s urna visita de teu afilhado; deves dar-lhe a consoada \n(les \xc3\xa9trennes), e um presente no dia de seu casamento. \n\n\n\n24 \n\n\n\nGODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nSe vires que os pais querem fazer o baptizado com grande \nfausto, e se os teus teres te n\xc3\xa0o permittirem grandes des- \npezas, n\xc3\xa0o te deixes levar d\'urna louca vaidade, e dize-lhes \nfrancamente : \xc2\xab Se quereis que, com\xc3\xb2 Christ\xc3\xa0o, leve vosso \nf\xc3\xaclho \xc3\xa0 Pia baptismal, estou prompto; por\xc3\xa9m se o bapti- \nzado ha de ser urna ceremonia de luxo, buscai outro que \nseja mais rico do que eu : as minhas posses nao me per- \nmittem fazer tanta despeza i . \xc2\xbb \n\nNo caso por\xc3\xa9m de vires a ser rico, seria vergonhosa \nurna tal resposta, e estou certo que nunca a farias; porque \no dinheiro n\xc3\xa0o se tirou das entranhas da terra para estar \nescondido ou enterrado, e os ricos que n\xc3\xa0o sam gene- \nrosos merecem o desprezo; mas endividar-se, e p\xc3\xb3r-se em \napuro para ostentar urna louca magnificencia no dia em \nque se vai jurar r enunciar \xc3\xa0s pompas do mundo, \xc3\xa9 urna \nridicula estupidez. \n\nQuanto a ti, minha f\xc3\xaclha, quando fores madrinha tens os \nmesmos deveres a prehencher, s\xc3\xb3 com a differenza de \nque as despezas sam menores. Far\xc3\xa0s um presente \xc3\xa0 m\xc3\xa0i \nda crianca, dar\xc3\xa0s ao menino um vestido ou urna touca, \naos criados, as propinas do costume, mas na igreja n\xc3\xa0o \ntens nada a pagar, e receber\xc3\xa0s as amendoas. Noprimeiro do \nanno, e no dia do casamento de teu af\xc3\xaclhado, deves fazer \no mesmo que o padrinho. N\xc3\xa0o esquecas nunca, quando \naceitares ser madrinha d\'alguma crianca, que a decencia \ne a dignidade pedem que fa^as saber ao cavalheiro que ha \nde ser padrinho (que em Franca lem para comtigo o nome \nde compadre, comp\xc3\xa8re), que sentirias muito que elle tivesse \no incommodo de fazer grande despeza por tua causa, e \nque le offenderias de receber algum presente de cuslo; \n\n1 Eis aqui corno se deve dizer em francez : \xc2\xab Si vous voulez que, \ncornine chr\xc3\xa9tien, je tienne votre enfant sur les fonts du bapt\xc3\xa8me, \nje suis toutpr\xc3\xa8t; mais si ce bapt\xc3\xa8me doit \xc3\xa8tre une c\xc3\xa9r\xc3\xa9monie de \nluxe, ne me clioisissez pas : il faut plus d\'argent que je n\'en ai. \xc2\xbb \n\n\n\nB\xc3\x80PTIZADOS. \n\n\n\n25 \n\n\n\nquem jpensa assim, \xc3\xa9 persuasiva, e diminue o embaraco \ndos outros. desinteresse \xc3\xa9 nobre ainda nas mais pequenas \ncousas. \n\nque al\xc3\xa9qui vos disse s\xc3\xb3 ter\xc3\xa0 lugar nos baptizados dos \ngrandes e ricos; mas nos dospobresdeveishaver-vosd\'outra \nmaneira. \n\nPor isso que os pais sam pobres n\xc3\xa0o eslais dispensados \nde fazer presentes, mas devem elles ser d\'outro genero; \nn\xc3\xa0o \xc3\xa9 a elegancia ou magnificencia que haveis de ter em \nvista, mas sim a utilidade. Vinho, assucar, algumas varas \nde lencaria, alguns covados de chita, de fazendas de l\xc3\xa0, \nalgum utensilio de casa, taes sam os presentes que deveis \nfazer \xc3\xa0 m\xc3\xa0i da crianca. Pelo que pertence a madrinha, de \nqualquer classe da sociedade que ella seja, deve receber \nLuvas e amendoas. Todas as despezas, inclusivamente as \nda igreja, se fazem em proporc\xc3\xa0o da classe da sociedade a \nque perlencem os pais do recemnascido. \n\nNossos usos em Portugal, meus f\xc3\xaclhos, sam mais sim- \nplices e menos dispendiosos, mas o padrinho e a madrinha \nt\xc3\xa8m sempre que fazer alguma despeza. \xc3\x89 de rigor dar al- \nguma cousa aos criados, \xc3\xa0 parteira, a que vulgarmente \ncbam\xc3\xa0mos comadre, se ella assiste ao baptizado : entre o \npovo \xc3\xa9 quasi sempre ella que leva a crianca \xc3\xa0 igreja. \npadrinho deve dar uni presente \xc3\xa0 m\xc3\xa0i, que, entre pessoas \nricas, costuma ser urna joia; tambem far\xc3\xa0 um dom ao \nafilhado, e na igreja deve pagar toda a despeza, que entro \nn\xc3\xb3s \xc3\xa9 mui modica. A madrinha deve tambem fazer o seu \npresente amai da crianca, e a est\xc3\xa0 \xc3\xa9 costume dar o veslido \ndo baptizado, ou outro qualquer. \n\nEm Portugal n\xc3\xa0o \xc3\xa9 costume dar luvas, amendoas, nem \nramalhetes de ilores, nem me consta que haja nada f\xc3\xacxado \na este respeito, por\xc3\xa9m corno os costumes mudam e sam \ndivcrsos segundo a gerarquia das pessoas e os differentes \nlogares, recommendo-vos, meus f\xc3\xaclhos, quo se alguma vez \n\n2 \n\n\n\n26 CODIGO DO BOI TOM. \n\nfordes convidados para padrinho ou madrinha, vos in- \nformeis com anticipac\xc3\xa0o do que \xc3\xa9 costume praticar para \nn\xc3\xa0o serdes objecto de critica; e conformai-vos rigorosa- \nmente com elle, sem fazer a menor observac\xc3\xa0o, nem dar \nmostras de gostardes mais dos costumes francezes. N\xc3\xa0o s\xc3\xb3 \na este, mas a outro qualquer respeito, deveis ser mui cir- \ncumspectos e precatados : se vos perguntarem corno se \npratica em Franca, dizei-o franca o naturalmente, e at\xc3\xa9 \npodereis emittir o vosso parecer, se vo-lo pedirem, mas \nnunca tenhais a fatuidade e a impertinencia de pr\xc3\xa9gar em \nvossa patria os costumes estranhos, e fazer-vos seus apolo- \ngistas em despeito dos nossos. Bem basta a ufania com que \nos Francezes mofam dos usos e costumes dos outros paizes, \ne a philaucia com que dizem que s\xc3\xb3 em Franca ha civili- \ndade e usos razoaveis e delicados; n\xc3\xa0o aggraveis este in- \nsulto, defendei antes as usangas de nossa terra, quando n\xc3\xa0o \nforem ridiculas ou antiquadas. Deveis saber, meus f\xc3\xaclhos, \nque toda a nac\xc3\xa0o \xc3\xa9 ciosa de seus usos e costumes, que a \nque muda caprichosamente, s\xc3\xb3 por imitar o estrangeiro, \nj\xc3\xa0 perdeu o sentimento de sua independencia, e caminha \npara a sua decadencia. N\xc3\xa0o sei se em nossa terra j\xc3\xa0 se tem \nperdido a mania de suppor que em Franca tudo \xc3\xa9 bom e \nbello, e toda a gente \xc3\xa9 polida e bem criada; v\xc3\xb3s j\xc3\xa0 podeis \ndizer alguma cousa a este respeito, mas quando encon- \ntrardes algum d\'esses enthusiastas, que nada acham bom \nsen\xc3\xa0o o que \xc3\xa9 francez, ou \xc3\xa0 franceza, dizei-lhe que em ma- \nteria de civilidade e de boa criec\xc3\xa0o, tanto anligamenfe \ncorno hoje em dia, a multid\xc3\xa0o foi, e \xc3\xa9 egoista, rixosa, in- \nsupportavel) e que se contam as pessoas que merecem o \nnome de amaveis. E para que n\xc3\xa0o pareca que dizeis isto \npor espirito deopposic\xc3\xa0o, citai-lhe as palavras d\xc3\xa0Condessa \nde B... no seu tratado du savoir vivre au xtx e siede, que \naqui vos transcrevo em francez para que as n\xc3\xa0o esquecais : \n\xc2\xab La masse, aux temps de nos a\'ieux, ressemblait \xc3\xa0 la masse \n\n\n\nGASAMENTOS. \n\n\n\n; 27 \n\n\n\nd\'anjonrd\'hui; elle \xc3\xa9tait egoiste, querelleuse, insupportable \net l\'on a toujours compt\xc3\xa9 les gens parfaitement aimables \n(page 19; Strasb., 1841). \xc2\xbb \n\nD\'urna cousa por\xc3\xa9m podeis estar certos, e veni a ser, \nque as maneiras polidas, a linguagem comedida, e todo o \nprocedimento que annuncie generosidade de corac\xc3\xa0o e \nmagnanimidade de espirito ser\xc3\xa0o sempre bem acolhidos, \nvenham de que paiz vierem. \n\nPara terminar o que respeita a igreja ainda restam trez \nartigos s que sam : casamento, enterros efuncc\xc3\xb2espublicas, \nmas pouco \xc3\xa9 preciso dizer sobre cada um d\'elles. \n\n\n\nCASAMENTOS. \n\nOs casamentos fazem-se em Franca com muilo mais \nlu>:o e ostentac\xc3\xa0o que em Portugal : \xc3\xa9 urna grande cere- \nmonia d\'igreja e de familia. Os pais dos noivos, ou quem \nfaz as suas vezes, convidam lodos os seus parentes, amigos \ne conhecidos para assistirem na igreja \xc3\xa0 benc\xc3\xa0o nupcial. \nAs senhoras apresentam-se com as suas maiores galas, os \nhomens com vestido serio e com o maior aceio, todos de \niuvas brancas, meias de seda, ou botas envernizadas; a \nnoiva toda vestida de branco, com grande v\xc3\xa9o, que lhe \ndesce at\xc3\xa9 os joelhos, toucado, grinalda e ramalhete de \nflores de larangeira artif\xc3\xacciaes, tudo branco; ba sempre \nmissa rezada, e as vezes cantada, d\'ordinario \xc3\xa9 um Padre \nautorizado, ou urna Dignidade Ecclesiastica que faz o casa- \nmento, e muitas vezes um Bispo ou Arcebispo, o qual faz \nquasi sempre um discurso, ou allocuc\xc3\xa0o aos esposos; para \nos quaes estam preparadas no meio da Capella-m\xc3\xb3r duas \ncadeiras de damasco ou veludo carmezim, e diante d\'ellas \ndous genuflectorios coberlos do mesmo estofo; de cada \nlado dos genuflectorios est\xc3\xa0 um castical grande com um \n\n\n\n28 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM \n\n\n\ncirio acceso : o do noivo tem urna p\xc3\xa9ga de seda ou veludo \ncarmezim, franjado d\'ouro, e o da noiva tem igual p\xc3\xa9ga \nbranca, com franja de prata. Quando chega o tempo do \noffertorio na missa, toma o celebrante a patena, vira-se \npara o povo; n\'este meio tempo um menino do coro, ou \nsacrist\xc3\xa0o toma urna bacia de prata, ou o pratinho das \ngalhetas, e p\xc3\xb2e-se \xc3\xa0 esquerda do Padre; o Suisso, que de \nordinario traz na cabeca o seu grande cbap\xc3\xa9o, agaloado \nde prata, e guarnecido d\'arminhos, d\xc3\xa0 duas pancadas no \nch\xc3\xa0o com o conto do bast\xc3\xa0o, que \xc3\xa9 similhante ao d ? um \ntambor m\xc3\xb3r, e logo levantam-se os noivos e vam beijar a \npatena, que o Celebrante lhes presenta, dizendo Pax \ntecum. Ordinariamente a offerenda dos dous consortes, \nque em taes casos sam vinte francos em ouro, est\xc3\xa0 pegada \nno cirio, e elles nao t\xc3\xa9m mais que pegar n\'elle e irem \nbeijar a patena com muita gravidade, fazendo antes e \ndepois urna inclinac\xc3\xa0o de cabeca, e logo que voltam ao seu \nlugar assentam-se e poem o cirio no castical. Se nao deram \na offerenda com antecipac\xc3\xa0o devem dep\xc3\xb3l-a na bandeja \nantes de beijarem a patena. Depois d\'estarem em seus \nlugares, seguem-se os eonvidados a fazer a mesma cere- \nmonia; o Suisso tem o cuidado de os advertir, e \xc3\xa0s vezes \nem tom bem alto, dizendo \xc3\xa0 V off rande, e batendo com o \nconto do bast\xc3\xa0o. Escusado \xc3\xa9 advertir-vos que um homem \nlimpo nunca d\xc3\xa0 cobre mas sim urna moeda de prata. Mais \nde cinco francos \xc3\xa9 ostentac\xc3\xa0o, menos de um \xc3\xa9 mesquinhez. \nEm toda est\xc3\xa0 ceremonia nao tendes mais que fazer, meus \nfilhos, sen\xc3\xa0o estar com aquelle respeito que pede a casa \nde Deos e a ceremonia que se celebra, e, sem vos apres- \nsardes, fazer o que os mais f\xc3\xaczerem. \n\nComo eu desejo que nada ignoreis a respeito dos usos \nfrancezes, pelas razoes que j\xc3\xa0 vos disse, e porque p\xc3\xb3de \nmuito bem acontecer que algum de v\xc3\xb3s case em Franca, \nou seja convidado a algum casamento, vou ainda a expli- \n\n\n\nCASAMENTOS. 29 \n\ncar-vos muitas outras particularidades, cujo conhecimeuto \nvos poder\xc3\xa0 um dia ser de grande utilidade. \n\nmoeo que pede urna menina para casar deve mos- \ntrarle por extremo obsequioso e recatado, parecer indif- \nferente a todos os arranjos que as duas familias devem \nfazer elitre si sobre dote, arrhas, enxoval, etc.; n\xc3\xa0o fallar \n\xc3\xa0 sua futura esposa sen\xc3\xa0o de seti porvir, de seus diverti- \nmentos, do que Ih e convir\xc3\xa0 escolher para o seu aposento, \nmoveis, presentes, ete.; evitando toda a familiaridade mal \na proposito, chamando-lhe sempre menina {Mademoiselle) \nat\xc3\xa9 que volte da igreja no dia do casamento, ent\xc3\xa0o lhe \nchamar\xc3\xa0 senhora [Madame); deve aeompanhal-a em todas \nas reunioes, onde se deve mostrar seu cavalheiro e servi- \ndor. Nalgumas eidades de provincia a noiva n\xc3\xa0o apparece \nem parte nenhuma, desde que se annuncia o casamento. \nEste costume \xc3\xa9 considerado corno ridicolo, mas \xc3\xa9 neces- \nsario conformar-se com elle segundo o estylo das terras ou \ndas familias. \n\nQuando se publicam os banhos, \xc3\xa9 costume em Pariz vir \nurna vendedeira de ramalhetes de flores (bouqueli\xc3\xa8re) sau- \ndar a noiva e offerecer-lhe uni ramalhete. Est\xc3\xa0 attenevo \nreeebe-se com agrado, e recompensa-se com urna moeda \nde prata, quasi sempre de ciuco francos. \n\nComo em Franca, depois da grande revolucao, o registro \nci vi l \xc3\xa9 separado do sacramento do matrimonio, e deve \nfazer-se na municipalidade (mairie) antes que se celebre \no acto religioso na igreja, convidam-?e ordinariamente \npara elle s\xc3\xb3 as testemuuhas e os parentes mais chegados. \nE de algum tempo a est\xc3\xa0 parte, principalmente em Pariz, \nvam os noivos com as testemuuhas a municipalidade na \nvesperadodiaf\xc3\xacxadoparaacelebrac\xc3\xa0o do casamento c\xc3\xa0 face \nda Igreja, e feito o acto civil volta cada um para sua casa \ncom seus pais ou tulores. E de bom tom evilar toda a \npompa neste acto puramente civil, \n\n2. \n\n\n\n50 \n\n\n\nCOD1GO DO BOM TOM. \n\n\n\nFazem-se os convites por carta, trez ou quatro dias \nantes, rogando \xc3\xa0s pessoas convidadas que se achem na \nigreja \xc3\xa0 hora designada para assistir \xc3\xa0 bencao nupcial. \nQuando se quer que a pessoa convidada assista ao jantar \nou festa que se deva seguir, \xc3\xa9 necessario declar\xc3\xa0l-o expres- \nsamente no firn da carta. Manda-se sempre carta clobrada, \nporque supp\xc3\xb2e-se que ambas as familias fazem o convite 4 . \n\nAos que n\xc3\xa0o forem convidados ao casamento d\xc3\xa0-se-lhes \nparte alguns dias depois. \n\nA boa criacao pede que as pessoas convidadas n\xc3\xa0o fal- \ntem, e quando tiverem alguma impossibilidade devem \npedir desculpa por escrito. Urna simples carta de partici- \npac\xc3\xa0o pede urna ou duas visitas. A primeira faz-se sempre \npor bilhete. \n\nOs presentes sani ordinariamente os preliminares d\'um \ncasamento : os que o noivo faz \xc3\xa0 noiva chama-se corbeille \nde mariage, que se envia \xc3\xa0 noiva na vespera do dia do seu \ncasamento; constam de tudo que forma o enfeite d\'urna \nsenhora : vestidos, chales, lencos bordados com primor, \ndiamantes, joias, etc. Algumas pessoas contentam-se de \npor no fundo do movel elegante, que substitue a classica \ncesta, urna bolsa contendo em ouro a somma que se destina \npara a compra d\'aquelles objectos, e que a noiva emprega \ncorno beni Ine parece. noivo deve dar tambem um pre- \nsente a cada um dos irm\xc3\xa0os e irm\xc3\xa0s da noiva, se os tiver. \n\nHa em Franca um costume que n\xc3\xa0o existe em Portugal \n(que eu saiba); em lugar de padrinho e madrinha ha don- \nzella e moco d\xc3\xacionor (demoiselle et jeune homme d\'hon- \nneur), este escolhido pelo noivo, aquella pela noiva; a qual \n\n1 Eis aqui um mod\xc3\xa8lo d\'estas cartas, que de ordinario sana impres- \nsas ou lilhographadas. \n\nAo l\\\xc3\xac mo ... tem a honra de partecipar F... que se acha casado com \na IU ma ...; e espera que este consorcio mereca a approvaQ\xc3\xa0o de S... \nLisboa, etc. \n\n\n\nAS NUPCIAS \n\n\n\nCASAME>TOS. 51 \n\nd\xc3\xa0 \xc3\xa0 sua donzella utn presente, ordinariamente um ves- \ntido, e recebe d\'ella em tr\xc3\xb3ca o cinto, as luvas e o rama- \nlhete de flores de larangeira artificiaes que leva no dia do \nseu casamento. Por isso que fall\xc3\xa0mos de presentes, devo \ndizer-vos que em Pariz \xc3\xa9 a noiva que os recebe de seus \nirm\xc3\xa0os e irm\xc3\xa0s, e nas provincias, ao contrario, \xc3\xa9 ella quem \nos d\xc3\xa0. \n\nLavrado o auto civil (se n\xc3\xa0o fica para o dia seguinte o \ncasamento religioso), a noiva \xc3\xa9 conduzida \xc3\xa0 igreja numa \ncarrnagem por seus pais e acompanhada de sua donzella \nd\'honor, o noivo vai noutra carraguem igualmente-acom- \npanhado de seus pais e moco d\'honor, e dirigem-se \xc3\xa0 sa- \nri \xc3\xac.-tia, onde os esperam os convidados, e de l\xc3\xa0 vani para \na capella-m\xc3\xb2r, ou outra capella, para onde os seguem os \nconvidados. Posto que a politica peca que o homem de \nsempre a direita \xc3\xa0 senhora, nesta ceremonia, que \xc3\xa9 ao \nmesmo tempo religiosa e civil, deve o homem conservar a \nprerogativa que a lei divina e humana lhe concede; al\xc3\xa9m \nde que, devendo o noivo metter o annel nupcial no dedo \nde sua consorte, melhor o deve fazer estando \xc3\xa0 direita do \nque se estivesse \xc3\xa0 esquerda. \n\nHa mais urna pequena ceremonia que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 conhecida \nem nossa terra, que vos deve interessar, porque sei que \nurna senhora da minha amizade, para me obsequiar, tem \ntenc\xc3\xa0o de vos convidar para terdes parte nella; consiste \nem estender, em f\xc3\xb3rma de pallio, sobre a cabe^a dos dous \nnoivos, que estam de joelhos, um v\xc3\xa9o comprido, do medino \ntamanho e feitio d\'uni v\xc3\xa9o d\'hombros entre n\xc3\xb2s, que \nchamam po\xc3\xa9le; e escolliem-se sempre dous meninos que o \nsustentem um por cada lado, em quanto o Celebrante \nrecita, virado para os noivos, as lindas orac\xc3\xb2es que pre- \ncedem a benc\xc3\xa0o nupcial. Espero que nesse dia n\xc3\xa0o lereis \nvergonha, e estareis coni muito sentido e gravidade, por \nisso mesmo que j\xc3\xa0 sois mais crescidos que alguns que \n\n\n\n32 CODIGO DO BOI TOM. \n\ntenho visto, pois eram tao pequenos que os subiam a cima \nde duas cadeiras para poderem ter o v\xc3\xa9o em altura conve- \nniente. \n\nmister da donzella d\'honor \xc3\xa9 assistir ao vestir e toucar \nda noiva, designar os lugares na missa nupcial, fazer a \ncollecta (qu\xc3\xa9t\xc3\xa9) para a igreja, e se ha baile, ou reuni\xc3\xa0o \xc3\xa0 \nnoite, supprir a inacc\xc3\xa0o forcada da noiva; por isso se \nescolhe sempre urna sua irm\xc3\xa0, ou prima, ou intima \namiga. \n\nAo moco d\'honor, compete-lhe observar bem, segundo \na lista dos convidados para a missa, quaes os que faltam, \npara que os noivos n\xc3\xa0o facam visita de nupcias aos que \ncommetteram est\xc3\xa0 incivilidade. \n\n\xc3\x80s senhoras convidarlas devem distinguir-se n\xc3\xa0o menos \npela elegancia que pela decencia de suas galas e enfeites. \nTodos devem conservar urna compostura do corpo grave \ne reverenciosa. Quando, acabada a missa, voltam todos \xc3\xa0 \nsacristia, \xc3\xa9 mister n\xc3\xa0o cochichar, e muito menos rir, nem \nfallar aos noivos longamente, nem apressar-se para assi- \ngnaroauto; porque deveis saber que, al\xc3\xa9m das teste- \nmunhas, assignam os parentes dos noivos, e todos os con- \nvidados, se querem. \n\nnoivo deve ser generoso para coni os empregados na \nigreja, deve dar aos pobres, etc. \n\nDepois de lavrado o assento matrimoniai, e assignado \npelos noivos, sa\xc3\xb9dam estes toda a assembl\xc3\xa8a, e recebem \ngraciosamente os cumprimentos que lhes querem fazer. \nKntre burguezes e pleb\xc3\xa8os ainda se costuma, \xc3\xa0s vezes, \nreceber a noiva osculos de todos os convidados, mas nas \nc\'asses superiores \xc3\xa9 a noiva quem d\xc3\xa0 um osculo a seu pai \ne a sua m\xc3\xa0i, a seu sogro e a sua sogra, e a mais ninguem, \ne s\xc3\xb3mente na sacristia. \n\nnoivo d\xc3\xa0 a m\xc3\xa0o \xc3\xa0 noiva quando vem da igreja, mas \no ajantar deve estar collocado entre sua m\xc3\xa0i e sua sogra, \n\n\n\nCASAMENTOS. 33 \n\ne a noiva entre seu pai e seu sogro. Por\xc3\xa9m se ha ceia col- \nlocarli um ao p\xc3\xa9 do outro. Nas provincias ficam os noivos \nsempre juntos, e na ponta da mesa. \n\n\xc3\x80 noiva n\xc3\xa0o se deve occupar em nada das honras da \ncasa; seu papel \xc3\xa9 passivo. Todos se esmeram em lhe teste- \nmunhar respeito, estima e acatamento : ella develimitar-se \na responder com su ave modestia, e graciosa dignidade. \n\n\xc3\x89 por extremo indecoroso, e d\'urna grossaria insuppor- \ntavel dizer gracas \xc3\xa0 noiva \xc3\xa0cerca do seu novo estado. As \npessoas bem criadas tomam s\xc3\xb3 liberdade de fazer, a este \nrespeito, algumas allus\xc3\xb2es ligeiras e delicadas. \n\nA noiva rompe o baile com o cavalleiro mais autorizado \nda assemblea, ou com seu mari do; e antes que acabe o \nbaile retira-se mysteriosamente, acompanhada de sua m\xc3\xa0i \ne d\'urna ou mais parentas : as pessoas que estam na sala \nn\xc3\xa0o se devem dar por achadas d\'est\xc3\xa0 ausencia. \n\nOs bailes de nupcias t\xc3\xa8m callido em desuso em Pariz ; os \nnoivos, ordinariamente, partem logo da igreja, em sege \nde posta para alguma viagem ou residencia campestre \nonde passam a lua de mei. \n\nOs convidados dever\xc3\xa0 offerecer aos noivos e \xc3\xa0 sua fami- \nlia um jantar, ou um baile, e \xc3\xa0s vezes ambas as cousas. \xc3\x89 \nurna verdadeira festa, e \xc3\xa9 de boni tom ostentar grandeza \ne fausto. Chama-se-lhe torna-boda {retour de noce). Todas \nas honras e festejos sam dedicados aos noivos. \n\nDevem estes pagar as visitas de casamento no prazo de \ngrinze dias, em carruagem, e com elegante vestuario. \nDevem ir s\xc3\xb3s. A\'s pessoas com quem n\xc3\xa0o querem ter rela- \ncoes deixam s\xc3\xb3mente bilhetes. \n\nOs parentes mais chegados, e as pessoas d\'amizade cor- \nrespondem a est\xc3\xa0 visita com outra, e assim se estabelecem \nas relacoes mais ou mcnos intimas com os novos con- \nsortes. \n\nEm Portugal n\xc3\xa0o ha tanto apparato nem formalidade \n\n\n\n54 \n\n\n\nCOMGO DO BOM TOM. \n\n\n\ncorno em Franca. Eis aqui o que se pratica nas casas no- \nbres, e naquellas que, sendo ricas, querem imit\xc3\xa0l-as. \nQuando o noivo faz a primeira visita de cortejo a noiva, \nfaz-lhe um presente, que \xc3\xa9 sempre urna joia ; se, antes de \nse celebrar o casamento, acontece fazer ella annos, ou \noccorre o santo do seu nome, faz-lhe tambem um presente \nem cada um d\'estes dias, sendo mais importante o do dia \ndos annos. Dias antes do casamento, mas depois de assi- \ngnadas as escripluras, d\xc3\xa0 o noivo \xc3\xa0 sua futura esposa os \ndiamantes, cujas pecas principaes sam brincos, pulseiras e \ngargantilha. Ainda que na casa haja diamantes vinculados, \n\xc3\xa9 de estylo dar sempre alguns novos; os quaes d\'ordinario \nficam pertencendo a noiva ainda que seu marido morra \nsem deixar success\xc3\xa0o. Isto por\xc3\xa9m depende das condicoes \ndo casamento que ficam expressas nas escripturas. No dia \ndo casamento d\xc3\xa0 mais o noivo \xc3\xa0 sua consorte urna bolsa \ncom a sua mezada em ouro; a qual entre os grandes n\xc3\xa0o \n\xc3\xa9-menos de 50,000 r\xc3\xa9is, e antigamente chegava \xc3\xa0s vezes a \ncem. A sogra, tios e tias da noiva dam-lhe todos urna \nprenda no dia do casamento, e beni assim as madrinhas, \nque de ordinario sam duas. A noiva faz um presente ao \nnoivo em diamantes, que \xc3\xa9 ordinariamente urna ven\xc3\xa9ra, \num habito de C\xc3\xaciristo ou d\'outra ordem de que elle seja \ncavalleiro, um alf\xc3\xacnete de peito, um annel de brilhan- \ntes, etc, e se elle tem algurna irm\xc3\xa0 solteira tambem lhe \nd\xc3\xa0 urna prenda. \n\nSe acontece romper-se o casamento, restituem-se os \npresentes, que podem servir para urna nova allianca. \n\nInutil \xc3\xa9 dizer-vos que, se alguma pessoa de vossa ami- \nzade tornar estado e vos nao der parte de seu casamento, \ndeveis desde logo considerar corno terminadas, ou pelo \nmenos suspensas, todas as rela$oes que com ella tinheis; \nnem vos deveis dar por escandalizados, porque o novo \nmodo de vida dos recemcasados, as novas rela^oes que se \n\n\n\nENTERROS. 55 \n\ncontrahem entre as duas familias, fazem muitas vezes coni \nque se d\xc3\xa8 de m\xc3\xa0o \xc3\xa0s antigas. Se por\xc3\xa9m vos derem parte \nde seu casamento, ficai entendendo que desejam a conti- \nnuac\xc3\xa0o de vosso conhecimento ou amizade. \n\n\n\nENTERROS. \n\nNos enterros n\xc3\xa0o ha tanta formalidade, mas tambem ha \nalguma. Deveis apresentar-vos em casa do defuncto ou na \nigreja \xc3\xa0 hora marcada, segundo vos indicar a carta de \nconvite, ireis \xc3\xa0 offerenda, se os mais forem, e fareis o \nmesmo que vos disse a respeito dos casamentos. Notareis \ncom tudo urna differenza : o Celebrante, quando d\xc3\xa0 a patena \na beijar diz, Requiescat in pace, a quepodereis responder, \nkmen. Clero, comecando pelos Cantores de capa d\'as- \nperges, \xc3\xa9 quem vai primeiro, levando suas v\xc3\xa9las accesas \nna m\xc3\xa0o; seguem-se dous meninos do coro vestidos d\'alvas, \num dos quaes leva um paozinho numa salva coberto coni \num guardanapo; e o oulro um gomil ou galheta grande de \nprata coni agua, tambem coberto com um guardanapo. \nLevanta-se logo o mestre de ceremonias funebres, que \xc3\xa9 \nuni homem de capa e espada, e faz urna venia ao cortejo, \nindicando-lhe que venha \xc3\xa0 offerenda. A pessoa que vai \ndiante \xc3\xa9 o Confessor do defuncto, que est\xc3\xa0 junto do cata- \nfalco com urna grande opa negra, que tem quasi a f\xc3\xb3rma \nd\'urna cugula de monge benedictino, leva luvas pretas cal- \ncadas, v\xc3\xa9la na m\xc3\xa0o, e cauda calcia. Apoz elle seguem-se os \nparentes mais chegados, \xc3\xa0s vezes filhos ou pais que se \ndebulham em lagrimas, com mantos de d\xc3\xb2, e grandes \ncrepes nos chap\xc3\xa9os. Logo depois seguem-se osconvidados; \nentre os quaes ireis, seni vos apressar; no firn da cere- \nmonia da igreja, acompanhareis o carro funebre (corbillard) \nao cemiterio, assistireis at\xc3\xa9 ao fini do enlerro, e dous ou \n\n\n\n36 CODIGO DO BOM TOM. \n\ntrez dias depois ireis fazer urna visita de pezames, ou pelo \nmenos deixar uni bilhete \xc3\xa0s pessoas, em cujo nome fostes \nconvidados. Tudo o que acabo de dizer-vos, respeita mais \na Theophilo, que a ti, Eugenia ; as Senhoras vam raramente \n\xc3\xa0 offerSnda, e nunca ao cemiterio. Conheco que fui um \npouco diffuso, nestes dous artigos, mas fll-o de proposito \nporque sei quanto os Francezes sam melili drosos a este \nrespeito, para que conhecais bem todos estes usos, e possais \ndar raz\xc3\xa0o d\'elles em Fortugal, quando l\xc3\xa0 estiverdes. Entre \nn\xc3\xb3s ha muito menos formalidades, mas respeitai as que \nestiverem em vigor, e observai a este respeito o que ha \npouco vos disse \xc3\xa0cerca dos baptizados. \n\nEm todasas funcc\xc3\xb2es solemnes a que fordes convidados, \ncorno sam prociss\xc3\xb2es, Te Deos cantados por algum motivo \nde regozijo publico, etc, evitai toda a discuss\xc3\xa0o sobre lu- \ngares ; se a funcc\xc3\xa0o \xc3\xa9 bem dirigida deve haver um Mestre \nde Ceremonias que designe os lugares : aceitai o que vos \nderem sem murmurar; se o n\xc3\xa0o ha, segui o conselho do \nEvangelho de ficardes no ultimo, e assim evitareis muitos \ndesgotos, que \xc3\xa0s vezes resultarli do desejo de querer ser \no primeiro. \n\nN\xc3\xa0o pretendo, meus f\xc3\xaclhos, em tudo que vos tenho dito \n\xc3\xa0cerca da igreja, inspirar-vos urna profunda venerac\xc3\xa0o \nao ceremonial, nem \xc3\xa0s etiquetas da c\xc3\xb3rte, grande parte \ndas quaes se n\xc3\xa0o sabem explicar, e at\xc3\xa9 parecem ridiculas; \nmas peco-vos que examineis se a multid\xc3\xa0o n\xc3\xa0o seria em \ntoda parte urna barafunda, se n\xc3\xa0o houvesse cuidado de a \nclassificar, ou por ordem, regulando as funcc\xc3\xb2es e os \nmovimentos de cada individuo? Sem boa ordem, n\xc3\xa0o ha- \nveria pompas religiosas, nem militares, nem festas possi- \nveis e agradaveis \xc3\xa0 vista. N\xc3\xa0o vos admireis pois, se nos \ntemplos e nos palacios se regulam os logares e acc\xc3\xb2es, e \nse o tempo deu a estes regulamentos forca de lei : elles \neram iudispensaveis, desue o momento em que, formando- \n\n\n\nENTERROS. \n\n\n\n31 \n\n\n\nse urna sociedade, cada \xc3\xb9m devia concorrer para a utili- \ndade e satisfac\xc3\xa0o de todos, seni prejuizo de ninguem. \n\nN\xc3\xa0o me pergunteis porque nesta sociedade, que saiu \nd\'uni s\xc3\xb2 homem,,uns parecem felizes, outros desgracados; \nuns mandarli, e outros obedecem. Ha bastantes seculos \nque se agita esla quest\xc3\xa0o, mas ainda est\xc3\xa0 seni resposta. Eu \ntornei o mundo corno o achei, e aconselho-vos que facais \noutr o tanto. Notai s\xc3\xb3mente que a natureza fez aristocratas, \nisto \xc3\xa9 criaturas privilegiadas ou mais fortes, mais bellas, \nmais intelligentes, mais valentes que as outras, e n\xc3\xa0o vos \nadmireis que os homens tenham imitado a natureza; a \nigualdade n\xc3\xa0o existiu nunca sobre a terra ; por\xc3\xa9m ai \nd\'aquelles que se esquecem que ella existe diante de \nDeos!...; e tambem deve existir perante a lei. E v\xc3\xb3s am- \nbos, cada uni na sua espiler\xc3\xa0, lembrai-vos que, entre os \nhomens, a melhor aristocracia \xc3\xa9 a da intelligencia, a do \nmerito, e a da virtude. \n\nConformando-me pois coni o que estabeleceram nossos \nmaiores, conduzir-vos-hei da casa de Deos \xc3\xa0 do Monarcha, \nmas contar-vos-hei antes urna anecdota relativa ao culto \nde adorac\xc3\xa0o que devemos a Deus. \n\nALEXANDRE SEVERO. \n\nReinando este principe, comecou finalmente o chris- \ntianismo, ha tanto tempo perseguido, a gozar de certo so- \ncego, e os que o professavano ousaram dar certo ar de \npublieidade \xc3\xa0s ceremonias da Religiao. Para orarem em \ncommuni estabeleccram-se os Christ\xc3\xa0os mima vasta casa \nonde estiver\xc3\xa0 danles urna taverna beni afreguezada. A \naffluencia dos fieis que at\xc3\xa9 concorria de todos os bairros \nda cidade despertou a altenc\xc3\xa0o dos antigos inquilino^ ; \nassenlaram dover reclamar para recomecar o seu com- \n\n3 \n\n\n\n58 \n\n\n\nC0D1G0 DO BOM TOM. \n\n\n\nmercio que se lhes f\xc3\xacgur\xc3\xa0ra tao lucrativo, e n\xc3\xa0o diradando \ndo bom exito do seu requerimento, vam a presenta do im- \nperador allegando que os Christ\xc3\xa0os n\xc3\xa0o merecem consi- \nderalo alguma, \xc3\xa9 gente desprezivel, tanto mais que elles \nescolheram aquelle logar muito frequent\xc3\xa0do* para insultar \nos deoses do imperio, e para perpetuar um culto reprovado \npelos imperantes. \xc2\xab Qual \xc3\xa9 pois o firn d\'esse culto, inter- \nrompeu o Principe, n\xc3\xa0o \xc3\xa9 o de adorar a Deus? \xe2\x80\x94 Safaer\xc3\xa0 \nV. M e , que sim; por\xc3\xa9m o modo de o adorar n\xc3\xa0o \xc3\xa9 legitimo. \n\xe2\x80\x94 Que importa o modo, se o motivo \xc3\xa9 bom? Decido que \nvai mais adorar a Deus nesta casa, posto que d\'um modo \nimperfeito, do que vender ahi vmho e preparar um asylo \npara a devassid\xc3\xa0o. \xc2\xbb \n\n\n\nCAPITOLO II \n\n\n\nDO PAQO \n\n\n\nSe houvesseis de ser empregados, meus filhos, no Paco, \nou em casa d\'algum Principe, deverieis fazer imi estudo \nparticu\xc3\xacar dos usos e costumes que ali se observam e que \nse resumem debaixo do nome \xc3\xa0\'etiqueta, para que po- \ndesseis beni desempenhar o cargo que vos fosse conf\xc3\xacado. \nSe entre as familias secundarias da sociedade, e ainda entre \nburguezes e plebeos, vos tenho dito que \xc3\xa9 necessario con- \nformarmo-nos coni os usos e coslumes, e respeit\xc3\xa0-los \nporque sani as leis da cortezia, quanto mais n\xc3\xa0o deveis res- \npeitar e guardar os veneraveis usos e costumes que nossos \nantigos monarchas estabeleceram? ! Se vivesseis no Paco, \ndeveria ser para vos a etiqueta urna regra de bem viver, \nde que vos n\xc3\xa0o deverieis afastar ainda que muitos usos vos \nparecessem ridictilos, e oulros velhos e absurdos. \n\nPor\xc3\xa9m espero que nunca sereis empregados em nenhuma \nc\xc3\xb3rle, n\xc3\xa0o que eu creia qne as pessoas que ali se encon- \ntram sejam mais corrompidas que as outras; mas porque \nsempre me pareceram enfastiadas, abonidas e menos di- \ntosas que os demais cidad\xc3\xa0os, e porque, segundo ellas \nmesmas confessam, apezar da vida que levam no Paco, ac- \ncr\xc3\xa9scentam que n\xc3\xa0o sabem viver noutra parte. Permitti (pie \nvosso pai vos apeteca urna profiss\xc3\xa0o que vos denra bastante \n\n\n\n40 \n\n\n\nCODIGO DO BOI TOM. \n\n\n\nimperio sobre v\xc3\xb3s mesmos, para que possais enconlrar a \nfelicidadc em mais d\'urna situac\xc3\xa0o. A respeito dos Reis e \nda vida do Paco segui o parecer do P e Vieira, que consiste \nem nao se afastar muito para longe, nem em se chegar \nmuito para perto, porque, dizia elle : \xc2\xab Os Pieis sam corno \no fogo; se estamos longe nao aquece, se nos cheg\xc3\xa0nios \nmuito para perto queima. \xc2\xbb \n\nPor\xc3\xa9m ainda que nao tenhais exercicio no Paco, nem \npertencais \xc3\xa0 c\xc3\xb3rte, varias circumstancias se podem pre- \nsentar em que tenhais que apparecer na presenca d\'El-Rei, \nespecialmente Theophilo, que p\xc3\xb3de vir a ser Deputado, Par \ndo Reino, Conselheiro d\'Estado, e p\xc3\xb3de fazer parte d\'ai- \nguma deputacao, ou ter alguma audiencia; por isso quero \ndizer-vos o que em taes casos se costuma praticar : co- \nmecarei pelo beijam\xc3\xa0o. \n\nEst\xc3\xa0 ceremonia \xc3\xa9 mui antiga entre nos; e apezar de que \nella se nao use na maior parte das cortes da Europa, e que \nnos tempos modernos tenha sido olhada corno um acto de \nservilismo, eu pela minha parte sempre a considerarci \ncorno urna demonstrac\xc3\xa0o da autoridade paternal : o Rei, \nem certos dias do anno, reune em torno de seu throno, \ncorno um pai a seus f\xc3\xacihos, a porg\xc3\xa0o mais escolhida de \nseus subditos, d\xc3\xa0-lhes a m\xc3\xa0o a beijar, e recebe as suas \nsaudacoes : d\'este modo, meus f\xc3\xacihos, \xc3\xa9 que deveis consi- \nderar est\xc3\xa0 ceremonia. \n\n\xc3\x80ssim corno en Franca as mudancas de governo desde \n1795 at\xc3\xa9 1850 produziram varias alteracoes na etiqueta \ndo Paco, \xc3\xa9 provavel que tambem em Porlugal se tenha \nalterado o antigo ceremonial com as vicissitudes politicas; \npor isso vos recommendo que logo que chegueis a Lisboa \ne tenhais que ir ao Paco, vos informeis do que \xc3\xa9 costume, \ne conformar-vos rigorosamente com elle, em quanto que \neu, que s\xc3\xb3 conheci o Paco antigo, vou a dizer-vos o que \nent\xc3\xa0o se praticava. \n\n\n\nDO PACO. 41 \n\nToda a pessoa, que eslava em posicao de ir beijar a \nm\xc3\xa0o a El-Rei, ou a alguma Pessoa Real, vestia-se de cere- \nmonia, segundo a c\xc3\xb3rte, e a sua qualidade, mettia-se na \nsua carruagem ou sege d\'aluguer (se a n\xc3\xa0o tinha propria), \ne ia apear-se a porta do Palacio. Entrando na primeira \nsala, em que estam os archeiros da guarda real, passava \nimmediatamente \xc3\xa0 segunda dos Porleiros da cana, aos \nquaes mostrava, ao menos pela primeira vez, a carta de \nF\xc3\xb3ro de Fidalgo, ou outro qualquer titulo que lhe desse \nentrada na terceira sala, chamada do Docel, onde estavam \nos Titulares, Ministros estrangeiros, eie... para onde pas- \nsava; mas se n\xc3\xa0o tinha o dito F\xc3\xb3ro deixava-se ficar na se- \ngunda, onde estavam Coroneis de regimentos, autoridades \ncivis e criminaes, Prelados d\'Ordens Religiosas, etc. \n\nNos ultimos tempos j\xc3\xa0 se n\xc3\xa0o apresentava a carta, e cada \nuni se annunciava pelo que era, quando os Porteiros da \ncana o perguntavam. \n\nA penas se abria a porta que dava na sala do docel, onde \nj\xc3\xa0 El-Rei estava com a Familia Real, e a c\xc3\xb3rte fazendo pa- \nrede nos dous lados da sala, formava-se urna linha de \npessoas que iam a urna e urna mui pausadamente ale \nchegar aos degr\xc3\xa0os do throno. Fazia-se urna leve cortezia \nao Mestre-Sala, Esmoler-M\xc3\xb2r e Camaristas, que estavam \xc3\xa0 \nporta defronte d\'El-Rei. Chegando junto \xc3\xa0 Magestade se lhe \nfazia urna genuflex\xc3\xa0o, que consistia em dobrar uni pouco \no; joelhos , ficando o corpo direito, e immediatamente \npondo um joelho em terra se lhe beijava a m\xc3\xa0o, e levan- \ntando-se se tornava a fazer outra genuflex\xc3\xa0o corno a pri- \nmeira, e voltando sobre o lado direito se ia saindo para \nfora com milita gravidade. Dando quatro ou ciuco passos \nse virava de toclo para El-Rei, e se lhe fazia a segunda \ncontinencia curvando corno disse os joelhos, e para os Ca- \nmaristas, que ficavam ent\xc3\xa0o fronteiros, urna leve inclinac\xc3\xa0o, \ne voltando corno primeiro davam-se os passos que restavam \n\n\n\n4\'2 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nat\xc3\xa9 \xc3\xa0 porta, por onde se saia da sala, e d\'ahi se fazia a \nultima genuflex\xc3\xa0o \xc3\xa0 Magestade, e a segunda reverencia aos \nCamaristas, que f\xc3\xaccavam ao lado, principiando d\'aquelle em \nque acabou a primeira cortezia at\xc3\xa9 os ultimos; e isto mesmo \nse praticava nos beijam\xc3\xa0os das Rainhas e Princezas, coni \nas Damas e Senhoras que lhes faziam a c\xc3\xb3rte. \n\nSe os Principes e Infantes estavam coni El-Rei, com\xc3\xb2 era \ncostume, beijava-se-lhes a m\xc3\xa0o depois de Sua Magestade. \nSe a Rainha dava beijam\xc3\xa0o separado, samdo-se da sala \nonde estava El-Rei, entrava-se para a da Rainha, e prati- \ncava-se o que acabo de dizer. \n\nQuando alguma pessoa se encontrava coni El-Rei, Rainha, \nPrincipes e Infantes, se ia a p\xc3\xa9 parava, e ao passar punha \num joelho em terra, sem ir beijar-lhe a m\xc3\xa0o, pois est\xc3\xa0 \nhonra fora de beijam\xc3\xa0os n\xc3\xa0o se concedia de ordinario sen\xc3\xa0o \naos Grandes, e criados da casa, ainda que a Magestade \nviesse tambem a p\xc3\xa9. Por\xc3\xa9m se a pessoa ia a cavallo, ou \nem carruagem, se apeava e fazia as sobreditas continen- \ncias ajoelhando coni um joelho. \n\nMuito temo, meus filhos, que o \xc3\xa0ntigo respeito que eli- \ntre n\xc3\xb3s se tinha aos nossos Principes se tenha perdido, \nmas ainda que o acheis degenerado em desprezo, n\xc3\xa0o te- \nnti ais isto conio uso sen\xc3\xa0o corno abuso que deveis olhar \nconi indignac\xc3\xa0o. Sabei, que passar\xc3\xa0 sempre por mal \ncriado e grosseiro aquelle homem que (republicano que \nfosse) negasse ao Chefe do Estado o que n\xc3\xa0o nega a seu \nvisinho.- \n\nPor outros differentes motivos podes ser admillido, Theo- \nphilo, a presenca do Monarcha : es mais frequentes sam, se \nfizeres parte d\'urna deputac\xc3\xa0o, ou obtiveres umaaudiencia \nespecial. N\'estes dous casos a primeira cousa que deves \nfazer \xc3\xa9 informares-te d \'aquella pessoa, por quem tiveres \nrecebido a participac\xc3\xa0o, qual \xc3\xa9 a formalidade que costuma \npraticar-se, por isso que a etiqueta p\xc3\xb3de ter mudado. Isto \n\n\n\nDO PACO. 45 \n\nn\xc3\xa0o obstante, sempre le quero dizer o que se pratica nas \nc\xc3\xb3rtes civilizadas da Europa. \n\nLogo qiie entrares na sala onde est\xc3\xa0 o Monarcha far-lhe- \nhas urna venia : far\xc3\xa0s a segunda a dez passos de distancia, \ne a terceira a trez. Em paiz estrangeiro n\xc3\xa0o beijar\xc3\xa0s a m\xc3\xa0o \nao Rei, se esse n\xc3\xa0o \xc3\xa9 o costume; mas em Portugalte apro- \nximar\xc3\xa0s da Magestade, fazendo o que j\xc3\xa0 te disse a res- \npeito do beijam\xc3\xa0o (pag. 40); recuar\xc3\xa0s um pouco, de modo \nque conserves a distancia de trez passos, e comegar\xc3\xa0s \nent\xc3\xa0o a fallar-lhe. Em todo o tempo que lhe fallares ter\xc3\xa0s \na cabeca levantacla, o corpo direito e beni composto, coni \ngravidade, mas seni affectac\xc3\xa0o; faze toda a diligencia por \nbeni articular, mas n\xc3\xa0o falles em tom alto nem corno en- \ntoando; olha para o Rei, mas n\xc3\xa0o fites os teus olhos nos \nd\'elle. N\xc3\xa0o affectes nem a postura d\'uni escravo timorato, \nnem a d\'uni tribuno insolente : estes dous papeis sani \ndespreziveis, e nenhum homem de beni deve affectar o \nque a civilizag\xc3\xa0o proscreve, nem usurpar o que a decencia \nn\xc3\xa0o permitte. \n\nJ\xc3\xa0 vos disse, meus fillios, e torno a repetir-vos que a \netiqueta p\xc3\xb3de mudar, mas o que \xc3\xa9 invariavel, \xc3\xa9 a gravidade \ne o ar respeitoso coni que o subdito se deve aproximar \ndo Rei ou de qualquer outro homem revestido d\'urna di- \ngnidade unica no Estado; porque est\xc3\xa0 dignidade prova o \nconcurso das vontades d\'uni povo, e o dirigir-se a ella, \nseja coni que titillo for, \xc3\xa9 reconliec\xc3\xa8l-a. \n\nNo Paco, meus fillios, deve-se fallar pouco mais ou me- \nnost\xc3\xa0o baixo conio na igreja, andar (ambem miri de manso \ne fazer diligencia por n\xc3\xa0o se fazer notar; em todas as cir- \ncumstancias \xc3\xa9 de bom gosto n\xc3\xa0o buscar chamar a attenc\xc3\xa0o \nsobre si, e at\xc3\xa9 \xc3\xa9 util aos mais vaidosos; porque \xc3\xa9 tao dif- \nfidi o ser contente neste genero, e tao doloroso o n\xc3\xa0o \ns\xc3\xa8l-o, que o mais seguro \xc3\xa9 n\xc3\xa0o mostrar nenhuma preten- \nc\xc3\xa0o; e o mais sensato n\xc3\xa0o a ter. \n\n\n\nGODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nEm qualquer logar que vamos ver devemos conduzir- \nnos com a maior reserva. Pessoas tenho eu visto bem nas- \ncidas, e j\xc3\xa0 em idade madura, que n\xc3\xa0o sabiam abster-se de \ntocar com as m\xc3\xa0os os objectos d\'arte que se offereciam a \nseus olhos. Este defeito \xc3\xa8 talvez mais sensivel entre Portu- \nguezes; que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 sem fondamento que se formou o ada- \ngio vulgar : \n\n\xc2\xab Nao poder ver sem tocar \n\xc2\xab \xc3\x89 manha de Portugal. \xc2\xbb \n\nEm toda a parte \xc3\xa9 isto indiscreto, mas no Paco \xc3\xa9 atrevido. \n\nNunca n\'outros tempos passou pela id\xc3\xa8a de ningum que \nvisitava os quartos d\'El-Rei ou da Rainha o assentar-se, \nporque nem liavia em que. Ouvi o que a este respeito diz \no P e Vieira com o seu costumado sai : \xc2\xab N\xc3\xa0o sabeis que \nem palacio assim corno n\xc3\xa0o ha mais que um s\xc3\xb3 docel, ha \ntambem urna s\xc3\xb3 cadeira? N\xc3\xa0o sabeis que os grandes ali \nse cansam d\'estar em p\xc3\xa9, s\xc3\xb3 descansam de joelhos, arrima- \ndos quando muito a urna credencia d\'aquelles idolatrados \naltares 1 ? \xc2\xbb Hoje em dia, quando se vai ver o palacio do \nRei, \xc3\xa9 permittido pedir urna cadeira aos criados, e des- \ncansar um pouco assentado ; mas ha estultos que julgam \ndar de si urna grande id\xc3\xa8a sentando-se n\'uma cadeira de \nbracos ou n\'um canap\xc3\xa9, corno se o mostrar familiaridade \ncom um Rei ausente provasse ou coragem ou favor : isto \nn\xc3\xa0o indica sen\xc3\xa0o ignorancia e grossaria. \n\n\xc3\x89 necessario ser generoso para com os criados que mos- \ntrarli os aposentos reaes, e quem \xc3\xa8 obrigado a seguir urna \nrigorosa economia deve saber limitar sua curiosidade : \nisto applica-se a vista de todos os museus, galerias e gabi- \nnetes que n\xc3\xa0o sam destinados para o publico. N\xc3\xa0o se de- \nvem pedir distinccoes sen\xc3\xa0o tendo meios e intendo de \nas pagar. \n\n1 Vieira Abrev., tom. II, pag. 376. \n\n\n\nDO PACO. 45 \n\nKos dias de recepc\xc3\xa0o no paco \xc3\xa9 hoje permiltido assen- \ntar-se, e para isso ha cadeiras nas salas; os convidados \nacham-se ali nas mesmas condic\xc3\xb2es qne em qualquer oulra \nreun\xc3\xac\xc3\xa0o de gente nobre e abastada. \n\nAs senhoras tambem erano obrigadas a fazer trez me- \nsuras quando iam \xc3\xa0 presenca do Rei, da Rainha, dosPrin- \ncipes ou Princezas, e para que as podessem fazer airosa- \nmente tomavam antes lic\xc3\xb2es do mestre de danca. Se este \nuso estiver em vigor, tu, Eugenia, n\xc3\xa0o ter\xc3\xa0s nenhuma \ndifficuldade em o seguir, porque tiveste boni mestre, e a \nprimeira colisa que aprendeste foi a fazer urna mesura \nifaire la r\xc3\xa9v\xc3\xa8rence). \n\nQuando fallardes a El-Rei direis Senhor, e se fallardes \nem francez, Sire; depois continuai a fallar-lhe em terceira \npessoa, dizendo Vossa Magestade, e \xc3\xa0 Rainha, Senhora, \nem francez. Madame. Tomai muito cuidado de n\xc3\xa0o ca\xc3\xacr \nno erro em que caem os estrangeiros que querem fallar \nportuguez sem o saberem, e at\xc3\xa9 muitos compatriotas que \nandaram milito tempo por lerras estranhas, que consiste \nem por no genero feminino os adjectivos corno referindo-se \n\xc3\xa0 palavra Magestade, sendo que enfre n\xc3\xb3s se referem ao \nRei e por isso se d\xc3\xa8vem por no masculino. Dm Francez \ndira correctamente Votre Majesl\xc3\xa9 est satisfatte, mas um \nPortuguez commetter\xc3\xa0 um erro se disser Vossa Magestade \nest\xc3\xa0 satisfeita; deve dizer, est\xc3\xa0 satisfeito. \n\nPara proceder coni methodo fallarci em separado do \nque entre n\xc3\xb3s se chama tratamentos, mas contar-vos- \nhei antes urna anecdota d\xc3\xacim philosopho grego. \n\nISMEMAS. \n\nOs Gregos ter-sc-iam por deshonrados se fossem obri- \ngados a postrar-se diante do rei da Persia, segundo a eti- \n\n\n\n40 CODIGO DO BOM TOM. \n\nqueta do paco imposta aos vassallos d\'aquelle poderoso \nsoberano. Ismenias, deputado dos Thebanos, presentou-se \n\xc3\xa0 audiencia do Monarcha; que vinha elle sollicitar urna \ngraca importante. Advertiram-no por\xc3\xa9m que n\xc3\xa0o seria ad- \nmittido se n\xc3\xa0o se prostrasse, corno todos os outros, na \npresenca do grande rei (assim \xc3\xa9 que chamavam o monar- \ncha da Persia) : \xc2\xab N\xc3\xa0o seja essa a duvida, respondeu Is- \nmenias; fazei com que eu falle ao Principe. \xc2\xbb Entrou o \nphilosopho, com a liberdade de grande musico que era, \ne quando chegou ao p\xc3\xa9 do rei, deixou ca\'ir o seu annel e \nlogo se abaixou para o levantar. rei tomou esla incli- \nnac\xc3\xa0o por urna prostrac\xc3\xa0o, e, mais contente com a pre- \ntendida homenagem d\'um homem livre que com todas \nas zumbaias dos seus coi tez\xc3\xa0os, concedeu-lhe tudo o que \nelle quiz. \n\n\n\nCAPITILO III \n\n\n\nDOS TRAT\xc3\x80MENTOS \n\n\n\nSe alguma cousa invejo na lingua franceza \xc3\xa9 a facilidade \nconi que podemos tratar coni toda a sorte de pessoas (que \nn\xc3\xa0o sani da familia rea!) sem estarmos coni duvidas se \nlhe fallaremos por Excellentia, por Senhoria ou Merc\xc3\xa8 \\ \nnada mais commodo que o vous francez, e nada mais \nembaraeoso que as distincc\xc3\xb2es que entre n\xc3\xb3s somos obri- \ngados a fazer, e que muitas vezes por deseuido ou por \nfgnoraneia involuntaria nos fazem passar por impoliticos \ne grosseiros. \n\nIsto nao restante, meus filhos, pelas raz\xc3\xb2es que j\xc3\xa0 vos \ntenho dado, devemos conformar-nos coni o costume da \nnossa terra, e muito mais pelo que pertence aos tralamen- \ntos, por isso que foram regulados por urna lei, que me \nnati consta estrja derogada. \n\nDir-vos-bei em resumo as disposic\xc3\xb2es d\'est\xc3\xa0 lei, que \nainda se observano expediente das Secrelarias, Chancella- \nrias, Tribunaes, eie. \n\nAo Cardeal Patriarcha de Lisboa, e a qualquer outro \nCardeal d\xc3\xa0-se Eminencia e o tratamento de E\xc3\xac)ii)ientissimo \ne Reverendissimo Se\xc3\xaci\xc3\xacior. \n\nAos grandes do Reino, sejam Ecclesiasticos ou Secu- \nlares, falla-se e escreve-se por Excellencia, e no allo de \n\n\n\n48 \n\n\n\nCODIGO DO BOI TOM. \n\n\n\ntodos os papeis que se lhes escrevem, corno tambem no \nsobrescripto se poe, sendo Ecclesiastico, o tratamento de \nExcellentissimo e Reverendissimo Senhor, e sendo secular, \no de Illustrissimo e Excellentissimo Senhor; da mesma \nsorte se falla e escreve aos Secretarios d\'Estado, e no \nprincipio dos ditos papeis se n\xc3\xa0o usa dos antigos termos, \nMeu Senhor ou Senhor meu (que eram castelhanos intro- \nduzidos no tempo dos Philippes), o que igualmente se \nobserva com todas as pessoas de qualquer qualidade. \n\nEste mesmo tratamento se dava ao Regedor das Justicas, \nao Governador da Rela^\xc3\xa0o do Porto, aos V\xc3\xa9dores da Fa- \nzenda, aos Presidentes do Desembargo do Pa$o, da Mesa \nda Consciencia e Ordens, do Conselho Ultramarino, e do \nSenado da Camara de Lisboa ; este mesmo tratamento se \nd\xc3\xa0 hoje \xc3\xa0s pessoas que com diverso nome occupam urna \nsimilhante posic\xc3\xa0o social. \n\nAos Embaixadores junto de potencias estrangeiras que \neram ou tinham sido, aos Vice-Reis da India, assim actuaes \ncorno os que haviam sido, aos Governadores das Armas, \naos Tenentes Generaes, aos Conselheii os de guerra, aos \n\xc3\x80lmirantes, aos Capit\xc3\xa0es Generaes se dava o tratamento de \nExcellencia; e o mesmo se d\xc3\xa0 hoje a estas dignidades, e \ntambem aos Pares de Reino e Conselheiros d\'Estado, etc. \n\nAos Bispos que assistiam no reino, e n\xc3\xa0o eram nomea- \ndos por El-Rei, e aos Ministros da Santa S\xc3\xa9 Patriarchal do \nHabito Prelaticio se lhes dava o tratamento de Senhoria \nIllustrissima, por\xc3\xa9m aos Conegos da Basilica Patriarchal, \nque n\xc3\xa0o tinham o dito Habito, o de simples Senhoria. \n\nAos Viscondes e Bar\xc3\xb2es, aos Off\xc3\xacciaes da Casa Real, aos \nGentis-Homens da Camara dos Infantes, aos Mocos-Fidal- \ngos, aos f\xc3\xaclhos e f\xc3\xaclhas legitimos dos Grandes, dos Vis- \ncondes e Baroes, dos off\xc3\xacciaes da Casa Real se dava o tra- \ntamento de Senhoria. \n\nAos Enviados e Residentes nas cortes estrangeiras se \n\n\n\nDOS TftATAMENTOS. \n\n\n\n49 \n\n\n\nclava o mesmo tratamento, e bem assim aos Governadores \nde Praca, e Capitanias no Reino e Conquistasi Os Coroneis \nde Regimento s\xc3\xb3 tinham direito a exigil-a de seus officiaes \ne soldados. \n\nAs Senhoras tinham o mesmo tratamento que seus ma- \nridos; por\xc3\xa9m as Camareiras M\xc3\xb3res, as \xc3\x80ias, as Donas de \nHonor, e as Damas do Paco tinham o tratamento d\'Excel- \nIe?t eia. \n\nA\'s irm\xc3\xa0s e filhas legitimas dos Mocos-Fidalgos se dava \no tratamento de Senhoria. \n\nEst\xc3\xa0 era a lei dos tratamentos, que foi promulgada por \nEl-Rei Dom Jo\xc3\xa0o V\xc2\xb0. Ella conservava muitas das disposi- \ncoes d\'outra publicada no tempo dos Philippes (1597), de \nque vos quero dar noticia porque ainda hoje se seguem. \n\nQuando se escrevia ou requeria a El-Rei punha-se no \nalto das cartas ou papeis ; Senhor, sem outra cousa. E no \nfirn, Deos guarda a fessoci de Yossa Magestade; no firn da \nlauda em que se acabava a carta ou papel punha-se a assi- \ngnatura sem nenhuma outra cousa; e no sobrescrito \npunha-se, A El-Rei Nosso Senhor. \n\nOs Duques, Marquezes e seus f\xc3\xacllios primogenitos s\xc3\xb3- \nmente podiam por no sobrescrito, A El-Rei meu Senhor, \ne o mesmo sobrescrito podiam por todos os mais f\xc3\xaclhos \ndos Duques al\xc3\xa9m do primogenito, que tinham parentesco \ncom a Casa Real dentro do quarto gr\xc3\xa0o. \n\nAos Principes Herdeiros, se escrevia do mesmo modo \nmudando a Magestade em Alteza. \n\nAos Infantes e Inlantas se fallava s\xc3\xb3mente por Alteza, e \nno sobrescrito se punha, Ao Senhor Infante N., A Senhora \nInfante N. Por\xc3\xa9m quando se escrevia ou dizia absoluta- \nmente Sua Alteza, era s\xc3\xb3mente com referencia ao Principe \nHerdeiro e successor do Reino. \n\nEste mesmo tratamento se dava aos genros e curihados \ndos Reis, e a suas noras e cunhadas. \n\n\n\n50 CODIGO DO BOM TOM. \n\nAos filhos e filhas legitimos dos Infanles se punlia no \nallo da caria, Senhor, e nos sobrescritos, Ao Senhor \nDon iVV, ou A\' Senhora Dona A T ., e se Ities escrevia e fal- \nlava por Excellencia. \n\n\xc3\x80l\xc3\xa9m d\'estas leis sobre os tratamentos liavia alguns al- \nvar\xc3\xa0s d\'El-Rei Doni Jos\xc3\xa9 a este respeito. \n\nPeloalvar\xc3\xa0de 15 de Janeiro de 1759 deu Excellencia \naos Gentis-Homens da Camara de Sua Magestade, ainda \nn\xc3\xa0o sendo Titulares, e aos Mestres de Campo Generaes ; e \nSenhoria a todos os Ministros, que tivessem carta de Con- \nsolilo. \n\nPelo de 27 de \xc3\x80bril de 1759 deu Senhoria aos Sargentos \nM\xc3\xb3res de batalha. \n\nPela lei de 20 de Junho de 1764 se deu ao Esmoler M\xc3\xb3r \ne seu substituto o tratamento de Senhoria. \n\nTaes sam, meus filhos, todas as disposi^\xc3\xb2es que regu- \nlavam os tratamentos, e bem vedes que n\xc3\xa0o era cousa \nindifferente entre os nossos maiores; por\xc3\xa9m muitos abusos \nse h\xc3\xa0o introduzido, que na sociedade e no trato das pes- \nsoas bem educadas t\xc3\xa8m quasi forca de lei. Deixai pois \xc3\xa0s \nSecretarias e Tribunaes seguir este regulamento, que s\xc3\xb3 \nvos citei para que n\xc3\xa0o vos admirasseis quando visseis urna \ntal anomalia, mas segui o costume geralmente estabele- \ncido de dar Excellencia a todos os Titulares e Officiaes \nmaiores do Paco, aos Pares do Reino, Marechaes do exer- \ncito, Almirantes, Vice-Almirantes, Tenentes Generaes, Pre- \nsidentes dos tribunaes supremos e seus membros* Gr\xc3\xa0o- \nCruzes, ao Presidente e Secretarios da Camara dos Depu- \ntados, mas s\xc3\xb3mente durante o tempo que exercem os seus \ncargos; e Senhoria a todo militar que cinge banda, a lodo \nhomem de lettras gradimelo na Universidade, a toda auto- \nridade civil que corresponda a Juiz de fora e d\'ahi para \ncima, a todo cavalleiro de qualquer ordem que seja, e em \nfirn a quasi toda a gente que veste casaca, e ngo exerce \n\n\n\nDOS FMT\xc3\x80MENTOS. \n\n\n\nofficio mecanico nem commerc\xc3\xa8a em relalho; para coni \nas senhoras s\xc3\xa8de ainda mais liberal, especialmente nas \nprovincias em que as mulheres de simples cavaiheiros e \nmorgados estam na posse de receb\xc3\xa8rerr\xc3\xac Excellencia. Do \nque eusta pouco deve se dar bom mercado. Um meio ha \nde declinar a difficuldade naescolh\xc3\xa0 do tratamento, e veni \na ser de fallar em terceira pessoa, dizendo, o Senhor N., \nou a Sen\xc3\xacwra deseja isto, quer aquillo, etc. Poder-vos-heis \nservir d\'elle nalguns easos, mas deveis saber que mima \nsala de pessoas beni criadas o Tossa Merc\xc3\xa9 mio tem en- \ntracte. \n\nPor isso que alguma vez sereis obrigados a fallar em \nfrancez, ou seja em Portugal ou neutro qualquer paiz, eis \naqui corno direis. \n\nAos Principes, Monseigneiir e Y otre Alt esse Royale. \n\nA\'s Prin\xc3\xa8ez\xc3\xa0s, Madame e Yotre Altesse Royale; mas tan\'o \naos Principes corno as Princezas, se a conversac\xc3\xa0o se alon- \ngar, deveis dizer : Monseigneur e Madame, empregando a \nterceira pessoa, e fallando-lhe a elles mesmos, corno se \nfallasseis d\' \'elles. \n\nAs senhoras, em Franca, n\xc3\xa0o cliamaram nunca Monsei- \ngneur sen\xc3\xa0o aos Principes da familia real, aos Principes de \nsangue e aos Bispos. Monsieui\\ precedendo todosos outros \ntitulos, corno due, marquis, comte, marcclial, etc, era a \nunica polidez que d\'ellas se exigia. \n\nEni Franca algumas pessoas t\xc3\xa8m o titillo de prince; a \nestes, assim corno aos principes estrangeiros, diz-se mon \nPrince, a suas mulheres, Madame ou Princesse, se ha coni \n\xc3\xa9llas alguma intimidade; mas tende muito cuidado de n\xc3\xa0o \ntratar por Monseigneur aos principes que n\xc3\xa0o sani desti- \nnados a remar, e por Prince aos que pertencem a u ma \nfamilia reinante. \n\nK\xc3\xa0o digais nunca : le Due d\'Orl\xc3\xa9ans, le Due de Nemours, \nle Due d\'Aumale, etc; mas M. le due d\'Orl\xc3\xa9ans, M. le due \n\n\n\n52 CODIGO DO BOM TOM. \n\nde Nemours, etc. Ainda que fosseis da sua casa devieis \nfallar assim, ou dizer simplesmente le Prince. Fallai do \nmesmo modo de suas mulheres, ou dizei : Madame la \nDuchesse d\'Orl\xc3\xa9ans, ou la Princesse, mas se nao quereis \nexprimir-vos corno os lacaios ou mo^os da estribeira, nao \ndigais nunca nem le Due, nem la Duchesse, fallando dos \nparentes d\'El-Rei. \n\nNo exercito chama-se aos Marechaes, Monseigneur, aos \nGeneraes, Coroneis, Capit\xc3\xa0es, diz-se mon General, mon \nColonel, mon Capitarne; mas nao se diz mon Lieutenant, \nnem mon Sous- Lieutenant. \n\nNas antigas Casas Ducaes em Portugal, que correspon- \ndem \xc3\xa0s Casas princi\xc3\xa8res de Franca, quando se fallava aos \nDuques, dizia-se o Duque meu Senhor, a Duqueza minha \nSenhora; e fallando-se d\'elles, o Duque, a Duqueza, e \nnunca o Senhor Duque, nem a Senhora Duqueza. \n\nQuando fallardes ou escreverdes a algum Bispo francez, \nou em francez a algum Bispo estrangeiro, tratai-o por \nMonseigneur, e Volre Grandeur, e no plural Nos Sei- \ngneurs; mas quando lhe fallardes nao lhe beijeis o annel \nnem dobreis o joelho corno se pratica em nossa terra, o \nque ninguem faz em Franca, nem ainda os clerigos quando \nfallam a seus prelados. \n\nEm conclus\xc3\xa0o, meus f\xc3\xacllios, digo-vos que em qualquer \nposic\xc3\xa0o ou lugar que vos acheis, quando nao estiverdes \nbem certos dos usos e costumes, perguntai, consultai, e \nsegui sempre o exemplo e as advertencias das pessoas \nsensatas que os sabem praticar. Nao vos envergonheis \nnunca de parecerdes ignorantes dos usos; de que vos de- \nveis envergonhar \xc3\xa9 de realmente os ignorardes, ou de \nfazerdes pouco caso d\'elles. \n\nPor mui extravagante que vos parega urna etiqueta, \nsubmettei-vos a ella. Um homem que a ninguem cedia em \naltivez e soberba, e ale em vaidade, Napole\xc3\xa0o, dizia a Lord \n\n\n\nDOS TRATAMENTOS. \n\n\n\n55 \n\n\n\nAmherst, quando voltou da China :\xc2\xab Como! recusastes \nurna audiencia do Imperador, porque era mister fazer urna \nprostrac\xc3\xa0o! Se eu fosse El-Rei d\'Inglaterra diria ao meu \nEmbaixador : Deitai-vos de brucos duas horas, se tanto \nfor preciso, mas consegui o firn de vossa embaixada 1 . \xc2\xbb \nNapoleao tinha razao. N\xc3\xa0o ha que pavonearse nem que \nhumilhar-se d\'um uso que nada tem de excepcional nem \nde pessoal. As honras que se devem a um emprego, por \ngrandes que sejam, lisongear\xc3\xa0o sempre menos a vaidade \ndo que os suffragios outorgados aos merecimentos inhe- \nrentes ao individuo ; o mesmo succede com os encargos e \ncom as exigencias. Um espirito superior n\xc3\xa0o d\xc3\xa0 grande \nimportanza \xc3\xa0s formalidades; mas nao falta a nenhum-a. \n\nAssaz vos tenho dito, meus f\xc3\xaclhos, das altas posic\xc3\xb2es so- \nciaes, onde, se meus votos se realizarem, raramente vos \nachareis. Fallemos da sociedade no meio da qual haveis de \nviver, mas antes ouvi urna anecdota curiosa de \n\nDEMOSTHENES \n\nEste grande orador atheniense parou um dia no meio \ndo seu discurso, por ver que o povo n\xc3\xa0o dava ouvidos ao \nque elle dizia, e poz-se a contar urna historia : \xc2\xab Era d\'urna \nvez um mancebo que, nos grandes calores do estio, alu- \ng\xc3\xa0ra um jumento para ir de Athenas a Megara. A 1 hora do \nmeio dia, quando o calor era mais intenso, para esquivar-se \naos ardores do sol, quiz o mancebo accolher-se \xc3\xa0 sombra \ndo jumento, mas o alquilador Ilio disputou este dircito, \nsustentando que lhe tinha alugado o animai, mas n\xc3\xa0o a \nsua sombra. mancebo profiava dizendo, que tendo-lh\xc3\xa9 \n\n1 \xc2\xab Quoi ! vous avez refus\xc3\xb2 une audience de l\'empereur, parce qu\'il \nfaut se prosterner! Je dirais \xc3\xa0 mon ambassadeur, nioi : Kcstez dcux \nhcures ventre \xc3\xa0 terre, s\'il le faut, mais r\xc3\xa9ussissez. \xc2\xbb \n\n\n\n54 \n\n\n\nGODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nalugaclo a cavalgadura tambem llie alug\xc3\xa0ra a sua sombra. \xc2\xbb \n\xc3\x80qui poz Demosthenes ponto \xc3\xa0 sua historia, e desceu da \ntribuna; mas o povo lhe teve m\xc3\xa0o, pedindo-lhe coin muita \ninstancia que acabasse a sua historia, e lhe dissesse corno \ntinha terminado a contenda. Ent\xc3\xa0o o sublime orador, \nlevantando aquella voz vibrante com que fazia tremer o \nrei de Macedonia: \xc2\xab Deoses protectores de Athenas, ex cia- \nna ou, vede com que avidez vosso povo d\xc3\xa0 ouvidos \xc3\xa0s bis- \ntorias frivolas e pueris, e a criminosa indifferenca coni \nque recebe os conselhos sobre os mais caros interessos da \npatria! \xc2\xbb \n\n\n\nCAPITOLO IV \n\n\n\nDAS ASSEMBL\xc3\x89AS \n\n\n\nFelicito-vos, meus filhos, de terdes vinc\xc3\xaco ao numdo \nnum tempo em que a moda pede que se amont\xc3\xb3e mima \nsala mais alguma gente do que ella p\xc3\xb3de conter; porque \nquando eu era da vossa idade sa\xc3\xb9dava-se mima reuni\xc3\xa0o, \nnem mais nem menos, corno quando se entrava no quarto \nd\'El-Rei. Hoje em dia faz-se urna cortezia ao entrar em \ncada sala, e \xc3\xa0 porta d\'aquella em que est\xc3\xa0 a senbora da \ncasa; depois espera-se milito tempo antes de poder pene- \ntrar a multid\xc3\xa0o que est\xc3\xa0 em torno d\'ella e que muitas \nvezes vos impede de repetir vossa cortezia. \n\nCreio que o mestre de danca que vos dei, vos ens\xc3\xacnou a \nfazer as cortezias e o modo de vos presentardes; com tudo \nsempre te advirto, meu f\xc3\xacllio, que \xc3\xa9 necessario deixar \ncair os bracos, abaixar a cabeca e curvar-se gradualmente. \nSe curvares as costas seni abaixar a cabeca, tua cortezia \nsera o mais des\xc3\xa0irosa possivel, e se queres ver a triste \nfigura que far\xc3\xa0s, represenla-te uni bomem cuja cabeca \nest\xc3\xa0 levantada quando os bombros se inclinarti para o \nch\xc3\xa0o. \n\nChegado junto da senbora da casa far\xc3\xa0s aquelles cum- \nprimentos que sam d\'estylo entre n\xc3\xb3s, mas que nao sejam \nlongos nem em voz mui alta ; depois cortejar\xc3\xa0s as demais \n\n\n\n56 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nsenhoras, dando dous ou trez passos, e voltando-te pri- \nmeiramenle para o lado onde f\xc3\xaccam mais, e logo para o \noutro onde est\xc3\xa0 o resto das senhoras. \n\nSe for occasi\xc3\xa0o d\'annos ou parabens, cumprimentada a \nsenhora principal da casa, deves dirigir-te a que faz annos, \nou que \xc3\xa9 o motivo d\'aquelle ajuntamento, e a cumpri- \nmentar\xc3\xa0s tambem corno a todas as mais senhoras, que \nigualmente forem interessadas, ainda que estejam distantes \numas das outras, dizendo-lhe, v. g. : Estimo, minha Se- \nnhora, que vossa Senhoria, Excellencia, etc, tenha tao \ngrandes motivos de gosto, e que os conte muitas vezes;... \nou simplesmente : Dou a Vossa... os parabens pelo dia \nd\'hoje. Sendo por occasiao de regozijo, podes dizer : Minha \nSenhora, dou a V. S., etc, os parabens por est\xc3\xa0 grande \nfelicidade, etc, ou outras expressoes similhantes. Ao que \na senhora p\xc3\xb3de responder: \xc3\x80gradeco a V. S., etc, o obse- \nquio que me faz..., as expressoes com que me trata..., \ncom que me lisonj\xc3\xa8a..., os testemunhos que me d\xc3\xa0 do seu \ncontentamento..., o interesse que toma pelo que me per- \ntence..., etc, fico bem persuadida do quanto devo a \nV. S..., etc, \xc3\xa0 sua attenc\xc3\xa0o, etc, e similhantes cumpri- \nmentos. \n\nCortejadas as senhoras na f\xc3\xb3rma exposta, procura o \nsenhor da casa com preferencia tambem a todos, e cum- \nprimenta-o; depois voltando-te para os mais senhores, \nfaze-lhes urna cortezia, por\xc3\xa9m menor que \xc3\xa0s senhoras. \nEnt\xc3\xa0o escolher\xc3\xa0s aquelle lugar que vires desoccupado, \npreferindo sempre os que ficam junto \xc3\xa0 porta, que sam os \nmais inferiores, nunca aceitando os offerecimentos que \nte fizerem os senhores, que comp\xc3\xb2em a assembl\xc3\xa8a, com \nincommodo d\'elles; por\xc3\xa9m se o escudeiro ou dono da casa \nte designar o lugar ou cadeira, a deves aceitar, e assen- \ntar-te nella com ar nobre, conversando agradavelmente \ncom as pessoas que te ficarem ao lado. \n\n\n\nDAS ASSEMBL\xc3\x89AS. \n\n\n\n07 \n\n\n\nSe a assembl\xc3\xa8a for franceza, ou se fallar em francez, \ndir\xc3\xa0s, meu fillio, quando te aproximares da senhora : \nMadame, fai Vhonneuv de vous pr\xc3\xa9senter mes hommages; \nou je vous offre mes hommages; vous me semblez bien vous \nporter. Estas e outras phrases similhantes se pronunciam \npor entre os dentes ; quasi que se lhes n\xc3\xa0o d\xc3\xa0 attenc\xc3\xa0o, e \nresponde-se tambem d\'igual modo. Jouir d\'une bonne sante, \n\xc3\xa9 express\xc3\xa0o obsoleta, de que n\xc3\xa0o deves servir-le. Se na so- \nciedade se achar alguma senhora de teu conhecimento, \ndeves fazer-lhe teus eumprimentos, e depois retira-te para \nonde estam os homens, que nas grandes reunioes ficam \nquasi sempre de p\xc3\xa9. \n\nRecommendo-te limito, meu fillio, que estejas muito \ntempo calado, e que nunca tenhas pressa de fallar. Se \nsoubesses qu\xc3\xa0o pouco interesse se toma no que se ouve! \nSe soubesses quanto se receia applaudir os discursos d\'um \nmancebo cuja reputac\xc3\xa0o de bom juizo n\xc3\xa0o est\xc3\xa0 ainda esla- \nbelecida! Se soubesses qu\xc3\xa0o tolo p\xc3\xb3de ser um mancebo \napezar de ter muitos que o escutem, n\xc3\xa0o ambicionarias \nnunca a gloria de ser orador de sala. Accrescenta a isto, \nque muitas vezes este orador se retira mui contente do \neffeito que produziu, e seu discurso, suas noticias, seus \nconselhos commentados, sam a presa dos escarnecedores \nque acabam de o applaudir. Nada ha mais acertado que \ndeixar aos outros a gloria de oradores, e contentar-se coni \nser ouvinte. \n\nEnvergonho-me, meu fillio, de te dizer que se no meio \nd\'essas assembl\xc3\xa9as tumultuosas (que os Francezes copiaram \ndos Inglezes dando-lhes o mesmo nome de raouts) conse- \nguires assentar-te, e do teu devcr offerecer o assento a al- \nguma senhora que estiver em p\xc3\xa9 perto de ti, seja ellamoca \nou velha, bonita ou feia. Ha cincoenta annos atraz seria \ninutil est\xc3\xa0 advertencia, mas n\xc3\xa0o o \xc3\xa9 hoje. Tenho visto man- \ncubob de mui illustre nascimento asscntados, e olhando \n\n\n\n58 CODIGO DO BOM TOM \n\ndescaradamente e at\xc3\xa9 com certo contentamento para as \nsenhoras que buscavam em v\xc3\xa0o urna cadeira ou urna ponta \nde banco para se assentarem. Sempre tive grande diff\xc3\xac- \nculdade em crer que elles fossem verdadeiros gentis-ho- \nmens, ou pelo menos nunca os considerei corno taes. \n\nSera tambem necessario que te recommende que te n\xc3\xa0o \nprecipites sobre as bandeijas de doces e refrescos que \npassam por diante de ti? Sim, desgracadamente \xc3\xa9 neces- \nsario fazer-te est\xc3\xa0 recommendac\xc3\xa0o ; porque tenho visto os \ncriados verem-se obrigados a dizer a muitos mancebos ele- \ngantes : \xc2\xab Tenham m\xc3\xa0o, Senhores, olhem que n\xc3\xa0o fica nada \npara as senhoras 1 . \xc2\xbb Eu mesmo vi o Prefeito d\'urna das \ngrandes cidades de Franca ser obrigado a por de sentinella \nao lado das mesas em que estavam os doces e refrescos \ndous Conselheiros de Prefettura, para as proteger contra \na glutonaria da gente que tinha em casa, apezar de que \nuns eram nobres enfunados com os seus velhos perga- \nminhos, outros probos negociantes, outros valerosos mili- \ntares; mas todos pareciam lobos famelicos, e dispostos a \nagadanhar a cornicia \xc3\xa0 viva forca. Pelo amor de Deos, meu \nf\xc3\xacllio, come quanto tiveres na vontade antes de sair de \ncasa; mas nao tomes a socbdade por testemunha de tua \nvoracidade. \n\nEm quanto circulam as bandeijas, ou em quanto se est\xc3\xa0 \n\xc3\xa0 mesa, se ha ceia, toma cuidado das senhoras que esti- \nverem ao p\xc3\xa9 de ti, ainda que n\xc3\xa0o sejam tuas conhecidas. \nEst\xc3\xa0 attento para Ihes pegar no copo, ou no pires, quando \ntiverem acabado, e se for \xc3\xa0 mesa serve-as, faze-lhes o prato, \ndeita-lhes vinho no copo, etc. Mas faze tudo isto seni preci- \npitac\xc3\xa0o, para n\xc3\xa0o quebrares algum vaso ou copo, ou en- \ntornares o vinho em cima da mesa, o que tudo pr\xc3\xb2va pouca \npratica da sociedade, ou estonteamento de cabeca. Se, \n\n\n\n1 \xc2\xab Un instante rnessieurs, il ne rester\xc3\xa0 rien pour ces dames. \xc2\xbb \n\n\n\nDAS ASSEMBL\xc3\x89E. 59 \n\napezar de toda attenc\xc3\xa0o, por culpa tua ou de teu vizinho, \nquebrares alguma cousa, mostra sentimento, mas n\xc3\xa0o per- \nturbalo, nem sobresalto. Dize : \xc2\xab Que desastrado que sou ! \nmil perdoes !....\xc2\xbb \xc3\x89 o que basta l . Alguns pobres mancebos \na quem acontecem estes accidentes, ficarh \xc3\xa0s vezes tao \nvexados que nenhum prazer t\xc3\xa8m naquella noite; muito \ndesejo que nada d\'isto te aconteca, mas antes te quero ver \ntimido que descarado ou escarnecedor. \n\nE tu, minha Eugenia, ainda com mais raz\xc3\xa0o deves entrar \nna sala modesta e silenciosamente, e fazer com que n\xc3\xa0o \nchames sobre ti a attenc\xc3\xa0o dos circumstantes; e quando \naconteca o contrario, ao menos que n\xc3\xa0o seja nunca por \ngargalhadas de riso, ou caretas e tregeitos, ou outras \ncousas similbantes que annunciem desojas f\xc3\xacxar a attenc\xc3\xa0o \ndos circumstantes. \n\nSe entrares mima sala onde toda a gente sabe as regras \nde beni viver, notar\xc3\xa0s que a ultima senhora que cliega \noccupa a cadeira de bracos que est\xc3\xa0 ao p\xc3\xa9 da senhora da \ncasa, e que se levanta logo que chega outra senhora, para \nlhe ceder o lugar. Se te achares cercada de senhoras que \nn\xc3\xa0o conheces, espera que ellas te fallem, e responde-lhes \nsingelamente e com voz branda, mostrando-te recoiili\xc3\xa8cida \nao seu agrado. Se se calarem, cala-te tambem. Deves \nsaber, minha filba, que a urna menina, e ainda a urna \nsenhora, fica muito mal esse arde desdem, escarnecedor \nou gracejador, que entre n\xc3\xb3s \xc3\xa9 mui frequente, e que muitas \nvezes p\xc3\xb3de acarretar grandes dissaborcs : n\xc3\xa0o provoques \nnunca o odio e a ma vontade de qualquer pessoa que seja, \ns\xc3\xb2 pelo prazer de rir d\'urna cara feia, ou d\'um toucado \nridiculo. Se te divertires, n\xc3\xa0o mostres sen\xc3\xa0o urna alegria \ninoderada; se esliveres aborrida, dissimula e n\xc3\xa0o o d\xc3\xa9s a \nconhecer; reprime os bocejos, e felicita-le de saberes \n\n\n\n1 \xc2\xab Que je suis gauche, ou maladroit I mille pardonsl. \n\n\n\n60 CODIGO DO BOM TOM. \n\npreferir o estuilo e a vida domestica aos passatempos \nmundanos. \n\nSe assistires a algum concerto , ou ensaio , applaude \nquando a senhora da casa applaudir; mas n\xc3\xa0o louves \nnunca as prendas sen\xc3\xa0o em as senhoras. \xc3\x89 indecoroso a \nurna menina occupar-se dos homens. Se algum dos que \nestam na sociedade te fallar, deves responder-lhe com \npolidez e recato, mas de modo que as pessoas que esti- \nverem ao p\xc3\xa9 de ti oucam o que dizes. Olha com gravidade, \nmas nao ponlias os olhos no ch\xc3\xa0o, que \xc3\xa9 affectac\xc3\xa0o; mas \nquando fallares, ou quando dancares, olha para o hombro \nd\'aquelle que te falla. \n\nNas pequenas reunioes, que sam as mais frequentes entre \nn\xc3\xb3s, ainda deveis estar com mais attenc\xc3\xa0o do que nas \ngrandes, porque quanto menos pessoas ha numa sala tanto \nmais se observa o que ellas fazem e dizem. Se servirem \nch\xc3\xa0 ou caf\xc3\xa9 deveis esper\xc3\xa0l-o em vossos lugares ; e acabando \nde o tornar, n\xc3\xa0o querendo mais, poreis a colher dentro da \nchavena. Em Franca \xc3\xa9 necessario dizer-se se quer ou n\xc3\xa0o \nquer mais. Se alguma senhora passar por diante de ti, meu \nfillio, deves lhe dar passagem, sendo preciso, e lhe far\xc3\xa0s \ncortezia. \n\nAntigamente quando alguem espirrava dizia-se-lhe, Do- \nminas tecam, ou viva; a que se costumava responder : \nObrigado, ou Etiam teciim, e tambem bastava fazer urna \nreverenda. \xc3\x89 naturai que este costume tenha caido em \ndesuso, corno em Franca cani o Dieu voas b\xc3\xa9nisse, vous \ndonne ses grdces, ou \xc3\xa0 vos souhaits, mas se o virdes ainda \npraticar nalguma casa n\xc3\xa0o vos admireis, e conformai-vos \ncom elle, porque basta ser costume de nossos maiorespara \nmerecer o nosso respeilo. \n\nN\xc3\xa0o approvo nem vos aconselho o costume que em Franca \nt\xc3\xa8m algumas pessoas de reprimirem o espirro. Ouvi a rae- \ndicos que d\'aqui podem originar-se algumas molestias, \n\n\n\nBAS ASSEMBL\xc3\x89AS. \n\n\n\n61 \n\n\n\ncorno ruptura de veias, etc. Deixai \xc3\xa0 natureza esse desa- \nfogo, mas fazei-o com o menor ruido possivel, nunca perto \nda cara d\'alguem, e sempre que poderdes ponde o lenco \nno nariz e na boca. \n\nBem sabeis, meus f\xc3\xaclhos, quanto cuidado devemos ter \nquando nos asso\xc3\xa0mos, e quantas precaucoes devemos tornar \npara n\xc3\xa0o causar asco a nossos vizinhos. Servi-vos do lenco \ns\xc3\xb3 d\'um lado, e bem no meio; e para vos n\xc3\xa0o enganardes, \nescolhei o avesso da bainha, de maneira que ainda estando \n\xc3\xa0s escuras possais saber de que lado vos deveis assoar, o \nque facilmente se consegue apalpando com os dedos na \nponta do lenco por onde sentireis de que lado est\xc3\xa0 a cos- \ntura. Escusado \xc3\xa9 dizer-vos que nunca se c\xc3\xb2ca na cabepa, \nnem se mettem os dedos pelos cabellos, ainda menos no \nnariz, nem se levam as m\xc3\xa0os a boca para ro\xc3\xa8r as unhas, \nou urna espiga, etc. Tambem n\xc3\xa0o julgo necessario ad- \nvertir-vos que nunca se escarra na casa, nem no fogo, nem \nda janella a baixo, nem que se n\xc3\xa0o deve arrotar, ou dar \nmostras de ter ventosidade no estomago ; seria suppor que \nfostes criados entre gente grosseira e ordinaria; dir-vos-hei \ncom tudo, que o costume de n\xc3\xa0o escarrar, de n\xc3\xa0o se as- \nsoar, e de n\xc3\xa0o arrotar \xc3\xa9 t\xc3\xa0o antigo que remonta ao tempo \ndos Persas. Tu, meu f\xc3\xaclho, que estudaste o grego e tra- \nduziste ainda n\xc3\xa0o ha muito tempo a Cyropedia, ou educac\xc3\xa0o \nde Cyro, lembrado estar\xc3\xa0s do que diz Xenophonte no cap. Il, \ng 16 I T\xc3\xa8 Dt7ro7rr0ew x.at t\xc3\xb2 (/.ito\'j.vttzgOoci r.o\xc3\xa0 r\xc3\xb3 opatvearGat t/saroO; \nf\xc3\xb2vus iarb n\xc3\xa9 oc vi; ; o escarrar, e o assoar-se, e o \n\nmostrar-se cheio de ventosidade \xc3\xa9 cousa vergonhosa para \nos Persas. \n\nQuando cair no ch\xc3\xa0o alguma cousa ao teu vizinho, Theo- \nphilo, apressa-te a levantal-a, principalmente estando \xc3\xa0 \nm\xc3\xa0o direita d\'elle, e muito mais sondo urna senhora, e \ndar-lh\'a com acc\xc3\xa0o de a beijar; mas nunca o far\xc3\xa0s por \ndiante d\'alguem. Por\xc3\xa9m, quando te cair alguma cousa, le- \n\n\n\n62 CODIGO DO ROM TOM. \n\nvanla-a logo, e n\xc3\xa0o consintas que ninguem o faca por ti ; \nmas se acontecer que n\xc3\xa0o d\xc3\xa9ste por isso, e que alguem t\'a \nlevanta, \xc3\xa0gradece-o milito. \n\nQuando fallar da conversac\xc3\xa0o direi o mais que vos eumpre \nsaber; por agora s\xc3\xb3 vos digo que se sai da sala ahi da mais \nclandestinamente que se enlrou, e num raout nao se sa\xc3\xb9da \nninguem, a n\xc3\xa0o ser que as pessoas vizinhas sejam conhe- \ncidas, porque ent\xc3\xa0o diz-se-lhes adeos de modo que nin- \nguem ouca. \n\nPodia talvez hoje dispensar-se o fallar-vos dos cumpri- \nmentos, mas porque desejo que saibais quaes eram nossos \nbons usos n\xc3\xa0o omittirei este artigo. \n\nSendo a affabilidade urna das bellas qualidades que \ndevem brilhar n\xc3\xa0o menos nas assembl\xc3\xa9as que nos cum- \nprimentos, vou c\xc3\xb3ntar-Vqs duas anecdotas, urna de Sesos- \ntris ; outra de Themistocles. . \n\nSESOSTRIS. \n\nEste rei do Egypto, a quem seu pai educou para vir a \nser um conquistador, e que logo ern sua juventude medi- \ntava a conquista de toda a terra, pensou que para executar \neste vasto projecto, devia primeiro que tudo ganbar o \ncorac\xc3\xa0o do seu povo pela benevolencia e por urna affabi- \nlidade seni limites. A uns fazia presentes, a outros dava \ndinheiro, ou terras, a estes perdoava as offensas, \xc3\xa0quellcs \ndesculpava as faltas, a todos fallava .com bondade; em \nurna palavra fozia-se de tal modo amar de todos os seus \nsubditos, que elles olharam corno um benef\xc3\xaccio do c\xc3\xa9o \nviverem debaixo do seu sceptro, e quando o seguiam nas \nbalalhas, julgavam combater antes pela defesa de seu pai \ndo que pela gloria de seu rei; \n\n\n\nDAS ASSEMBL\xc3\x88A S. \n\n\n\n63 \n\n\n\nTHEMISTOCLES. \n\n\n\nA\' sua muita affabilidade deveu Themislocles, em grande \nparte, a alta fortuna a que se elevou. Este grande homem \nque pendia naturalmente para o governo popular, n\xc3\xa0o se \ndescuidava na menor cousa para se tornar agradavel ao \npovo e para grangear amigos, mostrando-se affavel para \ncom todos, condescendente, attencioso, sempre prompto \na fazer obsequios, a prestar servicos aos cidad\xc3\xa0os, a quem \nconhecia pelos seus nomes, procurando em tudo dar-lhes \ngosto. Assira que, quando alguem lhe dizia que elle gover- \nnarla peritamente, se conservasse a iguaklade entre os \ncidad\xc3\xa0os, e que se n\xc3\xa0o inclinasse mais para uns do quo \npara outros : \xc2\xab N\xc3\xa0o permitta Deos, respondeu elle, que cu \nme assente nunca num tribunal em que meus amigos \nn\xc3\xa0o tenham mais credito e favor do que os estranhos! \xc2\xbb \n\n\n\nCAPITOLO V \n\n\n\nDOS CUMPRIMENTOS \n\n\n\nAinda que os melhores cumprimentos, meus f\xc3\xaclhos, sam \nos quenascem do corae\xc3\xa0o, e se exprimem sem outra arte, \nque a candura e a verdade, com tudo, corno ainda n\xc3\xa0o \ntendes experiencia do mundo, dar-vos-hei alguns mode- \nlos, que entre n\xc3\xb3s estavam em uso, a imitacao dos quaes \npodereis formar mil outros; attendendo sempre se a pes- \nsoa a quem fallais \xc3\xa9 superior, inferior ou igual, se com \nella tendes muito conhecimento, pouco, ou nenhum; pois \nnisto \xc3\xa9 que consiste toda a belleza dos cumprimentos, \nusando j\xc3\xa0 de respeito, j\xc3\xa0 de familiaridade, conforme os \nsujeitos, os tempos e as circumstancias. \n\nDE AGRADEC1MENTO: \n\nVossa Senhoria... V. Ex , etc. me tem dado tao grandes \ntestemunhos de bondade na minha demanda..., no meu \ndespacho..., que eu n\xc3\xa0o podia deixar de vir aos p\xc3\xa9s de \nY. S., etc, dar-lhe mil agradecimentos, segurar a V. S., \netc, o desejo que tenho de merecer a honra da sua pro- \ntecc\xc3\xa0o, e os favores que me faz, pela minha obediencia, \npelo meu respeito, e pela minha gratid\xc3\xa0o. \n\n\n\nDOS CUMPRIMENTOS. \n\n\n\nOUTRO. \n\nAqui venho aos p\xc3\xa9s de V. Ex. etc. beijar-lhe a m\xc3\xa0o, e \nagradecer os grandes favores... merc\xc3\xa8s... que me tem \nfeito v. g. no meu despacho, etc; eu desej\xc3\xa0ra que V. Ex. \nquizesse dar-me occasi\xc3\xb2es, em que podesse merecer pela \nminha obediencia a honra de tao grande protecg\xc3\xa0o. \n\nEis aqui um cumprimento proporcionado \xc3\xa0 qualidade \ndas pessoas superiores; porque todas as suas palavras sam \nrespeitosas, seni presumpc\xc3\xa0o e familiaridade, e muito \ncheias de candura e reconhecimento. Por\xc3\xa9m seria incivil \nfaz\xc3\xa8l-o d\'est\xc3\xa0 sorte : \n\nAqui venho, Senhor, agradecer a V. S. a amizade, que \nme tem mostrado, recommendando os meus negocios..., \ndemandas, etc., e protestar-lhe que, se eu poder tambem \nservir a V. S. algum dia, reconhecer\xc3\xa0 que n\xc3\xa0o sou indigno \nd\'est\xc3\xa0 protecc\xc3\xa0o. \n\nEstas express\xc3\xb2es sam muito familiares, e de quem tem \ngrande presumpc\xc3\xa0o de si, e por isso improprias para cum- \nprimentar qualquer superior; s\xc3\xb3 seriam decentes entre \niguaes e amigos. \n\nDE PEZAMES. \n\nAqui venho, corno criado que sou d\'est\xc3\xa0 casa, segurar a \nV. S..., com o respeito que devo, a parte que tomo em tao \njusta d\xc3\xb3r. \n\nMinha Senhora, a honra que V. Ex. me tem sempre feito \nde me olhar corno um criado particular d\'est\xc3\xa0 casa, me \nanima a vir certificar a V. Ex. com todo o respeito, o pezar \nque me acompanha nesta occasi\xc3\xa0o. \n\nAmbos estes cumprimentos estam nas regras da decencia \n\n4. \n\n\n\n66 CODIGO DO BOM TOM. \n\nde inferior para superior; por\xc3\xa9m s\xc3\xb3 se poderiam permittir \nentre iguaes os seguintes : \n\nEu tomo tanta parte na d\xc3\xb3r de V. S. que n\xc3\xa0o posso deixar \nde Vir misturar minhas lagrimas com as de V. S. \n\nENTRE AMIGOS. \n\nSinto, corno cousa minha, este golpe, que V. S. sente; \nmas sam disposicoes do c\xc3\xa9o, a que nos devemos resignar. \n\nPersuada-se V. S. que estou inconsolavel por tao triste \nacontecimento, e muito desej\xc3\xa0ra minorar a sua d\xc3\xb3r. \n\nV. S. perdeu um pai, ou um amigo; mas consolemo-nos \npelas suas virtudes, e que Deos o quiz assim ; sani decretos \nseus, abaixemos a cabe^a, respeitemos suas ordens, que \ntodas sani ju^tas e adoraveis, etc. \n\nDE PARABENS A UM SUPERIOR. \n\nA honra, que eu tenho de ser criado d\'est\xc3\xa0 casa, me \nanimou a vir dar a V. S. os parabens pelo bom despacho... \nemprego... dignidade, etc, e segurar com todo o respeito \nque devo a V. S., o prazer..., alvoroco..., contentamento, \nque tenho, etc. \n\nAqui venho dar a V. S. o parabem... coni aquellas sin- \nceras, e liumildes express\xc3\xb2es que me inspiram as raz\xc3\xb2es \nde subdito... de obrigado... V. S. nao p\xc3\xb3de duvidar que \xc3\xa8 \ngeral o contentamento, e que eu com mais raz\xc3\xa0o o devo \nestimar por ser criado da casa de V. S., etc. \n\nA UM IGUAL. \n\nEstimo os augmentos de V, S... tao bom despacho; foi \njustica que se lhe fez ; ainda nao \xc3\xa8 igua\xc3\xac ao mereeimento \n\n\n\nDOS CUMPRIMENTOS. \n\n\n\n07 \n\n\n\nde V. S., por\xc3\xa9m n\xc3\xa0o duvido que seja corno degr\xc3\xa0o para \nsubir a maior altura. J\xc3\xa0 nos tardava este gosto do seu \ndespacho, e de vermos cor\xc3\xb3ar o merecimento de V. S..., \nchegou em firn o por que todos suspiravamos, e que as \nlettras de V. S. mereciam. Demorou-se para nos augmen- \ntar o gosto na posse, etc. Ninguem certamente o estimou \nmais do que eu, etc. \n\nEM CASAMENTOS. \n\nDou o parabem a V. S. pela acertada eleic\xc3\xa0o, que fez da \nsenhora N.; todos a applaudem, pois a senhora n\xc3\xa0o podia \nser mais bem empregada, nem V. S. a podia escolher \nmellior. \n\nEu tenho tido summo gosto nesta allianca, e agouro as \nmaiores felicidacles para a casa de V. S. \n\nHoje \xc3\xa9 que V. S. deu urna prova clara do seu juizo... \ndos seus talentos. Est\xc3\xa0 acertada eleic\xc3\xa0o p\xc3\xb2e o sello ao \nmerecimento de V. S., cor\xc3\xb3a-o de gloria, \n\nEM NASCIMENTO*. \n\nEu soli tao interessado em ludo que a V. S. d\xc3\xa0 prazer e \ncontentamento, que n\xc3\xa0o podia deixar de lhe vir dar o pa- \nrabem nesta occasi\xc3\xa0o ..; persuada-se V. S. que ninguem o \nestima mais do que eu, porque me considero o criado mais \nfavorecido da casa de. V. Ex., etc. A mim mesmo tenho \ndado os parabens, porque interesso milito nos augmentos \nda casa de V. S..., na sua success\xc3\xa0o, para continuar a \ngloria, e o esplendor d\'est\xc3\xa0 casa, para ver reproduzir as \nvirtudes de V. S. \n\n\n\nG8 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nNAS BOAS FESTAS. \n\nEu n\xc3\xa0o devia perder est\xc3\xa0 occasi\xc3\xa0o de feslas para segurar \na V. S. com todo orespeito, que ninguem lh\'as desejamais \nalegres, e com maiores felicidades; queira V. S. persua- \ndile, que os meus desejos nascem da minha gratid\xc3\xa0o... \ndo que devo a V. S., de quanto o estimo. \n\nTenha festas felizes, cheias de tantas prosperidades, \nquantas deseja..., de quantas \xc3\xa9 acredor..., conforme o \nseu merecimento..., na companhia de quem mais es- \nlima..., etc. \n\nSOBRE A SAUDE. \n\nDO INFERIOR A SUPERIOR. \n\nEstimo... alegro-me, de que V. S. esteja bom; que tenha \nfeliz disposicao ; que disfructe perfeita saude...0u sinlo \nque padeca, que esteja incommodado, que tenha occasi\xc3\xa0o \nde molestia, eie. Mas nunca se deve perguntar : Como est\xc3\xa0 \nV. S.; que tem? que llie doe, etc? Este modo de fallar \xc3\xa9 \ns\xc3\xb3 para iguaes e inferiores. \n\nAs respostas devem ser adequadas aos cumprimenlos ; \npouco mais ou menos da maneira seguinte : \n\nAgradeco a sua attendo... n\xc3\xa0o f\xc3\xacz ainda quanto devia..., \nquanto desejava..., quanto merece... Desej\xc3\xa0ra estivesse na \nminha m\xc3\xa0o servir a V. S. em negocios maiores... poder \nprestar-lhe... N\xc3\xa0o tem que agradecer-me... V. S. tinha \ntoda a justica em seu favor... \n\nN\xc3\xa0o duvido... estou bem certo da parte que toma na \nminha d\xc3\xb3r... estou summamente persuadido do seu affecto, \nda companhia que me faz nos meus pezares..., afflic- \ne\xc3\xb2es,.., etc; do quanto se interessa nos meus augmentos, \n\n\n\nDOS CUMPRIMENTOS. \n\n\n\nCO \n\n\n\nprazeres, honras, etc... N\xc3\xa0o precisava de testificar o seu \ncontentamento para o conhecer, para o acreditar. Sei \nquanto estou obrigado aos bons desejos de V. S. Vivo bem \npersuadido do seu favor, obrigado \xc3\xa0s express\xc3\xb2es com que \nme trata; ou as mereco, pois igualmente estimo tenha \nfestas ditosas, alegres, cheias de prazer, acompanhadas de \nprospericlades, e na posse de perfeita saude. \n\nAgradeco a V. S., e igualmente lhe correspondo nos \nmesmos desejos de felicidade. Estimo summamente este \nobsequio, e o ajuntarei ao numero das muitas attencoes \ncom que me trata... com que me honra, etc. \n\nRecommendo-vos, meus filhos, trez cousas para termi- \nnar tudo que tinha a dizer-vos a respeito dos cumprimentos : \n1\xc2\xb0 Quando apparecerdes pelas primeiras vezes na sociedade \nem Portugal, observai bem o que actualmente se costuma \ndizer e fazer, e segui sempre nisto corno em tudo o exem- \nplo das pessoas sensatas e bem criadas : n\xc3\xa0o desprezeis os \nantigos usos s\xc3\xb3 porque sam velhos; mas n\xc3\xa0o sejais de tal \nmodo afferraclos a ellesque rejeiteis todo o melhoramento \nlouvavel e decoroso. 2\xc2\xb0 Que nunca falleis em vosso elogio, \nporque nao cabe louvor em boca propria. 5\xc2\xb0 Que n\xc3\xa0o \nsejam longos vossos cumprimentos : o laconismo tem em \ntaes casos mais merecimento. A este respeito contar-vos- \nhei urna anecdota de Luiz XIV. N\xc3\xa0o gostava aquelle Mo- \nnarcha de cumprimentos longos. Um dia que devia de ir a \nS\xc3\xa9 de Pariz para assistir \xc3\xa0 benc\xc3\xa0o d\'umas bandeiras, e \nporque \xc3\xa9 costume fazer o Arcebispo urna arenga ao Rei \nquando entra na S\xc3\xa9, fez o Rei saber-lhe que desejava n\xc3\xa0o \nlhe fizesse nenhum discurso. Arcebispo, que era il. do \nHarlay, contentou-se com dizer-lhe : \xc2\xab Senhor, Vossa Ma- \ngestade me fecha a boca em quanto a abre \xc3\xa0 alegria pu- \nblica. )) Ficou o Monarcha satisfeito e o Prelado n\xc3\xa0o faltou \nao costume. \n\nQuando fallar da conversalo vos direi mais algumas \n\n\n\n70 \n\n\n\nGODIGO DO BOA! TOM. \n\n\n\ncousas que vos interessali} ; agora vou tratar dos bailes, \nque para gente mo\xc2\xa3a \xc3\xa9 tambem colisa interessante, mas \nantes d\'isso citar vos-hei duas anecdotas que t\xc3\xa8m relag\xc3\xa0o \nconi os cumprimentos que se fazem coni o firn de agradar, \ne mostrar estima a alguem. \n\nANJNIBAL E SCIPIAO. \n\nEm urna conferencia que o famoso \xc3\x80nnibal teve coni \nScipiao veiu-se a fallar dos grandes capit\xc3\xa0es, e corno Sci- \npi\xc3\xa0o perguntasse ao capit\xc3\xa0o Carthaginez quem julgava \nelle ser o primeiro de todos, respondeu promptamente : \n\xc2\xab Alexandre Magno. \xe2\x80\x94 E o segunclo? \xe2\x80\x94 Pyrrho, rei do \nEpiro. \xe2\x80\x94 Qual \xc3\xa9 o terceiro? \xc2\xbb replicou o general romano, \nimpaciente talvez de n\xc3\xa0o ouvir citar o seu nome. \xc2\xab Eu \nmesmo, respondeu Annibal. \xe2\x80\x94 E se v\xc3\xb3s me tivesseis ven- \ncido? lhe disse Scipiao. \xe2\x80\x94 Ter-me-hia posto em primeiro \nlogar, \xc2\xbb replicou elle. Est\xc3\xa0 maneira delicada de dar a pre- \nferencia a Scipiao sobre todos os outros generaes faz ver \nque Annibal era n\xc3\xa0o menos uni bello espirito do que um \ngrande capit\xc3\xa0o. \n\nFREDERICO II. \n\nEl-Rei de Prussia Frederico II corno tivesse urna entre- \nvista com o Imperador d\'Austria, foi admittido \xc3\xa0 sua mesa \no famoso general Lauden, o qual muitas vezes tivera que \ncombaler o monarcha prussiano ; quiz o general austriaco \nassentar-se do lado opposto ao daquelle principe : \xc2\xab Vinde \nsentar-vos aqui, lhe disse Frederico; eu sempre gostei \nmais de vos ter ao meu lado do que de fronte de mim. \xc2\xbb \n\n\n\nCAPITILO VI \n\n\n\nDOS BAILES \n\n\n\nEntre todos os divertimentos da gente moca, nenhum \nha coni que ella mais folgue do que a (lanca, a que por \nisso chamaram nossos antigos folias; por\xc3\xa9m, mens filhos, \neste niesnio prazer n\xc3\xa0o deixa de ter seus dissabores para \nos homens polidos. \n\nDeves. meu fillio, por-te a disposic\xc3\xa0o da senliora da \ncasa, que, sem a menor dirvida, te pedir\xc3\xa0 que tires a dan- \nnar as abandonadas. N\xc3\xa0o sei se sabes beni a forca d\'est\xc3\xa0 \nexpress\xc3\xa0o, que \xc3\xa9 franceza da gema (les abandonn\xc3\xa9es), por \nisso t\'a explico. Chamam-se abandonadas as senhoias des- \nfavorecidas da formosura e das riquezas N\xc3\xa0o te digo que ( \nseja agradavel tornar o que os mais n\xc3\xa0o querem, por\xc3\xa9m \nmal sabes at\xc3\xa9 que ponto cliega a gratid\xc3\xa0o d\'essas senhoras, \n\xc2\xbb\' o que ellas s;im capazesde dizer e fazer a leu favor om \n\n1 () autor do Manu. il fio civilidade, impresso erri Lisboa om 18T-. \nrngauaourse quando disse pag-, SU que o dono da casa designa aos \ncava\xc3\xacheiros as senhoras com qiiem devem dannar; erti Fr\xc3\xa0nga, \xc3\xa9in ln- \ngrlaterrn. eie. nunca tal cousa succede, e f\xc3\xb3 se occupa de procurar \ndaneadores para as abandonadas, porque \xc3\xa0s quo o n\xc3\xa0o sam nunca \nfaltam pretendentes. e o dono ou dona da casa nao so cmbaraea coni \nis-o; e corno poderia faz\xc3\xa8l-o em bailes de eontos de pcssoas? Urna tal \netiqueta su poderia ter lugar nalguma terrola de provincia em quo \nba meia duzia de pessoas \xc2\xab j 1 1 e dangam. \n\n\n\n72 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\ntaes casos. Elogiar-te-h\xc3\xa0o em despeito de tudo, por\xc3\xa0o nas \nnuvens teus mais insignificantes merecimentos, correr\xc3\xa0o \num v\xc3\xa9o sobre tuas maiores imperfei^oes, e se de tua parte \nmostrares alguma condescendencia e bom corano, ter\xc3\xa0s \nna sociedade um forte partido que sustentar\xc3\xa0 tua reputac\xc3\xa0o \ne te defender\xc3\xa0 em todas as occasi\xc3\xb2es. \n\nEstou certo, segundo a educac\xc3\xa0o que recebeste, que \nn\xc3\xa0o te esquecer\xc3\xa0s de dizer, quando fores tirar alguma \nsenhora para dancar : A senhora, ou V. S., V. Ex., quer \nfazer-me a honra de dannar a primeira contradanca, o \nprimeiro galope? Toma muito cuidado, meu fillio, n\xc3\xa0o digas \nnunca o gosto [le plaisir). Est\xc3\xa0 palavra d\xc3\xa0 a conhecer as \npessoas; n\xc3\xa0o \xc3\xa9 admittida hoje na boa companhia. Aconse- \nlho-te mui particularmente que uses sempre da palavra \nhonra (honneur) especialmente em Franca, ou nos bailes \xc3\xa0 \nfranceza, em qualquer paiz que seja; ella \xc3\xa9 respeitosa para \ncom os superiores, decente para com os iguaes, e nos con- \nserva em certa distancia das pessoas com quem temos fa- \nmiliaridade; porque deves saber que, se a observancia \nd\'estes deveres se exije de ti \xc3\xa9 na supposic\xc3\xa0o de que os \noutros os preenchem para comtigo. Em toda a boa socie- \ndade achar\xc3\xa0s sempre pessoas que saibam apreciar tuas \nmaneiras cortezes e attenciosas, e que te correspondam \nigualmente; por\xc3\xa9m, quando algumas houvesse que proce- \ndessem de differente modo, lembra-te que a politica \xc3\xa9 de \nquem a d\xc3\xa0 e n\xc3\xa0o de quem a recebe, e que, segundo o an- \ntigo dilado, as acc\xc3\xb2es boas e as mas ficam com quem as faz. \nInsisto, meu fillio, em que tomes n\'isto muito sentido, por- \nque, das desavencas seguem-se rixas, das rixas desafios, \ne dos desafios muitas vezes a morte, e n\xc3\xa0o \xc3\xa9 este o menor \ninconveniente dos bailes ! \n\nFigura-te urna sociedade em que todos os homens Fe- \nccia in offender-se, em que todos se apressam a ceder um \nlugar, um assento, em que todos buscam ser agradaveis \n\n\n\nDOS BAILES. \n\n\n\n75 \n\n\n\nuus aos outros : eis aqui a boa companhia. contrario \nd\'isto \xc3\xa9 a ma. Foje paralonge d\'ella, corno d\'urna occasi\xc3\xa0o \nde mil dissabores, e, n\xc3\xa0o receio diz\xc3\xa8l-o, de homicidios. \n\nQuanto a ti, minha filha, se fores convidada por diffe- \nrentes cavalheiros para dancar, toma milito sentido em \nn\xc3\xa0o confundires uns coni outros; faze toda a diligencia \npara n\xc3\xa0o esqueceres a ordem das contradan^as prometti- \ndas, e bom ser\xc3\xa0, se poderes, que as notes no leque ou \nn\'uma carteirinha. Dado que isto pareca algum tanto vai- \ndoso, \xc3\xa9 meHior faz\xc3\xa8l-o que dar causa a urna altercalo eli- \ntre os dancadores. Se por\xc3\xa9m acontecesse, teu m\xc3\xa0o grado, \nsuscitar-se entre elles alguma disputa, n\xc3\xa0o hesites em dizer \nimmediatamente que est\xc3\xa0s muito cansada, que n\xc3\xa0o podes \ncumprir as promessas que havias feito, e n\xc3\xa0o dances mais, \nconservando sempre um ar alegre, desenfadado, e sobre- \ntudo n\xc3\xa0o d\xc3\xa8s o menor signal de que interiormente accusas \num ou outro dos cavalheiros de ser a causa de tua inacc\xc3\xa0o. \nN\xc3\xa0o mostres preferencia a nenhum dos que te convidarem : \nvelho, feio, coxo, n\xc3\xa0o ha um s\xc3\xb3 homem, que se presenta \na dancar, que n\xc3\xa0o presuma de si; p\xc3\xb3de-se-lhes applicar o \nditado vulgar, n\xc3\xa0o ha torto que se veja, nem cego que se \nenxergue. Confirma est\xc3\xa0 opinino por urna igualdade de \nhumor inalteravel, e lembra-te que uni gesto, um olliar \ndesdenhoso poderia por em risco tua reputac\xc3\xa0o e a exis- \ntencia de homens de tua familia, que seriam obrigados a \ndefend\xc3\xa8l-a. N\xc3\xa0o penses que ha alguma gloria em ser a pri- \nmeira a romper o baile ; deixa as mais apressadas comecar \nas quadrilhas, e al\xc3\xb2 te deves mostrar d\'isso satisfeita. Pre- \nvenir as pretencoes \xc3\xa9 desarm\xc3\xa0l-as ; e at\xc3\xa9 muitas vezes faze- \nnios nascer sentimentos de bemquerenca em coraco^s, \nque estavani possuidos d\'outros bem differentes para com- \nnosco. \n\nFicai advertidos, meus filhos, que os triumphos da vai- \ndacie n\xc3\xa0o produzem nada e podein costar limilo; que os \n\n\n\n74 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nvaidosos nunca sam fartos de honras nem de successos; \nque sam necessariamente invejosos, e por conseguinte os \nmais miseraveis, e quasi sempre os mais aborrecidos entes \nda sociedade. Muito desejo que vos n\xc3\xa0o fatte nenhuma das \nvirtudes que fazem o homem credor da estima e da amizade \nde seus similhantes; mas se a natureza vol-as recusou, \nnem por isso deixai de praticar os actos que ellas prescre- \nvem : isto n\xc3\xa0o \xc3\xa9 hypocrisia, \xc3\xa9 o desejo de adquirir por \nhabito o que vos falla por natureza. Eis qual \xc3\xa9 a vantagem \nda polidez : \xc3\xa0 for$a de representar o papel da generosi- \ndade, do desinteresse, da abnegac\xc3\xa0o de si mesmo, consegue \nella inspirar estas qualidades; n\xc3\xa0o \xc3\xa9 a falsidade que nos \nfaz dissimular nossos defeitos, sen\xc3\xa0o a vontade de escon- \nd\xc3\xa9l-os; aquelle homem que, durante toda sua vida, tivesse \nconseguido passar por virtuoso entre todas as pessoas com \nquem teve relac\xc3\xb2es, s\xc3\xa8l-o-hiana realidade. Nunca me pude \nconformar com essa chamada necessidade de ter defeito>, \ne ainda muito menos com a de confessar que se t\xc3\xa9m. \nQuando qualquer diz : Sou colerico, estouvado, teimoso; \nescarnecedor, fallador, comi\xc3\xac\xc3\xa0o, senhor da minha vontade \n\xc3\xa9 o mesmo que se dissesse : lenho todos esles defeitos, e \nn\xc3\xa0o faco nenhuma diligencia para os corrigir, e deixo-me \ngovernar pela minha ma indole. N\xc3\xa0o vos deis por satis- \nfeitos com similhante desculpa ; se tendes mas inclinac\xc3\xb2es, \ncombatei-as com clenodo e perseverane^; mas n\xc3\xa0o penseis \nque vol-as perdoar\xc3\xa0o por isso que as confessais sem fazer- \ndes diligencia por corri gil-as. \n\nN\xc3\xa0o est\xc3\xa0 na minha m\xc3\xa0o fazer-vos perfeitos posto que \nmunissimo o desejo; mas quando o n\xc3\xa0o sejais, vosso born \nsenso vos dir\xc3\xa0 que n\xc3\xa0o ha comparac\xc3\xa0o nenhuma entre \ncommetter urna fatta e alimentar por cobardia urna pro s \npens\xc3\xa0o que vos arrasta a commett\xc3\xa9l-a com frequencia. N\xc3\xa0o \nsereis nunca perfeitos; mas de certo sereis melhores que \nmuitos outros, seaspirardes a s\xc3\xa8l-o; e o melhor meio de \n\n\n\nDOS BAILES. 75 \n\nmanifestar desejo de se emendar \xc3\xa9 praticar todos estes pe- \nquenos deveres que \\os dar\xc3\xa0o elitre os homens boa re- \nputalo, \n\nMas vollemos \xc3\xa0 nossa frivola materia dos bailes : a \nmusica, as luzes, a multid\xc3\xa0o de gente, os cheiros, o con- \ntacio coni pessoas de differente sexo, causam urna especie \nde embriaguez, de que \xc3\xa9 necessario ter des confianca. To- \nmai cuidado que vossa alegria se n\xc3\xa0o tome ruidosa, des- \ncomedida, familiar : este \xc3\xa9 muilas vezes o resultado da \nbulha e dos movimentos violentos. sangue sobe \xc3\xa0 cabeca, \nfalla-se sem reflectir, e obra-se sem consideralo. Recom- \nmendo-te milito, meu fillio, que n\xc3\xa0o tires a dancar a mesma \nsenhora mais de duas vezes num baile, ainda que ella \nfosse a mais bonita, a mais bem vestida, e tivesse dado \nmostras de te estimar. Bem sei que ha senhoras que pare- \ncem mais agradaveis do que outras; mas est\xc3\xa0 especie de \npreferencia n\xc3\xa0o se deve iranca dar a conhecer; ella faz \nnotar as que sam objecto d\'est\xc3\xa0 distincc\xc3\xa0o, e nadafica tao \nmal a urna senhora casada ou a urna menina solteira. \n\nQuando offereceres a m\xc3\xa0o a urna senhora. ou seja para \ndancar, ou em qualquer outra occasi\xc3\xa0o, umica offerecer\xc3\xa0s \na palma da m\xc3\xa0o, mas as costas; porque a da senhora n\xc3\xa0o \ndeve assentai 1 na tua, mas repousar sobre ella. Madama de \nSevign\xc3\xa9 diz ninna de suas cartas que visit\xc3\xa0ra todos os \nmonumentos de Marselha apoiada no punho do Bispo (sur \nlepoing de M. V\xc3\xa9v\xc3\xa9que) ; offerecia-se n\'outro tempo o punho \npara parecer menos familiar; ainda se offerece hoje, mas \nn\xc3\xa0o fechado, e sobre tudo n\xc3\xa0o se offerece a palma da m\xc3\xa0o \no que s\xc3\xb2 conv\xc3\xa8m entre camaradas. \n\nLogo que tiveres acompanhado ao seu lugar a senhora \ncom quem dancaste, a qual toma o nome de tua dattili \nem quanto dura a danca. deves fazer-lhe urna cortesia, e \ndizer-\xc3\xache : (f Agradeco a V. S. ou Ex. a honra que me fez \nIjui Vhonneur de vous remercier); \xc2\xbb e logo accrescenlar\xc3\xa0s : \n\n\n\n76 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\n(( Quer V. S. ou Ex. tornar alguma cousa? (D\xc3\xa9sirerie%-vous \nquelqae chose?) \xc2\xbb Se a senhora te n\xc3\xa0o pedir cousa nenhuma, \ne se n\xc3\xa0o for tua conhecida, deves retirar-te logo que ella \nse assentar. Ficar\xc3\xa0s ao p\xc3\xa9 das senhoras com quem tens \nconhecimento, mas de modo que n\xc3\xa0o as escondas com o \ncorpo, porque d\'este modo podiam ficar em esquecimenlo, \ne as senhoras n\xc3\xa0o perdoam a quem lhes faz perder urna \ncontradanca ou urna valsa. N\xc3\xa0o valses nunca sem luvas \nbrancas, e tem muito cuidado de segurar a senhora pela \ncintura e nunca pelas pr\xc3\xa9gas do vestido; n\xc3\xa0o chegues ao \nteu peito sen\xc3\xa0o sua m\xc3\xa0o, e nunca o seu corpo. Lembra-te \nem tudo e por tudo que um homem bem crmdo parece ter \nreceio de locar o vestido d\'ama dama, quando lhe quer \nmostrar a maior affeic\xc3\xa0o que \xc3\xa9 possi vel ter por ella. \n\nque eu prescrevo para teu irm\xc3\xa0o, minha f\xc3\xaclha, suppo- \nnilo que o observar\xc3\xa0o para comtigo os cavalheiros com \nquem dancares. Da tua parte deves agradecer com urna \nme^ura quando chegares ao teu lugar, e far\xc3\xa0s todo o pos- \nsivel por nada pedir ao cavalheiro que dancou comtigo, \npara que elle n\xc3\xa0o tenha motivo de ficar ao p\xc3\xa9 de ti, ou de \nahi voltar. Arranja-te de modo que n\xc3\xa0o lhe d\xc3\xa8s a segurar, \nnem leque, nem lengo, nem ramalhete, nem frasquinho \nde cheiro. Os homens ordinariamente interpretam mal este \ngenero de occupac\xc3\xa0o que lhes dam as senhoras, e fazem \nmas ausencias das que assim procedem. Evita toda a reta- \nlo com teu cavalheiro. N\'outro tempo seria mal visto o \nfallar com elle, ainda que fosse do teu conhecimento; por- \nque aquelles que j\xc3\xa0 tinham dancado eram obrigados a ver \ndancar os outros, o que era certamente mais polido e mais \nsocial do que o n\xc3\xa0o lhes dar nenhuma attenc\xc3\xa0o. Hoje em \ndia, um cavalheiro desconhecido falla \xc3\xa0 sua dama : \xc3\xa9 mister \nresponder-lhe, minha f\xc3\xaclha, mas quanto menos palavras \nmelhor, e nunca por tua vontade prolongues a conversa- \n\xc2\xa3\xc3\xa0o. N\xc3\xa0o mostres nunca um ar enfadado, ou acanhado; \n\n\n\nDOS BAILE S. \n\n\n\nn\xc3\xa0o respondas nunca com ar sacudido, mas coni nm modo \nbrando e grave, e n\xc3\xa0o perguntes nunca cousa alguma, \nainda mesmo que fosse para saber o nome d\'alguma se- \nnhora notavel que excitasse tua curiosidade. \n\nA\'s pcssoas que te conduziram ao baile deves confiar o \ntornar cuidado da tua pelissa, diale, ou palatina, se n\xc3\xa0o \nos tiveres deixado na sala d\'entrada, e sani essas mesmas \npessoas que, quando saires, t\'as devem por sobre os \nhombros. Regra geral: evita quando poderes, mas sem \naffeetac\xc3\xa0o, o ter dares e tomares com homens que n\xc3\xa0o \nconheces, e se algumas cireumstancias, que eu n\xc3\xa0o posso \nprever, a isso te obrigarem, se polida e por extremo sobria \nem palavras. N\xc3\xa0o pecas nunca a teus cavalheiros desconhe- \ncidos que te tragam refrescos; n\xc3\xa0o lhes pecas obsequio \nde qualidade nenhuma; acostuma-te a tornar urna com- \npostura de corpo grave e reservada quando fallares a \nalgum cavalheiro, ou quando elle te fallar a ti. Esie con- \nselho n\xc3\xa0o s\xc3\xb3mente \xc3\xa9 favoravel \xc3\xa0 modestia que conv\xc3\xa8m \xc3\xa0s \nsenhoras, sen\xc3\xa0o tambem \xc3\xa0 sua vaidade. ar despejado ou \ndesenvolto vai caindo em desuso consideravelmente ; o ar \nacanhado e constrangiclo cheira a collegio ou a provincia. \nSe modesta na alma, e teu exterior sera singelo e naturai. \nN\xc3\xa0o penses em chamar a attenc\xc3\xa0o e sobre tudo n\xc3\xa0o o de- \nsejes, e n\xc3\xa0o experimentar\xc3\xa0s nenhum constrangimento, \nnenhum embaraco, em qualquer lugar onde te achares. \n\nTira a desforra com as senhoras e meninas que f\xc3\xaccarem \nao p\xc3\xa8 de ti do sdendo que te imponilo para com os cava- \nlheiros; se para com ellas obsequiosa, amavel e graciosa, \ne faze todo o possivel por lhes seres agradavel. Se ellas \nse mostrarem pouco sensiveis a tuas attencoes, suspende-as \nimmedialamente ; se mudarem,e te corresponderem mais \ntarde, s\xc3\xb2 sempre disposta a acolh\xc3\xa8l-as com bom modo. \nConversa o menos possivel coni as que tem costume de \ngracejar e escarnecer, que entre n\xc3\xb3s se chamam v\xc3\xb9fgf\xc3\xa0f* \n\n\n\n78 \n\n\n\nC0D1G0 DO BOM TOM. \n\n\n\ninente escarnicadeiras, ainda que te divertissem muito : \no prazer que te causarci \xc3\xa0 custa dos outros, tom\xc3\xa0l-o-h\xc3\xa0o \nellas \xc3\xa0 tua quando n\xc3\xa0o estiveres presente. Com a maior \nsimplicidade, tanto no baile corno em toda a parte, diffe- \nrenza o berci do mal, e despreza a maledicencia e os male* \ndicos, mas disfarcando com exterior cortez e grave o que \npensas em ti mesma. \n\nSe dancares qualquer danca particular que suspenda as \nquadrilhas, lembra-te que dar\xc3\xa0s motivo de m\xc3\xa0o humor a \nmaior parte dos que compoem a assembl\xc3\xa8a, interrompendo \no seu divertimento e fixando a attenc\xc3\xa0o. Para te livrares \nd\'est\xc3\xa0 accusac\xc3\xa0o, deixa o baile o mais de pressa que po- \nderes. A ausencia \xc3\xa9 o melhor remedio que se p\xc3\xb3de applicar \ncontra a inveja. \n\nSe te perguntarem corno achaste qualquer func$\xc3\xa0o a \nque assististe, dize sempre que era muito a teu gosto : \xc3\xa9 o \nmenor agradecimento que se p\xc3\xb3de dar a urna senhora de \ncasa que teve tanto incommodo, enfado e despeza para \ndivertir os convidados. Se servirem refrescos, toma dos \nque te apresentarem : quando te offerecerem orjata, n\xc3\xa0o \npecas limonada ; quando passarem por diante de ti gelados \nde ananaz, n\xc3\xa0o digas que antes querias de pecego ou de \nbaunilha. Todos estes modos sam proprios de gente inven- \ncioneira e pouco delicada. Aceita, e come o que te offere- \ncerem, e quando desejes outra cousa n\xc3\xa0o o digas. \n\nSe o baile te pareceu pouco agradavel, se n\xc3\xa0o ficaste \nsatisfeita com as pessoas ou com as cousas, depois de \nteres tido a civilidade de o n\xc3\xa0o manifestar, deixa-te estar \nquieta : n\xc3\xa0o falles nunca mal das pessoas em cuja casa \nest\xc3\xa0s; mas n\xc3\xa0o voltes l\xc3\xa0, e n\xc3\xa0o esquecas nunca de agrade- \ncer aos senhores da casa antes de te ausentares. \n\nSendo os bailes a reuni\xc3\xa0o mais solemne da sociedade, \nos cavalheiros devem ir sempre com luvas brancas novas, \ngravata branca, collete branco, meia de seda e calga com- \n\n\n\nDOS BA1LES. 79 \n\nprida. ou pelo menos bota de polimento. mesmo devem \npraticar nas assembl\xc3\xa9as ou grandes reuni\xc3\xb2es. \n\n\n\nA PETICJAO DANQADA. \n\n\n\nCerto cavalheiro de talento, mas desfavorecido da for- \ntuna, e mal succedido em todas as peticoes que tinha diri- \ngido aos ministros, lembrou-se emf\xc3\xacm que talvez conse- \nguiria alguma cousa mostrando-se singular e excentrico. \nConhecia elle um ministro que gostava de alegrar com o \ngracejo a triste gravidade dos negocios, vai procur\xc3\xa0l-o \nmima bora em que sabia que estava quasi s\xc3\xb3, e entrega- \nlbe a sua petic\xc3\xa0o. Quando o ministro correli com os olhos \na petic\xc3\xa0o disse-lhe o pretendente : \xc2\xab Se V. Ex. quizesse ter \na bondade de a tornar a ler, aqui a trago em verso. \xe2\x80\x94 \nDe boa vontade, \xc2\xbb respondeu o ministro, e leu os versos, \nFeito isto, o nosso requerente pediu-lhe licenca para a \ncantar; foi-lhe concedida. Apenas tinha acabado de cantar \na sua poesia, accrescentou logo : a Se V. Ex. deseja, eu vou \ndanc\xc3\xa0l-a. \xe2\x80\x94 Oh ! dangai-a, respondeu- o Ex mo , nunca vi urna \npetic\xc3\xa0o dancada, e pela novidade do caso concedo-vos o \nque me pedis. \xc2\xbb \n\n\n\nCAPITOLO VII \n\nDAS PARTIDAS OU REUNIOES NOCTURNAS \n\n\xc3\xb9 \n\nJ\xc3\xa0 vos fallei, meus filhos, das assembl\xc3\xa9as ou grandes \nreunioes, a que os Francezes chamam raouts arremedando \nos Inglezes, e j\xc3\xa0 vos disse o que a este respeito vos cu ci- \npria saber; mas por isso que ainda passareis erri Franca \nalgum tempo, e tenho tenc\xc3\xa0o de vos conduzir a urna espe- \ncie de reunioes menos tumultuosas e mais familiares, a \nque se chama soir\xc3\xa9e, quero dar-vos as precisas instrucc\xc3\xb2es \npara bem vos conduzird\xc3\xa9s, e n\xc3\xa0o desmerecerdes o nome \nde bem criados que at\xc3\xa9qui tendes ganhado. \n\nApezar de viver em Franca ha mais de dez annos, e de \nter estudado a lingua franceza desde minha mocidade, e \nter feito um estudo comparativo d\'ella com a nossa, con- \nfesso-vos, meus f\xc3\xaclhos, que \xc3\xa0s vezes me vejo embaracado \npara achar a verdadeira traduccao d\'algumas palavras \nfrancezas, por isso que representam cousas que entre n\xc3\xb3s \nnao existem ou existem d\'outro modo, ou exprimem id\xc3\xa9as \nque nos sam desconhecidas. D\'este numero \xc3\xa9 a palavra \nsoir\xc3\xa9e. Ella quer dizer aquella divis\xc3\xa0o do tempo em que a \nmaior parte da gente, tendo preenchido as suas occupa- \nc\xc3\xb2es e deveres dianos, busca algum desafogo e desenfado \nna conversac\xc3\xa0o e trato de pessoas estimaveis por sua \ninstruccao, qualidades ? ou prendas; d\xc3\xa0-se tambern com \n\n\n\nDAS PARTIDAS. 81 \n\nraz\xc3\xa0o o nome de soir\xc3\xa9e a essa reuni\xc3\xa0o de pessoas que para \num tal firn se juntam nalguma casa. N\xc3\xa0o sei que haja em \nportnguez palavra que explique toda a extens\xc3\xa0o da fran- \nceza. Dei-lhe o nome de partitici\', porque emfim em Por- \ntugal chama-se partida a urna sorte de reuni\xc3\xa0o que se \nparece coma franceza, mas que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 a mesma cousa; \nentre n\xc3\xb3s ha quasi sempre jogo de cartas, e dias fixos para \na partida; por\xc3\xa9m em Franca n\xc3\xa0o ha jogo, nem dias fixos, \ne quando os ha, chama-se f\xc3\xa9tiepti m } edegenera em raout. \nAccrescerei, ou reani\xc3\xb2es notturna s, porque \xc3\xa9 milito ordi- \nnario dizer-se quando se v\xc3\xa0i a essas reuni\xc3\xb2es : Fui passar \na noite \xc3\xa0 casa de N. Os nossos antigos diziam com mais \npropriedade senio, mas os modernos parece terem despre- \nzado est\xc3\xa0 palavra por verem que anda na boca do vulgo, \nsem se lembrarem do que disse Sa de Miranda fallando \ndos ser\xc3\xb2es d\'El-Rei D. Manoel : i Os ser\xc3\xb2es de Portugal sam \nfamosos no mundo onde sam idos. \xc2\xbb Seja corno for, rneus \nfdhos, n\xc3\xa0o \xc3\xa9 meu intento fazer-vos a este respeito urna \ndissertac\xc3\xa0o philologica; chamem-lhe corno quizerem, e \nesperemos que a raz\xc3\xa0o ou o capricho fixe o nome a est\xc3\xa0 \nsorte de reuni\xc3\xa0o : por ora quero entendais que vos fallo da \nsoir\xc3\xa9e da. maneira que se usa em Franca; e de tudo quo \nvos disser sabereis fazer applicac\xc3\xa0o \xc3\xa0s nossas partidas \nquando nellas fordes. A palavra sardo parece muito beni \nescolhida, sen\xc3\xa0o para todos os casos ao menos para al- \nguns, e j\xc3\xa0 hoje (1866) se falla em saraos litterarios, que \ncomecam a ter voga entre n\xc3\xb3s, e sani beni vindos os saraos \ndo Paco. \n\nHa grande differenza entre os raouts e as soir\xc3\xa9es : na- \nquelles ha danca, musica, e jogo; nestas, a conversalo \nde pessoas beni criadas, que se conhecem e estimam. Uns \nbrilham por seus conhecimentos, outros por seu genio e \nmaneiras agradaveis, estes por seus ditos sensatos e argu- \ntos, aquelles por sua graca naturai, seu engenho fino e \n\n5. \n\n\n\n82 \n\n\n\nCODIGO DO BOI TOM. \n\n\n\ndelicado. Quando uns fallam outros ouvem, e estes, quando \nsam dotados de bom senso, assentam que lhes toca a \nmelhor parte. \n\nA est\xc3\xa0 conversacao respeitosa, comedida, engra^ada, \ncheia de amenidade, e por vezes de viveza; a este tralo \nentre pessoas bem nascidas, cortezes, e amaveis, e sobre \ntudo ao talento naturai que t\xc3\xa8m as senhoras francezas de \nse exprimirem com graca e meiguice, e com urna certa \nviveza e fi mira de pensar que lhes \xc3\xa9 particular, deve a \nlingua franceza a melhor riqueza de suas expressoes, e o \nsertida, com justa razao, por a primeira lingua para a \nconversalo e boa companhia, Digo-vos, meus filhos, que \ntodo o eslrangeiro (e ainda mesmo todo o francez) quenao \ntiver frequentado estas reuni\xc3\xb2es de pessoas de bom tom \nn\xc3\xa0o p\xc3\xb3de dizer que sabe a lingua franceza, e que conhece \no que ha de rnelhor em Franca. Nos collegios, meus \nfilhos, nas aulas e nos cursos publicos aprende-se a lin- \nguagem das leltras e das sciencias, mas a linguagem cor- \nteza, polida e de bom tom, que d\xc3\xa0 por assim dizer, ao \nhomem um passaporti para entrar em todas as casas \nnobres, e passar por um cavalheiro bem criado, s\xc3\xa9 se \naprende nas salas de Pariz, maiormente nas do nobre \nfaabourg Saint-Germain. Nelle tenho sempre habitado, e \ncommigo aqui passareis algum tempo, para bem conhe- \ncerdes a sociedade que ides deixar, e poderdes melhor \njulgar d\'aquella onde ides entrar. \n\nApezar do que vos disse do que o melhor \xc3\xa9 estar cala do \ne ouvir, com tudo se a senhora da casa fallar comvosco e \ncorno que sollicitar ouvir-vos, podereis fallar sobre a ma- \nteria de que se trata (que sera sempre decente e honesta), \ndar algutna noticia que ienhais sabido, pedir informac\xc3\xb2es \nsobre alguma cousa ou pessoa, e at\xc3\xa9 sobre usos e costu- \nmes, o que fica bem a um estrangeiro, e se fordes doceis \nterao cuidado as senhoras de tudo vos explicarem ; que \n\n\n\nDAS PARTI DAS. \n\n\n\n85 \n\n\n\nsarti ellas miri vaidosas em formar as maneiras dos cava- \nlheiros estrangeiros quando estes reconhecem sua supe- \nrioridade em polidez e bom tom, e lhes outorgam o aposto\xc2\xbb \nlado da civi\xc3\xacidade. Podeis tambem sustentar urna opini\xc3\xa0o, \netc; por\xc3\xa9m tudo isto deve ser feito sem levantar nunca a \nvoz, sem multiplicar os gestos, sobre tudo sem que a \ndiscuss\xc3\xa0o degenere em disputa. Se virdes que a pessoa \nque falla comvosco toma calor, buscai logo modo de \nmudar de assumpto. Se n\xc3\xa0o tiverdes ainda est\xc3\xa0 arte, \nesperai para conversar que atenhais, e se n\xc3\xa0o poderdes \nnunca chegar ao ponto de saber assim dominar aquelles \ncom quem conversardes, fugi de travar conversac\xc3\xa0o com \ncertos homens ardentes e fogosos que transformam urna \nsala de visitas mima camara repvesentativa, e defendem \num actor, um livro, urna moda com um zelo que muitas \nvezes n\xc3\xa0o tem um bom e leal deputado pelo districto que \no elegeu. As pessoas que a forca de palavras querem ter \nraz\xc3\xa0o causam um mortai aborrecimento ; e n\xc3\xa0o sam mais \nbem vistas as que parece quererem levantar-lhes urna tri- \nbuna altercando com ellas em alguns pontos. \n\nN\xc3\xa0o vos apresseis a desmentir qualquer facto que se \nconta, a n\xc3\xa0o ser que vossa consciencia a isso vos obrigue, \ne que possais dar provas de vossa asserc\xc3\xa0o ; mas fazei-o de \nmodo que n\xc3\xa0o offendais a pessoa que o contou, e dai \nmostras de crer que fora induzida em erro. N\xc3\xa0o tomeis \nparte em qualquer narrac\xc3\xa0o ou conto que vos pareca \ndictado pela maldade ou pela inveja ; n\xc3\xa0o animeis o nar- \nrador nem com o riso, nem com certa express\xc3\xa0o d\'inte- \nresse : s\xc3\xa8de impassiveis. Se todas as pessoas bem criadas \nse entendessem a este respeito, sem bulha nem espalha- \nfato, seriam expulsos das sociedades intimas os calumnia- \ndores, os maledicos, osmalevolos, e tantos outros que n\xc3\xa0o \nfazem sen\xc3\xa0o mal, ainda que muitas vezes nos divertimos \n\xc3\xa0 sua custa. (Yejarse o arfigo da Co>vERS.\\gAO.) \n\n\n\n84 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nExercitai-vos, meus filhos, a ter d\xc3\xb2 de todas as enfermi- \ndades e miserias physicas e moraes, para n\xc3\xa0o ferirdes o \ncorac\xc3\xa0o da mai d\'uni doudo, d\'um parvo, d\'um torto ou \nvesgo, d\'um coxo, aleijado, ou carcunda, fazendo escarneo \nd\'algum ausente que soffresse de qualquer d\'estes defeitos. \n\xc3\x89 quasi impossivel que mima duzia de pessoas que se \nacbam reunidas, n\xc3\xa0o haja alguma que na sua familia n\xc3\xa0o \ntenha a lamentar urna ou mais imperfeicoes d\'este genero. \nAl\xc3\xa9m de que, pensais v\xc3\xb3s que n\xc3\xa0o sera estupido e deshu- \nmano escarnecer de defeitos naturaes?... Lembra-me que \nminha m\xc3\xa0i me dizia, quando eu ria d\'algum torto, car- \ncunda, etc. : \xc2\xab Ninguem se fez, meu f\xc3\xaclho; podias nascer \ncorno este, e p\xc3\xb3de Deos castigar-te tornando-te mais defei- \ntuoso do que elle... \xc2\xbb mesmo vos direi a respeito dos \nvelhos d\'um e outro sexo; mas temo offender- le, meu \nf\xc3\xaclho, recommendando-te o respeito aos cabellos brancos... \nBem sei que ha pessoas fracas, e por conseguinte vaido- \nsas, que se atemorizam \xc3\xa0 vista das rugas, e da decrepitude, \ne que se esforcam por disfarc\xc3\xa0l-as : v\xc3\xa0os esforcos, que s\xc3\xb3 \nservem de as tornarem sobre maneira ridiculas; por\xc3\xa9m, \nsabes tu com que animo ver\xc3\xa0s fazerern-se-te brancos os \ncabellos, ou ca\'irem-te de todo deixando a cabeca nua? \ndessecarem-se-te as pernas, encovarem-se-te os olhos? \nSabes tu corno entrar\xc3\xa0s nesse ultimo quartel em que a vida \nhumana pela demasiada idade torna a fraqueza da infan- \ncia; quando a lingua enfastiada n\xc3\xa0o sente j\xc3\xa0 sabor nem \ngosto, os dentes ou sam caidos, ou nadam na boca, o \nestomago n\xc3\xa0o digere, e emf\xc3\xacm tudo \xc3\xa9 traballio e d\xc3\xb3r?! \nSabes finalmente corno encarar\xc3\xa0s a morte, cujos precur- \nsores sam estes signaes?!... Olhai pois com d\xc3\xb3, meus \nfilhos, para esses insensati que se envergonham d\'aquillo \nde que mais deviam honrar-se : as c\xc3\xa0s sam o signal da \nsabedoria, na phrase de Salom\xc3\xa0o (Cani Miteni sunt sensus \nliominis)) mostrai-lhes as apparencias da profunda vene- \n\n\n\nDAS PARTIDAS. \n\n\n\nSa \n\n\n\nrac\xc3\xa0o que \xc3\xa9 devida \xc3\xa0 velhice, mas reservai a sincera reali- \ndade d\'aquella para os anci\xc3\xa0os que se honram de mostrar \nurna grande calva, um corpo alquebrado : ha nobreza \ne magestade no desdem coni que um velilo encara \no tempo e lucta contra seus estragos. Quer-me pare- \ncer, meus filhos, que ninguem se vangloria de ter vivido \nmilito tempo sen\xc3\xa0o quando sua vida foi irreprehensivel e \nbenefica. \n\nJ\xc3\xa0 te disse, meu f\xc3\xacllio, qu\xc3\xa0o respeitoso devias ser para \ncom os vellios e ecclesiasticos; agora accrescento que o \nmesmo deves fazer para coni as senlioras; \xc3\xa9 do teu dever \nceder-lhes o melhor lugar, nunca passar por diante d\'ellas, \nouvir com attenc\xc3\xa0o o que te dizem, e ver se precisam \nd\'alguma cousa para lh\'a offereceres. Quando levares al- \nguma senhora pelo braco, na rua ou descendo urna escada, \nd\xc3\xa0-lhe sempre o lado da parede, que \xc3\xa9 o mais commodo e \nhonroso. \n\nDado que numa pequena reimi\xc3\xa0o estamos mais a nossa \nvontade do que numa assembl\xc3\xa8a, coni tudo devemos guar- \ndar a mesma compostura de corpo. P\xc3\xb3de ter-se o chap\xc3\xa9o \nna m\xc3\xa0o ou p\xc3\xb3r-se nalguma parte; mas sempre no cb\xc3\xa0o, \ndebaixo d\'alguma banca ou trum\xc3\xb2, era cima d\'algum moxo \nou tamborete, ou noutro qualquer lugar menos visivel da \nsala onde se est\xc3\xa0. P\xc3\xb3de-se estar de luvas calcadas ou sera \nellas, a menos que se haja de dar a m\xc3\xa0o a urna senhora, \no que nunca se ha de fazer seni luvas. Se se lhe offerece \nalguma cousa \xc3\xa9 mister tirar a luva, pela mesma raz\xc3\xa0o que \nj\xc3\xa0 vos disse quando fallei da etiqueta do paco. \n\nPodeis escolher para vos assentai 1 urna cadeira, rasa ou \nde bracos, e mesmo o canap\xc3\xa9; mas tende milita attenc\xc3\xa0o \nem n\xc3\xa0o vos estirardes corno vil\xc3\xa0o viiim em casa de sai \nsogro, segundo se diz em Portugal, encostando a cabcca e \nestendendo as pernas. Est\xc3\xa0 postura de pessoa que annun- \ncia padeciniento lechar-vos-hia a porta de mais diurna \n\n\n\n86 CODIGO DO BOM TOM. \n\ncasa; quem \xc3\xa9 valetudinario, ou anda fraco e adoen\'ado, \nfica em casa. \n\nSe tiverdes s\xc3\xa8de ide \xc3\xa0 saleta ou sala d\'esper\xc3\xa0 e pedi \nagua a algum criado, e se por acaso vos trouxerem o copo \nd\'agua \xc3\xa0 sala onde est\xc3\xa0 a dona da casa, retirai- vos fora da \nroda para beber, e bebei de p\xc3\xa9. \n\nD\'inverno n\xc3\xa0o toqueis no lume senao quando alguma \nacha ou tic\xc3\xa0o rolar, ou se a senhora da casa vo-lo pedir, \nno ver\xc3\xa0o n\xc3\xa0o abrais porta nem janella sem sua ordem ou \npermiss\xc3\xa0o. Por muita eonf\xc3\xacanca que tenhais numa casa n\xc3\xa0o \ndeis d\'isso mostras : \xc3\xa9 o meio de a augmentar. \n\nN\xc3\xa0o apalpeis os vestidos ou moveis para examinar a \nqualidade dos estofos; olhai para osgrupos, estatuazinhas, \nbustos, enfeites de chemin\xc3\xa9, ou quaesquer outras curiosi- \ndades, mas n\xc3\xa0o Ihes ponhais as m\xc3\xa0os. Ainda com mais \nraz\xc3\xa0o n\xc3\xa0o deveis por os olhos em papel escrito nem as \nm\xc3\xa0os em livro, segundo o proverbio latino, neque manus \nad librimi, neque oculos ad papyrum. N\xc3\xa0o apanheis flores \nno jardim, nem colhais fructa no pomar. N\'uma palavra, \nn\xc3\xa0o facais nenhuma ac\xc2\xa3\xc3\xa0o que pareva acto de posse ou \ndominio em casa alheia. Por maior que seja a intimidade \nnada ha que desculpe o costume que muita gente tem de \ndizer : Sim, senhor Pedro; n\xc3\xa0o, senhor Paulo... Quando \ntiverdes grande eonf\xc3\xacanca com algum homem, chamai-o \npelo nome da pia; fora d\'isso dizei : o senhor, ou V. Ex., \nV. S., e em francez, monsieur e madame : assim fallam as \npessoas bem criadas. N\xc3\xa0o trateis por tu a ninguem diante \nde gente de fora, ainda que fosse vosso mais intimo amigo : \neste constrangimento \xc3\xa9um respeito \xc3\xa0 sociedade, e d\xc3\xa0 mais \nrealce ao prazer da vida intima. \n\nS\xc3\xa8de mui escrupulosos na escolha das casas onde vos \nrecebem diariamente e sem convite : ali \xc3\xa9 que sam mais \ninevitaveis os perigos da m\xc3\xa0 companhia ; ali \xc3\xa9 que se for- \nmatti o tom e as maneiras : ali \xc3\xa9 que pela repetic\xc3\xa0o dog \n\n\n\nMS PARTIDAS. 87 \n\nmesmos actos se consegue fallar e obrar coni graca e ele- \ngancia, que pouco custa, e que se adquirem maneiras f\xc3\xacnas \ne delicadas, se taes sam as dos senhores da casa. \n\nEm casa de enforcado, imo se falla eni corda 1 , \xc3\xa9 um \nproverbio que, assim corno todos os diclados populares, \nencerra urna grande ensinanca : seni vos rnostrardes cu- \nriosos, buscai saber coni disfarce ahisioria das pessoas cuja \ncasa frequentais; porque numa casa n\xc3\xa0o se deve fallar de \nbanca rota, noutra, de divorcio; nesta, d\'apostasia; na- \nquella, de demanda por causa d\'uni testamento, d\'uni con- \ntrago falsificado : que sei eu? todas as paixoes, todos os \nvicios da humanidade, todas suas miserias, sublevam-se \nmuitas vezes por urna palavra imprudente. \n\nN\xc3\xa0o declameis coni violencia contra nenliuma quest\xc3\xa0o; \ne quando mesmo urna proposie\xc3\xa0o religiosa offendesse cruel- \nmente vossa crenca, s\xc3\xa8de tolerantes, calai-vos. N\xc3\xa0o \xc3\xa9 a v\xc3\xb3s \nque foi confiada a m\'ss\xc3\xa0o de converter os hoinens que vivem \nno erro : se os poderdes illustrar, fazei-o coni boas ma- \nneiras, mas n\xc3\xa0o ofacais diante de gente, nem com clo\xc3\xa9stos \nou invectivas; n\xc3\xa0o vos direi que o mundo temraz\xc3\xa0o, mas \ndigo-vos que elle exige de v\xc3\xb3s, que oucais o impio, o ath\xc3\xa8o, \no fanatico coni igual sangue frio, e vos contenteis d\'urna \ndesapprovac\xc3\xa0o tacita. Tende d\xc3\xb2 d\'elles, e fugi de sua com- \npanhia. Se sabeis medir o abismo para que elles cami- \nnbam, dai gracas a Deos por vol-o dar a conhecer, e invo- \ncai sua omnipotencia para que elles o conhecam conio v\xc3\xb3s; \nmas n\xc3\xa0o os exciteis coni vossa opposic\xc3\xa0o, e n\xc3\xa0o contribuais \npara que elles offendam a magestade do Deos que adorais, \ne que talvez um dia elles adorem arrependidos. \n\nAinda com muita mais raz\xc3\xa0o n\xc3\xa0o tomeis calor em quos- \nt\xc3\xb9es politicai, e se accreditais na experiencia de vosso pai \ne no interesse que por v\xc3\xb3s toma, segui o meu conselho, \n\n* // ne (ani pas parler de corde dqns la wriiso\xc3\xact d\'un pendii. \n\n\n\n88 \n\n\n\nGODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nn\xc3\xa0o entreis nunca em discuss\xc3\xb2es (Teste genero : o campo \nda politica foi sempre cobcrto d\'espinhos, mas em nossos \ndias \xc3\xa9 semeado de escolhos e precipios; o espirito de par- \ntido, a que um homem mui distincto chamou asneira de \npartido (b\xc3\xa9tise de parti), faz dizer aos que se deixam ar- \nrastar por elle os maiores despropositos e absurdos, e \nconduz a insolencia ainda as pessoas mais bem criadas. \nSe houvesse de contar-vos o que desde 1789 se tem dito \nem Franca at\xc3\xa9 hoje, ficarieis pasmados. A inepcia e a \natrocidade disputavam-se a palma, e sem distincc\xc3\xa0o de \nsexo nem de gerarchia, fallavam por bocas d\'onde s\xc3\xb3 de- \nvi am sair palavras de paz e discursos eloquentes e gran\xc2\xbb \ndiosos. Eu n\xc3\xa0o discuto aqm qual \xc3\xa9 a opini\xc3\xa0o ou bandeira \nque deveis seguir, mas o que yos digo \xc3\xa9, que ainda que \nestivesseis a ponto de tornar as armas para a defender, \nquando mesmo houvesseis de empunhar o facho da guerra \ncivil, guardai vossas for^as para o campo da batalha, e \nn\xc3\xa0o facais testemunhas de vossos furores as mulheres, as \nfilhas e os pacificos habitantes d\'urna sala de visitas. Se \npor acaso acontecer que a lurbulencia se apodera dos cir- \ncumstantes, e que, a vosso exemplo, cada um grita e ges- \nlicula, corno muitas vezes tem acontecido diante de mim, \nestai certos que a discuss\xc3\xa0o se assemelhar\xc3\xa0 bein depressa \n\xc3\xa0s disputas das regateiras, e disponde-vos a ficar mal, e \ntalvez de facas arrancadas, com muitos dos que nella ti- \nverem tornado parte. \n\nEm politica, meus f\xc3\xaclhos, o mais seguro \xc3\xa9 n\xc3\xa0o abrir seu \npeito sen\xc3\xa0o ao amigo, respeitar as opini\xc3\xb2es de todos, e \nainda desculp\xc3\xa0l-os at\xc3\xa9 certo ponto, distinguir o que \xc3\xa9 po- \nlitico do que \xc3\xa9 social, o que veni do espirilo de partido do \nque nasce do amor da patria, o que tende a destruir e \ndesorganizar do que se encaminha a melhoramentos e \nreformas saudaveis; respeitai as virtudes civicas e domes- \nticas onde quer que as encontrardes, e nunca menoscabeis \n\n\n\nDAS PARTIDAS. 89 \n\num homem probo e honesto porque fallece em politica; \nal\xc3\xa9m de que, muitas vezes tenho ouvido a homens expe- \nrimentados e intelligentes : Em politica n\xc3\xa0o se sabe quem \ntem raz\xc3\xa0o; o que hoje \xc3\xa9 virtude \xc3\xa9 amanh\xc3\xa0 crime; o acaso, \nou a forca muda as instituicoes quando menos se espera. \nN\xc3\xa0o vos digo que sejais indifferentes aos vaivens da poli- \ntica, mas, sem sacrificar as opini\xc3\xb2es que urna vez tiverdes \nadoptado, encarai-os com impassibilidade estoica; n\xc3\xa0o re- \ncuseis nunca vosso braco \xc3\xa0 patria, quando ella vol-o pedir, \nmas retirai vossa m\xc3\xa0o ao partido que pretende levantar \nseu throno sobre a mina de seus rivaes ; nao esquecais \nnunca est\xc3\xa0 maxima salutar : Se a guerra civil \xc3\xa9 urna \ndesgraca, procurar at\xc3\xa9al-a \xc3\xa8 um crime. N\xc3\xa0o vos digo que \nsejais interamente mudos sobre materias politicas; podeis \nfallar sobre aquellas que n\xc3\xa0o offendemum principio, nem \nfavorecem ou atacam urna pretenc\xc3\xa0o) podeis at\xc3\xa9 emittir \nvossa opini\xc3\xa0o \xc3\xa0cerca das materias administrativas e in- \ndustriaes, e das que se cliscutem publicamente nas camaras \ne periodicos; e sem receio nenlmm podeis referir as noti- \ncias e anecdotas estrangeiras ou nacionaes, ainda que \nversem sobre pontos capitaes de politica; faco-vos urna s\xc3\xb3 \nrecommendac\xc3\xa0o, e vem a ser, de nunca vos servirdes d\'e- \npitbetosinjuriosos que designem qualquer partido, vencido, \nvencedor, ou pretendente, nem mesmo de allus\xc3\xb2es mali- \nciosas ou que do\xc3\xa9stem, n\'uma palavra obrai segundo o \nespirito da caridade de que j\xc3\xa0 vos fallei (pag. lo) vivereis \nem paz com vossos conterraneos, e at\xc3\xa9 com os estranhos, \ne dareis mais urna prova de serdes beni criados. \n\nA moderac\xc3\xa0o e a prudencia que vos recommendo a res- \npeito da politica \xc3\xa9 a mesma que deveis ter \xc3\xa0cerca de \nqualquer materia sobre a qual estejam divididos os animo s. \nN\xc3\xa0o vos facais nunca entliusiastas d\'uni actor, d\'urna can- \ntarina ou comediante, d\'um poeta, romancista ou pintor, \ne n\xc3\xa0o deis nunca o ridiculo espectaculo que deram al^uns \n\n\n\n90 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nde nossos patricios de Lisboa no firn do seculo passado, \nque tao loucos e apaixonados andavam pela Zamperi\xc3\xacia, \ncantariila italiana, que deram occasi\xc3\xa0o a que em sua honra \nse accrescentasse ao vocabulario da linguagem chula o \nverbo enzamperinar-se. \n\nAinda que a Escritura nos n\xc3\xa0o dissesse que Deos entre- \ngou o mundo a disputa dos homens (mundum tradititi \ndispiUationi eorum) podiamos sustentar que a disputa era \nurna qualidade inherente \xc3\xa0 especie humana. Sem fallar- \nmos dos antigos, nominaes e realistas, scotistas e t\xc3\xaciomis- \ntas, que dividiram as escolas da idade media, assim corno \nposteriormente se f\xc3\xaczeram crua guerra jansenistas e moli- \nnistas, defendiam-se conclus\xc3\xb2es publicas, e algumas de \nomni scibili, s\xc3\xb3 para ganhar Victoria por meio da disputa, \nsendo talvez as mais notaveis de todas as que defendeu \no franciscano Macedo em Veneza, no anno de 1667, por \nespaco de oito dias 1 ; formaram-se em Roma os partidos \nTrapassi* e Bellucci para defender cada um o seu respec- \ntivo chefe ; estabeleceu Christina de Suecia em seus apo- \nsentos urna lucta litteraria sobre o riso de Democrito e as \nlagrimas de Heraclito, de que foi principal athleta o nesso \nVieira; entre n\xc3\xb3s vimos n\xc3\xa0o ha muito tempo esgremirem \nas pennas molhadas em fel J. A. de Macedo e Pato Moniz, \ne formarem-se dous campos que, \xc3\xa0 similhanca de seus \nchefes, se n\xc3\xa0o poupavam em injurias e bald\xc3\xb2es ; em Franca \nhouve tempo em que se berrava (hurler \xc3\xa9 a express\xc3\xa0o de \nque se serve um escritor distincto) nas salas a respeito de \nGluck e Piccini, de George e Duchesnois, de Homero e \nShakespeare; mas que muito, no tempo dos Impera- \n\n1 Voja-se Hora de Recreio, pag. 226, e o retrato muito ao naturai \nd\'este sabio religioso que se acha no 1\xc2\xb0 lanco d\'escadas, A direita, \nquando se sobe na Bibliotheca publica de Lisboa. \n\n2 Este era o nome de Metastasio antes que o celebre Gravina o \nadoptasse por f\xc3\xaclho. Yej. Meninos celebres, tom. IL \n\n\n\nDAS PARTIDAS. \n\n\n\nOi \n\n\n\ndores de Constantinopla se fazia ainda peior por causa dos \ncocheiros vestidos de azul ou de verde, que conduziam os \ncarros no hipp\xc3\xb3dromo !... Sabeis pois, meus filhos, que \nos disputadores, os enfatuados, os presumpcosos sam de \ntodos os tempos : os homens n\xc3\xa0o mudarci, a differenza \xc3\xa9 \nque elles exercem seu bom ou m\xc3\xa0o espirito sobre objectos \ndifferentes. Contemplai-os de mais alto e sem paix\xc3\xa0o, e \nvereis que raramente merecem os elogios ou vituperios \nconi que se mimoseam uns aos outros; mas occultai-lhes \nest\xc3\xa0 descoberta, que pareceria desdem ou menoscabo : \nem gardar em si o que p\xc3\xb3de offender e desgostar consiste \no ser polido. \n\n\xc3\x80 ti, meu fillio, quero te dar uni conselho que a expe- \nriencia me tem mostrado ser mui saudavel. Se alguma \nvez te achares empenhado nalguma disputa 011 lucta lit- \nteraria, e se te insultarem e assacarem baldoes, o que \nentre n\xc3\xb3s \xc3\xa9 mui frequente, faze bom rosto, e n\xc3\xa0o pa- \ngues na mesma moeda, antes segue o que diz um antigo \nditado : \n\n\xc2\xab Rosto alegre coni perdao \n\xc2\xab Vingatiga \xc3\xa9 do baldao. \xc2\xbb \n\nSe te vires forcado a declarar o teu sentimento ou a dar \no teu parecer \xc3\xa0cerca de dous coripheos ou rivaes, faze-o \nde modo que n\xc3\xa0o offendas nem um nem outro, accusando \nantes tua incapacidade que o apoucado talento dalgum \nd\'elles; e se se tratar de oradores ou pr\xc3\xa9gadores, imita a \nresposta d\'um lente da Universidade de Coimbra, refendo \npelo P. Yieira 1 que sendo instado para dar o seu voto so- \nbre qual de dous pr\xc3\xa9gadores, que no seu tempo tinbam \ngrande nomeada, fosse o maior, sobre o que altercavam os \ncloutores, dizendo uns, este; outros, aquelle; respondeu \n\n1 Yieira Abreviado, tona. I, p. 240. \n\n\n\n02 \n\n\n\nC0DIG0 DO BOM TOM. \n\n\n\ndizendo : \xc2\xab Entre dous sujeitos tao grandes n\xc3\xa0omeatrevo \na entrepor juizo ; s\xc3\xb3 direi urna differenza que sempre ex- \nperimento : quando ou$o ura, s\xc3\xa0io do serm\xc3\xa0o muito con- \ntente do pr\xc3\xa9gador; quando ou\xc2\xa30 o outro, s\xc3\xa0io muito des- \ncontente de mim. Com isto tenho acabado. \xc2\xbb \n\n\xc3\x80pezar de termos um rif\xc3\xa0o que diz, onde te querem milito \nn\xc3\xa0o v\xc3\xa0s a miudo 2 , com tudo, meus f\xc3\xaclhos, se a fortuna \nvos deparar alguma casa em que se reunam pessoas esti- \nmaveis e distinctas por sua instrucc\xc3\xa0o e maneiras polidas \ne delicadas, e se a senhora da casa instar comvosco para \nque amiudeis as visitas, n\xc3\xa0o hesiteis em faz\xc3\xa8l-o : um the- \nsouro tao raro e precioso n\xc3\xa0o \xc3\xa9 para desprezar, mas para \nn\xc3\xa0o desmerecerdes a distincc\xc3\xa0o que de v\xc3\xb3s fazem \xc3\xa9 mister \nredobrar de zelo em serdes polidos e delicados a todos os \nrespeitos. J\xc3\xa0 vos fallei do que era mais essencial, mas ainda \nme resta bastante a dizer-vos. \n\nQuando contardes alguma noticia ou anecdota aconte- \ncida, nunca citeis o nome da pessoa que vol-a contou : \n\xc3\xa9 o meio de n\xc3\xa0o vos inimizardes com ninguem, e de sa- \nberdes muito. Os almocreves de noticias e anecdotas, que \nt\xc3\xa8m o desc\xc3\xb3co de citar as pessoas, sam tidos em pouca \nconta; todos temem serem os heroes de suas historietas; \nescondem-lhes o que podem, e muitas vezes se p\xc3\xb2e em du- \nvida a verdade do que dizem. Se comecardes por ouvir, \nem vez de fallar, conhecereis em pouco tempo, em que \ncasas vos \xc3\xa9 permittido manifestar francamente o vosso pen- \nsamento (penser tout haut, com\xc3\xb2 dizem os Francezes). N\xc3\xa0o \npretendo defender-vos este prazer, o primeiro de todos \npara o homem honrado ; mas advirto-vos que vos deveis \ndar por muito felizes, se no descurso de vossa vida encon- \ntiardes trez ou quatro casas em que possais faz\xc3\xa8l-o sem in- \n\n2 Os Francezes t\xc3\xa8m o seu proverbio, que \xc3\xa9 mais gracioso : // ne faut \npas Iqisser pousser de V herbe sur le ehemin de Vmit\xc3\xac\xc3\xa9, \n\n\n\nMS PARTII) AS. <>5 \n\nconveniente. A franqueza e a sinceridade eran\'outro tempo \no nosso caracter nacional, e ainda hoje o deve ser dos \nque se honram do nome de Portuguezes; mas corno o tralo \ndo mundo \xc3\xa9 hoje tao differente do que era algum dia, e \nquasi toda a gente est\xc3\xa0 afrancezada, recommendo-vos que, \nsem mudardes o caracter franco e sincero que vos co- \nnheco, useis coni tudo de reservas e precauc\xc3\xb2es coni as \npessoas que vos n\xc3\xa0o tenham dado provas indubitaveis de \nsua franqueza e sinceridade para comvosco; \xc3\xa9 o meio de \nvos n\xc3\xa0o aventurardes a ter dissabores e desgostos que po- \nderiam custar-vos caro. \n\nAdvirto-te, meu fillio, que ainda nas casas em que te \nrecebem com intimidadade, ou coni pessoas coni quem \ntens familiaridade, tenhas sempre certa circumspecc\xc3\xa0o, \nm\xc3\xb3rmente sobre cousas que dizem respeito ao interior da \nfamilia ou governo da casa; nunca te mostres curioso, e \ntem cautela em n\xc3\xa0o repetir noutra casa o que ali se passa \nou sediz em familia. Quando acontecer que duas pessoas \nestam fallando s\xc3\xb3s \xc3\xa0 parte, seja mima sala, seja no jar- \ndim, n\xc3\xa0o te chegues para o p\xc3\xa9 d\'ellas, antes te afasta para \noutro lado, e de modo que ellas o vejam, porque podem \nter scgredo a communicar entre si; se o n\xc3\xa0o tiverem e \nforem bem criadas, chamar-te-h\xc3\xa0o immediatamente e te \nfar\xc3\xa0o parte da conversac\xc3\xa0o. A onde estiverem trez pes- \nsoas conversando podeis aproximar-vos, porque entre \ntrez n\xc3\xa0o se supp\xc3\xb2e haja segredo; s\xc3\xb3 te afastar\xc3\xa0s se virus \nque mostram desprazer pela tua chegada, ou se calam ou \nmudam de conversa. \n\nN\xc3\xa0o penseis que a felicidade de ser admittido com fa- \nmiliaridade nuina casa se obtem sem concessOes e sacri- \nficios. Tereis que aturar a pagina (conio se diz entre n\xc3\xb3s), \nque vos pregar\xc3\xa0 o dono da casa, ora sobre suas fazendas, \nquintas, vinhas, h^rdades lavouras, etc.; ora sobre suas \ncacadas, pescas, jornadas; ora sol)re seus negocios da \n\n\n\n94 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\npraga, banco, caminhos de ferro, fabricas, industrias; ora \nsobre navios, carregac\xc3\xb2es, saccas de algod\xc3\xa0o ou caixas \nd\'assucar; ora \xc3\xa0cerca de suas pinturas, quadros, biblio- \ntheca, encadernac\xc3\xa0o de livros; o numero das batalhas a \nque assistiu, se \xc3\xa9 militar; o aranzel genealogico de seus \na vos, se \xc3\xa9 f\xc3\xacdalgo. A senhora far-vos-ha urna longa narra- \nlo de suas molestias e achaques, que j\xc3\xa0 sabeis de cor e \nsalteado; as criancas obrigar-vos-h\xc3\xa0o a admirar seus brin- \ncos ebonitos, a ouvir algumas de suas composi$\xc3\xb2es; deveis \nsoffr\xc3\xa8l-os coni paciencia, e pelo Naia], ou no dia d\'anno \nbom, deveis fazer-lhes um presente. Por este preco com- \nprareis a honra que vos fazem; mas se vos tratarem com \nverdadeira amizade, tomareis interesse por todas estas \ncousas ; e far-se-ha entre v\xc3\xb3s e essa familia um cambio de \ncondescendencias e obsequios que estreitar\xc3\xa0o cada vez \nmais os la$os da amizade, e ficareis sendo corno de casa. \nPara conservardes est\xc3\xa0 estimavel intimidade, n\xc3\xa0o sejais \nnem curiosos, nem chocalheiros ; respeitai sempre o secreto \ndo sanctuario domestico, e tende corno secreto tudo que \nse dizou faz em familia; e comportai-vos invariavelmenlc \ncorno se ha muito tempo vivesseis em sua casa, e corno se \n\xc3\xa0manh\xc3\xa0 houvesseis de a deixar : isto \xc3\xa9, sem causar offen- \nsas, nem levar remorsos. \n\nA est\xc3\xa0 sorte de partidas podeis ir de sobrecasaca, gra- \nvata preta, levar luvas que j\xc3\xa0 servissem, collete de cor, e \nbotas meio-usadas; mas nada d\'isto podeis fazer nas assem- \nbl\xc3\xa9as ou raoats de que j\xc3\xa0 vos fallei; porque dar a mais \npequena mostra de economia numa reuni\xc3\xa0o esplendida, \xc3\xa9 \nquerer perder toda a consideralo. Quem n\xc3\xa0o tem, ou n\xc3\xa0o \nquer gastar dinheiro, deve ficar em casa, ou ir ver os \namigos e os homens d\'urna superioridade de talento reco- \nnhecida. \n\ngosto dos ditertimentos e prazeres arrasta o homem a \n\xc3\xacriil b\xc3\xa0ixezas quando n\xc3\xa0o tem dinheiro. \xc3\x80ceitar\xc3\xa0 um jantar \n\n\n\nDAS P\xc3\x80RTID\xc3\x80S. 95 \n\ncorno por caridade; consentir\xc3\xa0 que lhe paguem um lug\xc3\xa0r \nno theatro, ou na carruagem publica; pedir\xc3\xa0 prestados \ncavallos, e enfeites; e acabar\xc3\xa0 por se associar, com\xc3\xb2 para- \nsita, a algum ricaco folgaz\xc3\xa0o que necessita d\'uni satellite \npraz\xc3\xa9nteiro para o acompanhar a certos logares onde n\xc3\xa0o \np\xc3\xb3de levar um escudeiro ou um lacaio; contrair\xc3\xa0 dividas, \nsem ter coni que as pague; cair\xc3\xa0 na desesperac\xc3\xa0o, e sair\xc3\xa0 \nd ella pelo opprobrio ou pelo crime... \n\n>\'\xc3\xa0o nos demoremos mais neste pensamento que o tempo \nnecessario para vos fazer comprehender qual \xc3\xa9 o horror \nd\'urna similhante posicao. \n\nSe vos acharcles instantaneamente faltos de meios, cortai \nimmediatamente por todos os prazeres que custam di- \nnheiro. Se vierdes a cair em pobreza, conformai-vos com \na vossa sorte, e renunciai a todos os prazeres sem reserva \nalguma. Quem \xc3\xa9pobre n\xc3\xa0o tem vicios, diz um ditado mui \nconhecido. Se por ventura se vos offerecerem alguns di- \nvertimentos gratuitos, aceitai-os, mas n\xc3\xa0o os busqueis \nnunca, se quereis conservar alguma dignidade e vossa \nindependencia. \n\nRecommendo-vos em ultimo lugar, meus fillios, que \nnunca trateis com desprezo nenhuma classe da sociedade, \nou seja superior ou inferior \xc3\xa0 vossa, nunca facais compa- \nracoes de que resuite menoscabo para alguma d\'ellas, c \nsobre tudo nunca lhe deis em publico epitheto injurioso, \nainda que o uso o autorize. Para vos convencerdes da \nimportanza d\'este conselho, contar-vos-hei urna anecdota \nque diz mais que um Iongo discurso. \n\nNo tempo em que o celebre Talleyrand estava no gala- \nrim, que era tambem no tempo em que os militares eraro \nas primeiras pessoas em Franca e tratavam de resto todos \nos que n\xc3\xa0o vestiam Tarda, convidou elle um dia para janlar \num general de Napole\xc3\xa0o; chegou este mais tarde da bora \nrlilcla, e vendo que os mais convidados estavam \xc3\xa0 sua \n\n\n\n96 CODIGO DO BOM TOM. \n\nespera e o dono da casa um pouco zangado, pediu-lhe \nmu\xc3\xactos perdoes, dizendo : \xc2\xab Encontrei no caminho um \npekino 1 que me fez demorar. \xe2\x80\x94 que entende V. Exc, \npor pekino? disse Talleyrand. \xe2\x80\x94 N\xc3\xb3s cham\xc3\xa0mos pekino \na tudo que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 militar. \xe2\x80\x94 Ah! e n\xc3\xb3s cham\xc3\xa0mos militar \na tudo que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 civil. \xc2\xbb Ficou corrido o militar sem saber \no que ha via de dizer. N\xc3\xa0o vos esponheis nunca a ouvir \nsimilhantes remoques, que sam bofetadas sem m\xc3\xa0o. \n\nQuanto a ti, minha f\xc3\xaclha, nunca ir\xc3\xa0s a parte nenhurna \ns\xc3\xb3, e em toda a parte onde fores, deves fazer todos os \nesloreos possiveis para seres amavel, de boa indole, e \nagradecida para com todos que te tralarem bem. Quando \nhouver pouca gente na sala, poder\xc3\xa0s conversar um pouco \nmais; mas desejaria antes que levasses alguma obra de \nm\xc3\xa0os para trabalhar nella ; e se vires que a senhora da \ncasa ou alguma das de fora se p\xc3\xb2e a trabalhar (o que se \nusa em muito boas casas) faze logo o mesmo, e fica certa \nque nada d\xc3\xa0 melhor ar a urna menina corno o estar entre- \ntida em sua costura ou bordado. \n\nDesconfia sempre, minha filha, das pessoas de tua idacle \ne sexo que fazem roda a parte para fallarem pela boca \npequena, e para rirem \xc3\xa0s gargalhadas sem que se saiba \nqual \xc3\xa9 o motivo de suas risadas, Este procedimento \xc3\xa9 \nsempre indiscreto e por vezes atrevido, e d\xc3\xa0 ma id\xc3\xa8a das \nraparigas que n\xc3\xa0o querem que se saiba o que ellas dizem. \n\nDeves evitar os frequentes abra^os, osculos e apertos de \nm\xc3\xa0os prolongados ainda com as tuas maiores amigas : \ntodas estas caricias sam de m\xc3\xa0o tom; pr\xc3\xb2va teu affecto \n\n1 P\xc3\xa9kin, era um epitheto injurioso que no tempo do 1\xc2\xb0 imperio da\xc2\xbb \nvam os militares francezes aos paisanos. A anecdota tem mais graca \nem francez. \xc2\xab Je vous demando mille pardons, mon prince; j\'ai ren\xc2\xbb \ncontr\xc3\xa9 en chemin un p\xc3\xa9kin qui m\'a retenu. \xc2\xbb \xe2\x80\x94 \xc2\xab Qu\'entendez-vous \npar p\xc3\xa9kin, mon general?\xc2\xbb lui r\xc3\xa9pondit Talleyrand. \xe2\x80\x94 \xc2\xab Nous appo- \nlons pekin tout ce qui n\'est pas militaire. \xc2\xbb \xe2\x80\x94 \xc2\xab Ah! et nous, nous \nappelons militaire tout ce qui n\'est pas civil. \xc2\xbb \n\n\n\nDAS PARTIDAS. \n\n\n\n07 \n\n\n\npara com tuas antigas louvando sinceramente o que nellas \nte agrada; fazendo-lhes sempre boas ausencias, e defen- \ndendo-as se alguem diz mal d\'ellas; n\xc3\xa0o tornando a liber- \ndade de dizer a seu respeito o mais pequeno gracejo ou \nremoque; e dando-lhes qualquer de teus enfeites que \ndespertasse o seu appetite. Por\xc3\xa9m n\xc3\xa0o v\xc3\xa0smais adiante, e \nsobretudo n\xc3\xa0o confies nunca teu segredo, nem recebas \nnenhuma confidencia. Urna menina n\xc3\xa0o falla baixo sen\xc3\xa0o \na sua m\xc3\xa0i ou \xc3\xa0 pessoa que faz as suas vezes. \n\ni\\\xc3\xa0o tires nunca as luvas, excepto para trabalhar; e \nmesmo ent\xc3\xa0o estimaria que calcasses meia-luvas (mi- \ntaines). \n\nAprende a fazer o ch\xc3\xa0 mima sociedade; porque quando \nnuma familia n\xc3\xa0o ha senhoras mocas a dona da casa pede \nquasi sempre a alguma das meninas de fora que tenha a \nbondade de ter este incommodo, ao qual nunca te deves \nrecusar, antes promptificar-te com bom modo e satis- \nfac\xc3\xa0o. \n\nQuando te pedirem para mostrar algumas das prendas \nque tiveres, dize era primeiro lugar que receias de n\xc3\xa0o \ndar gosto aos circumstantes ; mas se instarem, n\xc3\xa0o te facas \ngrave e executa o que souberes, mas n\xc3\xa0o o facas por muito \ntempo. \n\nSei, minha f\xc3\xaclha, que o mestre de piano que te procurei \nte ensinou a tocar com perfeic\xc3\xa0o, e tambem sei, com \ngrande prazer meu, que tens urna linda voz e cantas com \nmuito gosto, e n\xc3\xa0o ignoro que tens nisto leu desvaneei- \nmento; muito folgo que tenhas toclas estas prendas, mas \nsou obrigado a dizer-te que possues certissimos elementos \nde enfado social. \n\nSe quizeres agradar geralmente a todos n\xc3\xa0o facas uso \ndo teu saber corno pianista, sen\xc3\xa0o para acompanhar as que \ncantam; e trata de tocar opimamente as contradancas, as \nvalsas, os galopes, e toda a mais musica que \xc3\xa9 feita para \n\n6 \n\n\n\n98 CODIGO DO BOM TOM. \n\ndannar. Asseguro-te, minha filha, que te n\xc3\xa0o faltar\xc3\xa0o ap- \nplausos e palmas : o acompanhador e o menestrel sam \nsempre recebidos com acclamacoes quando chegam e \ndeixam saudades quando se retiram. Outro tanto n\xc3\xa0o \nacontece aos mais celebres pianistas, professores ou cu- \nriosos : enfadam, aborrecem, minha f\xc3\xaclha; e este \xc3\xa9 o mais \nimperdoavel crime que se commette na sociedade : enfa- \ndam a maioria de ordinario ignorante, e se levam palmas \nexcitam inveja, e por conseguinte odio na minoridade \ncapaz de os julgar. Parece-me pois que, quando n\xc3\xa0o \xc3\xa9 o \ncaso de estabelecer sua reputac\xc3\xa0o corno professor, \xc3\xa9 um \ngrande desproposito excitar em torno de si ruins paix\xc3\xb2es. \n\nN\xc3\xa0o ostentes em publico tuas prendas, contenta-te de \nlhes dar exercicio no seio de tua familia, onde poder\xc3\xa0o \ndizer-te, basta, quando n\xc3\xa0o quizerem que continues; n\xc3\xa0o \nte deixes levar dos applausos de cavalheiros, cuja conver- \nsalo interrompeste para te ouvirem, e de senhoras, obri- \ngadas a dar-te urna attenc\xc3\xa0o que sollicitavam em seu pr\xc3\xb2- \nveito. Accredita-me, querida Eugenia, nenhuma compara- \nc\xc3\xa0o p\xc3\xb3de dar-se entre a alegria d\'um successo de sala de \nvisitas e as zangas e dissabores que d\'elle podem resultar, . \n\nToca e canta o menos possivel, e a este respeito, corno \na muitos outros, segue aquella nossa antiga maxima, que \xc3\xa9 \nmui sensata : \xc3\xa9 melhor ser desejado que aborrecido. \n\nSe por acaso te achar\xc3\xa9s em companhia de pessoas que \nsabem musica perfeitamente, que a cultivam com assidui- \ndade, e que por isso sabem apreciar quanto \xc3\xa9 necessario \nestudar para tocar ou cantar soffrivelmente, s\xc3\xa9 menos \nreservada, e faze o que souberes e o que le pedirem. \n\nDeves com tudp saber que as prendas brilhantes sam \nmuitas vezes a causa de dissabores e desgostos para as \nmeninas, e n\xc3\xa0o \xc3\xa9 sem ter maduramente reflectido que te \naconselhei minha fdha, que cultivasses a arte da pintura \ncom preferendo a qualquer outra; porque as rngas, ou \n\n\n\nDAS PARTIDAS. \n\n\n\n90 \n\n\n\nqualquer accidente que deforme o rosto, destroem todo o \nencanto que se experimenta ao ouvir urna cavatina, urna \nmodinha, ou um romance; a n\xc3\xa0o ser por mortif\xc3\xaccae\xc3\xa0o, \ndeve emmudecer a dama que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 moca ou formosa. \nDesenha, pinta, minha filha, e n\xc3\xa0o ter\xc3\xa0s necessidade do \nconcurso de ninguem para gozar do fructo de teus traba- \nlhos. Lembra-te por\xc3\xa9m que obrando segundo os principios \nque busco inculcar-te, n\xc3\xa0o deves nunca por elles julgar \nos outros. N\xc3\xa0o sejas exigente e severa sen\xc3\xa0o para ti. N\xc3\xa0o \ndesculpes nenhum defeito ou ridiculo em ti, e trata de n\xc3\xa0o \nver os dos outros sen\xc3\xa0o para d\' elles te preservares. \n\nOs convites para os bailes faziam-se numa papeleta im- \npressa ou lithographada, em que s\xc3\xb3 os nomes, dia e bora, \neram de lettra de m\xc3\xa0o, e rezavam assisi : \n\nSur. F. e sua Senhora rogam o 7/i mo , etc, Sr. F. que \nIhe facam a honra de assistir ao baile que lido de dar no \ndia... ds... \xc3\xacioras. \n\nHa certo tempo a est\xc3\xa0 parte ha mais sem ceremonia a \neste respeito, e o convite \xc3\xa9 milito laconico, pois limita-se \nao seguinte : \n\nSnr. e a Stira. F. ficar\xc3\xa0o em casa... Eaver d danca. \n\nHESRIQUE IV. \n\n(( Qual \xc3\xa9 a mais bella qualidade d\'um soberano? \xc2\xbb per- \nguntava um dia Henrique IV ao joven duque de Montino- \nrency. \xe2\x80\x94 u Senhor, \xc3\xa9 a clemencia, respondeu o duque sem \nhesitar. \xe2\x80\x94 \xc2\xab E por que raz\xc3\xa0o a clemencia, disse Henrique IV, \nantes que o valor, a liberalidade, a prudencia, e tantas \noutras virtudes que um rei deve possuir? \xc2\xbb \xe2\x80\x94 \xc2\xab Porque s\xc3\xb3 \nao rei pertence, replicou Montmorency, perdoar ou punir o \ncrime neste mundo. \xc2\xbb Bellas palavras em que se acha um \nverdadeiro sentimento da solida gloria ao mesmo passo \n\n\n\n100 CODIGO DO BOM TOM. \n\nque urna justa homenagem tributada ao nobre caracter de \nHenrique IV, habituado a perdoar aos seus inimigos e a \nresponder aos cortez\xc3\xa0os que lhe aconselhavam que os tra- \ntasse com rigor: \xc2\xab A satisfac\xc3\xa0o que se tira da vinganca \ndura apenas um momento; mas a que d\xc3\xa0 a clemencia \xc3\xa9 \neterna. \xc2\xbb \n\nEste bom rei costumava dizer : \xc2\xab Eu hei de tratar tao \nbem os meus inimigos que d\'elles hei de fazer amigos. \xc2\xbb \n\n\n\nCAPITILO Vili \n\n\n\nDOS JANT\xc3\x80RES E BAXQUETES \n\n\n\nParece, meus filhos, que nada ha mais facil que sen- \ntar-se \xc3\xa0 mesa, e por-se a corner o que se apresenta; por\xc3\xa9m, \ndigo-vos que \xc3\xa9 bem o contrario, e para que vos convencais \nda minha verdade, vou contar-vos urna anecdota que se \npassou entre Delille, poeta da moda no seduto proximo \npassado. e o modesto P e Cosson, professor de bellas- \nleltras no Collegio Mazarino, que contava a seu amigo \ncorno jant\xc3\xa0ra em casa de M. Radonvilliers, em companhia \nde Duques, Marquezes, Marechaes de Franca, e varios fidal- \ngos do Paco, b Aposto, disse Delille, que f\xc3\xaczestes ceni i 1 1\xe2\x80\x94 \ncongruidades ao jantar. \xe2\x80\x94 Como assira ? tornou-lhe Cosson \nconi vivacidade e turvado. Creio que fiz corno os mais. \xe2\x80\x94 \nQue presumpc\xc3\xa0o ! Aposto que nada f\xc3\xaczestes corno os mais. \nOra vamos, limitemo-nos ao jantar; comecemos pelo guar- \ndanapo, corno o posestes, quando vos assentastes a mesa? \n\xe2\x80\x94 guardanapo! p\xc3\xb9l-o corno toda a gente : desdobrei-o, \nrstendi-o diante de mim, e metti a ponta na casa do bot\xc3\xa0o \ndo collete. \xe2\x80\x94 Pois sabei, nieu amigo, que sois o unico que \nBiest\xc3\xa9S isso; ninguein estende o guardanapo, nem mette a \nponta na casa do collete, mas deixa-o, dobrado ao meio, em \ncima dos joelhos. E cumo f\xc3\xaczestes para corner a sopa? \xe2\x80\x94 \nComo toda a gente, creio eu. Peguei na collier com unia \n\nG. \n\n\n\n102 \n\n\n\nCOD1GO DO BOM TOM. \n\n\n\nm\xc3\xa0o e no garfo com a outra... \xe2\x80\x94 Sopa com garfo? Valha- \nvos Deos, ninguem come sopa com garfo; mas vamos para \ndiante. Que comestes depois da sopa? \xe2\x80\x94 Um ovo fresco. \xe2\x80\x94 \nE que fizestes \xc3\xa0 casca? \xe2\x80\x94 que toda a gente faz; deixei-a, \nno prato ao criado que servia \xc3\xa0 mesa. \xe2\x80\x94 Sem a quebrar? \n\xe2\x80\x94 Sem a quebrar. \xe2\x80\x94 Pois sabei, meu amigo, que nunca \nse come um ovo fresco sem lhe quebrar a casca. E depois \ndo ovo? \xe2\x80\x94 Pedi do cozido (da bouilli). \xe2\x80\x94 Do cozido! oh \nsanto Deos ! ninguem se serve de similhante express\xc3\xa0o ; \npede-se vacca cozida (du bceaf) e n\xc3\xa0o cozido; e depois? \xe2\x80\x94 \nPedi aM. Radonvilliers que me mandasse d\'urna excellente \nave (volaille). \xe2\x80\x94 Oh pobre coitado ! ave ! Pede-se frango, \ngalhinha, cap\xc3\xa0o, per\xc3\xb9, etc; n\xc3\xa0o se falla em ave domestica \nsen\xc3\xa0o no pateo da criac\xc3\xa0o... Mas n\xc3\xa0o me dizeis nada do \nmodo corno pedistes vinho. \xe2\x80\x94 Pedi, corno toda agente, \nque me dessem Champanha, Bord\xc3\xa9os, \xc3\xa0s pessoas que o \ntinham diante de si. \xe2\x80\x94 Sabei pois que toda a gente pede \nvinho de Champanha, vinho de Bord\xc3\xa9os. . . Dizei-me tambem \ncorno comestes o p\xc3\xa0o. \xe2\x80\x94 Certamente corno toda a gente: \nparti-o mui aceiadamente com a faca. \xe2\x80\x94 \xe2\x96\xa0 Oh! o p\xc3\xa0o \nparte-se com a m\xc3\xa0o e n\xc3\xa0o com a faca... Mas vamos para \ndiante. Como tomastes o caf\xc3\xa9? \xe2\x80\x94 Oh! quanto ao caf\xc3\xa9, de \ncerto que fiz corno os mais : corno estava fervendo, fui o \ndeitando no pires e bebendo pouco a pouco. \xe2\x80\x94 Bem est\xc3\xa0, \nfizestes corno ninguem; todos bebem o caf\xc3\xa9 pelachavena, \ne ninguem o deit\xc3\xa0 no pires. Bem vedes, meu caro Cosson, \nque n\xc3\xa0o dissestes urna palavra, nem fizestes um movi- \nmento que n\xc3\xa0o fosse contrario ao uso. \xc2\xbb \n\nEst\xc3\xa0 conversac\xc3\xa0o encerra quasi todas as instruccoes que \npoderia dar-vos \xc3\xa0cerca dos jantares; devo com tudo ad- \nverlir-vos que em Portugal n\xc3\xa0o era costume partir-se o \np\xc3\xa0o com a m\xc3\xa0o, e ter-se-hia por falto de criac\xc3\xa0o quem o \nn\xc3\xa0o partisse com a faca em pequenos bocados, de ma- \nneira que n\xc3\xa0o fizesse migalhas; nao vqs direi qual costume \n\n\n\nDOS JASTARES E BAXQUETES. 103 \n\n\xc3\xa9 mais razoavel, s\xc3\xb3 sim que em Franca deveis" partil-o \ncom a m\xc3\xa0o, e em Portugal deveis fazer com\xc3\xb2 as pessoas \nmais polidas fizerem, nunca mostrando que esqueceis os \nusos de nossa terra ou que os desprezais para seguir os \nestranhos. \n\nN\xc3\xa0o preciso dizer-vos que nunca se molha o p\xc3\xa0o no \nvinho, nem no molho, nem com elle se enxuga o prato; \ne devo advertir-vos que os Francezes, que se jactam de \nserem os primeiros em civilidade, nem sempre vos devem \nservir de regra pelo que pertence \xc3\xa0 mesa. Em nossas boas \nmesas e nas inglezas come-se com mais aceio e decencia. \nEntre n\xc3\xb3s, ainda em casas pouco abastadas, muda-se de \ngarfo e faca quando se muda de prato; e em Franca, ainda \nnos banquetes de mais apparato e nas maiores casas, n\xc3\xa0o \nse muda de faca nem de garfo sen\xc3\xa0o \xc3\xa0 sobremesa; e \xc3\xa9 um \nhomem obrigado a corner um per\xc3\xb9 trufaclo ou urna em- \npat\xc3\xaca de figados de ganso de Strasburgo (p\xc3\xa0t\xc3\xa9 de foie gras) \ncom o mesmo garfo com que comeu o solho ou o salm\xc3\xa0o! \nBem sabeis, meus filhos, quanto \xc3\xa9 desagradavel corner \ncarne que sabe a peixe, o que acontece sempre que nos \nservimos do mesmo garfo e faca. Entre n\xc3\xb3s, corno entre \nInglezes, para corner as viandas tem-se sempre a faca na \nm\xc3\xa0o direita e o garfo na esquerda, e vai-se cortando em \npequenos bocados, que se mettem d\'urna vez na boca, \xc3\xa0 \nproporcao que se engolem, acompanhando-os com um \nbocadinho de p\xc3\xa0o, e molhando-os no molho, se o ha, e \nnunca enxugando o prato ; e em Franca, pega-se na faca \ncom a m\xc3\xa0o direita e na esquerda com o garfo, e parte-se \nlogo d\'urna vez em bocadinhos a viancla que est\xc3\xa0 no prato, \nlarga-se ent\xc3\xa0o a faca, muda-se o garfo para a m\xc3\xa0o direita, \ne come-se com elle tornando na m\xc3\xa0o esquerda o p\xc3\xa0o, \ncorno faz entre n\xc3\xb3s a gente ordinaria ; tambem vi rauitas \nvezes em boas casas, e entre gente de gravata lavada \nenxugaro prato com um bocado de p\xc3\xa0o e com\xc3\xa8l-o, e afa \n\n\n\n104 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nlamber os dedos que ficaram sujos de molho. Nao imiteis \njamais similhantes grossarias, j\xc3\xa0 hoje muito raras, que \ncheiram a miseria e a ma criac\xc3\xa0o, ainda que o vejais fazer \nnalguma mesa franceza; mas nao vos deis por achados, \nnem por gesto, riso, ou palavras deis mostras de repre- \nhender tal menoscabo das leis do aceio e da civilidade. \nPelo que pertence a corner com garfo e faca podereis \nfaz\xc3\xa8l-o sem que vos expunhais a censura, e j\xc3\xa0 quasi todas \nas pessoas o fazem, mas pelo que pertence a mudar a faca \ne o garfo a cada prato, tende muito cuidado de a nao \npordes cruzada com o garfo sobre o prato corno se faz \nentre n\xc3\xb3s, por trez raz\xc3\xb2es qual d\'ellas mais poderosa : \n1\xc2\xb0 \xc3\xa9 urna especie de offensa que se faz ao senhor e senhora \nda casa, porque os Inglezes accusam os Francezes demes- \nquinharia e pobreza, e que nao mudam os talheres por \nnao terem prata bastante para dar jant\xc3\xa0res, e se derdes \nmostras de seguirdes os usos inglezes nao s\xc3\xb3 offendeis o \norgulho nacional, mas d\'algum modo vos tornais com- \nplices das aceusac\xc3\xb2es que lhes fazem; 2\xc2\xb0 porque os criados \nenfadam-se vendo o-talher sobre o prato, porque os emba- \nra^a, e lhes faz perder tempo, e sem attenc\xc3\xa0o os attiram a \ncima da mesa, que muitas vezes se suja, o que nao \xc3\xa9 indif- \nferente nem aos convidados nem aos donos da casa; \n5\xc2\xb0 porque p\xc3\xb3de acontecer que os criados tirem o prato \ncom o talher, e corno nao estam costumados a mud\xc3\xa0l-o, \nficareis muito tempo sem elle, ou sereis obrigados a pedil-o, \no que \xc3\xa9 pouco polido. Nalgumas mesas \xc3\xa9 costume por ao \nlado de cada pessoa urna especie de cavalete de prata ou \nde cristal, a que chamam os Francezes porte-couteaa, que \n\xc3\xa9 destinado para sobre elle se encostar a ponta do garfo \ne da faca para que nao toquem na toalha e a sujem. Se o \ntiverdes ao vosso lado, nao vos esque^ais nunca de por o \ngarfo e a faca em cima; mas quando o nao haja tende \ncuidado de limpar a faca com um bocado de p\xc3\xa0o que \n\n\n\nDOS JASTARES E BANQUETES. 105 \n\ndeixareis no prato, e de por o garfo de modo que n\xc3\xa0o suje \na toalha. \n\nAssim corno n\xc3\xa0o approvo o n\xc3\xa0o se mudar em Franca a \nfaca e o garfo a cada prato, assim tambem louvo muito o \ncostume de se dar para a sobremesa urna ou duas facas \ncom folha de prata ou de prata dourada para se partir a \nfructa : quando vos derem d\'estas facas n\xc3\xa0o vos sirvais \ndas de ferro, a n\xc3\xa0o ser para cortar o p\xc3\xa0o, nas mesas em \nque isto se usar, o que nunca fareis com a faca de folha \nde prata. \n\nSe quereis, meus f\xc3\xaclhos, corner bem em publico, adquiri \no habito de corner com o maior aceio e attene\xc3\xa0o possivel \nquando estiverdes s\xc3\xb3s em vossa casa corno se estivesseis \nno meio de muita gente, porque se n\xc3\xa0o adquirirdes este \nhabito, tereis acanhamento quando comerdes em publico, \ne estareis sempre preoccupados com a id\xc3\xa8a de fazer desa- \ncertos e desazos. \n\nEm Franca, corno entre n\xc3\xb3s, \xc3\xa9 geral o uso dos guarda- \nnapos, em Inglaterra nem sempre acontece assim, pelo \nque sam os convidados muitas vezes obrigados a recorrer \nao lenco para limparem os dedos; pelo que vos recom- \nmendo que, quando fordes convidados a jantar naquelle \npaiz, leveis sempre dous lencos de algibeira, porque seria \ncousa vergonhosa e pouco decente haverdes de vos servir \ndo mesmo para limpardes os dedos e vos assoardes. \n\nMil outras recommendac\xc3\xb2es vos poderia fazer que me \nparecem desnecessarias. Sera por ventura necessario dizer- \nvosque n\xc3\xa0o engulais com precipitalo, que n\xc3\xa0o assopreis \na sopa quando est\xc3\xa0 muito quente, que n\xc3\xa0o mettais grandes \nbocados na boca, e uns em cima dos outros, que n\xc3\xa0o \nmasqueis de maneira que se ouca d\'urna ponta da mesa \xc3\xa0 \noutra, que n\xc3\xa0o sirvais nenhuma pessoa com a collier de \nque vos tiverdes servido, que n\xc3\xa0o mechais com os p\xc3\xa9s e \ncom os bracos de modo que toqueis enTvossos vizinhos? \n\n\n\n100 COD1GO DO BOM TOM. \n\nN\xc3\xa0o, meus f\xc3\xaclhos, sam cousas estas tao conhecidas que \xc3\xa9 \ndesnecessario lembrar-vo-las. Devo por\xc3\xa9m recommendar- \nvos que longe de mostrardes avidez pelas fructas novas, \nou pelos legumes e hortaiigas raras que de ordinario ap- \nparecem na mesa em pequena quantidade, deveis recu- \ns\xc3\xa0l-os, e nisto dareis gosto \xc3\xa0 senhora da casa. A mulher \ndo Marechal de Luxemburgo tornava avers\xc3\xa0o aos que acei- \ntavam hervilhas, espargos e morangos no meio do inverno, \ne aos que comiam duas vezes do mesmo prato. A primeira \navers\xc3\xa0o explica-se pela parcimonia que n\xc3\xa0o sabia occultar ; \nda segunda dava ella mesma a raz\xc3\xa0o : era o desejo que \ntinha de que comessem de tudo, porque tinha um optimo \ncozinheiro e gostava que lh\'o gabassem. Descubri os fracos \ndas pessoas que vos convidarem, e respeitai-os; e, corno \nse diz vul gannente entre n\xc3\xb3s, ndo attaqueis ninguem com \nbalda certa, e sereis sempre bem recebidos; v\xc3\xb3s por\xc3\xa9m, \nfazei quanto poderdes por n\xc3\xa0o terdes nem fracos nem \nbaldas, e para que aquelles que comem \xc3\xa0 vossa mesa jul- \nguem estar em sua casa. \n\nS\xc3\xa8de mui sobrios na bebida; n\xc3\xa0o bebais nunca mais de \nduas especies de vinho e em pequena quantidade, e por \nextraordinario um copo de vinho de Champanha. Quanto \na ti, minba f\xc3\xaclha, desejaria que n\xc3\xa0o bebesses vinho nenhum \nat\xc3\xa9 a idade de quarenta annos, a n\xc3\xa0o ser que o medico \nt\'o recommendasse. Entre os dous sexos nada deve haver \nde commum sen\xc3\xa0o as virtudes moraes. \n\nuso das saudes est\xc3\xa0 com raz\xc3\xa0o mui decaido; com tudo \nse assistirdes a jantares em que ainda se fa^am, ficai sa- \nbendo que os inferiores nunca devem propor saudes a seus \nsuperiores, e que devemos corresponder ao brinde, que \nnos propoem bebendo do mesmo vinho. Se por algum \nmotivo n\xc3\xa0o podermos beber do mesmo pediremos a per- \nmiss\xc3\xa0o de beber vinho do Porto, Madeira, Xere%, etc; \npermiss\xc3\xa0o que n\xc3\xa0o nos deve ser negada. \n\n\n\nDOS JAINT\xc3\x80RES E BANQUETES. 107 \n\nSe nas folhas da salada, ou em outra qualquer iguana \nencontrardes alguma snstancia que n\xc3\xa0o seja alimenticia, \ndisfarcai o nojo que vos causa, calai-vos, ponde-a na borda \ndo prato, e pedi outro; se por\xc3\xa9m for urn alf\xc3\xacnete, ou al- \nguma outra cousa perigosa, mostrai-a ao criado que s\xc3\xb2rve \na mesa para que elle advirta o cozinheiro, e este seja re- \nprehendido ; porque n\xc3\xa0o se deve umica poupar urna re- \nprehens\xc3\xa0o que p\xc3\xb3de salvar a vida a urna pessoa. \n\nAceitai as menos vezes que poderdes de jantar em casa \nde pessoas que guardam alguns pratos sem lhes tocarem. \nFicai certos que essas pessoas estatini vos contando os bo* \ncados, e n\xc3\xa0o vos dam de jantar sen\xc3\xa0o porque algumas \nconsideracoes a isso as obrigarn. V\xc3\xb3s por\xc3\xa9m nunca as imi- \nteis; tende poucos pratos, mas bons e com fartura, e fazei \ncom que os convidados comam de todos, e nunca se \nlevantem da mesa com fome. \xc3\x89 uni triste espectaculo ver \na vaidade luctando com a mesquinhez, \n\n\xc3\x89 muito importante, meus f\xc3\xaclhos, que saibais trinchar, \nn\xc3\xa0o s\xc3\xb2 porque podeis um dia vir a ser donos de casa, sen\xc3\xa0o \nporque podeis ser rogados alguma vez para o fazer em \ncasa alheia; vou pois a dar-vos algumas regras mais prin* \ncipaes em quanto n\xc3\xa0o lerdes os livros que tratam d\'est\xc3\xa0 \nmateria ex \'professo; e at\xc3\xa9 vos aconselh\xc3\xa0ra eu que tomas- \nseis algumas licoes praticas de quem soubesse bem trin- \nchar. \n\nSe for gallinha, cap\xc3\xa0o, ou per\xc3\xb9 a ave que tiverdes que \ntrinchar, segurai-a bem com o garfo, dai-lhe um golpe pela \njun(a da aza esquerda, a quai se separa facilmente carre- \ngando com a faca e apertando o garfo; depois dando um \ngolpe na junta da perna pelo interior d\'ella, se separa \nigualmente; a mesma operac\xc3\xa0o praticai eis no outro lado : \npor firn se corta o peito d\'urna e outra parte ao comprido, \ne a armac\xc3\xa0o dos ossos, a rabadilha, etc. Sendo prec iso \ncort\xc3\xa0l-a mais umidamente para chegar a todos, se parlerii \n\n\n\n108 CODIGO DO BOM TOM. \n\nainda as pernas e as azas pelas juntas secundarias, e as \ncostellas ou esqueleto se podem desconjuntar e dividir em \npedacos. Nos frangos, gallinhas tenras ou frangas, perdi- \nzes e gallinholas, depois de dado o golpe na junta da aza \narranca-se coni ella toda a tit\xc3\xa8la d\'um lado, e depois se \nparte em dous pedacos, ou se serve inteira. Os pedacos, \nmais delieados de servir e offerecer sam as azas, a tit\xc3\xa9la, \nsendo assadas, e as pernas, sendo cozidas, etc. Os pombos, \nquando estam gordos, podem-se cortar corno a carne de \nvacca, e quando o n\xc3\xa0o estam cortam-se em duas partes \npelas costas, ou ao comprido, ou de trav\xc3\xa9s. A\'s aves aqua- \nticas, corno pato, adem, etc, se Ines corta primeiro o \npeito, que se offerece corno o bocado mais delicado, depois \nas azas, pernas, ossada, etc. coelho e a lebre fende-se \ndesde o pescoco, correndo ao longo do espinhaco, e depois \nestes lombos se vam cortando \xc3\xa0s postas atravessadas para \nas servir; o mais se parte a vontade. Quando se tem urna \nboa faca de trinchar buscam-se as juntas do espinhaco ; \ne por ellas se corta em postas, deixando os quadris para o \nfirn corno menos delieados. Ao leit\xc3\xa0o corta-se primeiro a \ncabeca, que se costuma offerecer inteira, depois a espadoa, \ne a perna esquerda, e do outro lado se faz o mesmo. Ent\xc3\xa0o \nse tira o couro beni tostado para se offerecer : as costellas \ne o pescoso sam lugares delieados. espinhaco se corta \nem duas partes, e as costellas, que ficam a elle pegadas, \nse servem em pequenos pedacos, que se cortam corno j\xc3\xa0 \ndisse. A carne de vacca corta-se d\'ordinario atravessada, \ne em fatias delgadas para se offerecerem. Ao lombo tira-se \nprimeiro urna pelle dura e cartilaginosa que se acha em \ncima do fio do lombo, a qual nao se deve dar sen\xc3\xa0o a \nquem a pedir ; depois se corta o lombo \xc3\xa0s postas para o \nservir. Todas as linguas se cortam corno as do boi, ao \ntrav\xc3\xa9s e \xc3\xa0s fatias. Da parte da arreigada se acham os mais \ntenros pedacos. A perna de carneiro, o presunto, etc, \n\n\n\nDOS JAN TARE S E BAKQUETES. J09 \n\ncortam-se atravessados at\xc3\xa9 chegar ao osso; e para commo- \ndidade dos trinchantes, cosluma-se nalgumas casas em \nFranca por no osso do p\xc3\xa9 de carneiro um cabo de prata \nfeilo de proposito, que se aperta coni um parafuso, e por \neste cabo se pega e se vai desfalcando at\xc3\xa9 que n\xc3\xa0o fique \nsen\xc3\xa0o o osso esburgado. A espadoa se corta em fatias por \ncima e por baixo. peito, depois de se Ihe tirar a pelle e \nas cartilagens, se corta pelas costellas tornando os lugares \nque n\xc3\xa0o resisterai a faca. cabrilo e o anho Irincham-se \ndamesma sorte. Da vitella corta-se o lombo ao comprido, \ne depois em pequenos pedacos ao trav\xc3\xa9s. Os figados e rins \ntambem se partem em pequenos pedacos, para apresentar \naos que gostarem d\'elles. mais corno a vacca. Deveis \npois exercer-vos em casa, meus filhos, quando estivcrdes \ns\xc3\xb3s, para poderdes trinchar com desembaraco quando o \nquizerdes fazer em publico. \n\nSegundo o preceito do Evangelho n\xc3\xa0o busqueis nunca o \nmelhor lugar; esperai que a senliora da casa vc-lo indique, \nou tomai um dos que f\xc3\xaceam para o lado d\'onde a mesa \xc3\xa9 \npervida, que sani os menos considerados. Se ficares ao p\xc3\xa9 \nd\'urna senliora, Theophilo, busca servil-a em tudo : troca \no leu prato pelo seu, quando ella tiver acabado de servir \nalguma iguaria; lem por\xc3\xa9m cuidado de o limpar com o \nguardanapo antes de Ili o offerecer; se no prato da senliora \nestiver alguma fruta, n\xc3\xa0o a comas por caso nenhum, o que \nseria urna grande descortezia. N\xc3\xa0o Ilio offerecas nunca \nrepartir coni ella urna pera, uni pecego, ou qualquer oulra \nfruta : isto \xc3\xa9 demasiado familiar e por conseguinte de m\xc3\xa0o \ntoni. Espera que este offerecimento venha de tua vizinha; \npor\xc3\xa9m ella n\xc3\xa0o deve fazer-t\'o se Cor ainda moca. Quando \nvires que a senliora que fica ao teu lado tem o copo vazio, \nofferece-lhe vinlio tornando a garrala na m\xc3\xa0o direita, e \nquando estiveres em acc\xc3\xa0o de vasar dir\xc3\xa0s : Quer a Senliora \nque llie deite vinlio no copo? Yous verserai-je \xc3\xa0 boire, \n\n7 \n\n\n\n110 GODIGO DO BOM TOM. \n\nMadame, ou Mademoiselle? Se houver differentes vinhos \nperto de ti, dir\xc3\xa0s antes de tornar a garrafa : De que vinho \nquerer\xc3\xa0 a Senhora? ou : de qual gosta mais? E em francez : \nDe quel vin vous servirai-je ? ou Quel vin aimez-vous le \nmieux. Madame ou Mademoiselle? Perguntar\xc3\xa0s depois de \nservir o vinho se quer agua, e tornando a garrafa deitar\xc3\xa0s \nconi attenc\xc3\xa0o, esperando que faca signal que n\xc3\xa0o quer \nmais. Quando vires que a senhora n\xc3\xa0o tem p\xc3\xa0o, ou Ihe \nfatta garfo, faca, colher, ou alguma outra cousa, adverte \nlogo o criado que estiver mais perto para que the traga o \nque ha mister. Tudo isto deves fazer mui naturalmente, \nsem mostrar precipitaci nem demasiada sollicitude; e a \nsenhora dever\xc3\xa0 igualmente mostrar-se agradecida sem \naffectac\xc3\xa0o, dizendo sempre que receber algum servico : \nMuito obrigada, agradeco muito, sinto muito o incom- \nmodo que lhe don, etc; e em francez : Je vous remerde; \nbien oblig\xc3\xa9e ; Je suis fdch\xc3\xa9e de la peine queje vous donile, etc. \n\nN\xc3\xa0o foi sem* grande difficuldade que em Franca se tem \nintroduzido ultimamente o uso de lavar a boca no firn da \nmesa, que \xc3\xa9 uso inglez e que j\xc3\xa0 ha muito existia entre \nn\xc3\xb3s, para o que se traz a cada pessoa urna grande taca de \nvidro escuro, ou cor de leite, com um copo dentro cheio \nd\'agua fria, no ver\xc3\xa0o, e tepida, no inverno. Bem sabeis \ncom\xc3\xb2 nos devemos servir d\'estes utensilios, que \xc3\xa9 deitando \nmetade da agna na taca, lavando nesta as pontas dos \ndedos, e depois tornando o copo e enxaguando a boca com \na outra metade por urna ou duas vezes, mas sem fazer \nbulha, e chegando com a m\xc3\xa0o esquerda a taca a boca \npara que se n\xc3\xa0o derrame agua ria mesa ou sobre os vizi- \nnhos, e mesmo para que se n\xc3\xa0o veja sair da boca a agua \ncom que ella se lava; e por firn, pondo o copo dentro da \ntaca, enxugando as m\xc3\xa0os no guardanapo, e pondo-o em \ncima da mesa sem o dobrar.Tudo isto se faz, corno sabeis, \nno menos tempo possivel , \n\n\n\nCoNVITES. Ili \n\nEm Franca \xc3\xa9 grande incivilidade servir-se de palilo a \nmesa, nem \xc3\xa9 colisa que se veja em nenhuma casa, a n\xc3\xa0o ser \nem casa de pasto; mas entra n\xc3\xb3s era uso feralmente rece- \nbido, e at\xc3\xa9 se punham sabre a mesa, ou se serviam em \nroda; e agora sep\xc3\xb2em dons pa\xc3\xacitos sobre a mesa, a direita \nde cada conviva. Onde este costume estiver em vigor podeis \nservir-vos de palito sem reparo ; por\xc3\xa9m nunca o deixareis \nficar na boca, nem o poreis no cabello, atraz da orelha, na \ncasaca, eie, e muito menos faliareis tendo-o na boca. \n\nIsto que acabo de dizer-vos seria bastante para os jan- \ntares ordinarios; mas corno o luxo da mesa tem cresci do \nmuito, e uni jantar que chamam de apparato \xc3\xa9 urna grande \nsolemnidade, quero que nada ignoreis a este respeito, ou \nseja corno donos de casa ou corno convidados; por isso \ntratarei em arligos separados de ludo que respeita a uni \nbanquete esplendido, e comecarei pelos \n\nCO\'VITES. \n\nQuem se decide a dar um banquete deve coinecar por \nescolher convivas que se acordem entre si, ou pelo menos \nque saibam supportar-se. Se for jantar d\'homens n\xc3\xa0o deve \nhaver outra senliora sen\xc3\xa0o a do amphitry\xc3\xa0o 1 . Determi- \nnado o banquete, fazem-se os convites de viva voz ou por \nescrito, trez ou quatro, e mesmo seis e oito dias antes; \nmas se for em proximidade do entrudo devem-se fazer \nsete ou oito dias antes, por causa das muitas reuni\xc3\xb2es que \nha nesse tempo. \n\nQuando liouverdes de convidar de viva voz aiguma \npessoa que se ache em companhia d\'outras, ou o dono e \n\n1 Aquelle que convida, ou faz a despeza do jantar. Vejam-seas for- \nmulai dos convitos no lini d\'este capi tu lo. \n\n\n\n112 GODIGO DO BOI TOM. \n\ndona da casa quando t\xc3\xa8m visitas, n\xc3\xa0o o facais dianle dos \ncircumsfantes nem de modo que elles o oucam; tirai a \nparte a pessoa qua quereis convidar, e se for o dono da \ncasa, aproveitai a occasi\xc3\xa0o em que elle vos acompanhe a \ndespedida; e se n\xc3\xa0o o poderdes fazer d\'este modo, voltai \noutra vez, ou fazei o convile por escrito. \n\nQuando na casa onde ides fazer convites se achar algum \nparente, ou amigo bospedado, deveis igualmente convi- \nd\xc3\xa0l-o; e o mesmo far\xc3\xa8is a qualquer pessoa que for com- \nmensal residente na casa. \n\nA caria de convite, que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 mais que urna circular em \npoucas palavras, \xc3\xa9 quasi sempre impressa ou lilhographada \nquando se trata de grandes jantares que se repetem a \nmiudo. As cartas escritas em francez t\xc3\xa8m no firn da pagina \nestas lelfras R. S. V. P. (l\xc3\xac\xc3\xa9pondcz, sii vous plait); em \nportuguez, poder-se-lia por : Pede-se resposta ou cousa si- \nmilhante. N\xc3\xa0o responder, quer dizer aceitar. Se n\xc3\xa0o se \naceita o convite, \xc3\xa9 mister responder logo, mas n\xc3\xa0o no \nestylo laconico da circular; dando alguma raz\xc3\xa0o plausivel \nde sua recusa, e usando de express\xc3\xb2es cortezes e graciosas. \nQuando o convile se faz de viva voz, \xc3\xa9 grande impolitica \nfazer-se grave; deve-se aceitar, ou recusar franca e gra- \nciosamente, dando um motivo razoavel no qual se deve \ninsistir. \n\nLogo que se ti ver aceitado o convite n\xc3\xa0o se deve fallar \na elle, a n\xc3\xa0o ser por molestia, ou caso grave ; mas havendo \ntempo, deve-se avisar a pessoa que fez o convite antes do \njantar, e n\xc3\xa0o havendo, devem-se dar as razoes logo que se \npossa, pessoalmente ou por emerito. \n\nOs donos da casa devem calcular o numero de convivas \nque h\xc3\xa0o de por \xc3\xa0 sua mesa, de modo que nem estejam \nmilito apertados nem se vejam espacos vazios. \n\nSe por acoso acontecer haver mais convivas do que os \nque a mesa p\xc3\xb3de admittir, p\xc3\xb2de-se, seni inconveniente, por \n\n\n\nDISP0S1CA0 DO BAKQUETE. 113 \n\nao lado urna mesinha supplementar, na qual se collocarlo \nas pessoas mais mocas da familia, de parentes chegados, \nou amigos intimos, por isso que a mesinha supplementar \xc3\xa9 \nconsiderada corno inferior, e os que a ella se assentarci \nBarn tidos em menos conta. \n\nQuando o jantar constar exclusivamente de cavalheiros \nou de damas, seria urna grande incivilidade convidar urna \ns\xc3\xb3 pessoa de sexo differente, porque por este s\xc3\xb3 facto se \ndevem convidar todas as mulheres ou todos os marido?. \n\n\n\nDISPOSig\xc3\x80O DO BANQUETE. \n\nN\xc3\xa0o \xc3\xa9 minha intenc\xc3\xa0o fallar-vos aqui de tudo que res- \npeita ao cozinheiro e copeiro; para isto ha livros mui com- \npletos, e homens intelligentes em tudo que pertence \xc3\xa0 gas- \ntronomia; s\xc3\xb3menle vos digo que, quando convidardes \npessoas de alta gerarquia, ou acostumadas a corner bons \nbocados, \xc3\xa9 necessario que lhes deis alguma iguaria que \nn\xc3\xa0o tenham todos os dias, algum prato novo, ou o que em \nFranca chamam primeurs, dj que j\xc3\xa0 vos fallei (pag. 106). \n\nsexo dos convidados importa milito para a escolha das \niguarias e clisposic\xc3\xb2es da mesa. Num jantar d\'homens, de- \nvem ser os pratos de iguarias fortes e succulentas, acepi- \npes 1 qnenles, veac\xc3\xa0o, lombo de vacca, presuntos de fiam- \nbre, assados coni abundaricia, nada de massas leves, e \nainda menos pratos do meio doces : gel\xc3\xa9as, pratos do meio \naromatizados coni licores, paios de lombo, salpic\xc3\xb2es, e \nboa carne ensacada; a sobremesa, duas qualidades do me- \nllior queijo, frutas confeitadas ou em calda de licor, pas- \nliihas de chocolate, frutas novissimas, alguns doces seccos, \ns\xc3\xb3 para ornato da mesa. \n\n\n\n1 Entende por acepipes o quo os Francezes chamam hors-d\'oeuvre \n\n\n\n414 GODIGO DO BOM TOM. \n\nNum jantar de senhoras, deve ser o contrario : acepipes \nfrios, peixe fresco, caca fina, muitas massas delicadas, ver- \nduras novas, cremes, natas aromatizadas de baunilha, de \nrosa;postres delicados e engracados, inuitos docinhos a \nque os Francezes cham\xc3\xa0o bonbons 2 , de differentes espe- \ncies, gostos, e feitios. Inutil \xc3\xa9 dizer que nos jantares era \nque ha senhoras e homens se faz um sortimento de todas \nas cousas para que possa cada um escolher segando o seu \ngosto e paladar. \n\nA bondade d\'um grande jantar consiste n\xc3\xa0o na profus\xc3\xa0o, \nnem no demasiado apuro das iguarias, sen\xc3\xa0o era que se- \njam bem variadas na qualidade, no tempero, e na ma- \nil e ira de as. preparar, e de tal arte disposfas que n\xc3\xa0o se \nparecam uinas corn as outras. \xc3\x89 tao essencial este prin- \ncipio, que se n\xc3\xa0o devera multiplicar as trufas em muitas \niguarias. \n\nMODO DE POR A MESA. \n\nNada contribu\xc3\xac tanto para que um banquete seja com- \npleto corno a boa disposic\xc3\xa0o da mesa e servico d\'ella; nao \nso o bora gosto o exige, mas a boa ordem que nelle deve \nreinar o prescreve. Pelo que, n\xc3\xa0o basta que o copeiro ou \noutro criado habil disponila ludo com\xc3\xb2 conv\xc3\xa8m, princi- \npiando cedo a por a mesa, mas o amphitry\xc3\xa0o ou a senhora \nda casa deve inspeccionar tudo para que nada fatte, e \npara que o servico se faca coni ordem, promptid\xc3\xa0o e \ndelicadeza. \n\nPor mui grande que seja a mesa deve ter em roda um \n\n2 N\xc3\xa0o conheco palavra propria que correspoada \xc3\xa0 franceza : sirvo-me \nde docinhos, imitando em diminutivo o que Iacinto Freire disse na \nbella descripc\xc3\xa0o do triumpho de Castro : \xc2\xab Logo se dispararam a lg li- \nmo s pegas cujas balas eram doces divcrsos. \xc2\xbb \n\n\n\nMODO DE POR A MESA. \n\n\n\n115 \n\n\n\ntapete sobre que ponham os p\xc3\xa9s os convidados para mio \nterem frio n\'elles. Deve riaver em tomo d\'ella espaco bas- \ntante para os criados servirei!!. A segunda coberta e os \npostres devem estar \xc3\xa0 m\xc3\xa0o. Devem haver apparadores co- \nbertos de toalhas grandes, proporcionados ao numero dos \nconvidados. Num p\xc3\xb3r-se-ha a louca, os p\xc3\xa0ozinhos de so- \nbrecellente, a prata, guardanapos, etc; n\'outro os diffe- \nrentes vinhos; em est\'outro os pratos para a sobremesa \nconi os seus conipetentes talheres em cima; deve haver \ntambem algum desembaracado para por a louca e mais \nobjectos que se tiram da mesa, em quanto se n\xc3\xa0o levam \npara a cozinha ou despensa. Tudo isto deve estar prompto \nd\'antem\xc3\xa0o para n\xc3\xa0o haver demoras, flagello temivel dos \ngrandes jantares. \n\nNos banquetes, que chamam de apparato ou ceremonia, \nn\xc3\xa0o se p\xc3\xb2e guardanapo ou pequena toalha no meio da \nmesa; dobram-se os guardanapos de maneiras variadas, \nmas de sorte que facam symetria com os que flcam de \nfronte; n\xc3\xa0o ha bandejinhas para por as garrafas pretas, \nporque o vinho se p\xc3\xb2e em garrafas de cristal; cada pessoa \ndeve ter quatro copos : um de calis grande para o vinho \nordinario, um dito pequeno para o vinho da Madeira, outro \npara o vinho de Bord\xc3\xa9os, e outro de f\xc3\xb3rma particular para \no vinho de Champanha; n\'algumas casas, e em certos jan- \ntares em que\' se servem com profus\xc3\xa0o vinhos de muitas \nqualidades, p\xc3\xb2e-se tambem a cada pessoa urna taca de cris- \ntal de fundo largo, meia d\'agua, para nella se passarem os \ncopos quando se muda de vinho, o que se faz tornando o \ncopo pelo p\xc3\xa9, e, virando-o com a boca para baixo, se mer- \ngulha urna ou duas vezes, e se retira sem fazer bulha, \nsacudindo-o um pouco, mas n\xc3\xa0o o enxugando coni o guar- \ndanapo neracom a toalha; tudo disposto commuita ordem \ne symetria. Quando se serve o vinho de Champanha logo \nao principio devem as garrafas estar mettidas, sendo no \n\n\n\n116 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nver\xc3\xa0o, cm vasos de prata cheios de pedacos de gelo, que \nse p\xc3\xb2em em cima da mesa, \xc3\xa0 direita e \xc3\xa0 esquerda das \nviandas que, nos grandes jantares, se servem em lugar da \nvacca cozida, que ent\xc3\xa0o n\xc3\xa0o apparece sobre a mesa. Os \ngrandes pratos ou travessas que cont\xc3\xa8m os guizados com \nmolhos devem ser postos em cima de rescaldeiros 1 de \nprata ou casquinha aquecidos com um coto de v\xc3\xa9la, os \nquaes devem estar proximos uns dos outros, a nao ser que \nno meio da mesa haja grande salva, a que os Francezes \nchamam plateau. \n\nA disposic\xc3\xa0o das luzes deve concordar com o gracioso \narranjo dos pratos, da baixella, dos cristaes, e muitas vezes \ndas flores; por\xc3\xa9m \xc3\xa9 muito para desejar que no centro da \nmesa haja um lustre ou lampada suspensa. Os caslicaes, \nas serpentinas ficam mui bem nas extremidades. \n\nluxo da mesa tem chegado a lai ponto n\'estes ultimos \ntempos, que os donos de casa que quizerem dar grandiosos \nbanquetes n\xc3\xa0o se devem poupar a nenhum desv\xc3\xa9lo, fazendo \ntodos os preparativos com anticipac\xc3\xa0o para que nada falle; \ne o que \xc3\xa9 mais, devem fazer um ou mais ensaios com os \nserventes da mesa, corno se faz nas operas e pecas de \ntheatro; porque \xc3\xa9 necessario que se saiba bem, 1\xc2\xb0 quaes \nsam os pratos principaes e secundarios da primeira co- \nberta, e quaes os pratinhos e acepipes, e onde se devem \ncollocar; 2\xc2\xb0 quaes sam as pecas que devem f\xc3\xaccar para a \nsegunda, e quaes os que se devem tirar; se se devem trazer \ncolheres em quantidade para se servirem.com os pratos, \nou se se ha de ministrar urna collier, que chamam d\'entro- \nmeio, a cada pessoa; uso ultimamente adoptado, e mais \n\n1 Est\xc3\xa0 palavra lem desagrada\\el so\xc3\xacdo, mas nao conheco outra por- \ntugueza que corresponda \xc3\xa0 franceza r\xc3\xa9cliaud; rech\xc3\xb3, corno dizem os \nafrancezados, n\xc3\xa0o tem etymologia nenhuma na lingua, e sua desinen- \ncia \xc3\xa9 mal soante em portuguez. Eu proporia pyr\xc3\xb3phoro, que \xc3\xa9 do latim \npyrophorus, e vem do grego ttu^o; fogo, y\xc3\xa9pw eu levo ou trago. \n\n\n\nMODO DE POR A MESA, 117 \n\nconforme ao (pie se costuma entre n\xc3\xb3s e em Inglaterra; \n5\xc2\xb0 \xc3\xa9 importante que se n\xc3\xa0o hesite em por na mesa aos pos- \ntres ciuco cestas de porcelana (corbeilles), coni fruta \nvariada e entremeada de musgo verde : urna maior e ovai \nno meio da mesa, e quatro mais pequenas e redondas nos \nquatro angulos; quatro compoteiras cheias de fruta de \nconserva d\'agua ardente, ou de doce de calda, e dous \nqueijos, cobertos com sua raanga de vidro ; e emfim \xc3\xa9 ne- \ncessario estudar o modo de alternar toda est\xc3\xa0 abundancia \nde cousas sem causar enfado aos convidados, e impaciencia \naos donos da casa. \n\nNuma sobremesa de banquete de ceremonia n\xc3\xa0o t\xc3\xa8m \nentrada as castanhas, avelas, e amendoas, a n\xc3\xa0o sereni \nmui raras e fora d\'estae\xc3\xa0o. Conservas doces em boi\xc3\xb2es, \nnozes, frufas d\'espinbo ou de caroco, biscoitos, etc, n\xc3\xa0o \napparecem em pratos sen\xc3\xa0o nos jantares sem ceremonia. \nOs doces molles ou de calda dever\xc3\xa0 servir-se com urna co- \nIherinha em cada prato. As avel\xc3\xa0s e outras frutas de casca \ndura devem p\xc3\xb3r-se na mesa meio-partidas, de sorte que o \nmiolo se vejainteiro na metade da casca. Depois de certas \nfrutas que tem algum acido, corno laranjas, pecegos, ino- \nrangos, eie, faz-se circular um assucareiro com assucar \nem p\xc3\xb3 para quem quizer. \n\nQuando o banquete for servido \xc3\xa0 franceza, isto \xc3\xa9 trin- \nchando as viandas e aves, na mesa, ou na casa de jantar, e \nquando se servir cada conviva separadamente, um cava- \nIfaeiro n\xc3\xa0o aceitar\xc3\xa0 o seu prato antes que as suas duas \nvizinhas estejam servidas. Se pelo contrario o banquete for \nservido \xc3\xa0 russa ou d moda allema, isto \xc3\xa9 se a sobremesa \nfigurar s\xc3\xb3 em cima da mesa, e as iguarias j\xc3\xa0 tr\xc3\xacnchadas \nforem servidas em roda, cada conviva se servir\xc3\xa0 \xc3\xa0 medida \nque a travessa das iguarias j\xc3\xa0 trinchadasse lhe apresentar, \ne os cavalheiros n\xc3\xa0o devem perturbar o servico da mesa \nobstinando-se em fazer presentar a travessa primeiramente \n\n7. \n\n\n\n118 CODIGO DO BOM TOM. \n\nas senhoras. Inutil \xc3\xa9 recommendar que os alimentos nao \nse clevem locar com a m\xc3\xa0o; se n\xc3\xa0o se poderem separar \ncom o garfo e faca, \xc3\xa9 nielhor abai\xc3\xacdon\xc3\xa0l-os, e nunca de- \nmorar a circulac\xc3\xa0o das iguarias. \n\nMAN E IRA DE FAZER AS IIONRAS d\'uM BANQUETE. \n\nA bora de jantar \xc3\xa9 sempre f\xc3\xacxada na carta do convite; \nuni quarto d\'hora antes (odos os convi dados devem estar \nreunidos. Chegar mais cedo desarranja muilas vezes os \ndonos da casa; mais tarde \xc3\xa9 inciviiidade para com elles, e \nmotivo de descontentameiito para os que estam \xc3\xa0 espera. \nE mal subem as senhoras a que se exp\xc3\xb2em quando fazem \nesperar os convidados. Tornam-se o objecto da conversa- \nlo, e por ventura dos motejos e remoques, e o menos que \nd\'ellas se pensa \xc3\xa9 que de proposito querem ser as ullimas \npara fazerem mais effe ito, e salisfazerem a vaidade de \nmostrarem seus enfeites mais frescos. \n\nA mesa deve estar posta e tudo prompto antes que d\xc3\xa8 a \nbora, e a senbora da casa deve estar na sala para receber \nos que chegam. Logo que os convidados estiverem todos \nna sala, veni uni criado annunciar que o jantar est\xc3\xa0 na \nmesa. A express\xc3\xa0o franceza de que se serve o criado \xc3\xa9 \nest\xc3\xa0 : Madame est servie ou le dine? est servi, e nao se \ndir\xc3\xa0 : La soupe est sur la table. A este signal n\xc3\xacnguem se \nlevanta com precipitacelo, mas esperam todos que o am- \nphitry\xc3\xa0o offereca o braco \xc3\xa0 senbora de mais distincc\xc3\xa0o, \nou, se n\xc3\xa0o ha senhoras, que indique aos convidados a porta \npor onde se entra na casa eie jantar, e que Ihes rogue \nque enlrem, sondo elle o primeiro a mostrar-lhes o ca- \nni in ho. \n\nLogo que o dono da casa fez a sua escolha, o cavalheiro \nmais distincto offerece o braco \xc3\xa0 senbora da casa; os ou- \n\n\n\nK0NR\xc3\x80S D\'UM BAKQUETE. 110 \n\ntros convic\xc3\xacados vam-no toclos imitando tendo muito tento \nde n\xc3\xa0o fazer alguma e-colha que annuncie orgulho, offe- \nrecendo o braco a senhoras que lhessejam mui superiores \nem gerarchia, a n\xc3\xa0o ser que faltem cavalhe\xc3\xacros. Em Pariz, \ne at\xc3\xa9 n : algumas cidades de provincia, se entre os convi- \ndados se acham ecclesiasticos, tambem estes offerecem o \nbraco \xc3\xa0s senhoras, tendo cuidado de escolherem sempre \nas mais idosas e respeitaveis. \n\nQuando acontecer que algumas senhoras ficam sem bra- \nceiro, devem levantar-se sem mostrar o menor embaraco \ne seguir graciosamente os convidados. \n\nChegando \xc3\xa0 mesa sa\xc3\xb9da cada cavalheiro a dama que \ntrouxe pelo braco, a quem el\xc3\xaca tambem corresponde coni \nurna inclinac\xc3\xa0o. Inclinam-se entretanto os convidados so- \nbre a mesa para verem os nomes postos em bocadinhos \nde papel sobre os guardanapos, mas esperam que o am- \nphitry\xc3\xa0o indique o lugar que \xc3\xa9 destinado a cada um d\'elles. \nprimeiro e o mais importante dever do amphitry\xc3\xa0o, \nespecialmente se elle \xc3\xa9 commandante d\'um corpo, general \nem chefe d\'um exercito, ou se exerce alias funcc\xc3\xb2es na \nsociedade, \xc3\xa9 o determinar os lugares; porque d\'est\xc3\xa0 es- \ncolha depende o reconheeimento e a satisfac\xc3\xa0o de seus \nconvidados. Collocar mal a proposito a sua mesa um alto \nfunccionario p ublico, \xc3\xa9 procurar a sua inimizade. Deve \npois o amphitry\xc3\xa0o ter attenevo \xc3\xa0 preeminencia da gerar- \ncl\xc3\xacia, i\\ antiguidade do posto, \xc3\xa0 importancia e reputac\xc3\xa0o \npessoal, \xc3\xa0 nobieza da fatnilia, para designar num ban- \nquete os lugares seni que ninguem se escandalize. Deve \ntambem ter em considerac\xc3\xa0o o caracter, os habilos, as \nprof\xc3\xacss\xc3\xb2es, as re\xc3\xacac\xc3\xb9es d\'officio, de familia, ou lilterai ias e \nat\xc3\xa9 politicas, que podem existir entre os convidados para \ncollocar perto uns dos ouli os aquelles que se entendem \nbem, ou que poder\xc3\xa0o folgar de ficar vizinhos. \n\nP\xc3\xb2em-se os nomes dos convidados sobre os guardanapos \n\n\n\n120 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\npara indicar os lugares em que devem assentar-se. Este \ncostume \xc3\xa9 mui commodo, mas em alguns casos j\xc3\xa0 se n\xc3\xa0o \nobserva : 1\xc2\xb0 quando nos jantares ha pouca ceremonia, ou \nmuila; 2\xc2\xb0 quando os donos da casa n\xc3\xa0o querem tornar \nsobre si a responsabilidade de designar os lugares; \n5\xc2\xb0 quando o jantar \xc3\xa9 s\xc3\xb3mente de homens. Quando n\xc3\xa0o ha \nbilhetes que indiquem os lugares, sam os convidados \nquem os escolhem, mas sempre depois que os donos da \ncasa tiverem chamado para junto de si aquelles a quem \nquerem fazer maior honra. Todos os outros devem se- \nguir o conselho do Evangelho, de buscar os ultimos lu- \ngares. \n\nOs dous cavalheiros mais autorizados devem ser collo- \ncados um de cada lado da senhora da casa; as duas senho- \nras mais distinctas s\xc3\xa8l-o-h\xc3\xa0o \xc3\xa0 direita e esquerda do senhor \nda casa ; sendo o lugar da direita o mais honroso. \n\nSe o numero de homens for pouco mais ou menos igual \nao das senhoras, devem-se entremeiar, separando os raa- \nridos das mulheres, e pondo em distancia os parentes \nchegados, e que se vem corn frequencia, porque estas \npessoas pouco poder\xc3\xa0o conversar numa grande reuni\xc3\xa0o. \n\n\xc3\x80s pessoas mocas ou inferiores t\xc3\xa8m o seu lugar numa \nponta da mesa. \n\nNos jantares de familia ou d\'amizade podem criadas \nservir \xc3\xa0 mesa, n\xc3\xa0o assim nos de ceremonia em que s\xc3\xb3 \ncriados devem apparecer em torno da mesa; e quando o \nbanquete for de grande apparatolo entrarem os convi- \ndados na sala do festim, acham os serventes de mesa em \np\xc3\xa9, vestidos de casaca ou de libr\xc3\xa9, luvas brancas ca\xc3\xaccadas, \nguardanapo no braco, fazendo r\xc3\xb3da, em certa distancia \nda mesa, sobre a qual est\xc3\xa0 posla a primeira coberta, \ne em torno estam as cadeiras dispostas segundo os lu- \ngares. \n\nNunca vi nas casas grandes de Portugal, servirem \xc3\xa0 \n\n\n\nIIOSRAS DTM BANQUETE. 121 \n\nmesa criados de farda, que entre n\xc3\xb3s se chamam de \nescada a baixo, mas era Franca v\xc3\xa8m-se com frequencia era \ntorno da mesa lacaios com suas libr\xc3\xa9s. \n\nDeve-se fallar aos serventes de mesa o menos possivel, \ne mais por gestos que por palavras. A dexteridade e intel- \nligencia dos criados d\xc3\xa0 boa idea da casa : \xc3\xa9, por assira \ndizer, o sobrescrito da carta. \n\nPara melhor velarem pelo servico do jantar, e para que \nBada falte aos convidados, costumam os donos da casa \np\xc3\xb3r-se no centro da mesa, um de fronte do outro. Nos \njantares de pouca ceremonia \xc3\xa9 a senhora da casa quem \nserve a sopa, em pratos que junto d\'ella estara empilha- \ndos, comecando por seus vizinhos da direita e da esquerda, \ne continuando pelas pessoas de maior autoridade e dis- \ntincc\xc3\xa0o, a quem envia os pratos por um servente. \n\nServida a sopa, e em quanto um dos senhores da casa \nest\xc3\xa0 trinchando, o outro faz circular os pratinhos ou ace- \npipes frios, tendo cuidado de por sempre no prato garfo \nou collier para que cada um se possa servir. A vacca \ncozida corta-se em fatias e serve-se em roda. mesmo se \nfaz com algumas outras iguarias, com\xc3\xb2 peixe cozido, \naves, veac\xc3\xa0o, empanadas, etc; mas outro tanto n\xc3\xa0o \nacontece com os guizados miuclos, cabidellas, peixe frito \nos quaes se repartem em porcoes que se enviam a cada \npessoa. \n\nOs convidados n\xc3\xa0o se devem intrometter indiscreta- \nmente no servico da mesa, nem em querer fazer as honras; \nmas, se souberem trinchar, far\xc3\xa0o bein de se offerecer aos \ndonos da casa para os ajudar. Logo que tenham obtido a \nlicenca, devem cortar, com delicadeza e dexteridade, pe- \nquenas porc\xc3\xb2es que enviar\xc3\xa0o successivamente \xc3\xa0s senhoras, \ne depois aos homens, comecando pelos mais autorizados. \nOs donos da casa devem dizer algumas palavras graciosas \nao trinchante agradecendo-llie o traballio que lem, e este \n\n\n\n122 COMGO DO BOM TOM. \n\nrisponder\xc3\xa0 coni amabilidade, que n\xc3\xa0o tem incommodo \nnenham, que tem muito gosto, etc. \n\n\xc3\x80s pessoas que ficam ao p\xc3\xa9 da que trincila devem aju- \nd\xc3\xa0l-a, servindo o molho, os accessorios do guizado, mi- \nnistrando-lhe pratos, etc, porque todos se devem mostrar \nattentos eprompSosa servir seni affectac\xc3\xa0o. \n\nEste modo de servir \xc3\xa9 por cerco irmi incommodo para \nos amphitry\xc3\xb2es trinchantes, o que \xc3\xa9 mui prejudicial \xc3\xa0 \nconversac\xc3\xa0o e diminue consideravelmente o prazer da \nmesa; por isso se tem adoptado outros usos nos grandes \nbanquetes. \n\n1\xc2\xb0 A sopa n\xc3\xa0o apparece ein cima da mesa, nem se serve \na vacca cozida. As terrinas (porque ent\xc3\xa0o ha duas sopas) \nestam num apparador, onde um criado beni pratico nqste \nservico faz os pratos que outros levam, um por cada vez, \n\xc3\xa0s senhoras e cavalheiros que estam \xc3\xa0 mesa. \n\n2\xc2\xb0 Depois de servida a sopa o mesmo criado vai levando \nda mesa um ap\xc3\xb3s outro os pratos principaes, que vai trin- \nchando., em quanto os donos da casa fazem circular os \nacepipes frios. As viandas devem ser trincliadas de ma- \nneira que fiquem, quanto seja possivel, inteiras no prato, \nseni perderem sua f\xc3\xb3rma, e seni que se desarranjem os \naccessorios. Neste estado sam conduzidas pelo criado que \nas torna a por sobre os rasca\xc3\xacdeiros d\'onde as tinha tirado, \ns\xc3\xb3mente, conservando exactamente a ordem e a symetria, \ntransporta, quando \xc3\xa9 necessario, o prato que se ha de \nservir, para o p\xc3\xa9 dos senhores que fazem as honras da \nmesa, os quaes n\xc3\xa0o devem nunca levantar-se nem mover-se \nde seus lugares. \n\n5\xc2\xb0 amphitry\xc3\xa0o n\xc3\xa0o serve nunca os vinhos estrangeiros. \nQuando depois da sopa se beb\xc3\xa9 o copinho de vinho da \nMadeira, a que os Francezcs cham\xc3\xa0o o coup de mad\xc3\xa8re, \xc3\xa8 \num criado que faz a volta em torno da mesa, com a gar- \nrafa na m\xc3\xa0o, offereccndo a cada um dos convivas e no- \n\n\n\nHOHRAS PTM BANQUETE. 123 \n\nmeando o vinho da Madeira, ou de Xerez. mesmo se \npratica com os outros vinhos f\xc3\xacnos : a segunda eoberla, \nem Franca, distribue-se vinho de duas qualidades, ordina- \nriamente Bord\xc3\xa9os e Sauterne branco, ou Borgonha* \ncriado que traz as duas garrafas na \xc3\x88o\xc3\xa0o, com o seu com- \npetente letreiro, pergunta a cada conviva de qual d\'elles \nquer, e faz a volta da mesa a miudo. D\'igual modo se \ndistribue o vinho de Champanha logo que os postres estam \nna mesa, a menos que se n\xc3\xa0\xc3\xb2 tenha servido desde o co- \nmeco do jantar, porque ent\xc3\xa0o se servem outros vinhos \npreciosos, corno Rancio, de Malaga, de Ghipre, do Porto, etc. \n\n4 \xc3\xb9 Nos banquetes em que ha grande numero de convivas, \nservem os criados as iguarias trinchadas em pratos, do \nmesmo modo que o vinho, indicando seus nomes, para \nevitar qualquer engano, que seria facil em tao variada \nquantidade. \n\n5\xc2\xb0 Aos jantar es esplendidos poem-se ordinariamente \nquatro pecas de pastelaria, de f\xc3\xb3rma pyramidal, nos \nquatro cantos da mesa, os quaes ali se conservam ale a \nsobremesa, Tambem se p\xc3\xb2em, na primeira cobeita, dous \nou quatro pratos d\'iguarias frias, a que os Francezes \nchamam pi\xc3\xa8ces de bout, pecas de ponta de mesa; muitas \nvezes sani lagostas ou lobagantes inteiros; por el\xc3\xacas acaba \no genico da primeira coberta. \n\nA este tempo se prepara a segunda na cozinha e na copa. \n\n0\xc2\xb0 Logo que a mesa est\xc3\xa0 guarnecida da segunda coberta, \nvani os criados tirando os assados para os trincharem, \ncorno fizerao) aos pratos da pi im eira ; enlretanto servem \nos donos da casa os legumes e hervas ou hortalicas que \nestam nos pratos cobertos. \n\n7\xc2\xb0 Depois dos assados serve-se o peixe, que fica em \njiugar de salada, e depois os pratos do meio doces; ter- \ninina-se pelas pecas de pastelaria, e \xc3\xa9 sempre o nogado ou \nmassinhas de amendoa que fecham a abobada na segunda \n\n\n\n124 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\ncoberta. Os criados dividerli o peixe em porc\xc3\xb2es que offe- \nrecem a cada conviva; tudo o mais \xc3\xa9 servido pelo amphi- \ntry\xc3\xa0o e por sua senhora, a quem pertence particularmente \no distribuir os pratos de doce. \n\n8\xc2\xb0 As saladas ordinarias s\xc3\xb3 conv\xc3\xa8m aos jantares seni \nceremonia; com tudo, quando ha dous assados e se haja \nde servir salada, deve baver duas. \n\n8\xc2\xb0 Um dono de casa n\xc3\xa0o deve nunca gabar o que appa- \nrece \xc3\xa0 sua mesa, nem dar desculpas a respeito d\'o jantar \nn\xc3\xa0o ser sufficiente, ou bastante kuto; \xc3\xa9 melhor que n\xc3\xa0o \ndiga nada, e que deixe aos convivas o cuidado de fazerem \no elogio, que nunca deve faltar quando a mesa \xc3\xa9 bem \nservida. Assim corno n\xc3\xa0o fica bem ao dono da casa dizer \nem francez, num banquete, Vous ferez maigre ch\xc3\xa8re, man- \nvalse ch\xc3\xa8re, tambem em iguaes circumstancias lhe n\xc3\xa0o \nfica bem dizer em portuguez : Os senhores passarti mal^ \nfardo penitencia, e outras expressoes familiares que s\xc3\xb3 t\xc3\xa9m \ncabimento num jantar sem ceremonia. P\xc3\xb3de com tudo \nconvidar a corner d\'um ou outro prato, dizer que n\xc3\xa0o est\xc3\xa0 \nm\xc3\xa0o, ou mostrar sentimento quando n\xc3\xa0o estiver bom, o \nque \xc3\xa9.muito possivel acontecer. Tambem n\xc3\xa0o \xc3\xa9 de boni \ntom apertar muito com os convivas para que comam, nem \nencher-lhes muito o prato ; por\xc3\xa9m, corno ha muitas pessoas \ntimidas que n\xc3\xa0o ousam aceitar \xc3\xa0 primeira vez, p\xc3\xb3de o \ndono da casa renovar a sua instancia, mas deve sempre \nfaz\xc3\xa8l-o com graca e delicadeza. \n\nQuando urna iguana \xc3\xa9 delicada, rara, muito tempora, \nou que agradasse, deve o amphitry\xc3\xa0o tornar a offerec\xc3\xa8l-a, \nat\xc3\xa9 que se acabe, ou que todos a recusem. \n\nOs amphitryoes devem ter constantemente um ar pra- \nzenteiro e desassombrado, e n\xc3\xa0o mostrar nunca a menor \ninquietac\xc3\xa0o ou sossobro; devem de tempos a tempos \nservir-se a si depois de fazerem os pratos aos outros, \nporque seria mui sensivel para os convivas verem que n\xc3\xa0o \n\n\n\nSOBREMESA. 125 \n\nlem tempo para corner por estarem occupados em os \nservir; mas logo que virem que os pratos dos convivas \neslam vasios, devem dar o seu ao criado, e continuar a \nservir a todos. \n\nD\xc3\x80 SOBREMESA 1 . \n\n\xc3\x89 a parte do jantar que deve ser a mais agradavel \xc3\xa0 vista ? \ne em que deve reinar maior alegria. \n\nNo verao devem multiplicar-se as frufas vermelhas e \ncollocar-se em compoteiras de porcelana, de maneira que \nrepresentem urna pyramide baixa, ou urna cupola; para \ncujo effeito dispor\xc3\xa0o os p\xc3\xa9s das ginjas, cerejas e morangos \nvirados para dentro, de modo que se n\xc3\xa0o vejam, e s\xc3\xb3 ap- \nparer\xc3\xa0 o fructo. As outras frutas, corno ameixas, pece- \ngos, eie, p\xc3\xb2em-se em cima de folhas de malvaisco, parras \nde vinha, eie. Se ha ananazes, p\xc3\xb2em-se em cima da mesa, \ndistribuidos com symetria (e \xc3\xa0s vezes desde o principio da \nmesa) em vasos altos com as folhas atadas, e quando \nchega o tempo de se servirem, um criado corta com urna \n\n1 Nunca direi des\xc3\xa9r, com\xc3\xb2 algums dizem: quem o introduziu n\xc3\xa0o \nsabia bern a sua lingua nem a franceza; na qual dessert tem muitoboa \nderivag\xc3\xa0o, porque chamando-se o por na mesa o jantar, servir le dt- \nner, e o desembaragar a mesa dos pratos desservir, chama-se com ra- \nzao dessert a acg\xc3\xa0o de tirar o que se poz na mesa, e por extens\xc3\xa0o as \nfrutas e mais viandas com que se termina o jantar; mas que analo- \ngia p\xc3\xb3deter na nossa lingua a palavra des\xc3\xa9r, que orthographada d\'este \nmodo nem \xc3\xa9 franceza, nem sera nunca portugueza? Sobremesa, ou \npospasto sam palavras mui naturaes da lingua; postres, tambem n\xc3\xa0o \ndesmerece, porque, sobre ser usado por Luiz de Souza, \xc3\xa9 da lingua \ncastelhana, e veni do latim postremus, ultimo, derradeiro, o que beni \npertence \xc3\xa0 sobremesa, que \xc3\xa9 a ultima cousa que se come \xc3\xa0 mesa. Nem \nse diga que des\xc3\xa9r quer dizer as grandes sobremesas nos jantares \nesplendidos, porque quem conliece alguma cousa a Franca sabe (emui- \ntas vezes por triste experiencia] que uni jantar de \'20 soldos consta \nd\'un potage, deux p\xc3\xacats et un dessert. \n\n\n\nIta CODIGO DO BOM TOM. \n\nfaca o fio, e abrem-se as folhas pondo \xc3\xa0 vista dos convivas \no lindo pomo pinhiforme. \n\nAs honras da sobremesan\xc3\xa0o differern em nada em todos \nosjantares; s\xc3\xb3mente, nos jantares sem ceremonia, tira-se \no guardanapo que estava no meio da mesa no firn da \nsegimda coberta, e n\xc3\xa0o se varre a mesa diante dos con- \nvivas, o que \xc3\xa9 de rigor nos jantares de ceremonia, e ainda \nnaquelles que n\xc3\xa0o sam de grande familiaridade ; nos quaes \num criado, tendo na m\xc3\xa0o esquerda um prato ou urna \nsalva de prata, e na direita urna escova curva de cabo, \nlimpa com ella brandamente as migalhas que estiverem \nao p\xc3\xa9 de cada conviva. Ap\xc3\xb3s elle verri outros criados que \ntrazem a cada um d\'elles um prato de porcelana mais \nfina do que a que serviu \xc3\xa0s cobertas, e ordinariamente de \nc\xc3\xb3res, ou dourada, e os pratos mais pequenos, e tambem \npodem ser da India ou do Jap\xc3\xa0o, e em cada um d\'elles \nveni talher, ordinariamente de prata dourada; e a faca, \ncuja follia \xc3\xa9 de prata, vem cruzada com o garfo. \n\nNas pequenas sobremesas p\xc3\xb2e-se um s\xc3\xb3 queijo no meio \nda mesa. Nas medianas e grandes apparecem duas espe- \ncies de queijo aos dous lados da grande cesta de porcelana \nque occupa o centro da mesa, a qual est\xc3\xa0 acugulada de \nfrutas variadas , entremeiadas de musgo verde. Nos \ngrandes jantares a cesta \xc3\xa9 ovai grande, acompanhada de \nquatro ou seis redondas e pequenas, que se poem em \ndistancia proporcionada \xc3\xa0 grandeza da mesa; nos jantares \nmedianos, ha urna s\xc3\xb3 cesta, redonda e pequena. \n\namphitry\xc3\xa0o, ou a pessoa que faz as honras da mesa, \nconreca por offerecer o queijo, umas vezes enviando-o \ninteiro aos convivas, outras partindo-o em pedacinhos, e \nmanda offerec\xc3\xa8l-o por um criado, que tem o cuidado de \ndizer que qualidade de queijo \xc3\xa9. Seguem-se logo as \nfrutas ; e \xc3\xa9 a senhora que escolhe aqui e ali nas cestas as \nque lire parecem melhores e mais maduras, sem com tudo \n\n\n\nDEYERES DOS CONVIY\xc3\x80S. Iti \n\ndesarranjar as pyramides, e as manda em pratos circular \nem torno da mesa. \n\nDepois da fruta seguem-se as compotas, os fructos \ngelados, e alguma pastelaria fina; que ou se mandam a \nquem deseja, ou sefazem circular. Passa-se depois \xc3\xa0s mas- \nsinhas ou pastilhas de mannello, de damascos, etc, que a \nsenhora da casa dislr\xc3\xacbue para melhor sereni aceitas. \nSeguem-se logo os docinhos (bonbons) segundo a ordem \nde sua delicadeza. Se nos postres se acham uns docinhos \nque dam estalido quando se comem, a que os Francezes \nchamam bonbons p\xc3\xa9tards, sana elies que fecham a abo- \nbada. Quando os n\xc3\xa0o ha, termina-se a sobremesa pelas \nconservas aromatizadas de fior de laranja. violetas, etc. \n\nAlgumas vezes p\xc3\xb2em-se os docinhos em rodellinhas de \npapel recortado, dourado ou sem ser dourado. \n\nHa certas iguarias particulares, corno pastelinhos d\'ovos, \ne outras analogas, que se servem em pratos volantes, isto \n\xc3\xa9 corno a sopa, comecando sempre pelas senhoras. \n\n\n\nDEVEKES DOS COKVIV\xc3\x80S. \n\nAl\xc3\xa9m do que j\xc3\xa0 disse quando se tratou do jantar ordi- \nnario, importa saber mais alguma cousa. \n\nOs coiwivas que t\xc3\xa8m criados, levam um comsigo, que \nse junla aos da casa para servir, e fica sempre atr\xc3\xa0s de seu \namo. N\xc3\xa0o devem coni tudo fallar com elles, e ainda menos \nreprehend\xc3\xa8l-os. Antes de irem para a mesa devem ins- \ntruil-os do que li\xc3\xa0o de fazer, e recommendar-lhes que \nsirvam a lodos os convivas seni distincc\xc3\xa0o, e que, f\xc3\xacnda a \nmesa, se retirem immediatamente, porque s\xc3\xb3 os criados \nda casa devem corner na copa. Esla regra soffre com tudo \nmuila excepc\xc3\xa0o, m\xc3\xb3rmente nos palacios de campo em \n\n\n\n128 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOH. \n\n\n\nque c de costume que os que servem \xc3\xa0 mesa comem da \nmesa. \n\nSe a senhora ou menina da casa preparou algam prato, \nou doce, e que isto se saiba, deve-se pedir d\'elle, gab\xc3\xa0l-o \nmuito, e pedir segunda vez, se ainda restar bastante. \n\nOs convivas que ficam nas duas pontas da mesa sam em \ngeral menos bem servidos ; por isso devem os que estam \nmais perlo dos senhores faz\xc3\xa8l-os lembrar, e remediar com \nar gracioso qualquer esquecimento que houvesse a seu \nrespeito. \n\nSe acontecer servir-se azeite e vinagre, deve o cava- \nlheiro ter na mao o galheteiro em quanto a senhora sua \nvizinha deit\xc3\xa0 azeite e vinagre no prato. Se veni a mesa \nespetadas de rins assados, peixinhos fritos, etc, deve se- \ngurar o espeto, e t\xc3\xa8l-o sobre o prato de sua vizinha at\xc3\xa9 quo \nella se sirva. \n\nQuando um vizinho de mesa aceita metade d\'urna \npera, maca, etc , deve sempre dar-se-lhe a melhor parte* \ne offerecer-lh\'a num prato limpo. \n\n\xc3\x89 m\xc3\xa0o torri metter as luvas no copo do vinho de Cham- \npanha ou de Bord\xc3\xa9os para annunciar que se nao quer \nmais. Ainda seria mais reprehensivel apoderar-se urna so \npessoa da conversac\xc3\xa0o, a qual se deve fazer entre todos. \nQuando ha milita gente a mesa, conversa-se com o vizinho, \nnem muito baixo que pareca segredo, nem muito alto que \ninterrompa a conversac\xc3\xa0o geral. \n\nQuando nao ha tacas para lavar a boca, a que se chama \nem francez rince-bouche, e em inglez bole, \xc3\xa9 permittido \xc3\xa0s \nsenhoras lavar os dedos num copo cheio d\'agua, e enxu- \ng\xc3\xa0l-os ao guardanapo. Devem com tudo observar se na \ncasa onde estam se introduziu o novo uso de se p\xc3\xb3rem \nnum apparador separado da mesa as tacas para lavar a \nboca, porque neste caso, levanlam-se todos da mesa e vam \nfazer mais \xc3\xa0 sua vontade as abluc\xc3\xb2es necessarias ao sitio \n\n\n\nDEYERES DOS CORVIVAS. 129 \n\nque os eriados lem cuidado de indicar, mas sempre sem \nbuina, e cada uni buscando esconder quanto possa est\xc3\xa0 \noperac\xc3\xa0o. \n\nAcabado o jantar todos calcarci as luvas. \n\nPerlence \xc3\xa0 senhora dar o signal para se levantarem os \nconvivas, o que ella faz enrolanclo grosseiramente o guar- \ndanapo e pondo-o junto do prato, o que todos imitam. \nDobrar o guardanapo num jantar de ceremonia seria cousa \nridicula; em Franca por\xc3\xa9m \xc3\xa9 costume dobr\xc3\xa0l-o quando se \nlem amizade numa casa, e quando se come nella amiudo, \nporque a economia faz com que se guarde o guardanapo \npara poder servir mais vezes. Como os grandes jantares \nsam enfadonhos, n\xc3\xa0\xc3\xb2 deve a senhora da casa prolong\xc3\xa0l-os, \nantes abrevi\xc3\xa0l-os quanto possa, por isso, logo que veja que \ntodos os convivas lem acabado, deve dar o signal para \nse levantarem, o que lodos fazem promplamente, e offere- \ncendo o braco \xc3\xa0s senhoras, voltam para a sala do mesmo \nmodo que vieram, onde j\xc3\xa0 est\xc3\xa0 prompto o caf\xc3\xa9 e os licores ; \nporque s\xc3\xb3mente se toma o caf\xc3\xa9 a mesa nos jantares sem \nceremonia. \n\namphitryao \xc3\xa9 o primeiro que entra na sala com a sua \ndama; seguem os outros cavalheiros com as suas. Enl\xc3\xa0o \num criado comeca a deitar o caf\xc3\xa9 nas chavenas, e os \ndonos da casa se apressam a offerecer o assucareiro com. \na tenaz. Retira-se logo o criado, e o senhor da casa offe- \nrece a todos differentes licores de sua frasqueira come- \ncando pelas senhoras, e pessoas mais autorizadas. Deve \nindicar os nomes dos licores, sem com ludo instar para \nque bebam d\'elles. \n\nNinguem deve levantar-se da mesa sen\xc3\xa0o por algum \ncaso urgente e imprevisto. Se isto acontece a urna senhora, \ndeve pedir a urna amiga que a acompanhe; urna menina \nnunca deve sair sem sua m\xc3\xa0i ou pessoa que fizer as suas \nvezes. \n\n\n\n130 \n\n\n\nG0D1G0 1)0 BOM TOM. \n\n\n\nSe um cavalheiro \xc3\xa9 obrigado por algum caso extraordi- \nnario a ausentar-se da mesa, deve chegar-se ao p\xc3\xa9 da \nsenhora da casa, pedir-lhe desculpa e dar-lhe as raz\xc3\xb2es \nque a isso o obrigam. \n\nFindo o jantar, trava-se a conversac\xc3\xa0o entre os diffe- \nrentes grupos que se forni a m ; arm ani-se algumas mesas \nde jogo; se \xc3\xa9 no ver\xc3\xa0o e no campo, e se ainda faz dia, e o \ntempo est\xc3\xa0 boni, sai-se um pouco ao jardim, toma-se o \nfresco, contemplam-se as flores, e at\xc3\xa9 muitas vezes se toma \no caf\xc3\xa9 debaixo d\'a\xc3\xacgum caramanch\xc3\xa0o, ou nalguma casa \nverde: quando se n\xc3\xa0o sai da sala, as pessoas que sabem \nmusica tocam algum instrumento, outras cantam ; se n\xc3\xa0o \nha musica, ollia-se para as pinturas, estatuetas se as ha, \nou outros objectos d\'arte e curiosidades; deitam-se os \nolhos aos jornaes que estam em cima da mesa, v\xc3\xa9-se o que \nha de mais novo ou interessante, sem os \xc3\xacer com grande \napplicacelo, o que seria pouco polido; numa* palavra, cada \num se occupa segundo o seu gosto. Aos donos da casa \ncumpre velar por que ninguem esteja sem distracc\xc3\xa0o. \n\nOrdinariamente duas horas depois do jantar (quando \neste \xc3\xa9 a tarde) serve-se o ch\xc3\xa0, sendo precedido d\'algumas \nbebidas refrescantes. No inverno serve-se ordinariamente \nponche quasi no firn da noite. \n\nOs convivas devem passar a noite na casa onde jant\xc3\xa0ram, \ne s\xc3\xb2 por motivos graves poder\xc3\xa0o dispensar-se d\'este dever, \nmas quando assim aconteca pede a politica que advirtam \nantes os senhores da casa da raz\xc3\xa0o que os obriga a f\xc3\xaccarem \nprivados d\'aquella honra; por\xc3\xa9m nunca se retiram sen\xc3\xa0o \nurna bora depois do jantar, e quando assim o n\xc3\xa0o possam \nfazer, \xc3\xa9 melhor que n\xc3\xa0o aceitem. \n\nComo os jantares d\'homens sam muito mais frequentes, \ne corno a conversac\xc3\xa0o offerece menos interesse quando \nn\xc3\xa0o ha senhoras, tem-se introduzido um excellente uso, \nque consiste em convidar, no mesmo dia, as senhoras para \n\n\n\nDEYERES DOS GOHW\xc3\x80S. 151 \n\nvirem passar a noite e tornar ch\xc3\xa0 coni seus maridos. D\xc3\xa0- \nse-lhes ent\xc3\xa0o um bom ch\xc3\xa0, quando todas estam reunidas, \nao qnal se junta urna collae\xc3\xa0o delicada, e termina-se quasi \nsempre offerecenclo Ihes gelados, ou sorvetes. \n\nDentro dos oito dias que seguem um grande jantar, \ndevem os convidados fazer urna visita \xc3\xa0s pessoas que os \nhospedaram. Hoje em dia ter-se-hia corno cousa ridicula \nchamar a est\xc3\xa0 visita, corno noutro tempo se chamava entre \nFrancezes, visita de digest\xc3\xa0o (visite de digest io?i). Falla-se \nordinariamente do jantar, do gosto que se leve de fazer \nparte d\'urna tao estimavel companhia, das pessoas que ahi \nse achavam, e de akaim incidente que nelle occorresse, \nmas n\xc3\xa0o se falla em visita de digest\xc3\xa0o, a n\xc3\xa0o ser por graca \nentre pessoas de intimidade. \n\nAs senhoras solteiras, a menos que n\xc3\xa0o sejam de certa \nidade, os homens solteiros, a n\xc3\xa0o ser que occupem altos \nempregos, n\xc3\xa0o sam obrigados a offerecer, nem mesnio a \npagar jantares. \n\nMui longo tem siclo este artigo dos jantares e banquetes, \nmeus f\xc3\xaclhos, e talvez estejais enfastiados d\'estas fastuosas \nreuni\xc3\xb2es em que o luxo e a vaidade t\xc3\xa8m mais parte que a \namizade e a affeic\xc3\xa0o cordial ; mas emfim nisto \xc3\xa9 que con- \nsiste o mundo, e se quizerdes viver nelle \xc3\xa9 mister que vos \nconformeis coni os seus usos e costumes. Trataremos agora \nd\'urna materia menos complicada e mais breve, termi- \nnando est\xc3\xa0 por dizer-vos, que estes sam os usos, por assilli \ndizer europeos, mas se algum dia fordes senhores de casa, \ne estiverdes em circumstancias de dar jantares de grande \napparato, informai-vos antes das pessoas competentes \n([iiaes sam os estylos, e conformai-vos com elles segundo \no proverbio latino que muito beni conheceis : Si I\xc3\xacomx \nfueris, romano invito more, quando estiverdes em Roma, \nvivei \xc3\xa0 romana; e cum milita mais raz\xc3\xa0o o deveis fazer em \nvessa patria. \n\n\n\n132 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nCARTAS E BILHETES DE COISVITE. \nCO.WITE DO PAgO. \n\n\xc2\xab camarista de semana, por ordem de SuaMagestade, \nlem a honra de prevenir o IU mo e Ex mo Sr. F. . . que o mesmo \nAugusto senhor o confida a jant\xc3\xa0r no dia... pelas... lioras \nda tarde. \xc2\xbb \n\n\xc2\xab Palacio de... em... de... de 18... \xc2\xbb \n\nSem farcia l . \n\nA pessoa a quem o convite for dirigido, dever\xc3\xa0 respon- \nder sem perda de tempo \xc3\xa0 carta ou bilhete que tiver rece- \nbido, declarando se aceila, ou n\xc3\xa0o, o convite feito. Se \nn\xc3\xa0o aceita, dever\xc3\xa0 expor a raz\xc3\xa0o, porque de contrario \ncontar-se-ha com a presenca do convidado. A resposta, \nqualqucr que for, dever\xc3\xa0 ser dirigida ao Camarista de \nsemana, que \xc3\xa9 quem sempre costuma fazer os convites. \n\nRESJ\'OSTA \xe2\x80\x94 ACEITAXBO CONYJTE. \n\n\xc2\xab F... teve a honra de receber o convite que Sua Ex a o \nSr. Camarista de semana lhe dirigiu, por ordem de Sua \nMagestade, para jantar no real paco no dia... \xc3\xa0s... lioras. \nE F. com a maior satisfacao tem a honra de prevenir a Sua \nEx a de que n\xc3\xa0o faltar\xc3\xa0 no dia e boia indicados na sua \ncarta. \n\n\xc2\xab Lisboa... de... de 18... \xc2\xbb \n\n1 A carta de convite designa sempre o trajo em que o convidado \ndeve apresentar-se. \n\n\n\nB1LHETES DE CONVITE. \n\n\n\n153 \n\n\n\nRESrOSTA \xe2\x80\x94 N\xc3\x80O ACEITANEO CONVITE. \n\n\xc2\xab F... teve a honra de receber o convite que Sua Ex a o \nSr. Camarista de semana lhe dirigio, por ordem de Sua \nMageslade, para jantar no real paco no dia... do corrente \n\xc3\xa0s... horas. Coni exlremo pez^F...faz saber a Sua Ex a \nque o seu estado de saude lhe n\xc3\xa0o permitte aproveitar a \ndisimela honra que Sua Magestade se dignou fazer-lhe 1 . \xc2\xbb \n\nCONVITE DE PAKTICULAR. \n\n2 a \n\n\xc2\xab \xc3\x80 Condessa de... pede a Sua Ex a o Sr. F queira \n\nfazer-lhe a honra de vir jantar a sua casa hoje pelas... \nhoras. \n\n\xc2\xab Rua de... de.., de 18... \xc2\xbb \nPede-se o favor de urna resposta. \n\nRESPOSTA \xe2\x80\x94 ACEITANDO CONVITE. \n\na F... tema honra de agradecer \xc3\xa0 Ex ma S ia Condessa \nde... o cornile obsequioso com que Sua Ex a o distinguili; \ne a de assegurar a Sua Ex a que elle n\xc3\xa0o fall ara \xc3\xa0 bora indi- \ncada na sua carta. \n\n<( Paia de... de.. . de 18... \xc2\xbb \n\nRESrOSTA \xe2\x80\x94 N\xc3\x80O ACEITANDO CONVITE. \n\n(( F... tem a honra de agradecer o convite que a Ex ma \n\n5 convidado aproveitara a primeira occasi\xc3\xa0o opportuna de ir ao \npago, e agradecer\xc3\xa0 a Sua Magestade a honra que lhe fez de o mandar \nconvitar; e rcpelir\xc3\xa0 a sua desculpa, separa isso se offerecer oppor- \ntunidade. \n\n8 \n\n\n\n134 COniGO DO BOM TOM. \n\nS m Condessa de... so dignou fazer-lhe; c sente profunda- \nmente ri\xc3\xa0o poder utilisar-se do favor de Sua Ex a , cm raz\xc3\xa0o \ndo grande incommodo de saude que ha dias soffre, e quo \no priva de ir pessoalmente tributar os seus respeitos a \nSua Ex* l . \n\na Rua de... de... de 18... \xc2\xbb \n\n1 Al\xc3\xb3ni do motivo que deix\xc3\xa0mos apontado, oulros poderao scr alle - \ngados. \n\n\n\nCAPITOLO IX \n\n\n\nDAS Y1SITAS, INTRODUCCOES E APRESENTACOES \n\n\n\nN\xc3\xa0o tenhais a pretenc\xc3\xa0o, meus filhos, de vos elevardes a \ncima do vulgo desdenhando os antigos usos, cuja origem \ne resultados n\xc3\xa0o tendes ainda madidamente examinado : \nouvireis repetir com frequencia que as visitas sani enfado- \nnhas, e que era mister supprimil-as, e outros lugares \ncommuns que n\xc3\xa0o eram conhecidos de nossos maiores... \nN\xc3\xa0o deis ouvidos aos pr\xc3\xa9gadores d\'estas doutrinas, conti- \nnuai a fazer visitas \xc3\xa0s pessoas com quem tendes relac\xc3\xb2es \nde amizade, e ainda mais \xc3\xa0quellas a quem deveis obriga- \nc\xc3\xb2es : ellas sani um laco social, muitas vezes ura devido \ntributo de nosso agradecimento, e algumas um meio de \nobter grapas e favores... Se a velhice, os achaques, o \namor do estudo ou urna rara moderac\xc3\xa0o, vos fazem buscar \na vida solitaria com a firme intenc\xc3\xa0o de nella perseve- \nrardes, cortai todas as relac\xc3\xb2es que vos podem constran- \nger, gozai de vossa independeneia muito \xc3\xa0 vossa vonlade; \nmas n\xc3\xa0o venhais, depois de vos fazerdes ermitas, pedir \npara v\xc3\xb3s ou para vossos parentes ou amigos alguns favores \na essa sociedade cujas leis transgredistes : \xc3\xa9 urna liberdade \nque ella n\xc3\xa0o pcrdoa sen\xc3\xa0o \xc3\xa0quelles que nada reclamam \nd\'ella. \n\nFazei pois visitas de boas festas pelo Natal at\xc3\xa9 dia de \n\n\n\n136 CODIGO DO BOM TOM. \n\nReis, em Portugal, e em Franca no primeiro do anno, ou \nno decurso do mez de Janeiro, a todas as pessoas a quem \ndeveis respeito, e \xc3\xa0s que vos recebem em sua casa. Estas \nvisitas se fazem quasi sempre por bilhetes, e ficai certos \nque poucas pessoas ha que n\xc3\xa0o reparem, e at\xc3\xa9 se n\xc3\xa0o for- \nmalizem, quando se falta a este pequeno dever para com \nellas. \n\nPoucos dias depois de terdes recebido um convite, ou \naceiteis ou nao, deveis fazer urna visita \xc3\xa0s pessoas de quem \no recebestes. \n\nEntre n\xc3\xb3s \xc3\xa9 costume antigo e mui louvavel ir dar os pa- \nrabens \xc3\xa0s pessoas a quem devemos respeito, e com quem \ntemos amizade, nos dias de seus annos; j\xc3\xa0 vos disse quaes \nsam os cumprimentos que em taes occasi\xc3\xb2es se costumam \nfazer (vej. pag. 64). Em Franca por\xc3\xa9m n\xc3\xa0o se felicita nin- \nguem no dia dos annos, sen\xc3\xa0o no dia do santo de seu \nnome; e o boni costume pede que visitemos essa pessoa na \nvespera a noite, ou no dia antes de jantar, e que ao tempo \nde a felicitarmos pela sua festa lhe offerecamos um rama- \nlhete de flores naturaes. A gente do campo n\xc3\xa0o perde \nnunca est\xc3\xa0 occasi\xc3\xa0o para vir fazer seu cumprimento mui \nlongo ao fidalgo da terra, e at\xc3\xa9 muitas vezes lhe recitam \nversos apropriados \xc3\xa0 circumstancia, os quaes, creio que \nficam em henraca de pais para filhos, porque d\'ordinario \nt\xc3\xa8m a efficacia de produzir alguma liberalidade pecuniaria. \n\nAo mesmo dever estais obrigados quando acontece al- \nguma cousa consideravel \xc3\xa0s pessoas de vosso conheci- \nmento : nascimento, casamento, morte, ganho ou perda \nd\'urna demanda, promoc\xc3\xa0o, destituic\xc3\xa0o, rev\xc3\xa9z ou bom \nsuccesso de fortuna; tu do isto pede cumprimentos, e urna \nvisita perde menos tempo do que urna carta : al\xc3\xa9m de que \nn\xc3\xa0o devemos escrever em taes circumstancias, sen\xc3\xa0o \nquando nos n\xc3\xa0o \xc3\xa9 possivel faz\xc3\xa8l-o d\'outro modo. \n\nQuando voltardes do campo para a cidade deveis visitas \n\n\n\nYISITAS. 157 \n\n\xc3\xa0s pessoas com quem tendes amizade, ou a quem quereis \nconvidar para vossas partidas ou recepcoes ordinarias. Em \npaiz estraugeiro, \xc3\xa9 de vosso dever logo que chegardes a \nalguma cidade em que haja compatriotas, ir visit\xc3\xa0l-os se \nquereis ter com elles relac\xc3\xb2es. \xc3\x89 este um bom estylo, por- \nque p\xc3\xb3de cada um escolher as pessoas que melhor lhe con- \nv\xc3\xa8lli, e com quem qner travar amizade. \n\nSe vos achardes nalguma das capitaes estrangeiras \nquando ali chegar algum compatriota, esperai que elle \nvenha visitar-vos ou deixar-vos um bilhete, a menos que \nn\xc3\xa0o seja vosso amigo ou pessoa de alta distincc\xc3\xa0o, mui su- \nperior em gerarquia. Quando chegardes a alguma cidade \nestrangeira em que haja compatriotas nunca tomeis a liber- \ndade de lhes escrever para lhes annunciardes vossa mo- \nrada, a n\xc3\xa0o ser algum amigo de tu, ou por vos achardes \ndoente ou em caso de precisar de sua protecc\xc3\xa0o ou pres- \ntimo. N\xc3\xa0o vos faria est\xc3\xa0 advertencia se nao lesse num \nlivro ultimamente impresso em Lisboa 1 este preceito de \ncivilidade : \n\n\xc2\xab \xc3\x89 pratica escrever-lhes o recemchegado, e dar-lhes \nparte da sua vinda e indicar-lhes a casa em que se acha \nalojado. \xc2\xbb Tal pratica s\xc3\xb3 p\xc3\xb3de dar-se nos casos de que vos \nfallo, fora d\'isso nao existe, e seria tido corno um incivil e \nignorante dos usos quem de tal modo procedesse. \n\nN\xc3\xa0o \xc3\xa9 facil fixar a bora \xc3\xa0s visitas, mas \xc3\xa9 cousa sabida \nque nunca se dever\xc3\xa0 fazer antes de urna bora da tarde, nem \ndas cinco \xc3\xa0s oito, nem depois das dez da noite. Quando \nn\xc3\xa0o souberdes quaes sam os usos da casa, e a bora mais \ncommoda para visitas, nas grandes cidades, podeis ir \xc3\xa0 \nnoite; porque de dia os homens estam occupados com os \nseus negocios, as senboras com o governo da casa, com a \neducac\xc3\xa0o de seus f\xc3\xaclhos; umas cultivam em liberdade seus \n\n\n\n1 Mannal de civilidade e etiqueta, Lisboa, 1845 \n\n8. \n\n\n\n138 CODIGO DO BOM TOM. \n\ntalentos, locando, desenhando, pintando, etc; outras fa- \nzem e desfazem seus vestidos para parecerem novos do \ntrinque vindos do armazem que est\xc3\xa0 em voga. \xc3\x89 mister \nrespeitar estes segredos domesticos. \n\nPara fazer decentemente urna visita de ceremonia, \xc3\xa9 \nnecessario n\xc3\xa0o ter nenhum incommodo de saude que em- \n]>arace a voz, desf\xc3\xacgure o rosto, ou pertube a cabeca. N\xc3\xa0o \nha por\xc3\xa9m inconveniente em ir nesse estado a casa d\'um \namigo. \n\nSe as visitas se fizerem em carruagem propria, deve um \ncriado ir perguntar se a pessoa a quem se procura est\xc3\xa0 em \ncasa. Quem vai em sege d\'aluguer apeia-se e pergunta^ e \nconi mais raz\xc3\xa0o deve perguntar se for a p\xc3\xa9. \n\nNas terras onde for costume haver porteiros, e se estes \nvos disserem que a pessoa que buscais n\xc3\xa0o est\xc3\xa0 em casa, \nn\xc3\xa0o insistais, nem alterqueis com o porteiro, ainda que \nsaibais o contrario ; e ainda quando por acaso a visseis, \ndeveis fazer de conia que a n\xc3\xa0o tinheis visto, e n\xc3\xa0o vos dar \npor achados. N\xc3\xa0o se coaduna muito este uso afrancezado \ncom o nosso caracter nacional, nem vos direi se j\xc3\xa0 entre \nn\xc3\xb3s est\xc3\xa0 introduzido, s\xc3\xb3 vos digo que n\xc3\xa0o o introduzais, \nmas se o achardes estabelecido conformai-vos com elle, e \niazei corno em Franca, e para que os criados n\xc3\xa0o mintam, \ndevem dizer : senhor ou senhora hoje n\xc3\xa0o falla a nin- \nguem ou n\xc3\xa0o recebe visitas. \n\nQuando vos mandarem entrar, deixai na sala d\'esper\xc3\xa0 ou \nantecamara o capote, o chap\xc3\xa9o de sol, se o levais. Nas \nvisitas de menor ceremonia, as senhoras n\xc3\xa0o tiram as \ncapas, excepto \xc3\xa0 noite, que \xc3\xa9 necessario estar em corpo \nna sala. \n\nN\xc3\xa0o deveis entrar na sala de visitas seni que algum \ncriado vos abra a porta; se n\xc3\xa0o apparecer ninguem, o que \nraramente acontece, deveis esperar que venha algum \ncriado, mas se n\xc3\xa0o apparecer, deveis bater devagarinho \n\n\n\nYISITAS. 159 \n\nconi a costas do dedo medio, e esperar que vos abram, oli \nque vos mandem entrar; se ninguem abrir nem respon- \nder, podeis abrir devagarinho a porta; se n\xc3\xa0o virdes nin- \nguem na sala, n\xc3\xa0o entreis, nem abrais outra porta, nem \nestejais olhando para uni lado e para o outro, voltai para \na sala d\'esper\xc3\xa0, at\xc3\xa9 que venha alguem; se a demora for \ngrande, ou se tiverdes pressa, ponde uni bilhete em cima \nda mesa, ou deixai-o ao porteiro, e retirai-vos. \n\nSe fores admittido \xc3\xa0 sala, deves, meu fillio, presentar-te \nconi o cliap\xc3\xa9o no m\xc3\xa0o, encaminar-te para a senhora ou \nsenhor da casa, e sa\xc3\xb9d\xc3\xa0l-os coni graca e respeito. Logo \nque elles dam m\xc3\xb3stras de te chegar urna cadeira, deves \napressar-te a tom\xc3\xa0l-a, e n\xc3\xa0o consintas que tenliam esse in- \ncommodo; escollie de preferencia urna cadeira rasa a urna \nde bracos, ainda que t\'a offerecam; n\xc3\xa0o tomes o lugar \nmais commodo, mas sim da parte da porta. Tudo o que te \ndisse a respeito das assembl\xc3\xa9as epartidas (v. p. 55 e 807) \no deves igualmente observar nas visitas quando iguaes cir- \ncumstancias se apresentem, s\xc3\xb3 accrescentarei que n\xc3\xa0o \ndeves largar o cliap\xc3\xa9o e a bengala sem que a senhora ou \nsenhor da casa inste comtigo, e que por caso nenhum o \nponhas em cima da sua cama. \xc3\x80lguns cavalheiros de bom \ntoni o p\xc3\xb2em no cimo; mas nenhuma senhora deve con- \nsentir em tal, antes o tirar\xc3\xa0 ou mandar\xc3\xa0 tirar por algum \ncriado, para o por noutro lugar mais decente. Nas visitas \nde ceremonia nunca se larga o cliap\xc3\xa9o, e quando se est\xc3\xa0 \nassentado, poe-se sobre os joelhos coni o forro virado para \nbaixo. \n\nTu por\xc3\xa9m, minila filha, faze o que vires fazer \xc3\xa0s senhoras \nbeni educadas ; comtudo estimaria que n\xc3\xa0o tirasses o clia- \np\xc3\xa9o e diale sen\xc3\xa0o em visitas de pouca ceremonia, e depois \nde seres instada pela senhora da casa, porque beni sabes \ninelhor do que eu, que quando se tira o cliap\xc3\xa9o, acontece \nquasi sempre desarranjar-se o penieado, e para por o diale, \n\n\n\n! |0 CODIGO DO BOM TOM. \n\n\xc3\xa9 necessario alguem que ajude, tambem \xc3\xa9 mister ver-se \nao espelho, e tudo isto \xc3\xa9 pouco decente mima casa em que \nn\xc3\xa0o tenhamos confianca, onde devemos dar o menor in- \ncommodo possivel, e estar com a maior seriedade que po- \ndermos. Quando aconte^a instarem comtigo para tirares o \nchap\xc3\xa9o e o diale, o que a senhora faz muitas vezes, sendo \nella mesma que veni ajudar-te, n\xc3\xa0o recuses, mas vai p\xc3\xb3l-o \nmima cadeira ou mesa afastada; e nunca sobre a cama, a \nnao ser que a senhora da casa os ponha ella mesma, pelo \nque te mostrar\xc3\xa0s reconbecida. \n\nSe a pessoa a quem fordes fazer visita se preparar para \nsair ou para ir para a mesa, n\xc3\xa0o vos demoreis sen\xc3\xa0o o ne- \ncessario para saber da sua saude, e retirai-vos logo, ainda \nque inste muito para que vos demoreis. \n\nQuando se annunciarem outras visitas que nao sam de \nvosso conhecimento, deveis vos retirar, fazendo urna sau- \ndac\xc3\xa0o, e ainda que o dono da casa inste para que vos \ncleixeis estar, allegai algum pretesto, e retirai-vos; se por\xc3\xa9m \nas visitas que se annunciarem forem de vosso conhe- \ncimento, seria urna impolitica retirar-se seni lhes fallar. \nEm todo o caso sempre se hao de sa\xc3\xb9dar as pessoas que \nentram de novo. Se \xc3\xa9 urna senhora, todos selevantam, se \n\xc3\xa9 um cavalheiro, levantam-se s\xc3\xb2mente os homens, e as \nsenhoras se levantam, n\xc3\xa0o de todo, a proporc\xc3\xa0o que sam \nsa\xc3\xb9dadas pelo cavalheiro que entra de novo, o qualcomeca \npela senhora da casa. \n\nSe quando entrardes de visita mima casa em que j\xc3\xa0 ha \noutras pessoas de fora, e virdes que continuam urna con- \nversalo que j\xc3\xa0 haviam comecado, n\xc3\xa0o vos intromettais \nnella, contentai-vos coni algumas palavras que a senhora \nda casa vos enderecar, e passado pouco tempo, retirai-vos \nfazendo urna saudac\xc3\xa0o geral. \n\nN\xc3\xa0o \xc3\xa9 facil determinar quanto tempo deve durar urna \nvisita : para as de ceremonia, tudo o que excede a meia \n\n\n\nVIS ITA S. 141 \n\nhora \xc3\xa9 de mais; casos ha em que \xc3\xa9 necessario estar ainda \nmenos tempo, taes sam os seguintes : quando virdes que a \npessoa visitada mostra algum enfado, n\xc3\xa0o segue o fio da \nconversalo, ou o corta calando-se, quando alonga o rosto, \nou boceja, quando olha com attenc\xc3\xa0o para a penduta, e \ncorno que mede o tempo, quando da algum recado em voz \nbaixa aos criados, quando, recebendo urna carta, e tendo \nv\xc3\xb3sinstado para que abra,a p\xc3\xb2e sobre a chemin\xc3\xa9 ou mesa \nseni a abrir, sabei que \xc3\xa9 occasi\xc3\xa0o favoravel para a retirada, \ne dai-vos pressa em sair. Quando n\xc3\xa0o notardes nenhum \nd\'estes signaes, e se instarem para que vos demoreis, ce- \ndei ao convite e demorai-vos mais algum tempo. \n\nNas visitas por motivos extraordinarios deveis contar \nque n\xc3\xa0o se fallar\xc3\xa0 d\'outra cousa sen\xc3\xa0o do motivo da visita; \nide de eslomago feito para ouvirdes fallar milito tempo da \nmesma cousa, e lembrai-vos d\'est\xc3\xa0 maxima : \xc2\xab Ride com \nos que riem, e chorai com os que choram. \xc2\xbb N\xc3\xa0o \xc3\xa9 bypo- \ncrisia, \xc3\xa9 bondade de corac\xc3\xa0o, que deve tornar-vos sensiveis \n\xc3\xa0quillo que toca o proximo. \n\nOs bilhetes, ou cartas da visita 1 sam urna admiravel \ninvenc\xc3\xa0o do nosso seculo : poupam o tempo, e livram-nos \nmuitas vezes de grandes enfados; devo a este respeito \nfazer-vos algumas advertencias. \n\nDepois que se introduziu o uso das cartas de visita sera \nimpolitica e falla de respeito por o seu nome num bo- \ncado de papel cortado \xc3\xa0 tesoura, corno se fazia ainda n\xc3\xa0o \nha muito tempo entre n\xc3\xb3s. \n\nQuando fizerdes visitas de despedida ponde na carta com \nlapis, a despedir-se, e em francez p. p. e, que quer dizer \npour prendre eong\xc3\xa9. \n\n1 N\xc3\xa0o dovuto chamar-lhes cartas de visita pela mesma raz\xc3\xa0o que \ndizcmos cartas dejogar: bilhete indica mais particolarmente o pa- \npelinho em que se escrevia o nome, que di f fere muito da carta de \nvisita. \n\n\n\n\\ 12 CODIGO DO BOM TOM. \n\n\xc3\x89 permitlido \xc3\xa0s altas personnagens, e \xc3\xa0s pessoas muito \noccupadas, mandar eari\xc3\xa0s de visita por seus criados; por \nisso quando ellas mesmas veni, p\xc3\xb2em na carta, e. p., que \nquer dizer em pessoa. Seria por\xc3\xa9m cousa ridicula e insup- \nporlavel que outra qualquer pessoa que se n\xc3\xa0o achasse em \niguaes circumstancias tivesse similhante impolidez : es- \npero, meus filhos, que nunca o fareis, e tambem espero \nque nunca tereis a fatua ostentac\xc3\xa0o de conservar \xc3\xa0 vista de \ntodos, corno muitos Francezes t\xc3\xa8m nas molduras de seus \nespelhos, as cartas de visitas das pessoas de qualidade; \nguardai-as, para que n\xc3\xa0o esque\xc2\xa7ais sua morada, mas n\xc3\xa0o \nfacais alarde d\'urna t\xc3\xa0o pequena vaidade. \n\nN\xc3\xa0o me posso conformar com o uso, antes abuso, de \nn\xc3\xa0o se por nos bilhetes a morada das pessoas que d\'elles \nse servem. \xc3\x89 esle um descuido reprehensivel ou urna pre- \nsumpc\xc3\xa0o attiva. Que um f\xc3\xacdalgo, ou urna pessoa notavel \nque tem o seu palacio em sitio conhecido n\xc3\xa0o ponha a sua \nmorada tem desculpa, mas um plebeo, urna pessoa de \npouca importancia e nenhuma representag\xc3\xa0o, pretenda \nque a sua morada \xc3\xa9 assaz conhecida para a n\xc3\xa0o por no seu \nbilhete \xc3\xa9 muito para censurar, ou ent\xc3\xa0o \xc3\xa9 um descuido \nque n\xc3\xa0o deve commetter quem se tem em conta de cava- \nlheiro. N\xc3\xa0o imiteis, meus filhos, similhante modo de pro- \nceder, a n\xc3\xa0o ser que n\xc3\xa0o queiraes que vos paguem a visita, \nque \xc3\xa9 o que isso quer dizer. \n\nUrna primeira visita deve pagar-se dentro dos oito dias \nque se lhe seguem. Aconselhando \xc3\xa0s pessoas que a pagam \nque sejam pontuaes, convid\xc3\xa0mos as que a recebem que \nsejam indulgentes, se por ventura alguma vez se exceder \neste limite. \n\nSe a politica e urbanidade \xc3\xa9 necessaria \xc3\xa0s pessoas que \nvisitam, n\xc3\xa0o o \xc3\xa9 menos \xc3\xa0s que sam visitadas. Quando \ntiverdes casa, meus filhos, evitai todos os defeitos que \nnotardes nos donos e donas de casa; lembrai-vos de tudo \n\n\n\n\' VISITAS. 143 \n\nque vos disse a respeito das partidas, s\xc3\xa8de sempre affaveis, \nbuscai agradar aos que veni ver-vos, s\xc3\xa8de polidos para \nconi todos, e conservai quanto poderdes todos os bons \nusos de nossa antiga criac\xc3\xa0o. N\xc3\xa0o te digo, meu f\xc3\xacllio, que \nponhas a cabelleira, nem a ti, minha filila, que cinjas o \ndonaire para ir receber visitas, mas digo-vos que as rece- \nbais d\'urna maneira grave e decente, e sempre coni vesti- \ndos aceiados e dignos de v\xc3\xb2s e das pessoas que vos \nhonrani . \n\nCostumavano nossos maiores quando recebiam a visita \nd\'alguma alta personagem, com\xc3\xb2 grande do Reino, Bispo, \nCardeal, Principe, acompanh\xc3\xa0i-o ale o patamar da escada, \ne se era pessoa Real at\xc3\xa9 \xc3\xa0 carruagem, e no dia seguiutc \niam saber da sua saude e pagar a visita; e quando acon- \ntecia n\xc3\xa0o esiarem em casa i\xc3\xa0o pedir as suas ordens; \xc3\xa9 \nprovav\xc3\xa9l, meu fillio, que este uso esteja perdido; n\xc3\xa0o te \naconselho que te facas singular em querer desenterrar \nvelhices, mas se o fizeres n\xc3\xa0o ter\xc3\xa0s outro crime sen\xc3\xa0o o de \npassar por Portugal velilo, o que em certos casos \xc3\xa8 honra. \n\nNos tempos modernos tem-se introduzido uni uso, de \nque \xc3\xa0s vezes se abusa, mas que deveis saber, meus fillios, \ne praticar coni acerto, e veni a ser o introduzir e apresen- \ntar vossos amigos ou pessoas de conhecimento a outros \namigos vossos para coni elles tomarem conhecimento. \nQuero dar-vos a este respeito alguns conselhos que vos \nser\xc3\xa0o uleis. \n\nAntes de fazerdes a apresentac\xc3\xa0o, adverti a pessoa a \nquem quereis faz\xc3\xa8l-a, e pedi-lhe o seu consentimento. Se \nvirdes que ella se mostra pouco satisfeita, ou d\xc3\xa0 sinaes de \nn\xc3\xa0o lhe agradar tal conhecimento, abstende-vos, e escusai- \nvos do mclhor modo que poderdes para com a pessoa \nque tencionaveis apresentar, no caso d\'ella vo-lo haver \npedido. \n\nSe ninna sociedade particular vos encontrardes com \n\n\n\n144 GODIGO DO BOM*TOM. \n\nalguma pessoa recommendavel por seu saber ou quaesquer \nboas qualidades, e virdes que busca relacion,ar-se com- \nvosco, n\xc3\xa0o duvideis condescender corri o seu desejo, ainda \nque n\xc3\xa0o tenha precedido a formalidade da apresentac\xc3\xa0o, \nm\xc3\xb3rmente se for em casa d\'um amigo vosso, pois deveis \nsuppor que elle n\xc3\xa0o recebe em sua casa sen\xc3\xa0o pessoas de \nprobidade e distincc\xc3\xa0o. Todavia bom sera que n\xc3\xa0o entreis \ncom ella immediatamente em grande intimidade sem \nterdes mais amplas informacoes. \n\nSeria uni acto de incivilidade o apresentardes um amigo \nquando andais passeiando, a outro que por acaso encon- \ntrais, porque a apresentac\xc3\xa0o deve fazer-se n\xc3\xa0o num lugar \npublico, sen\xc3\xa0o em casa do proprio sujeito, e com certa \nformalidade que o caso pede. mais que podeis fazer \xc3\xa9 \ndizer o nome da pessoa com quem andais, e pedir \xc3\xa0 outra, \nque encontrais, licenza para lh\'a apresentar em sua casa. \n\nA boa raz\xc3\xa0o pede que, quando houverdes de apresentar \nurna pessoa a outra, apresenteis sempre a de classe ou \ngraduac\xc3\xa0o inferior \xc3\xa0 de superior. Assim que, o Duque n\xc3\xa0o \nha de ser apresentado ao Marquez, o Par ao Deputado, o \nCoronel ao Major; senao o Marquez ao Duque, o Deputado \nao Par, o Major ao Coronel, etc. \n\nQuanto \xc3\xa0s Senhoras entre si deve seguisse a mesma \nregra; por\xc3\xa9m entre Cavalheiros e Senhoras, deve ter-se \ncorno regra que o Cavalheiro \xc3\xa9 que deve sempre ser-lhes \napresentado, seja qual for a sua classe ou condic\xc3\xa0o. Neste, \ne noutros muitos casos, tenti as senhoras certa primazia \nque o uso autoriza e que a civilidade manda respeitar. \n\nQuando vos convidarem para algum jantar, baile ou \nfesta, nunca leveis em vossa companhia outra pessoa que \nn\xc3\xa0o tenha sido convidada, ainda que estejais persuadidos \nde que a falta de convite procede de esquecimento invo- \nluntario. Era cousa frequente entre n\xc3\xb3-, noutro tempo, \num convidado convidar outro, e at\xc3\xa9 passava corno urna \n\n\n\nVIS1TAS. 145 \n\nespecie de adagio; mas, tendo um dia ura dos taes incivis \ndito ao dono da casa, na occasi\xc3\xa0o de se apresentar coni \nuni amigo que n\xc3\xa0o fora convidado : \xc2\xab Um convidado con- \nvida outro ; \xc2\xbb respondeo-lhe aquelle : \xc2\xab E o dono da casa \npoe dous na rua. \xc2\xbb \n\nN\xc3\xa0o devemos quebrar as relacoes de amizade com nin- \nguem sem termos provas irrecusaveis de ma correspon- \ndencia para comnosco, ou de m\xc3\xa0o procedimento da sua \nparte; mas ent\xc3\xa0o mesmo devemos faz\xc3\xa8l-o com prudencia \ne sem mostrar resentimento nern ma vontade; mostrar- \nlhe-hemos s\xc3\xb3mente certa frieza e menos affecto, e por \nventura indifferenca ; ou mostraremos estar com pressa e \nn\xc3\xa0o termos tempo. Se estivermos resolvidos a romper com \nella inteiramente, usarernos de grande circumspecc\xc3\xa0o e \nobservaremos sempre a mais rigorosa ceremonia. \n\nAs introduce\xc3\xb2es fazem-se muilas vezes por escrito, e no \nartigo das cartas terei occasi\xc3\xa0o de fallar-vos das de recom- \nmendac\xc3\xa0o, a cujo genero pertencem as que para tal firn se \nescrevem. Por agora s\xc3\xb3 vos digo que \xc3\xa9 costume geral- \nmente recebido convidar um dia a jantar a pessoa que vos \n\xc3\xa9 recommenclada, e reunir alguns amigos vossos que pela \nsua posic\xc3\xa0o ou boas qualidades possam ser agradaveis ou \nuteis \xc3\xa0 pessa recemehegada, a quem quereis obsequiar. \n\nAs cartas que sam de pura introducc\xc3\xa0o e recommenda- \ne\xc3\xa0o, sendo d\'um amigo para outro, n\xc3\xa0o se devem entregar \npcssoalmente, mas sim ao guarda-port\xc3\xa0o, ou remett\xc3\xa8l-as \npor um criado, acompanhadas d\'um bilhete de visita coni \na morada por escrito. \n\nSe a pessoa para quem \xc3\xa8 a carta for cavalbeiro n\xc3\xa0o de* \nvera demorar a sua visita ao recemehegado, ante\xc2\xbb se \napressar\xc3\xa0 a ir cumpriment\xc3\xa0l-o e fazer-lhe todos os offere- \ncimentos que estiver disposto a cumprir para com elle. \nmesmo devem praticar as senhoras entre si; mas para \nconi um cavalbeiro n\xc3\xa0o obrar\xc3\xa0o do mesmo modo ; far-lhe- \n\n9 \n\n\n\n146 CODIGO DO BOM TOM. \n\nh\xc3\xa0o um convite por escrito para um jantar, para urna \npartida, etc, e ent\xc3\xa0o lhe far\xc3\xa0o todos os ofrerecimentos que \njulgarem opportuno fazer-lhe. \n\nMeus caros filhos, nunca desprezeis estes conselhos \nsobrc a civilidade e a cortezia. Pode-se unir o respeko \naos usos estabelecidos, e o gosto da polidez com as mais \nsublimes qualidades do corac\xc3\xa0o. \n\nDar-vos-hei corno prova a historia d\'urna princeza bem \nconhecida pelo cuidado com que introduziu os costumes \npolidos na c\xc3\xb3rte, ainda barbara, de seti esposo, dando ella \npropria, numa occurencia, o exemplo da maior dedicac\xc3\xa0o. \n\nA PRINCEZA SVBILLA. \n\nRoberto, cluque de Normandia, fillio de Guilherme o Con- \nquistador, foi ferido com urna setta hervada. Declararam- \nlhe os medicos que morreria se n\xc3\xa0o se mandasse clmpar a \nferida : \xc2\xab Morrerei pois, exclamou, que nunca serei tao \ncruel nem tao injuslo para consentir que alguem se expo- \n\xc2\xabha a morrer por minha causa. \xc2\xbb A princeza Sybiila, sua \nmulher, aproveitou-se da bora em que o enfermo estava \ndormindo, chupou a ferida, e perdeu a vida para salvar a \nde seu marido. \n\n\n\nA PRIXCEZA SIBILLA \n\n\n\nCAPITOLO X \n\n\n\nDA CONVERSAQ\xc3\x80O EM PORTUGUEZ \n\n\n\nPor isso que fostes educaclos em Franca, e conheceis \nmui bem o que La Bruy\xc3\xa8re escreveu \xc3\xa0cerca da sociedade \ne da conversacelo^ recommendo-vos muito que leais com \nattenc\xc3\xa0o o que a esle respeito elle diz na sua obra cha- \nraada Les Caract\xc3\xa8res, obra admiravel, que cont\xc3\xa8m impor- \n(antissimas reflexoes que deve ter sempre diante dos olhos \nquem vive no meio da sociedade. Por\xc3\xa9m corno aquelle \ngrande moralista tratou a materia em grande, entrarei eu \nem algumas particularidades e applicac\xc3\xb2es minuciosas a \neste respeito, e farei por nada esquecer do que constilue a \ncortezia e o bom tom na conversac\xc3\xa0o. \n\nComecarei por urna citac\xc3\xa0o do autor de que acabo de \nvos fallar : \xc2\xab Se fizessemos s\xc3\xa8ria attenc\xc3\xa0o a tudo que se diz \nde insipido, de v\xc3\xa0o e de pueril nas conversac\xc3\xb2es ordina- \nrias, teriamos vergonha de fallar ou d\'ouvir, e talvez nos \ncondemnariamos a um silencio perpetuo que seria cousa \npeior no commercio do mundo que os discursos inuteis. \xc2\xbb \nEst\xc3\xa0 decis\xc3\xa0o de La Bruy\xc3\xa8re consola um pouco a justa \nobservacao que a precede. Ab ! \xc3\xa9 mais que verdade o que \nelle diz : de todas as faculdades que receb\xc3\xa8mos das m\xc3\xa0os \ndo criador, nenbuma ha de que facamos mais m\xc3\xa0o uso \ndo que da de fallar; mas por isso que um silencio abso- \n\n\n\n148 CODIGO DO BOM TOM. \n\nlulo seria coma peior ainda, tratemos de tornar tudo que \nse diz de insipido, de vtio e de paeril, o menos insuppor- \ntavel possivcl. \n\nNao vos recommendarei que vos abstenhais de tudo que \n\xc3\xa9 calumnia, maledicencia, murmuracao, mentir\xc3\xa0, gracas \npesadas, polavras injuriosas, revelac\xc3\xa0o de segredo con- \nf\xc3\xacado, espirito de contradic^\xc3\xa0o, porfias, teimas, remoques, \nchascos, sotaques, gracolas, dichotes, chufas, zornbarias \ne facecias indecentes ou burlescas : faltas sam estas tao \ngrosseiras que, segundo a criag\xc3\xa0o que tendes, espero \nnunca as commettereis. Nao posso coni tudo esconder-vos, \nmeus filhos, que a nossa nac\xc3\xa0o \xc3\xa9 accusada, e coni raz\xc3\xa0o, \nde maldicente e murmur adora de si mesma, contra o \ncostume das outras que todas se gabam e louvam a si; \nd\'onde veiu o dizer Francisco Rodrigues Lobo : \n\n\xc2\xab Ouvir qualquer estrangeiro \n\xc2\xab Fallar de seus naturaes \n\xc2\xab D\xc3\xa0 d\'elles tao bons signacs, \n\xc2\xab Que o nao tem por "verdadeiro. \n\xc2\xab Fallem-Yos n\'un\xc3\xac naturai, \n\xc2\xab Dizeis faltas que nao tem: \n\xc2\xab Mente o outro para beni, \n\xc2\xab N\xc3\xb3s mentimos para mal. \xc2\xbb \n\nS\xc3\xa8de Portuguezes em tudo, menos nisto, nao s\xc3\xb3 porque \n\xc3\xa9 conlra o espirito de caridade, base da boa educac\xc3\xa0o, \nmas porque \xc3\xa9 contra o bom tom, a verdadeira civilidade, \ne mais que tudo porque d\'aqui se podem originar muitos \ndissabores e desgostos. \n\nRecommendo-vos, meus filhos, que observeis de que \ntermos se servem as pessoas beni educadas para exprimir \nseus desejos, sua approvac\xc3\xa0o ou desapprovac\xc3\xa0o, nuraa \npalavra, seus pensamentos de qualquer genero que sejam. \n\nLembrai-vos em primeiro lugar, que a polidez e o uso do \nmundo consiste \xc2\xab em saber esquecer-se de si mesmo, em \n\n\n\nDA CORYERSACAO EM PORTUGUEZ. 1 \xc3\x8c9 \n\nter cuidado nos outros, em aproveitar a occasi\xc3\xa0o de lhes \ndar consideracao ; em lhes testemunhar o desejo de os \nobsequiar, de lhes ser agradavel; em usar para com elles \nde mansid\xc3\xa0o, condescendencia, bons modos, e muita \nattenc\xc3\xa0o; em fazer crer que nos temos em pouca conta, \npor isso que \xc3\xa9 necessario mostrar-nos agradecidos \xc3\xa0s mais \nligeiras attencoes, aos mais ordinarios cumprimentos. \xc2\xbb \nMuito seria para desejar que tivessemos todos estes senti- \nmentos, e o homem que cs possuisse seria o mais polido, \ne por certo o mais amavel; mas a exigencia da sociedade \ncontenta-se com as apparencias de tantas qualidades, e por \nisso \xc3\xa9 inexoravel para com os que as desprezam. \n\nNotai de quantas maneiras se p\xc3\xb3de exprimir o mais \nsimples desejo de obter urna cousa: D\xc3\xa9-me \xc3\xa9 impe- \nrioso, grosseiro; lenita a bondade, faca-me o favor de .., \n\xc3\xa9 um poucomais polido e decente; mas feria V... a bon- \ndade, quereria, poderia V... fazer-me o favor, a merc\xc3\xa9 \nde..., \xc3\xa8 muito mais polido e elegante. Ha neste modo de \nse exprimir urna certa diivida que deixa crer que a cousa \nobtida excitar\xc3\xa0 todo o reconhecimento de quem a pede. \n\nEm francez n\xc3\xa0o digais mirica : Donnez-moi; mas ayezla \nbont\xc3\xa9 de vie donner, voidez-vovs bien avoir la bont\xc3\xa9 de me \ndonner, e ainda melhor, auriez-vous la bont\xc3\xa9, etc. Tambem \npodereis servir-vos das segnintes expressoes : Jev\xc3\xb3us prie, \nje vous supplie, je vous conjure, as quaes annunciali! urna \nespecie de desigualdade, que \xc3\xa9 mui graciosa quando nos \ntemos em conta de inferiores \xc3\xa0quelles com quem fall\xc3\xa0mos. \n\nJ\xc3\xa0 vos disse que nunca deveis usar da expressao dar-me \noprazer, fazer me o gosto, mas sim fazer-me a honra, a \nmerc\xc3\xa9, o que, sendo decoroso para com todas as pessoas a \nquem devemos consideracao e respeito, \xc3\xa9 de rigor para \ncom as senhoras. \n\n\xc3\x80pezar de que ja n\xc3\xa0o vivemos nos tempos da galanta- \nria, e ainda que as da mas nao sejam j\xc3\xa0 ho je escolhidas \n\n\n\n150 C0DIG0 DO BOI TOM. \n\npara cor\xc3\xb3arem os cavalleiros que se distinguiam nos tor- \nneios por seu valor e donaire, todavia recommendo-te, meu \nfillio, que falles sempre \xc3\xa0s senhoras com voz mais branda \nque aos homens, que diante d\'ellas n\xc3\xa0o trates ninguem \npor tu, que n\xc3\xa0o contes nenhum acontecimento desagra- \ndavel, grosseiro, e ainda menos, cruel e sanguinario, nem \nfalles, ainda por allus\xc3\xa0o, em qualquer cousa que offenda \na honestidade e a sensibilidade que sam proprias ao sexo \nfeminino. \n\nmelhor meio, meus filhos, de adquirir o conhecimento \nda boa linguagem e das expressoes escolhidas \xc3\xa9 o tralo \ncom as pessoas instruidas, bem criadas, e que lem uso do \nmundo; nem penseis que basta ser douto e lilterato para \nsaber bem conversar : a sciencia e a lilteratura \xc3\xa9 muitas \nvezes obrigada a abaixar a cabeca diante d\'urna autoridacle \nmuito mais ignorante, mas a cujo despotismo est\xc3\xa0 sujeita \na maneira de fallar; bem sabeis que vos fallo do uso, e n\xc3\xa0o \nignorais o que d\'elle disse Horacio : \n\n\xc2\xab usus, \n\n\xc2\xab Quem pones arbitrium est, et jus et norma loquendi. \xc2\xbb \n\nOutro meio n\xc3\xa0o menos efficaz \xc3\xa9 a lic\xc3\xa0o dos bons autores, \nespecialmente d\'aquelles que trataram malerias sobre que \np\xc3\xb3de versar a conversac\xc3\xa0o. Digo-vos, a respeito de nossos \nbons autores, o que Cicero dizia a respeito dos Gregos, \nf\xc3\xb2lheai-os de noite e de dia (manu versate diurna, versate \nnotturna) e adquirireis insensivelmente grande copia de \nexpressoes bellas, graciosas, delicadas, e tambem chisto- \nsas que por vezes t\xc3\xa8m seu lugar; dareis a vossos pensa- \nmentos aquelle typo nacional, nobre, cavalleiroso que \ndistingue nossos bons escriptores. Lede com frequencia \nnosso immortai Cam\xc3\xb2es, meditai sobre suas reflex\xc3\xb2es e \nmoralidades, e bebereis insensivelmente, involto em for- \n\n\n\nDA CONYERSACAO EM PORTUGUEZ. 151 \n\nmosas palavras, aquelle fino amor da patria de que elle \nestava animaci o quando endereeou ao joven Principe \naquelles lindos e patrioticos versus : \n\n\xc2\xab Yereis amor da patria n\xc3\xa0o movido \n\na De premio v\xc3\xaci ; mas alto e quasi eterno, \n\na Que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 premio vii ser conheeido \n\na Por um preg\xc3\xa0o do ninno meu paterno. \xc2\xbb \n\nLede n\xc3\xa0o menos Yieira, que manejou melhor que nin- \nguem a lingua portugueza : suas cartas sam uni riquissimo \nthesouro de linguagem, que no seu genero rivalizam coni \nas de Cicero e S\xc3\xa9vign\xc3\xa9; diz-se, coni alguma raz\xc3\xa0o, d\'este \nfamoso Jesuita que corrompeu a eloquencia do pulpito, \nou antes se deixou arrastar do m\xc3\xa0o gosto do seu seculo e \nde seus ouvintes, mas que foi o escriptor que fez mais \nservicos \xc3\xa0 lingua materna, e que a elle se deve o ser expur- \ngada das fezes do dialecto castelhano e gallego. Eni seus \nserm\xc3\xb2es achareis muilos pensamentos subtis e alambica- \ndos, e at\xc3\xa9 futeis, mui pouca regularidade conio discursos \noratorios, mas encontrareis muilos pensamentos bellos, \nsublimes, trechos d\'inimitavel eloquencia, e sempre urna \nlinguagem pura, e urna dicc\xc3\xa0o correda, animada e bar- \nmoniosa. Teve este Jesuita tal celebridade que em sua \nrida se traduziram seus serm\xc3\xb2es em italiano e hespanhol, \ne Fr. Philippe fiori es n\xc3\xa0o os lia sen\xc3\xa0o de joelhos 1 . Lede \nHeitor Pinto, Amador Arraes, Lucena, Fern\xc3\xa0o Hendes \nPinto, Jacintho Freire, os dous Bernardes, o elegante Luiz \nde Souza; e n\xc3\xa0o leais s\xc3\xb3mente a Vida do Arcebispo, sen\xc3\xa0o \na Historia de S. Domingos, e ahi achareis bellissima lin- \nguagem, cheia de naturalidade, de singeleza, variadissima \ne tao amena e deleitosa que sempre coni saudades fecha- \nreia o livro. \n\n1 Vej. Meni, de Litt., toni, V, pag. 159. \n\n\n\n152 CODIGO DO BOI TOM. \n\nPor isso que fall\xc3\xa0mos de leitura de livros para formar a \nboa linguagein, soffrei que vosso pai vos diga alguma cousa \n\xc3\xa0cerca dos bons e m\xc3\xa0os livros em quanto \xc3\xa0 subslancia. \n\nOs livros irreligiosos sam, meus filhos, urna calamidade \nque, depois de haver espalhado a consterna^\xc3\xa0o nas pre- \nsentes genera^oes, p\xc3\xb3de acarretar ainda a ruina das vin- \ndouras. A lic\xc3\xa0o dos m\xc3\xa0os livros \xc3\xa9 um suave veneno, que \nurna vez propinado \xc3\xa0 mocidade, impossivel \xc3\xa9 evitar os \nestragos que no decurso do tempo vem a produzir. Por\xc3\xa9m \nos bons livros sam uns mestres mudos que ensinam sem \nfastio, fallam a verdade sem respeito, reprehendem sem \npejo, amigos verdadeiros, conselheiros singelos; e assim \ncorno \xc3\xa0 forca de tratar com pessoas honestas e virtuosas se \nadquirem insensivelmente seus habitos e costumes, tam- \nbem \xc3\xa0 forca de ler os bons livros se aprende a doulrina \nque elles ensinam; forma-se o espirito, nulre-se a alma \ncom os bons pensamentos, e o corag\xc3\xa0o vem por firn a \nexperimentar um prazer tao agradavel, que n\xc3\xa0o ha nada \ncom que se compare, e s\xc3\xb3 o sabe avaliar quem chega a \nter a fortuna de o possuir. \n\nAmai a leitura d\'estes e fugi d\'aquelles corno do aspecto \nda serpente que mala com seu envenenado halito. Mas vol- \ntemos \xc3\xa0 nossa conversac\xc3\xa0o, que \xc3\xa9 materia mui vasta, por \nisso que se p\xc3\xb3de conversar sobre ludo. \n\nTende por suspeitas todas as express\xc3\xb2es e maneiras de \nfallar que se usam nas lojas, entre estudantes (com espe- \ncialidade os academicos), entre militares e marujos, e \nmuito mais as que sam proprias ou attribuidas aos Alfa- \nmistas; n\xc3\xa0o vos fleis tampouco, pelo que pertence \xc3\xa0 lin- \nguagem (e ainda no mais) nos Periodicos, Revistas e No- \nvellas ; sam um manancial de corrupc\xc3\xa0o de gosto, e muitas \nvezes d\'espirito e corac\xc3\xa0o ; e ainda digo mais, n\xc3\xa0o vos f\xc3\xaceis \nsempre num aulor bem conceituado, mas que desce \xc3\xa0 \narena para esgrimir a penna com os novelleiros e follicu- \n\n\n\nDA CONVERSARLO EM PORTl\'Gl\'LZ. 155 \n\nlarios; este \xc3\xa9 mais perigoso, porque sua antoridade nos \nfaz muitas vezes olhar corno de boni tom expressoes quo \ns\xc3\xa9 correr\xc3\xa0 entre arre\xc3\xa8iros e gentalha. Dm conheci eu, e \nat\xc3\xa9 fui ac\xc3\xacmirador de seu talento e erudic\xc3\xa0o, mas de quem \nnao posso approvar a linguagem na maior parte de seus \neserilos, anles a tenho por indigna d\'urna conversac\xc3\xa0o \nenlre gente bem criada. Fallo do ultimo Hacedo, a quem \na posteridade admirara corno grande poeta, maior philo- \nsopho e eximio orador, mas a quem nao perdoar\xc3\xa0 o ter \nempregado a penna coni que escreveu a Existencia de \nDeos, a Meditac\xc3\xa0o e o G\xc3\xac icnk\\ a escrever a Besta esfollada \ne o Poema dos Burros! \n\nTrez sam os defeitos em que muitas vezes cai enlre n\xc3\xb3s \na conversac\xc3\xa0o; quero signalar-vo-los, para que os eviteis : \nsam os equivocos e jogos de palavras, as express\xc3\xb2es t ri - \nv\'aes. e \xc3\xa0s vezes baixas, o tom enfatico e pedantesco. \n\n\xc3\x80 conversac\xc3\xa0o deve ser clara, simples e naturai ; deve-se \nevitar tudo o que for obscuro, confuso, embru\xc3\xachado e \nenigmatico, que sendo defeitos de loda a eomposic\xc3\xa0o lit- \nteraria o sam ainda mais da conversac\xc3\xa0o. Os jogos de \npalavras, a que os Francezes chainam calembourgs, lem \nsua graca na lingua d\'elles, assim mesmo s\xc3\xb3 sam bem \nrecebidos quando vera de pessoa que tem conhecida graca, \ne nao muito amiudados; por\xc3\xa9m na nossa lingua raramente \nlem a graca e o chiste francez; temos \xc3\xa9 verdade os \nanexins que n\xc3\xa0o deixam de ser engracados, e dam a lingua \num caracter particular, mas \xc3\xa9 necessario usar d\'elles coni \nparcimonia, e nunca subrecarregar a conversac\xc3\xa0o ou qual- \nquer escrito d\'equi vocos e anexins. Quem soffreria boje \num fallador ou escrevinhador que, fazendo a descripc\xc3\xa0o \ndas flores, dissesse : \n\n(( Tocou a campainha a a j untar na capell\xc3\xa0 as flores : \nvinha o Gravo \xc3\xa0 gineta por capit\xc3\xa0o coni esporas, ainda que \na p\xc3\xa9, que nunca deixou de ser cavalleiro, lodo almisca- \n\no. \n\n\n\n154 CODIGO DO BOM TOM. \n\nrado, incendendo em fumos de f\xc3\xacdalguia; e ao mesmo \npasso, que se vio no lerreiro coni bengala, lancou os olhos \npara a Rosa, significando-lhe seu amor perfetto em as \nperpetuas saudades de sua ausencia, e encarecendo-lhe \nmaravilhas de seus martyrios em andar de rama em rama \nem suas pretencoes, senlindo delirios erri desmaios. \xc3\x80 \nRosa com airosos melindres se lhe fez urna de urna face, \ne outra da outra, tanto que lhe cheirou servindo o seu \ngalan, ficou corno urna alcachofa reverdecida; mas por \nnao se picar de namorada, fez galla d\'estar em folha, \nconservando-se em fior. Elle, que o seu intento era ver o \nfructo de suas esperancas, por ver de mais perto se a \nprendia. quiz ostentar suas prendas, e pegou d\'urna viola \npara dar-lhe um descante. Ao som do Gravo se disparou \nurna cravina, lalvez da m\xc3\xa0o d\'uni malmequer ; ao tiro \ndesmaiou a Rosa, e se fez branca corno urna acucena. \ncravo, com\xc3\xb2 urna papoula, quando se presumia fior de \ndefuntoS) pega em urna espadana, e comeca a acutillar \nquantos lhe fica vaili mais a tallio de fonc\xc3\xa9, com tal des- \ntreza que cegava, e ainda hoje se gaba o seu valor. A \nmuitas flores deixou os p\xc3\xa9s, a outras fez despejar com \nbello despejo o beco do jardim, e ao travador da pen- \ndencia quebrou os olhos de maneira, que n\xc3\xa0o f\xc3\xaccaram seus \ninimigos mui alegretes. \xc2\xbb \n\nQuem entender\xc3\xa0 um tal palavreado? Estais admirados, \nmeus filhos, porque nunca tal ouvistes ; pois sabei que \nhouve um autor nosso, alias estimado, D. Francisco Ma- \nnoel, que teve o pessimo goslo de o escrever, e o que \nmais \xc3\xa9, houve outro tambem de merecimento, Jo\xc3\xa0o Batista \nde Castro, que teve o depravado gosto de o transcrever na \nsua Hora de Recreio, corno modelo de descripc\xc3\xa0o e proso- \npopeya! Que recreio p\xc3\xb3de haver em ler ou ouvir taes \ndislates?! Mas houve tempo em que se gostava d\'estes \ntrocadilhos e algaravias, e d\'aqui podeis julgar qual era o \n\n\n\nDA CONVERSACAO EM PORTUGl\'EZ. 455 \n\ntoni e o estylo da conversac\xc3\xa0o entre n\xc3\xb3s no proximo pas- \nsado seculo. \n\nsegundo defeito, e n\xc3\xa0o menor, \xc3\xa9 o das palavras tri- \nviaes e baixas. Deixai, meus filhos, ao vulgo e \xc3\xa0 gentalha \nque frequenta as tavernas e os acougues esse vocabulario, \nassaz rico entre n\xc3\xb3s, e nunca vos s\xc3\xa0iam da boca as pala- \nvras e express\xc3\xb2es usadas por lacaios e arre\xc3\xa8iros. Para vos \ncitar urna autoridade, infallivel era materia de linguagem, \nque vos confinile no que vos digo, quero-vos repetir o \nmodo corno se esprimili o P\xc2\xb0 Vieira tendo de fallar de \nBurrho, posto que nome proprio, e de pedra iman, que o \nvulgo chama pedra de cenar, cujos nomes elle n\xc3\xa0o queria \npronunciar por ser um baixo e o outro vidgar; disse fal- \nlando do primeiro : \xc2\xab Pois homem, ou animai (que te n\xc3\xa0o \nquero chamar com o nome proprio por nao parecer que o \nfoco appellativo); \xc2\xbb e do segundo : \xc2\xab Magnete, ou calanuta, \nou pedra iman (que n\xc3\xa0o ceibe na boca o nome do nosso \nvulgo 1 ). \xc2\xbb Eis aqui um boni modelo para seguirdes. Oxal\xc3\xa0 \nque 05 modernos escriptores o tivessem imitado, especial- \nmente J. B. de Castro na sua Uova de Recreio, e n\xc3\xa0o nos \ndeixaria urna collecc\xc3\xa0o d\'anecdolas, pela maior parte in- \nsulsas, ein que o clespejo, a grossaria, a trivialidade e a \nbaixeza das express\xc3\xb2es se disputarci a primazia. \n\nVem aqui a proposito dizer-vos alguma cousa dos rif\xc3\xa0os, \ndictados ou proverbios, que pertencem \xc3\xa0 linguagem vulgar \ne as vezes \xc3\xa0 trivial. Devo dizer-vos, meus filhos, que cu \nrespeito muito eslas sentencas populares, filbas da expe- \nriencia ou do juizo s\xc3\xa0o de nossos maiores, a que com \nraz\xc3\xa0o cham\xc3\xa0mos evangelhos pequenos : tenho para mini \nque \xc3\xa9 a unica sabedoria ulil que p\xc3\xb3de ter a plebe; acho \nnelles mais philosophia e doutrina que em muitos livros \nque andam nas m\xc3\xa0os dos semidoulos, por\xc3\xa9m, sou obrigado \n\n1 Vieira Abrcv., toni. I, pag. 22 c G\xc3\x8c. \n\n\n\n150 CODIGO DO BOM TOM. \n\na dizer-vos, que nao \xc3\xa9 de borri tom cit\xc3\xa0l-os a cada instante, \ne que de modo nenhum devem entrar na conversac\xc3\xa0o os \nque sani enunciados coni expressoes grosseiras ou bur- \nlescas; quando vos houverdes de servir d\'algum, escolhei \naquelle que seja mais delicado e gracioso, ou empregado \npor autor de bom cunho. Assim por exemplo em lugar de \ndizer com o vulgo : Untar as m\xc3\xa0os, untar o carro, para \ndizer, que \xc3\xa9 necessario dar para obter, dizei : Dadivas \nquebrantam penhas, ou quem d\xc3\xa0 parece-se com Deos, quem \nd\xc3\xa0 \xc3\xa8 tio. Em vez de dizer \xc3\xa0 hespanhola : Quien todo lo \nqaiere todo lo pierde, dizei com Vieira : Quem quer mais \ndo que Die conv\xc3\xa9m perde o que quer e o que tem; em lugar \nd\'outro proverbio castelhano, que se diz com frequencia : \nContra el cielo no hay manos, dizei com Camoes : Cantra \no c\xc3\xa9o ndo vale da gente manha ; em vez do ditado d\'ori- \ngem franceza : Gato escaldado d\'agita friatem medo (chat \n\xc3\xa9chaud\xc3\xa9 craint Feau froide), dizei com El-Rei DomDuarte : \nAve escarmentada o lago receia; em lugar de dizer com \no vulgo : C\xc3\xa0 e l\xc3\xa0 mas fadas ha, direis melhor com Sa de \nMiranda : \n\n\xc2\xab A conta saio-m e ina, \n\xc2\xab Mas fadas ha c\xc3\xa0 e l\xc3\xa0. \xc2\xbb \n\nRecommendo -vos mais que tenhais muito cuidado na in- \ntelligencia e applicacao de muitos adagios, que andando \nna boca do vulgo facilmente se lem alterado. Mais d\'urna \nvez ouvi e li este ditado : Nadar, nadar e ir morrer \xc3\xa0 \nbeira, que quer dizer, luctar para evitar um perigo, e \nsuccumbir quando se est\xc3\xa0 para escapar d\'elle, o que melhor \nse entende no equivalente francez faire naufrage au porf, \nalterado e desf\xc3\xacgurado d\'oste modo: Andar, andar, e ir \nmorrer a Beira, fazendo applicacao \xc3\xa0 bondade d\'aquella \nprovincia, que devia ser preferida \xc3\xa0s outras para passar o \n\n\n\nDA CONVERSAQAO EM PORTUGUEZ. ibi \n\nultimo quartel da vida; distincc\xc3\xa0o que de certo n\xc3\xa0o ine- \nrece, porque est\xc3\xa0 milito longe de ser para os Portuguezes \no que\xc3\xa9 Napoles para os Italianos, que dizem com raz\xc3\xa0o : \nVedere Napoli e poi morire : \n\na Napoles ver, \na Depois raorrer. \xc2\xbb \n\nA cada passo ouco citar est\'outro proverbio : Caridade \nbem ordenada comeca por n\xc3\xb3s mesmos, interamente em \nfavor do egoismo, de quem se tornou maxima favorita, \nsendo que o seu verdadeiro sentido \xc3\xa9 este : Antes de que- \nTermos morigerar os outros e impor-lhes leis^ \xc3\xa8 mister \nmorigerar-nos e impormos leis a n\xc3\xb3s mesmos. Espero, \nmeus f\xc3\xaclhos, que n\xc3\xa0o caireis em nenhum d\'estes erros : \no primeiro prova ignorancia da lingua; o segundo delata \num corac\xc3\xa0o pouco conforme ao espirito do Evangelho. \n\nterceiro defeito que baveis de evitar na conversac\xc3\xa0o \n\xc3\xa9 o tom emphatico e pedantesco. Nada ha mais enfadonho \ne insupportavel do que ver um homem que se erige em \ndoutor numa sociedade, e que falla com ar sentencioso, e \nquer que todos o tenham por oraculo. Quantas vezes vi eu, \ne ouvi com bem custo e desprazer meu, d\'estes fatuos \nsabedores que n\xc3\xa0o deixavam fallar ninguem? Umas vezes \nera um velho de cabelleira, enfunado de f\xc3\xacdalgo, fallando \nex cat\xc3\xaciedra de sua genealogia, e da dos seus parentes, \nn\xc3\xa0o achando bom sen\xc3\xa0o o que era quinhentista, e despre- \nzando todos os que n\xc3\xa0o sabiarn quantos av\xc3\xb2s tinha a casa \nd\'Obidos ou a de Marialva; outras, era um Desembargador \nempoado regulando tudo pela Ordenac\xc3\xa0o do Reino, e pelo \nPegas e Lob\xc3\xa0o, dando senlencas sobre litteratura e scien- \ncias corno se julg\xc3\xa0 r a um r\xc3\xa8o pelo livro quinto do Codigo \nPhilippino; ora, era um W P e M e , sabio em Theologia mas \nque nas cousas do mando pouco aeertava, que reduzia todas \n\n\n\ni;,8 C0D1G0 DO BUM TOM. \n\nas quesl\xc3\xb2es a casos de consciencia, e com os atquis e ergos \nresolvia tudo pelo Larraga ou Salmaticenses ; ora, era um \nbacharel, mais presumido que o de Salamanca, que aturdia \nos ouvidos a todos com os palavroes modernos e afrance- \nzados, e fcinha em nenhuma conia os que n\xc3\xa0o enlendiam o \nseu vocabulario que era recheiado de activar, affares, \naffroso, alarma, arricado, barricada, bello espirito, berti \namado, boa-manh\xc3\xa0, bonomia, carnagem, chefe d\'obra, \ncomplacente, conveniencias, coquette, des\xc3\xa9r, desgostante, \ndeshabilhado, embelezante, entamado, entrave, espiritos \nfortes, faccionario, farpante, galimatias, golpe de vista, \ngrande mundo, grimacas, languir, laxo, montar em colera, \nmorder a terra, em neglig\xc3\xa9, nnancas, rcmarcauel, rendez- \nvous, ressorte, sentimental, treni de vida, esfar sobre as \nsuas gaardas, ter logar, e d\'outros muitos d\'este jaez com \nque n\xc3\xa0o quero enfastiar-vos; tambem, por meus peceados, \nti ve algumao vezes que soffrer um Sebastianista acerrimo, \nque n\xc3\xa0o cortava as barbas \xc3\xa0 espera do seu Homem, que \ntrazia sempre n\'algibeira o cai tapacio das propbecias do \nBandarra e do pretinbo do Jap\xc3\xa0o, mais encebado que um \nbreviario de Frade Capucho, que elle sabia melhor que o \nEvange\xc3\xacho, que apresentava aos duvidosos, e que em \nultimo caso lancaria \xc3\xa0 cara d\'algum incredulo, que ou- \nsasse por em duvida a vinda proxima de seu rei mima \nmanha de nevoa. N\xc3\xa0o preciso dizer-vos, meus f\xc3\xaclhos, que \nn\xc3\xa0o imiteis similbantes personagens, nem na materia nem \nna f\xc3\xb3rma de sua conversac\xc3\xa0o; fostes educados d\'outro \nmodo que elles, lestes oulros livros elementares, tivestes \nmelbores mestres; estou certo que nunca dareis um tal \nespectaculo; citei-vos esles exemplos para vos prevenir, e \npara dizer-vos que se tiv^rdes a desgraca d\'encontrar em \ncasas particulares, ou em qualquer outra reuni\xc3\xa0o, falla- \ndores e pedanles d\'est\xc3\xa0 estofa (hoje dcvem ser maisraros), \narmai-vos de pacie-ncia, deixai-os fallar, e desapprovai com \n\n\n\nDA CONVERSALO EM PORTUGUEZ. 159 \n\no silencio o que n\xc3\xa0o podeis condemnar com o discurso; \ntende compaix\xc3\xa0o de muilos d\'elles que devem esses m\xc3\xa0os \nhabitos e id\xc3\xa9as erroneas a ma educac\xc3\xa0o, antes direi, \nnenhuma educac\xc3\xa0o, que liveram. Que podeis v\xc3\xb3s esperar \nde gente que aprendeu a ler pela Cartilha do Mestre Igna- \ncio, e lhe ensinavam a dizer A arvore, B besta, leu depois \nCarlos Magno, e mais Iarde o Lunario perpetuo? cuja \ninstruccao religiosa n\xc3\xa0o vai al\xc3\xa9m do Flos sanctorum e da \nMijstica diade de Deos, e quando multo do Combat e espi- \nritual e das Revelac\xc3\xb3es de Santa Brigida? e cuja litlera- \ntura n\xc3\xa0o tem mais largos horizontes que a Bora de Re- \ncreio, o Doutor Supico, e quando milito a Academia dos \nHumildes e Ignorantes, e por desfastio as Bernardices do \nDoutor Nada lhe escapa?... Tende compaixao, repito, \nd\'estas pessoas, as vezes mui bonestas, mui virtuosas, e \ncstimaveis a differentes respeitos; buscai traz\xc3\xa8l-as ao boni \ntom da gente bem educada, mas n\xc3\xa0o vos facais censores \nseveros e importunos ; usai de brandura, cnconfrareis do- \ncilidade, e quasi sempre um corae\xc3\xa0o nobre e sincero, que \npor estas terras difficilmente se encontra. \n\nTu, meu f\xc3\xacllio, ainda que tenhas adquirido grande ca- \nbedal de conbecimentos, nunca falles na conversac\xc3\xa0o com \nar imperioso e magistral, mas sim com suavidade e mo- \ndestia. Lembra-te de tudo quanto te disse quando fallei das \nPartidas (Yej. pag. 80). tom sentendolo tampouco fica \nbem a um mancebo de poucos aunos ainda que seja cor- \ndato, em quem se n\xc3\xa0o suppoe juizo maduro, e larga expe- \nriencia; por\xc3\xa9m corno est\xc3\xa0 \xc3\xa9 molestia que se vai curando \ntodos os dias, podes, quando venlia a proposito, citar \nalgum dos muitos pensamentos delicados e sentenciosos \nque tens lido em nossos bons autores, e de que eu te \naconselhei fizesses urna escollia, para leres a miudo e \nformares o bom gosto. \n\nAssim que, fallando de nosso corac\xc3\xa0o que sempre nos \xc3\xa9 \n\n\n\n160 CODIGO DO BOI TOM. \n\nfiel, e corno que nos adverte do mal que nos ameaca, podes \nmuito bem citar o verso de Camoes : \n\n\xc2\xab Que o corag\xc3\xa0o presago nunca mente. \xc2\xbb \n\nFallando d\'um homem m\xc3\xa0o, e querendo dizer que \xc3\xa9 ro- \nccioso e desconf\xc3\xacado, e supp\xc3\xb2e que os oulros sarn corno \nelle, em lugar de citares o rif\xc3\xa0o grosseiro, cuida o Iacinto \nque todos o savi, dize o que o nosso poeta disse dos Mouros \nde Mombaca : \n\n\xc2\xab Que onde reina a malicia est\xc3\xa0 o reccio \n\xc2\xab Que a faz imaginar no peito alheio. \xc2\xbb \n\nSe quizeres dizer que o homem, que ama sincerameli! e a \nsua patria, redobra de patriotismo quando ella esl\xc3\xa0 mais \nameacada, podes cervir-te da f\xc3\xb3rma que empregou um \nautor moderno de bom cunho (Alex. Lobo) : \n\n\xc2\xab \xc3\x80nimos primorosos afinam em patriotismo, quando \nsani maiores os males da patria. \xc2\xbb \n\nSe quizeres dizer que nao sam os annos que distinguerci \no homem, sen\xc3\xa0o as illustres acc\xc3\xb2es e os sabios discursos, \npodes repetir o que disse Ferreira: \n\n\xc2\xab jNao lazem annos cento \n\xc2\xab Mas o alto feito ou dito \n\xc2\xab Um homem de mil liomens differente. \xc2\xbb \n\nQuando se fallar da maldade, e alguem disser que ella \n\xc3\xb2 inimiga da sabedoria, podes citar o dilo de Lucena. \n\n\xc2\xab A sabedoria n\xc3\xa0o entra nem cabe na mesma ahna com \na maldade. \xc2\xbb \n\nSe quizeres dizer que o homem de verdadeiro meivci- \nmento n\xc3\xa0o teme a inveja, podes servir-te do bello pensa- \nmento de Camoes : \n\n\xc2\xab Que nunca tirar\xc3\xa0 alheia inveja \n\n\xc2\xab bem ({ue oulrem merece, e o C\xc3\xa9o deseja. \xc2\xbb \n\n\n\nDA CONVERSALO Eli PORTTGUEZ. 101 \n\nSe houveres de louvar uni homem valente por ter sido \ngeneroso para eom seu inimigo mais fraco do que elle, \ndir\xc3\xa0s milito a proposito com o mesmo poeta : \n\na . e com raz\xc3\xa0o; \n\n\xc2\xab Que \xc3\xa9 fraqueza entre ovelhas ser leao. d \n\nPara elogiares a antiga lealdade portugueza, e para au- \ntorizares a santidade do juramento, nenhum facto da nossa \nhistoria \xc3\xa9 mais importante que o de Nuno Goncalves ca- \npit\xc3\xa0o do castello de Faria, e nenhum dito p\xc3\xb2de ser mais, \napropriado do que o que nosso Corte-Real p\xc3\xb3z na boca \nd\'aquelle virtuoso pai, quando disse ao fillio : \n\na Estai Arme, constante, estai seguro ; \n\xc2\xab Que menos \xc3\xa9 morrer que ser perjuro. \xc2\xbb \n\nSe se fallar dum general, que por cobardia deixou en- \nfraquecer o exercito, podes mui beni applicar-lhe o sabio \ndito de Camoes : \n\nTER>AC\xc3\x80O EM FRANCEZ. 185 \n\nna frente da civilisae\xc3\xa0o, que s\xc3\xa9 evi Franca ha boa educa- \ncelo, que em nenhumpaiz da Europa ha um systema d\'in- \nsti ucei\xc3\xaco secundaria corno em Franca, que s\xc3\xb3 em Franca \nha reiigido bem entendida, que o Clero das outras nac\xc3\xb2es \nn\xc3\xa0o lem decencia, nem gravidade, nem maneiras sacerdo- \ntaes; que seus exercitos de mar e terra sani invenciveis, \ne que se d manh\xc3\xa0 houvesse urna guerra, em menos de seis \nmezes tremolariam as listas tricolores sobre os inuros de \nVienna. Berlini, Moscou, eat\xc3\xa9 no centro da s\xc3\xb3berba Al- \nl\xc3\xb9do; ouvireis dizer coni milita frequencia : Il r\xc3\xacy a que la \nFrance... Tambem achareis alguns menos cortezes, que \nvenham dizer-vos : Quest-ce que le Portugal? Ce nest rien \ndu tout ; c \'est cornine un d\xc3\xa9partement de la France. Dehai-os \nfallar, meus filhos : um silencio indifferente deve ser toda \nvessa resposta ; se por\xc3\xa8m insistirem comvosco sobre a pe- \nquenez de Portugal, a unica resposta que vos permitto que \ndeis \xc3\xa9 est\xc3\xa0, a Se somos pequenos, tanto maior \xc3\xa9 a nossa \ngloria, porque em menos tempo nenhuma nac\xc3\xa0o, antiga \nnem moderna, fez tao grandes cousas corno os Portu- \nguezes; \xc2\xbb e citai-lhes as palavras de Voltaire, que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 \nsuspeito, o qual, fallando de nossas expedic\xc3\xb2es maritimas, \ndisse : \xc2\xab Xous prononcons encore avec une admiration res- \npeclueuse les noms des Argonautes, qui Areni cent fois \nmoins que les matelots de Gama et d\'Albuqiierque. \xc2\xbb [Cit\xc3\xa9 \npar )I. Milli\xc3\xa9 dans la note 6 e du \xc3\x80\' e chant des Lusiades). \nSe n\xc3\xa0o se con leni arem coni est\xc3\xa0 resposta, e continuarem a \nchasquear sobre a nossa patria, dizei-lhes coni muita pla- \ncidez eurbanidade : \xc2\xab ilessieurs, vous \xc3\xa8tes chez vous, vous \npouvez dire tout ce que vous voudrez; je suis force ile \nbaisser pavillon; mais je puis vous assurer qiraucun \nliomme bien \xc3\xa9lev\xc3\xa9, en Portugal, ne se permettrail jamais \nde ] arler de la sorte devant des Franoais au sujet de leur \npays. \xc2\xbb E mudai logo de conversa, seni admittir a menor \ndiscussilo. P\xc3\xb3de tambem acontecer que vos fallem das \n\n\n\n180 CODIGO DO BOI TOM. \n\nviagens dos Normandos na costa d\'Africa occidental, e que \nvos digam que aquelles navegadores for\xc3\xa0o l\xc3\xa0 no XIV se- \nculo, isto \xc3\xa9 cem arinos antes que os nossos. Como islo \xc3\xa9 \nurna quest\xc3\xa0o litleraria, podeis dizer-lhes com toda a se- \nguranca que isso \xc3\xa9 urna fabula inventada por Villaut de \nBellefond, viajante francez do XVII seculo, e resuscitada \npor alguns modernos, com\xc3\xb2 sabia e eruditamente mostrou \num litterato nosso, mas de reputacao europ\xc3\xa8a, n\'uma obra \nque tem por titulo : Recherei! es sur la priorit\xc3\xa0 de la d\xc3\xa9con- \nverte des pays sit\xc3\xb9\xc3\xa9s sur la c\xc3\xb2te occidentale d\'Afrique, etc, \npar M. le vicomte de Santarem; e podeis accrescentar \nque ha mais de quatro annos que o nosso sabio e patriotico \ndefensor est\xc3\xa0 em campo contra poderosos aniagonistas, e \nalguns sustentados pelo governo Francez, mas que ale \nagora nenhum se atreveu a refut\xc3\xa0l-o : \xc3\xa9 causa julgada no \ntribunal de todos os sabios da Europa. Aconselhai-os que \nleiam a obra antes de quererem fallar sobre a materia, e \nnao entreis em nenhuma discuss\xc3\xa0o sem que primeiro o \ntenham feito. \n\nE muifo provavel que alguma vez fallem de nossa li t ta- \nratura, isto \xc3\xa9 de nosso Cam\xc3\xb2es, que \xc3\xa9 a unica cousa que \nconhecem; deveis vos mostrar agradecidos, se elles falla- \nrem em abono do poema ; a critica ignorante e malevola \nde Voltaire, \xc3\xa0cerca de nosso poeta, cani ha muito em des- \nprezo, e \xc3\xa9 necessario fazer justica aos ullimos traductores, \nque, se nem sempre aceri aram na intelligencia d\'algumos \npassagens diff\xc3\xacceis, todos t\xc3\xa8m mostrado grande affeic\xc3\xa0o, e \nat\xc3\xa9 enthusiasmo pelo cantor dos Lusiadas. Se elles citarem \nalgumas passagens, e mostrarem interesse pelo contendo \ndo poema, apressai-vos em lhes dar todos os esclarecimen- \ntos possiveis, m\xc3\xb3rmente pelo que pertence a lingua, \xc3\xa0s \nallus\xc3\xb2es historicas, geographicas, e mythologicas, e aos \neuphemismos de que est\xc3\xa0 cheio, e que eu vos tenho ex- \nplicado n\'estes ultimos tempos; e nao vos admireis qne \n\n\n\nDA COSVERSAgAO EM FKAKCEZ. 187 \n\nestrangeiros n\xc3\xa0o entendam muitas passagens quando ha \nnacionaes que ignoram as cousas mais claras e obvias, que \nn\'aquella admiravel composic\xc3\xa0o se encontram. \xc3\x80s notas \nda ultima edic\xc3\xa0o de M. Milli\xc3\xa9, que muito bem conheceis, \ndevem ser-vos de muita utilidade, referi-vos sempre a \nellas, porque sobre sereni feitas coni goslo e inteiligencia, \nsam d\'um litterato francez e por isso agradam mais ao seu \npaladar. Se alguem encontrardes, que vos falle contra Ca- \nm\xc3\xb2es, e vos diga que em seu poema n\xc3\xa0o ha invenc\xc3\xa0o, que \nfez urna mistura monstruosa dos heroes da fabula com os \nda religi\xc3\xa0o, dizei-lhe em primeiro \xc3\xacugar que se em Franca \nse n\xc3\xa0o aprecia ass\xc3\xa0s Cam\xc3\xb2es \xc3\xa9 porque n\xc3\xa0o ha urna boa \ntraducc\xc3\xa0o : a de M. Milli\xc3\xa9 \xc3\xa9 elegante corno composic\xc3\xa0o \nfranceza, mas \xc3\xa9 demasiadamente livre e por vezes infiel; \na de MM. Ortaire Fournier et Desaules, \xc3\xa9 muito chegada \xc3\xa0 \nlettra, n\xc3\xa0o tem animac\xc3\xa0o nem poesia em francez, e tem \nalguns erros imperdoaveis. Citai-lhe os seguintes. Aquelles \ndous magnificos versos da estancia 25 a do canto II. \n\n\xc2\xab A celeuma medonha se alevanta \n\n\xc2\xab No rudo marinheiro que trabalha \\ \xc2\xbb \n\nSam traduzidos d\'este modo : \n\n\xc2\xab La col\xc3\xa8re orageuse gronde panni les matelots qui se \nfatiguent en vain. \xc2\xbb \n\nV\xc3\xa8-se claramente que n\xc3\xa0o entenderam a palavra celeuma, \na qual nunca significou col\xc3\xa8re, mas significa cri ou diavi \ndes matelots pendant la manceuvre, e n\xc3\xa0o abriram o Dic- \ncionario da lingua, pois se o tivessem abrido n\xc3\xa0o cairiam \nno disparate de dizer qui se fatiguent en vain. Os versos \n6\xc2\xb0 e 7\xc2\xb0 do mesmo canto : \n\n\xc2\xab, Manda-lhe mais lanigeros carneiros, \n\xc2\xab E gallinlios domesticas cevadas ; \xc2\xbb \n\n\n\n188 CODIGO DO BOM TOM, \n\nSani Iraduzidos (Teste modo : \n\n\xc2\xab Il leur fait porter en outre des moutons \xc3\xa0 loison \n\xc3\xa9paisse, des volatiles domestiques nourries avec de l\'orge. \xc2\xbb \n\nTomaram sem ceremonia o adjectivo cevadas, que \xc3\xa9 \nparticipio de cevar, e significa engraisser, pelo substantivo \ncevada, sem reflectirem que segundo a sua maneira de \nentender deveria a traducc\xc3\xa0o litteral ser est\xc3\xa0, poules do- \nmestiques orges!! Que ignorancia! Diz o poeta, fallando \ndo conde dom Henri que, que suppunha vindo da Hungria, \n\n\xc2\xab forte, o famoso Hungaro estremado. \xc2\xbb \n\nE aquelles senhores n\xc3\xa0o tiveram pejo de traduzir : \n\n\xc2\xab L\'illustre et courageux hongrois, faible et d\xc3\xa9bile alors. \xc2\xbb \nCertamente n\xc3\xa0o sabiam o que quer dizer a palavra estre- \nmado; se tivessem consultado o diccionario achariam que \nsignifica excellent, par fait-, e onde foram buscar faible et \nd\xc3\xa9bile? n\xc3\xa0o bastava um epitheto de fraqueza, eram neces- \nsarios dous? \n\nCom taes traduccoes corno se poder\xc3\xa0 bem apreciar um \npoeta estrangeiro? \n\nTambem Ihe podeis dizer que o ultimo traduclor, que poz \nem verso francez os Lusiadas, disse em minha presenta e \nde alguns litteratos, a quem convid\xc3\xa0ra para assistirem a \nurna leitura de sua composic\xc3\xa0o poetica : Messieurs,je dois \nvons avouer que je ne connais pas le portuguais! \n\nA respeito de n\xc3\xa0o haver invenc\xc3\xa0o nos Lusiadas, dizei \nque \xc3\xa9 verdade que o poeta imitou muito dos antigos, mas \nque as suas imitac\xc3\xb2es sam t\xc3\xa0o bellas e com tanta arte es- \ncondidas debaixo das f\xc3\xb3rmas nacionaes que elle \xc3\xa9 para n\xc3\xb3s \no nosso Homero pela naturalidade, e o nosso Virgilio pela \nformosura, riqueza e harmonia da express\xc3\xa0o. Mas podeis \nsustentar que elle inv.erttou muita cousa : de quem copiou \nCam\xc3\xb2es o sonho em que o Indo e o Ganges apparecem a \n\n\n\nDA CONVERSALO EH FRAKCEZ. U-9 \n\nD. Manoel para o avisarem que mande receber seus tri- \nbulos, fallanclc-lhe n\'esta admiravel linguagem? \n\n\xc2\xab tu, a cujos reinos e cor\xc3\xb2a \n\n\xc2\xab Grande parte do mundo est\xc3\xa0 guardada, \n\n\xc2\xab >"\xc3\xb3s outros, cuja fama tanto v\xc3\xb3a, \n\n\xc2\xab Cuja cerviz bem nunca foi domada, \n\n\xc2\xab Te avisamos que he tempo que j\xc3\xa0 mand.es \n\na A receber de n\xc3\xb3s tributos grandes. \xc2\xbb \n\nD\'onde tirou o poeta, sen\xc3\xa0o de sua fecundissima imagi - \nnac\xc3\xa0o, aquelle bellissimo episodio do velho que ao partir \na frota de Bel\xc3\xa8m rompe em exclamac\xc3\xb2es contra a colica \ne vaidade da fama? (Vej. as est. 94 e seguintes at\xc3\xa9 o firn \ndo Canto IV.) \n\noutro episodio do Gigante Adamastor cont\xc3\xa8m um pen- \nsamento tao novo, tao magnifico, e tao sublime que M.Milli \xc3\xa8 \ndiz que \xc3\xa9 a maior altura a que p\xc3\xb3de elevar-se a epop\xc3\xa8a. \n\nterceiro e o quarto Canto sam interamente de Cam\xc3\xb2es : \no poeta est\xc3\xa0 entregue a si mesmo, marcha sem o auxilio \nordinario da Mythologia, sem outros recursos mais do que \nseu grande talento e seu nobre corac\xc3\xa0o porluguez : citai- \nlhe as palavras de M. Milli\xc3\xa9. \xc2\xab Ajoutons (diz elle) que ces \nbeaut\xc3\xa9s, doni il (Cam\xc3\xb2es) ne trouve point de mod\xc3\xa8les chez \nles anciens, lui appartiennent lout enti\xc3\xa8res ; que dans le \n1V P rhant, cornine dans le Ul e , il marche sans le secours \nordinatre de la mythologie, et soutenu par la seule force \nde son talent; et qu\'enf\xc3\xacn le m\xc3\xa9rite de l\'ex\xc3\xa9cution ne le \nc\xc3\xa8de point \xc3\xa0 celui de L\'invention. \xc2\xbb (Vej. Milli\xc3\xa9, \xc3\xa8dit. \nde 1841, p. 158.) \n\nPelo que pertence \xc3\xa0 mistura que o poeta fez da fabula \ncom a religi\xc3\xa0o christ\xc3\xa0, deveis dizer que os criticos portu- \nguezes estam longe de approvar urna tal licenca, antcs \ntalvez t\xc3\xa8m sido severos de mais para coni seu contenaneo; \nmas que \xc3\xa9 necessario absolv\xc3\xa8l-o porque, n\xc3\xa0o podendo ser- \nvisse da magia (por causa da Inquisito), corno fez o \n\nil. \n\n\n\n190 CODIGO DO BOM TOM. \n\nTasso, era mister recorrer a Mythologia; que est\xc3\xa0 \xc3\xa9 a opi- \nni\xc3\xa0o de Boileau, de M. Milli\xc3\xa9 e M. Magnili, e que em firn \no proprio Cam\xc3\xb2es se justifica d\'urna maneira engenhosa e \ndelicada, quando faz dizer a Venus : \n\na\xc2\xbb.,, Porque eu, Saturno e Jano, \n\xc2\xab Jupiter, Juno, fomos fabulosos, \n\xc2\xab Fingidos de mortai e cego engano : \n\xc2\xab S\xc3\xb3 para iazer versos deleitosos \n\xc2\xab Serviraos ; \xc2\xbb \n\nE podeis citar a traducc\xc3\xa0o de Milli\xc3\xa9 que \xc3\xa9 mais concisa \nque o originai : \n\n(( Jupiter et Junon, Saturile et Janus et moi-m\xc3\xa8me, nous \nne sommes que des divinit\xc3\xa9s fantastiques invent\xc3\xa9es par les \npo\xc3\xa8tes. )) \n\nDizei-lhe em summa, que se o nosso grande epico foi \ncriticado, est\xc3\xa0 \xc3\xa9 a sorte de todos os grandes poetas, e que \nse o seu poema n\xc3\xa0o \xc3\xa9 perfeito, essa \xc3\xa9 a condic\xc3\xa0o do ho- \nmera de nada fazer que seja izento de todo o defeito. \nApontam-se defeitos na Illiada, na Odiss\xc3\xa8a, na Eneida; \napontaram-se na Jerusalem quando passou pelo rigoroso \nexame da \xc3\x80cademia da brusca; os discursos de Adisson \nn\xc3\xa0o salvam da censura o Para\xc3\xaczo perdido; e todos os em- \npenhos do partido philosophante n\xc3\xa0o poderam defender \na Henriade da severa e illustrala critica de Fr\xc3\xa9ron e \nBeaumelle. \n\nAt\xc3\xa9qui fallei-vos, meus filhos, de certos pontos sobre \nque p\xc3\xb3de versar a conversac\xc3\xa0o em francez, e das instruc- \nc\xc3\xb2es que vos dei podeis igualmente servir-vos em portu- \nguez quando for opportuno; agora fallar-vos-hei do que \xc3\xa9 \npeculiar a lingua franceza : sam advertencias mais aridas, \npois versam sobre palavras, mas n\xc3\xa0o menos inleressantes, \nque beni sabeis o que disse Boileau : \n\na Sans la langue, en un mot, l\'auteur le plus divin \n\xc2\xab Sera, quoi quii en fasse, un mauvais \xc3\xa9crivain. \xc2\xbb \n\n\n\nDA CON VEHS Ag\xc3\x80O EM FKAiSCEZ. 191 \n\nNao se deve dizer a um homem, fallando-lhe de sua \nmulher, Madame, assim corno se n\xc3\xa0o deve dizer a urna \nsenhora fallando-lhe de seu marido, Monsieur. Deve dizer-se \nMadame Durand, Madame Duval, eie, e \xc3\xa0s pessoas titu- \nlares Madame la duchesse de Liixembourg , Madame la \nmarquise de Marcieux, Madame la comtesse de Bourmont, \nMadame la vicomtesse, la baronne de N. quando se falla \na seus maridos ; Madame, seni o titulo ou appellido, n\xc3\xa0o \nse diz. \n\nQuando fall\xc3\xa0mos \xc3\xa0s pessoas coni quem convers\xc3\xa0mos, de \nseus parentes,pede a politica que digamos, monsieur votre \npere, monsieur votile fr\xc3\xa8re, madame votre m\xc3\xa8re, madame \nvotre tante,etc. A pessoas de grande familiaridade pode- \nmos dizer simplesmente, votre grand\'m\xc3\xa8re, votre smur, \nvotre cousin, etc. \n\nOs nomes \xc3\xa9poux e \xc3\xa9pouse j\xc3\xa0 se n\xc3\xa0o ouvem sen\xc3\xa0o no Ihea- \ntro e nos tribunaes ; s\xc3\xb3 se empregam em poesia ou em \nlinguagem oratoria ; diz-se mari e femme. \n\npovo (que muda menos d\'express\xc3\xb2es do que as gentes \npolidas) tem conservado urna express\xc3\xa0o dos livros santos, \ne que ainda se diz na igreja, mas que j\xc3\xa0 se n\xc3\xa0o usa entre \npessoas Lem ci iadas : aquelle diz une femme enceinte e \nestas dizem une femme grosse. \n\nA palavra cadeau, ainda que usada por muila gente, foi \nsempre reprovada entre pessoas de bom tom; deve substi- \n(uir-se-lhe a de pr\xc3\xa9sent, don, quando se falla da generosi- \ndade d\'uni Principe ou d\'alguma cousa magnifica. Algumas \nvezes enconlrareis a palavra cadeau em Moli\xc3\xa8re, mas nem \nurna s\xc3\xb3 em M mo de S\xc3\xa9vign\xc3\xa9. \n\nNao usareis nunca da palavra orgie sen\xc3\xa0o fallando da anl:- \nguidade ; tampouco se deve ouvir numa sala a de baccha- \nnales, a n\xc3\xa0o ser para exprimir a avers\xc3\xa0o que vos causam as \nscenas que taes express\xc3\xb2es indicam. \n\nEm geral deveis examinar coni milita circumspecc\xc3\xa0o as \n\n\n\n102 CODIGO DO BOM TOM. \n\npalavras que se introduzem na lingua, e n\xc3\xa0o as deveis \nadoptar sem estardes bem certos de que ellas n\xc3\xa0o offender\xc3\xa0 \na decencia e o decoro. N\xc3\xa0o ha muitos annos imaginaram \nas mulheres fazer estofar as saias por detraz para dar \nmelhor ar ao corpo ; est\xc3\xa0 especie d\'almofadinha ou entre- \ntella gomada foi chamada por umas page ou polisson, e por \noutras tournure. Posso assegurar-vos que n\xc3\xa0o era possivel \ncomparar umas com outras, tanto se avantajavam estas \n\xc3\xa0quellas. \n\nAs express\xc3\xb2es mais simples sani de ordinario asmelhores. \nLa Bruy\xc3\xa8re nota que as damas da c\xc3\xb3rte dizem : alravessei \nos mercados, les halles, e que os burguezes buscam pei\\- \nphrases para n\xc3\xa0o pronunciarem similhantes lugares. Pensai \nantes se a cousa em que quereis fallar offende a decencia, \nou o melindre social ; se n\xc3\xa0o offende, dizei-a naturalmente \nsem circumloquios, e se offende n\xc3\xa0o falleis em tal, a menos \nque a isso n\xc3\xa0o sejais for$ados. \n\nOs provincianos costumam juntar muitas vezes ao epi- \ntheto de monsieur ou de madame o nome das pessoas a \nquem fallam: \xc3\xa9 incivilidade. Esla maneira de fallar s\xc3\xb3 \np\xc3\xb3de lisongcar as pessoas de mui elevada gerarquia ; a \ntodas as mais deve dizer-se oui, non, Monsieur, Madame, \nsem dizer o nome. \n\nPronunciai mui distinctamente o epitheto de mademoi- \nselle; dizer mamselle \xc3\xa9 uni atrevimento. Tomai muito cui- \ndado em n\xc3\xa0o buscardes o nome d\'urna pessoa que vos n\xc3\xa0o \nlembra, dizendo monsieur ou madame chose; antes de fal- \nlardes d\'alguem \xc3\xa9 mister que lhe saibais o nome. Ainda \nmesmo a respeilo de nomes estrangeiros, \xc3\xa9 do bom tom \nsab\xc3\xa8l-os, e pronunci\xc3\xa0l-os corno no proprio paiz d\'onde \nsam ; e quando n\xc3\xa0o estiverdes bem certos, pedi a alguem \nque vo-los escreva , e que vos ensine a pronuncial-os o \nin e n os mal possivel. \n\n\xc3\x89 boje costume geralmente recebido entre marido e mu- \n\n\n\nDA CONVERSALO EM FR\xc3\x80KCEZ. 195 \n\nJher, fallarem-se reciprocamente pelo nome da pia ; mas \nquando assim n\xc3\xa0o acontece, diz-se monsieur le marquis, le \ncomte de..., madame la marquise, la comtesse de..., mon- \nsieur, madame de... \n\nQuando fallardes d\'autores y\xc3\xacvos , ou dhomens cele- \nbres, dizei sempre, monsieur de Lamartine, monsieur de \nMontmorencij, \xc3\xa8ie\'.; as senhoras, ainda depois de mortas, \nn\xc3\xa0o perdem este privilegio ; dizei sempre madame\' de Sevi- \ngn\xc3\xa9, madame de Genlis, etc. \n\nGabai os enfeites, o bem vestido d\'um senhora, servindo \nvos do termo parure, toilette, ajuntando que elle est bien \nmise, mise avec go\xc3\xb9t ; mas n\xc3\xa0o facais d\'este adjectivo um \nsubstantivo, n\xc3\xa0o digais la mise de eette dame, etc. \n\n\xc3\x89 de bom gosto dar de tempos a tempos \xc3\xa0s pessoas coni \nquem fall\xc3\xa0mos os titulos quem t\xc3\xa8m. Por este modo ganh\xc3\xa0- \nmosa considerac\xc3\xa0o para comnosco, mostrando que atemos \npara com os outros. \n\nAs pessoas do antigo tempo, a que chamam de V ancien \nregime, isto \xc3\xa9 as que formavam a c\xc3\xb3rte dos antigos reis de \nFranca, e maiormente as damas do seculo de Luis XIV , \numica imaginaram que se chamasse ao mais bonito e ma^ \noi nado quarto ou camarim d\'um appartemento uni boudoir, \nisto \xc3\xa9 ura logar destinado para bouder 1 . Qual sera a me- \nli in a ou senhora bem criada que dir\xc3\xa0 que premeditou \nalgumas horas de m\xc3\xa0o humor e a muo, e que preparou, para \nas passar, um logar retiiado, e o mais elegante da casa? \nlietlecli um pouco, meus filhos, sobre est\xc3\xa0 e outi as pala- \nyras similhantes, e estou certo quejiunca as adoptareis. A \npalavi a cabinet \xc3\xa9 a unica que as pessoas bem criadas e de \nbom gosto dam ao quarto ou cairiarim em que unia senhora \n\n1 Para beni traduzir a pai avr\xc3\xa0 boudoir, sena necessario fabricar \nuinu em portuguez, que seria amuadouro, por ser o logar onde al\xc2\xbb \nguem se amua, ou *e recolhe quem est\xc3\xa0 amuado. \n\n\n\n194 CODIGO DO BOM TOM. \n\nrecebe suas visitas particulares, onde reune alguns objectos \nd\'arte, e que aformosea segundo a moda ou o seu capri- \ncho ; e s\xc3\xb3 os tapeceiros, as criadas do quarto, os recente- \nmente iniciados na magnificencia, e os criados de farda \xc3\xa9 \nque Ihe damo nome de boudoir. Rir-me-hei de ti, meu fillio\xc2\xbb \nse algumavez teservires d\'est\xc3\xa0 palavra diante demim; e a \nti, minila filila, imponho-te o preceito de nunca a profe- \nrires, n\xc3\xa0o obstante quaesquer exemplos de senhoras res- \npeitaveis que poderias citar-me. \n\nN\xc3\xa0o digais nunca un louis d\'or, un napol\xc3\xa9on d\'or ; eslas \nduas moedas sempre foram d\'ouro. Se algumavez tendes \nencontrado nos historiadores deus d\'or, escudos d\'ouro, \nera porque os havia de prata. \n\nDe duas express\xc3\xb2es, que vosparecerem synonimas esco- \nlhei aquella que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 usada pelo vulgo. Elle conservou a \nexpress\xc3\xa0o crois\xc3\xa9e, que teve origem de que, quando se \ncomecou a usar de vidracas, eram os caixilhos feitos em \ncruz, e por ella se indicava a abertura por onde entrava a \nluz do dia. Deixai pois ao vulgo est\xc3\xa0 express\xc3\xa0o, mas v\xc3\xb3s, \nque n\xc3\xa0o o sois, dizei fen\xc3\xa9tre, janella. \n\n\xc3\x89 sem duvida por est\xc3\xa0 mesma raz\xc3\xa0o que se diz, pari, \naposta, antes que gageure, e que se prefere o verbo pa- \nrler, apostar, fazer urna aposta, ao verbo gager. \n\nFalla-se d\'urna maneiramui vulgar quando se diz, comi \nun fruii, un raisin: deve dizer-se du fruii, du raisin, \nfruta, uvas. Un fruii n\xc3\xa0o se diz nunca, deve especif\xc3\xaccar-se \na qualidade : une p\xc3\xa9che, une or auge, une poire, et e., uni \npecego, urna laranja, urna pera, etc. N\xc3\xa0o digais tampouco, \nbranco corno un laii, un saiin, mas sim conio du lait, du \nsatin, leite, setim. \n\nEvitando a trivialidade, n\xc3\xa0o deveis por isso ca\'ir no \nexcesso opposto, que \xc3\xa9 a affeclac\xc3\xa0o e o estudo pretencioso \nde buscar express\xc3\xb2es novas. Lede, quando fordes majores, \nas comedias de Moli\xc3\xa8re intituladas les Femmes savjntes. \n\n\n\nDA CONVERSALO BM FIIANCEZ. 195 \n\nles Pr\xc3\xa9cieuses ridicules , la comtesse d\'Escarbagnas, e \nalgumas outras, e aproveitai as licoes de justa critica \nque a tal respeilo fez o primeiro poeta comico dos tempos \nmodernos. \n\nSe alguma vez entrardes nalgum omnibus em Pariz, \nvereis quaes sam as pessoas que dizem polidamente aos \nque as desarranjam : Excusez, em lugar de : je vous do- \nmande pardon, pecoperd\xc3\xa0o, e n\xc3\xa0o tereis a menor tentae\xc3\xa0o \nde dizer corno ellas. N\xc3\xa0o \xc3\xa9 por\xc3\xa9m tao facil classificar os \nque dizem : je vous demande excuse, em lugar de : je vous \nfais excuse: porque seencontram por toda a parte. Je vous \ndemande excuse, significa : o senhor offendeu-me, e exijo \nque me de satisfac\xc3\xa0o, ou que reconheca a sua falta e que \npeca desculpa. Certamente n\xc3\xa0o \xc3\xa9 assim que o entendem as \nboas pessoas que vos enderecam estas palavras depois de \nvos fazer esperar, de vos pizar um p\xc3\xa9, ou de vos ter feito \nmudar de logar. que ellas querem dizer, \xc3\xa9 : je vous do- \nmande pardon, peco perd\xc3\xa0o, ou perdoe V. S a . Agradecei- \nlhes a boa intenc\xc3\xa0o, mas n\xc3\xa0o vos expresseis corno ellas. \n\nN\xc3\xa0o digais beta por bete, tolo, asno; douceurs, chatte- \nries, por sucreries, friandises, doces, golotlices; beau rd- \ntelier, belle denture, por belles dents, bons dentes; carr\xc3\xa9, \npor pallier, patamar d\'escala ; une bonne frotte, por une \nlongue course, grande caminhada ; fendant, por tranchant \nou pr\xc3\xa9somptueux, homern decididooupresuncoso ; mac\xc3\xaciin \n(cousa que n\xc3\xa0o existe) por machine, machina ; pas moins, \npor cependant ou n\xc3\xa9anmoins, com tudo, todavia ; quoique \nra, por malgr\xc3\xa9 ca, apezar d\'isso ; sodi, por ivre, bebado ; \nsur, por aigre, azedo ; entregent, por adresse, habilet\xc3\xa9, \nintrigue, geilo, habilidade, intriga; carreau, por vitre, \nvidro de janella, etc. \n\nPara dizer que urna cousa est\xc3\xa0 em moda, n\xc3\xa0o digais : \nCest le bon gerire, nem, quando quizerdes exprimir vossa \ndesapprovac\xc3\xa0o a alguma cousa, digais : cela est de man- \n\n\n\n1C6 CODIGO DO BOM TOM. \n\nvais gerire. Genre n\xc3\xa0o p\xc3\xb3de ser synonymo de mode, nem \nde go\xc3\xb9t. \n\nN\xc3\xa0o digais \xc3\xa9duquer, por \xc3\xa9lever, educar; rester, por \nloger, demeurer, estar alojado, morar; emb\xc3\xa8ter, por en- \nnuyer, enfadar ; end\xc3\xa9ver, por impatienter, impacientar ; \nrouler carrosse, por aller en voiture, ter carruagem, ou ir \nde carruagem; craquer, blaguer, por mentir, dizerpelas; \npriser, por prendre du tabac, tornar tabaco ; bougonner, \npor gronde? 1 ou murmurer, rosnar ou murmurar; seso\xc3\xb9ler, \npor senivrer, embebedar-se; fldner, por maser, vaguear, \npassear sem destino; d\xc3\xa9cesser (palavra que n\xc3\xa0o existe), \npor ne cesser, n\xc3\xa0o cessar; baffrer, por manger avec avi- \ndite, corner com avidez, sofregamente. \n\nN\xc3\xa0o digais tampouco : je le fais bisqaer, je le fais \nrager, por je le contrarie, je Vimpatiente, faco-o zangar, \napuro-lhe a paciencia ; je suis \xc3\xa9reint\xc3\xa9, por je suis harass\xc3\xa9, \naccabl\xc3\xa9 de fatigue, estou cansadissimo , n\xc3\xa0o posso com- \nmigo ; venez manger ma soupe por venez d\xc3\xacner avec mot, \nvenha jantar commigo ; les jambes me rentrent dans le \ncorps, por je suis tr\xc3\xa8s-las, estou muito cansado ; il fait des \nmorales, por il donne des lecons de morale, d\xc3\xa0 lic\xc3\xb2es de \ninorai, prega ; il fait les cent coups, por il fait mille folies, \nfaz mil loucuras ; votre chaise est sur moi, por sur ma robe, \na sua cadeira est\xc3\xa0 em cima do meu vestido : abordons la \nquestion, por parlons de ielle eh ose, faJleinos em tal ne- \ngodo! \n\nA muitas pessoas que se t\xc3\xa8m em conta de bem criadas \ntenho ouvido dizer : bas bleu, por femme savante, femme \nauteur; cordoli bleu, por bonne cuisini\xc3\xa8re; n\xc3\xa0o as imiteis, \ne fallai corno os bons autores, que nunca empregaram taes \npalavras. Ainda com mais raz\xc3\xa0o vos prohibo que deis o \nnome de lion a um meco rico, taf u lo, de costumes pouco \nregulares e que affecta certa extravagancia : o nome de \nlionne para designar urna raulher que por suas man, iras \n\n\n\nDA CONVERSALO EM FRANCEZ. 197 \n\ne costumes se parecesse coni o lion, \xc3\xa9 ainda mais inadmis- \nsivel. Evitai o pronunciar estas palavras, e milito mais o \nparecer-vos coni os que sam designados por similhantes \nnomes : uni descuido no primeiro caso mereceria ainda \nalguma desculpa; nosegundo far-vos-ia perder toda a repu- \ntac\xc3\xa0o que tendes de beni criados, e causariaa tosso pai uni \nprofundo desgosto. \n\nSeni duvida, meus f\xc3\xaclhos, estais admirados do grande \nnumero de palavras que proscrevo, e talvez me accuseis \nde ter supposto que poderieis servir-vos d\'ellas ; se assilli \n\xc3\xa9, dou-me a mim mesmo os parabens, por ver que sabeis \napreciar o bom toni da sociedade, e que com os meus \nconselhos e trato de pessoas beni criadas sereis simi- \nlhantes a ellas, e correspondereis aos desvelos com que me \ntenho occupado de vossa educac\xc3\xa0o. \n\nNao basta por\xc3\xa9m, meus f\xc3\xaclhos, adquirir os bons habitos \nde fallar ; \xc3\xa9 mister outro sim adquirir as maneiras e coni- \npostura do corpo correspondentes \xc3\xa0 boa linguagem. A \nconversac\xc3\xa0o d\'urna pessoa que junta o gesto \xc3\xa0 voz, que \ntoca com o cotovello ou com o joelho na pessoa coni queni \nfalla, para que lhe de attenc\xc3\xa0o, \xc3\xa8 insupportavel. A repe- \ntic\xc3\xa0o das mesmas palavras e express\xc3\xb2es \xc3\xa9 fastidiosa, e n\xc3\xa0o \no \xc3\xa9 menos o repetir os mesmos movimeli tos. Uns levan- \ntam-se e assentam-se continuamente ; outros esfregam as \nm\xc3\xa0os, dam estalos coni os dedos, mordem os beicos, pu- \ncham pelos bigodes, ann\xc3\xa9lam e desann\xc3\xa9lam os cabellos, e \nestam numa agitac\xc3\xa0o que denota grande timidez, ou a \nmais tola affectac\xc3\xa0o que dar-se p\xc3\xb3de. Muilas vezes eon- \ntrahe-se insensivelmente o habito de olhar para o espelho \nquando se falla. N\xc3\xa0o conheco nada que de uni ar mais des- \ncortez a urna mulher e mais nescio a um homem ; e por\xc3\xa9m \no que isto prova \xc3\xa9 que essa pessoa foi educada ein pobres \naposenlos em que n\xc3\xa0o havia um espelho; mas o mundo \nn\xc3\xa0o se d\xc3\xa0 ao traballio de buscar as causas, e acha mais \n\n\n\n198 CODIGO DO BOM TOM. \n\nfacil o dizer : \xc3\xa9 urna presumida, ou \xc3\xa9 um peralvilho. \n\nFelicito-vos, meus filhos,de serdes ainda mocos:vossos \npoucos annos vos dam direito a certa indulgencia para \ncomvosco, e por muito tempo vos nao permittir\xc3\xa0o abusar \nda paciencia das pessoas indulgentes ; porque, se quizerdes \ntornar os incus conselhos, ouvireis os que fallam, e fa!- \nlareis pouco ou nada. Para bem conversar \xc3\xa9 necessario ter \nconhecimentos e certo desembara^o que se nao podem oi> \ncontrar em vossa idade. Nao tenhais pressa : nomeam-se \nauditores nos conselhos d\'Estado, nos tribunaesde justica, \nporque se tem reconhecido que a audic\xc3\xa0o \xc3\xa9 um eff\xc3\xaccaz \nmeio para illustrar o espirito e formar o discernimento. \npbilosopho Pythagoras exigia de seus discipulos que o \nouvissem Irez annos sem fallar. Eu sou menos exigente \nque Pythagoras, por\xc3\xa9m desejo que nas sociedades vos \nlimiteis a responder ainda por muitos annos 5 eque nao \nconverseis sen\xc3\xa0o com vos^os parentes e seus amigos, rc- \ncommendando-vos tambem, posto que me parece ter-vo-lo \nj\xc3\xa0 dilo, que nao facais de v\xc3\xb3s mesmos os heroes de vossas \nhistorias, e que estejais sempre \xc3\xa0lerta contra o prurito \nde fallar de v\xc3\xb3s e do que vos diz respeito. \n\nPor isso que a conversac\xc3\xa0o nao consiste s\xc3\xb3mente em \nfallar com outras pessoas sen\xc3\xa0o em ter com ellas trato, o \nqual, comecando pelo que cham\xc3\xa0mos conhecimento, acaba \nmuitas vezes em amizade familiar ; e corno est\xc3\xa0 nao p\xc3\xb3de \nser estavel, antes se tornar\xc3\xa0 perigosa se nao conhecermos \nbem o genio, inclinac\xc3\xa0o, e costumes da pessoa com quem \nnoslig\xc3\xa0mos, terminarci este duplicado capitulo da conver- \nsalo em portuguez e em francez dizendo-vos, que estudeis \nbem e debaixo de todos os respeitos as pessoas com quem \nconversais, e que facais diligencia por lhes conhecer a \nalma e o corac\xc3\xa0o antes de ligardes com ellas amizade. E \nquando as tiverdes bem conhecido, vivei com ellas segundo \npede o seu genio, e at\xc3\xa9 mesmo segundo seus defeilos. Nao \n\n\n\nDA COXYERSAC\xc3\x80O EH FRASCEZ. 199 \n\nsei se me expiico beni, mas melhor me comprehendereis \nse f\xc3\xaczerdes attenc\xc3\xa0o aos conselhos que voti dar-\\os ; con- \nselhos f\xc3\xaclhos da experiencia, em cuja observancia acbareis \ngrandes vantagens, sendo a maior de todas o poder viver \nem paz e haimonia coni quasi toda a gente. \n\nAo avarento n\xc3\xa0o lbe pecais nada, nem lbe aconselbeis \nque d\xc3\xa8 a outrem, nem lhe louveis o n\xc3\xa0o dar nada a nin- \nguem ; e assim nem lbe mentis, nem o molestais/Ao suberbo \nn\xc3\xa0o vos facais grandes, por n\xc3\xa0o f\xc3\xaccardes coni elle em con- \ntenda; nem aos outros vos facais pequ\xc3\xa8nos, porque coni \nelles se n\xc3\xa0o alevante mais. Ao ingrato, cu o n\xc3\xa0o sirvais, \nporque vos n\xc3\xa0omag\xc3\xb3e; ou quando o servirdes lembrai-vos \nque a sua ma natureza n\xc3\xa0o p\xc3\xb3de tirar o preco a obra, que \nde si \xc3\xa9 boa. Ao fallador, calai-vos; ao calado, descubri- \nvos coni tento. Ao doudo, n\xc3\xa0o lhe atalheis a furia. Ao \nnescio, n\xc3\xa0o trabalheis por lhe dar raz\xc3\xa0o. Ao pobre, n\xc3\xa0o \nlhe devais ; ao rico, n\xc3\xa0o lhe pecais. Ao v\xc3\xa0o, nem o gabeis \nnem o reprehendais. Ao lisonjeiro, n\xc3\xa0o lhe deis credilo ; \ne d\'este modo coni todos estareis beni, e nenhtim vos far\xc3\xa0 \nmal. X\xc3\xa0o digais verdades que amarguem : nem tenhais \namizades que profanem ; n\xc3\xa0o adquirais fazendas que outros \ninvejem; porque hoje mais que nunca das trez melhores \ncousas da vida nascem as trez mais damnosas que ha no \nmundo : da verdade, odio ; da familiaridade, desprezo; da \nprosperidade, inveja. Sede quaes pareceis, e quaes vosdigo; \nn\xc3\xa0o queirais parecer outros, nem ser mais do que pareceis. \nAssim tiiareis, seni perigo, proveito do trato dos homens, \ne podereis, quando tiverdes mais experiencia e instrucc\xc3\xa0o, \nencaminhar a eonversac\xc3\xa0o em prol de vossos similhantes \ne da nac\xc3\xa0o a quem pertenceis. \n\nTHOCI\xc3\x80O. \n\nInjustamente condemnado por concidadoes invejosos, o \n\n\n\n200 COD1GO DO BOM TOM. \n\ngrande Phoe\xc3\xac\xc3\xa0o, um dos mais famosos capit\xc3\xa0es da Grecia, \nestava para beber a fatai cicuta, quando lhe perguntaram- \nse n\xc3\xa0o tinha nada que dizer a seu fillio : \xc2\xab Mandai o cha- \nmar, )) disse elle. Effectivamente, o foram buscar, e leva- \nram-no a presenca de seu pai : \xc2\xab Men caro f\xc3\xaclho, lhe disse, \nrecommendo-te que birvas a tua patria com tanto zelo e \nf\xc3\xacdelidade com\xc3\xb2 eu a tenho servido, e sobretudo n\xc3\xa0o es- \nquecas que urna morte injusta foi o galard\xc3\xa0o com que ella \npagou os meus servicos. \xc2\xbb \n\n\n\nCAP1TUL0 XII \n\nDOS JOGOS E JOGADORES \n\n\n\nNosdias departida, ou em qualquer outra reuni\xc3\xa0o, logo \nque a sala comeca a estar povoada de gente, e depois de \nter mandado por as mesas de jogo, toma a dona da casa \ntantas carias quantos devem ser os jogadores, e dirigindo-se \na elles lh\'as offerece, comecando pela pessoa a quem \nmais deseja honrar. Aceitar urna carta \xc3\xa9 obrigar-se a \njogar. P\xc3\xb3de-se, seni impolitica, perguntar a alguma pessoa \nse costuma jogar, e at\xc3\xa9 se \xc3\xa9 habil jogador, e perguntar em \ngeral quem desejaria ter por parceiro. Est\xc3\xa0 tolerancia \xc3\xa8 \njusta, porque a senhora da casa v\xc3\xa8-se muitas vezes emba- \nracada sem saber corno collocar os jogadores. Pede a pru- \ndencia e mancia a civilidade que se n\xc3\xa0o ponham a urna \nmesa pessoas da mesma familia, ou que t\xc3\xa8m entre si al- \nguma antipatica secreta, ou cujas opini\xc3\xb2es sani oppostas. \n\xc3\x89 na verdade um supplicio ter que infligir aos convidados \na companhia de um m\xc3\xa0o jogador que se applaude com \nri^adas ou facecias quando ganba, que se irrita, amof\xc3\xacna, \ne amesquinha quando perde ; d\'uni jogador pouco exerci- \ntado, que se demora a reflectir a cada carta que joga; de \npessoas sem educac\xc3\xa0o que cantam, assobiain, ou rosnam \nquando jogam, que baleni com os p\xc3\xa9s debaixo da mesa, \nque tocam tambor com os dedos, que lem eslribilhos \n\n\n\n202 CODIGO DO BOM TOM. \n\ncertos que dizem a miudo, e alguns pouco polidos e de \nm\xc3\xa0o gosto, que pretenderli que tal ou lai pessoa lhes d\xc3\xa0 \nolhada ou enguico, e faz perder com sua sinistra influencia \n(qui porte malheur, segundo os Francezes) quando lhes \nfica ao p\xc3\xa9 1 , que baralham as cartas sem lhes pertencer para \nterem melhor jogo, etc. \n\nA senhora de casa raramente joga, a nao ser que haja \npoucos jogadores, porque lem bastante em que se occupar \npara beni fazer as honras da sala ; por\xc3\xa9m quando ella joga, \nninguem p\xc3\xb3de excusar-se de jogar, a menos que nao saiba \nde todo em todo pegar nas carlas. \n\nNo jogo do descarte (l\'\xc3\xa9cart\xc3\xa9) succedem-se uns a oulros \nos jogadores, sem que os donos da casa tenham mais nada \nde que se occupar. \n\nAntes de comecar o jogo \xc3\xa9 mister p\xc3\xb2r-lhe o preco. Propor \num jogo muito barato seria dar mostras de mesquinhez e \napoucamenlo ; propor ao contrario um jogo caro seria \ntalvez ainda mais perigoso, porque se poderia suspeitar \npaix\xc3\xa0o ou avidez de ganhar. Assim que, \xc3\xa9 muito louvavel \npedir aos parceiros que fixem o preco, e declinar esla \nresponsabilidade. P\xc3\xb3de-se perguntar qual \xc3\xa9 o costume da \ncasa, e conformar com elle sem a menor hesitac\xc3\xa0o; jogando \npor\xc3\xa9m com senhoras, ou com pessoas idosas ou de maior \nautoridade, devem os mocos nada propor, e acei\'ar todas \nas condicoes que ellas quizerem estabelecer. \n\nAs meninas nao jogam nunca, a n\xc3\xa0o ser o vinte-e-iim, \nou Irinta-e-um, a lotaria, etc. \n\nOliando se comeca o jogo saudarn-se coni urna pequena \ninclinac\xc3\xa0o as pessoas com quem se joga, emlhes dando as \n\n1 Cliamam os jogadores sem educalo aestas pessoas emprazadores, \ncnzawpas, caiporas ou calistos ; os mais polidos dizem-lhes \xc3\xa0s vezes : \n\xc2\xab senhor tem os p\xc3\xa9s irios! \xc2\xbb o que equivale a : \xc2\xab Va passear, re- \ntirc-se d\'aqui. \xc2\xbb Kcnliunia d\'esLas express\xc3\xb2es deve sair da boca d\'urna \npessoa bem cr ada. \n\n\n\nDOS JOGOS. 203 \n\ncartas pela primeira vez. Os eavalheiros t\xc3\xa8m o cuidado de \njunlar as cartas no firn de cada m\xc3\xa0o, de emmac\xc3\xa0l-as, e \npresent\xc3\xa0l-as \xc3\xa0 senhora que deve baralhar. \n\n\xc3\x89 mister estar com grande attenc\xc3\xa0o ao jogo, e armar-se \ncontratrez inimigos que assaltam frequentemente os joga- \ndores, que sam : as distracc\xc3\xb2es, o amor proprio, e o m\xc3\xa0o \nbuinor. \xc3\x89 de toda a necessidade ter grande moderac\xc3\xa0o, e \nfazer igual sembiante ao ganho corno a perda, sob pena de \nincorrer no desagrado e talvez desprezo das pessoas com \nquem se joga. Umapessoa que n\xc3\xa0o reprehende umica seu \nparceiro, que ganha sena dizer nada, ou graceja sobre a \nsua infelicidade ; que se n\xc3\xa0o levanta semdar a desforra aos \nque perdem ; que, tendo perdido, se retira sem se queixar, \ne paga o que perdeu sem esperar que lh\'o peeam, olhando \nsua divida com\xc3\xb2 urna divida dehohra; a pessoa, digo, que \nreune todas estas qualidades merece o nome de boni jo- \ngador, que na boca do mundo \xc3\xa9 uni grande elogio, ao \nqua] devem aspirar todos os que pegam em cartas. \n\nAs pessoas que jogam poucas vczes, e por conde^cjn- \ndencia, commettem faltas involunlarias que \xc3\xa9 boni fazer- \nlhesconbecer para que n\xc3\xa0o merecamonome de md\xc3\xb2sjoga- \ndores. Como t\xc3\xa9m pouco uso de jogar, pedem conselho a \npessoas que n\xc3\xa0o sani do jogo, conversalo com ellas, pelo \nque se tornam insupportaveis aos que jogam. Mostralo o \njogo a conselbeiros pouco altenciosos que muitas vezes n\xc3\xa0o \nfazem escrupulo de deitar os olhos ao jogo do contrario, e \nliiscutem coni tanto maior pertinacia quanto sam menos \ncompetentes para decidir certas difficuldadrs que sobre \nuni latice se podem suscitar. As pessoas que asslm proce- \ndem merecem grande reprehens\xc3\xa0o, e n\xc3\xa0o menos as que, \nestando de fora, qucrem dar conselbos,dirigir ojogo dosque \njogam, eo que peior \xc3\xa9,por signaes, gestos, e certo ar triste \nou alegre dam a conhecer ojogo bom ou m\xc3\xa0o d\'aquelle \ncujas cartas v\xc3\xa8m. Quem assim procede, \xc3\xacu\xc3\xaco s\xc3\xb3 d\xc3\xa0 mostras \n\n\n\n204 CODIGO DO BOM TOM. \n\nde ser mal criado, mas exp\xc3\xb2e-se a receber em publico urna \ndesfeita de que ficar\xc3\xa0 envergonbado, mas de que n\xc3\xa0o po- \nder\xc3\xa0 queixar-se com raz\xc3\xa0o, porque quem se n\xc3\xa0o respeita a \nsi n\xc3\xa0o espere que os outros o respeitem. \n\nFindo o jogo, n\xc3\xa0o parece bem que os jogadores fallem \nentre si \xc3\xa0cerca de suas perdas e ganhos ; o que perde n\xc3\xa0o \ndeve fallar ao seu adversario em sua felicidade, antes deve \nconversar sobre cousas differentes, a n\xc3\xa0o sereni amigos, e \nsempre rindo e gracejando. \n\nEm familia, e entre pessoas de grande familiaridade, \np\xc3\xb3de-se jogar com cartas que j\xc3\xa0 servissem; por\xc3\xa9m nas \ngrandes partidas e assembl\xc3\xa9as \xc3\xa9 mister absolutamente por \nsobre as mesas baralhos novos e sellados. \n\nEm casas onde subsistir ainda o detestavel costume de \npagar as cartas, deve cada jogador, no firn da partida, por \nde baixo do castical a sua cola parte, ou aquillo que for \nestylo. Acabado o jogo calcam-se as luvas. \n\nQuando os jogadores se levantam da mesa, e se aproxi- \nmam da sociedade, parece bem que se lhes pergunte corno \nforam tratados por seus compelidores ; e \xc3\xa9 mais polido \ntornar interesse pelos que perdem, consolando-os com \ngraciosas express\xc3\xb2es, do que felicitar e applaudir os que \nganliaram. \n\nEis aqui o que se pratica, ou deve praticar nos jogos ; \nagora permitti que vos d\xc3\xa8 a este respeito algumas adver- \ntencias. \n\nBem quizera eu, meu fillio, que n\xc3\xa0o pegasses nunca em \ncartas, e que nem as conhecesses ; por\xc3\xa9m para fazer a \nvontade a alguns amigos e parentes de idade, ou porque \n\xc3\xa0s vezes l\'alta um parceiro, \xc3\xa9 indispensavel que um man- \ncebo bem criado saiba jogar. Por\xc3\xa9m toma a firme resoluc\xc3\xa0o \nde nunca jogares o que cbamam jogos de parar ou de dado; \ne ainda que instem comtigo para que o facas, responde de- \ncididamente que n\xc3\xa0o, e tem palavra; todos approvar\xc3\xa0o a \n\n\n\nDOS JOGOS. 205 \n\ntua f\xc3\xacrmeza emresislira um divertimento em que nenhum \nlogar tem a raz\xc3\xa0o e o juizo, sen\xc3\xa0o a temeridade e o acaso. \n\nE n\xc3\xa0o s\xc3\xb3mente te digo que n\xc3\xa0o tomes parte nestes jogos, \nmas que n\xc3\xa0o os consinlas nuuca em tua casa, quando a \ntiveres, para n\xc3\xa0o seres complice das muitas e Jastimosas \ndesgracas que d\'elles podem resultar, e j\xc3\xa0 lem resultado. \nDir-te-hei a este respeito em summa o que o P e Vieira \nexpendeu largamente num serm\xc3\xa0o que j\xc3\xa0 te f\xc3\xacz ler. Nestes \njogos, ou lalrocinios da cobica, o menos que se perde \xc3\xa9 o \ndinheiro, posto que seja coni tanto precipicio e excesso, \ncorno chora a ruina de muitas fam\xc3\xaclias, em que os f\xc3\xaclhos \nprimeiro se v\xc3\xa8m desherdados que orf\xc3\xa0os , os dotes das \nmulheres consumidos, e as filhas, em logar de dotadas, \nroubadas. Oulras perdas mais preciosas e mais para sentir \narrasta comsigo o jogo, em que a cegueira da cobica n\xc3\xa0o \nrepara. Perde-se a autoridade, porque se dizquea mesa do \njogo a todos iguala, com tanto que tenliam que perder, o \nque \xc3\xa8 contra todas as leis da decencia e da lionra. Perde-se \no tempo, que, corno discorre Seneca, \xc3\xa9 o maior tliesouro \nque a nalureza f\xc3\xacou dos homens, e perde-se com perdic\xc3\xa0o \nmaior e mais desesperada ; porque o dinheiro, que se perde \nemuma m\xc3\xa0o p\xc3\xb3de-se recuperar na outra, o tempo urna vez \nperdidon\xc3\xa0o se p\xc3\xb3de restaurar. Perde-se a amizade, porque \nquando jogas com teu amigo, a tua tenc\xc3\xa0o \xc3\xa9 que o que \xc3\xa9 \nseu seja teu, e a sua, que o que \xc3\xa9 teu seja seu. Perde-se a \npiedade, porque pela impaciencia, raiva, inveja, e mof\xc3\xacna \ndo que o jogo n\xc3\xa0o favorece saem muitas vezes da boca do \nhomem honesto juramentos, e execracoes que nunca pro- \nferir\xc3\xa0 se n\xc3\xa0o jogasse. Perde-se a religi\xc3\xa0o, porque o taful \nque n\xc3\xa0o tem que jogar, commetter\xc3\xa0 roubos, n\xc3\xa0o respeitar\xc3\xa0 \no sagrado nem o profano, para alimentar sua abominavo! \npaix\xc3\xa0o. E tempo houve em que at\xc3\xa9 a liberdade se perdia, \ncorno se conta dos antigos Germanos, que depois de per- \nfido quanlo tinbam, a jogavam, f\xc3\xaceando perpetuamente \n\n12 \n\n\n\n200 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\ncaptivos. Perde-se finalmente a alma, porque o homemda \nminado pela paix\xc3\xa0o do jogo n\xc3\xa0o p\xc3\xb3de nem sabe cuidar no \nimportante negocio de sua salvac\xc3\xa0o. Foge, meu f\xc3\xacllio, \nd\'este abysmo cm que naufraga a fazenda, a virlude e a \nhonra ; fecha a tua porta a qualquer taful, ou jogador de \nprof\xc3\xacss\xc3\xa0o, que pretenda fazer de tua casa o theatro de \ntantos crimes. Negar-te-ia a minha benc\xc3\xa0o se algum dia \nsoubesse que n\xc3\xa0o respeitavas este preceito d\'um pai extre- \nmoso. \n\nOs unicos jogos que o homemhonesto deve jogar samos \na que cbamam de vasa, ou carteados, corno o voltante, o \nboston, o whist, o reversis, o piquet, eie; mas com\xc3\xb2 estes \njogos t\xc3\xa8m regras, e certa combinac\xc3\xa0o, n\xc3\xa0o te metta s a \njogar em publico sem as terdes bem aprendido, e seni \nlerdes primeiro jogado com amigos, ou pessoas de casa \nque te ensinem a marcila do jogo, a cujos conselhos deves \nser docil. Quando te sentares a jogar faze de conta que lias \nde perder, e se n\xc3\xa0o tiveres dinheiro para perder n\xc3\xa0o jogues. \nSe o teu genio pende para a vivacidade, reprime-te d\'an- \ntem\xc3\xa0o, e arma-te de paciencia para soffrer algumas impru- \ndencias e despropositos de certos jogadores que ou n\xc3\xa0o \ntiveram educac\xc3\xa0o ou se esquecem que \xc3\xa0 mesa, ao jogo, e \nao fogo \xc3\xa9 onde o ho meni mostra que \xc3\xa9 bem criado, e n\xc3\xa0o \njogues, ou joga cavalheiramenle. \n\nExerce-te a jogar bem o bflhar, as damas, e o xadrez que \nsam jogos de calculo e dexteridade. Joga a miudo e por \nbastante tempo a polla, o aro, a barra, a laranjinha ou a \nboia ; em cujo exereicio ganhar\xc3\xa0s agilidade no corpo e ro- \nbustez nos membros, por onde se fortificar\xc3\xa0 tuamocidadCj \na saude sera vigorosa, e n\xc3\xa0o ter\xc3\xa0s velhice trabalhosa. \n\nExerce-te a jogar as armas de toda a sorte : a espada, o \nflorete, a atirar ao alvo, a correr a p\xc3\xa9, frequenta a gym- \nnastica, aprende as regras de picar\xc3\xaca,natac\xc3\xa0o,e n\xc3\xa0o percas \no habito de andar a cavallo. Sam estes os jogos do homem \n\n\n\nDOS JOGOS. \n\n\n\n207 \n\n\n\ncavalheiro. N\xc3\xa0o quero por isso que penses que desejo fazer \nde ti una duellista ou espadaxim, nem um athl\xc3\xa9ta ou va- \nlent\xc3\xa0o; n\xc3\xa0o, meu f\xc3\xacllio, o que desejo \xc3\xa9 que adquiras forcas \ncorporaes para deiender a patria, se preciso for, e que \nsaibam todos que defender podes tua vida, se alguem \nquizer atac\xc3\xa0l-a, e que n\xc3\xa0o temes traballio nem fadiga \nquando seja preciso acudir a um amigo ou a uni desvalido \nque implore o teu auxilio. \n\nARISTIDES E THEMISTOCLES . \n\nEstes dous grandes homens eram inimigos, e sempre \noppostos na administrac\xc3\xa0o da republica. Tendo sido esco- \nlhidos ambos para urna embaixada imporlante, o interesse \ncommuni os uniu. Logo que sairam das portas d\'Atlienas, \nThemistocles disse a Aristides : \xc2\xab Deixemos aqui nossa ini- \nmizade; n\xc3\xb3s a tomnremos, se te parece, quando vollaf- \nmos, \xc2\xbb \n\n\n\nCAPITOLO Xlll \n\n\n\nMS CARTAS \n\n\n\nDepois das visitas e da conversac\xc3\xa0o, o laco social mais \ncxtenso e variado \xc3\xa9 a communicac\xc3\xa0o epistolar. Admiravel \ninvento que aproxima os ausenles dos presentes, encurta \nas distancias, mitiga as saudades, adoca o dissabor da se- \nparac\xc3\xa0o, eslreila os vinculos da amizade, nutre nalma o \nfogo da esperanca, e ainda depois da morte conserva um \nmonumento duravel da affei^\xc3\xa0o e lernura com que dous \ncoracoes se amaram. E n\xc3\xa0o \xc3\xa9 s\xc3\xb3 a ausencia, sen\xc3\xa0o a rnul- \ntiplicidade dos negocios, e o grande numero de relacoes \nque nos tempos modernos tem dado grandissima extens\xc3\xa0o \na est\xc3\xa0 parte da convivenza social. \n\nJ\xc3\xa0 vedes pois, meus filhos, quanto \xc3\xa9 importante a mate- \nria de que vos fallo. Tudo quanto vos disse \xc3\xa0cerca dos tra- \nfamentos, dos comprimentos, e da conversac\xc3\xa0o, tudo deveis \nter presente para l\xc2\xbbem escreverdes urna carta. que \xc3\xa9 erro \nou falta fallando, \xc3\xa9-o ainda mais escrevendo; e tanto mais \nimperdoavel quanto \xc3\xa9 cerio que na conversac\xc3\xa0o p\xc3\xb3de mui- \ntas vezes acontecer que n\xc3\xa0o nos occorra algum termo ou \nexpress\xc3\xa0o, e que para n\xc3\xa0o f\xc3\xaccarmos calados somos obri- \ngados a usar d\'outras menos proprias e at\xc3\xa9 de circurnlo- \nquios; sendo que quando escrevernos, m\xc3\xb3rmenteem mate- \nrias serias e de momento, temos obrigac\xc3\xa0o de pesar o que \n\n\n\nDAS CARTAS. 209 \n\ndizeraos, e considerar a quem escrevemos ; podemos recor- \nrer ao diccionario da lingua, que sempre deve estar em cima \nda mesa d\'escrever, e devemos ter de mais a mais o amor \nproprio e brio de n\xc3\xa0o exararmos num papel, coni a nossa \npropria m\xc3\xa0o, o corpo de delieto de nossa ignorancia, ou \ndescortezia. Accrescendo ainda outra raz\xc3\xa0o mui forte : que \nas palavras passam, ou esquecem, e o que se escreve fica, \nscripta manent. N\xc3\xa0o \xc3\xa9 possivel, meus filhos, que neslas \ncuitas instruce\xc3\xb2es vos diga tudo o que respeita \xc3\xa0s cornimi - \nuicac\xc3\xb2es epistolares; e se quizesse dar-vos modelos sena \nnecessario fazer um livro 5 , so para este firn. Limitar me- \nhei por tanto a dizer-vos o que \xc3\xa9 mais essencial, e que de \nmodo nenhum deve ignorar urna pessoa beni criada. E para \nproceder coni mais clareza, fallarei primeiramente do que \na politica, o uso e o boni gosto nos prescrevem. relativa- \nmente \xc3\xa0 contextura d\'urna caria, e em segundo lugar das \ndifferentes especies de cartas, e do que nellas devemos \nobservar. \n\nCONTEXTURA DA S CARTAS. \n\nSe n\xc3\xa0o soubesse que tendes boa leltra, a primeira cousa \nque vos diria \xc3\xa9 que, antes de entrar em commercio episio- \nlar coni alguma pessoa respeitavel e autorizada, era neces- \nsario que aprendesseis a escrever, sen\xc3\xa0o perfeitamente, ao \nmenos de uni modo intelligivel, porque as pessoas a quem \nescreveis n\xc3\xa0o estam obrigadas a adivinbar o que lbes que- \nrcia dizer, ou a perder o seu tempo a decifrar o que lbes \nescreveis. Tambem me parece desnecessaria a recommen- \ndac\xc3\xa0o de pordes toda a attenc\xc3\xa0o para que em vossas cartas \nse n\xc3\xa0o encontre um erro de orthographia, ou de gramma- \n\n1 autor j\xc3\xa0 deu \xc3\xa0 luz um cxcellente livro que (em por Ululo : Codiyo \nepistolar, ou Hegras e Modelos para beni escrever toda a sorte de \nenrtas. Xovo Secretarlo Portuguez. \n\n1<2. \n\n\n\n210 COB1GO DO BOM TOM. \n\ntica, e em firn todos os mais defeitos em que p\xc3\xb3cle cair a \nconversac\xc3\xa0o; lembrar-vos-hei s\xc3\xb3mente que se por acaso \nvos cair algum borr\xc3\xa0o, por pequeno que seja, ou nodoa, \nou se fordes obrigados a riscar alguina phrase para substi- \ntuir outra mais correda, ou se houve omiss\xc3\xa0o d\'alguma \npalavra que seja mister por em interlinha, deveis fazer \noutra carta, a n\xc3\xa0o ser para algum amigo intimo e estardes \ncom pressa, mas sempre lhe pedireis desculpa. Aconselbo- \nvos que sempre que poderdes facais um borr\xc3\xa0o ; d\'aqui \nresultamduas utilidades : a primeira,de conservardesuma \ncopia do que escrevestes, que vos poder\xc3\xa0 um dia ser ne- \ncessaria; a segunda, de poderdes corrigir vosso estylo e \nlinguagem, e pordes vossa carta em limpo d\'urna maneira \ndigna da pessoa a quem escreveis. Isto n\xc3\xa0o obstante, dese- \njaria que vos acostumasseis tambem a escrever sem fazer \nborr\xc3\xa0o ; porque tereis em vossa vida muitas occasi\xc3\xb2es em \nque vos falte o tempo e sobejem os negocios ou as occupa- \nc\xc3\xb2es, e \xc3\xa9 um grande dever do homem publico saber apro- \nveit\xc3\xa0l-o ; mas em todo o caso nunca fecheis urna carta sem \na ler, e reler, se \xc3\xa9 possivel : na primeira leitura examina- \nreis o negocio ou a materia de que tratais, na segunda a \ncorrecc\xc3\xa0o e o estylo. \n\nSempre que poderdes, escrevei do proprio punho, maior- \nmente a pessoas de auloridade e respeito ; e quando o \nfizerdes por amanuense, escrevei sempre de vosso punho a \nultima linha que precede o nome, em que vos assignais \npor criado, amigo, veneradoi^ etc, da pessoa a quem \nescrevei?. \n\nA\'s carlas que pedem resposta, n\xc3\xa0o a demoreis, ainda \nque seja para inferior, que para superior seria grande \ndescortezia. \n\nDepois que o luxo inventou tanlas especies e f\xc3\xb3rmas \ndiversas de papel, n\xc3\xa0o \xc3\xa9 indifferente a escolha d\'este. Escre- \nver em papel grosso, em meia follia, \xc3\xa8 s\xc3\xb3 para os criados \n\n\n\nDAS CARTAS. 211 \n\nd\'escada a baixo, e para o vulgo. Servir-se de papel dou- \nrado e perfumado para cartas de negocio seria urna vaidade \nridicula. papel deve ser proporcionado \xc3\xa0s pessoas, idade, \nsexo, condic\xc3\xa0o dos correspondentes. papel dourado e \nperfumado, o guarnecido de tarjas de cor, ou transpa- \nrentes, o de cor terna, \xc3\xa9 destinado para as senhoras mocas, \ne para as pessoas cuja posic\xc3\xa0o, habitos e dignidade sup- \np\xc3\xb2em o luxo e a elegancia. Todavia, muitas pessoas distinc- \ntas preferem, com raz\xc3\xa0o, a simplicidade, e fazem uso de \noptimo papel, mas sem ornato algum. Quem est\xc3\xa0 de luto \nserve-se de papel e subrescrito acairelados de preto. \n\nA n\xc3\xa0o ser para pessoa d\'amizade ou inferior, fechai \nsempre a carta em subescrito separado ; para o que deveis \nestar prevenidos, comprando sempre os taes subescritos \nque para este effeito se vendem j\xc3\xa0 promptos, e os ha de \ntoda a sorte, correspondentes ao papel de que vos quizerdes \nservir. \n\nEntre n\xc3\xb3s costuma-se seguir na segunda e terceira pagina \na linha correspondente \xc3\xa0 da primeira em que comec\xc3\xa0mos \na escrever, assim corno se deixa igual margem ; em Franca \npor\xc3\xa9m n\xc3\xa0o se observa isto : a segunda, a terceira e a \nquarta pagina podem-se encher todas d\'alto a baixo sem \ndeixar margem. Parece-me o nosso uso mais respeitoso, e \nn\xc3\xa0o acho inconveniente em que nos sirvamos d\'elle ainda \nescrevenclo em francez : muitas vezes o tenho feito e nunca \nfui censurado, antcs algumas pessoas sensatas me der\xc3\xa0o \nraz\xc3\xa0o. \n\nQuando escreverdes alguma carta em que a terceira pa- \ngina seja toda cheia, e que tenhais que a fechar nomesmo \npapel, deixai um espaco em branco \xc3\xa0 direita para pordes a \nobreia, ou lacre/af\xc3\xacm de que n\xc3\xa0o aconteca que ao abrir da \ncarta se rasgue o papel, se percam algumas palavras e se \nn\xc3\xa0o saiba o que querieis dizer. \n\nTende cautela que o Ululo da carta u\xc3\xa0o faca algum sen- \n\n\n\n212 C0D1G0 DO BOM TOM. \n\nlido dissonante com o principio d\'ella. N\xc3\xa0o quero repetir- \nvos o exemplo grosseiro que d\xc3\xa0 a Escola de Politica, em \nque estou certo n\xc3\xa0o ca\'ireis, mas digo-vos que depois de \nterdes posto no alto da pagina./// 1110 Senhor, ou J// lia \nSenhora, n\xc3\xa0o comeceis a carta dizendo : Senhor seu \nirm\xc3\xa0o, a Senhora sua imiti me escreve participando- \nme, etc. ; deveis dizer : Por carta que acabo de receber do \nSenhor seu irm\xc3\xa0o, do irm\xc3\xa0o de vossa senhoria sei, etc. \n\nA\'s pessoas de maior jerarquia escreve-se sem abrevia- \nluras, tudo por extenso, e at\xc3\xa9 o tratamenlo, ao menos a \nprimeira vez que se d\xc3\xa0 em cada lauda. \n\ntitulo dapessoa, ou tratamenlo dequej\xc3\xa0 fallei (pag. 47) \np\xc3\xb2e-se no alto da pagina, um pouco \xc3\xa0 direita, de modo que \nvenha a terminar no firn, excepto aos eminentissimos car- \ndiaes, principes, e soberanos que se p\xc3\xb2e bem no meio; se \npor\xc3\xa9m lhes escrevermos em f\xc3\xb3rma de petic\xc3\xa0o, deve ir \ntambem \xc3\xa0 direita por isso que se costuma por o despacbo \n\xc3\xa0 esquerda, e devemos deixar espaco bastante para elle e \npara a assignatura. \n\nNos requerimentos e mais papeis que vam \xc3\xa0 presenca \nd\'El-Rei, dobra-se o papel ao meio em cruz, e escreve-se \ns\xc3\xb3mente na quarta parte d\'elle, tanto na primeira corno \nnas paginas seguintes. Nos requerimentos aos tribunaes, \nposto que representem a magestade, deixam-se margens \nmenos largas; para os grandes ser\xc3\xa0o um pouco mais pe- \nquenas, e assim ir\xc3\xa0o diminuindo, segundo for menor a \nqualidade da pessoa a quem se escreve. \n\nKntre amigos que se respeitam, \xc3\xa9 muito usada e de bom \ngosto a seguinte formula : \n\nIllustrissimo Senhor, \n\nPresado amigo ; ou presado amigo e companheiro ou col- \nlega (se alguma d\'estas qualidades nelle concorre) ; ou \npresado amigo do meu maior respeito e venerac\xc3\xa0o (se as \ncircumstancias o pedem). \n\n\n\nDAS CARTAS. 215 \n\nN\xc3\xa0o se p\xc3\xb3de hoje dar regra fixa sobre a conclus\xc3\xa0o das \ncarlas. P e Vieira, e os do seu tempo, e ainda depois, \ncorno vemos da Escola de Politica, terminavam, dizendo \naos grandes : A pessoa de Vossa Excellencia guarde Deos \npelos annos que todos lhe pedimos, ou corno havemos \nmister, ou corno Portugal ha mister. Est\xc3\xa0 f\xc3\xb2rmula tem \nquasi caldo em desuso, e s\xc3\xb3 se poder\xc3\xa0 empregar em caria \nde grande formalidade, e ceremonia, ou d\'officio, escre- \nvendo seguidamente a morada e a data na mesma linha. \nEin todos os outros casos, podem-se concluir, pouco mais \nou menos, corno em francez, dizendo : Digne-se Yossa \nExcellencia aceitar os protestos do profundo respeito com \nque sou, \n\nIllustrissimo e Excellentissimo Senhor, \n\nDe Yossa Excellencia, \nHumilde subdito e obediente cri\xc3\xa0do, \n\nPara pessoas n\xc3\xa0o tao elevadas poderemos dizer : Sou \ncom a maior considerac\xc3\xa0o e respeito, \nIllustrissimo Senhor, \n\nDe Vossa Senhoria, \nMilito attento venerador e fiel criado, \n\nFJnlre pessoas quasi iguaes, e que se n\xc3\xa0o Iralam conio \namigos, podemos dizer : Receba Vossa Senhoria os pro- \ntestos de considerac\xc3\xa0o e estima com que tonilo a honra de \nconfessar- me ou de me assign\xc3\xa0r, \nIllustrissimo Senhor, \n\nDe Vossa Senhoria, \nMuito attento venerador e obrigado, \n\nEni carlas de menos ceremonia poderemos dizer : Desejo \nme de occasioes de mostrar quo sou de v\xc3\xa9ras ; ou faca-me \n\n\n\n21 \xc3\xac GODIGO DO BOM TOM. \n\no obsequio de crer nos sentimentos de estima e conside- \nracelo com que ine preso ser ; ou creia que me preso de \nser ; ou tenbo milita satisfac\xc3\xa0o de me assignar, \nDe Vossa Senhoria, \nMilito attento venerador e obrigadissimo criado; \nou mui respeitoso servo e obrigado amigo, \nou amigo venerador e criado obediente, eie. \n\nEntre amigos p\xc3\xb3de-se variar de muitas maneiras a con- \nclus\xc3\xa0o das cartas, e at\xc3\xa9 o bom gosto pede que se nao diga \nsempre a mesma cousa. Eis aqui duas formulas que sarri \nmui polidas e graciosas : \n\nQueira V. S. mandar corno criado a quem tem a honra \nde ser \n\nDe Vossa Senhoria, \nAmigo f\xc3\xacel e obrigadissimo, \n\nSlande Vossa Senhoria em tudo a quem \xc3\xa9 \nDe Vossa Senhoria, \nAmigo por felicidade e criado por obrigac\xc3\xa0o. \n\nA\' similhan^a d\'estas muilas outras conclusoes acha- \nreis se consultardes o respeito, a amizade, as obriga- \ncoes ou affeic\xc3\xa0o que tiverdes a pessoa a quem escre- \nverdes ; e sobre tudo se, quando vos achardes em relacao \ncom pessoas bem criadas, observardes corno ellas concluem \nsuas cartas. Devo por\xc3\xa9m advertir-vos que as palavras con- \nsiderando, estima, nao se devem nunca empregar de infe- \nrior para superior; porque s\xc3\xb3 a este pertence dar conside- \nralo e estima ; aquelle \xc3\xa9 feliz quando a merece. \n\nA data deve p\xc3\xb3r-se, nas cartas de ceremonia, logo adiante \nda conclus\xc3\xa0o, depois de nomear a terra onde \xc3\xa9 feita. Nas \nde pouca ceremonia, em baixo \xc3\xa0 esquerda. \xc3\x89 maneira mui \n\n\n\nDAS CARTA S. \n\n\n\n215 \n\n\n\npolida e cortez\xc3\xa0, quando se escreve da mesma cidade ou \nvilla, por em logar do nome da terra, C. de V. Exc a ou S a \n(casa de V...) ou S. C. (sua casa), segundo a qualidade da \npessoa a quem se escreve. Por\xc3\xa9m nas de negocio, p\xc3\xb2e-se \nno alto da primeira pagina; o que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 seni utilidade, \nporque devendo-se guardar estas carlas, e por por ordem, \nmellior se lhes sabe a data estando ella no alto da primeira \npagina. \n\nnome deve p\xc3\xb3r-se no firn da pagina, \xc3\xa0 direita, quando \nse escreve a pessoa de grande qualidade ; para pessoas \nmenos autorizadas p\xc3\xb2e-se um pouco abaixo da conclus\xc3\xa0o ; \ne para amigos, quasi ao p\xc3\xa9. Em cartas de negocio, n\xc3\xa0o se \ndeve deixar nenhum espaco em branco entre a ultima linha \ne a assignatura, para que n\xc3\xa0o aconteca que alguem, imi- \ntando a lettra, ajunte alguma clausula em nosso detri- \nmento. Nas cartas para El-Rei, de informac\xc3\xb2es, ou casos \nsimilhantes, tambem se poe \xc3\xa0 esquerda o titillo, o emprego \nde quem a escreve, corno v. gr. : \n\nDo desembargador, corregedor, eie. \n\n(0 nome e appellido.) \n\nPara pessoas d\'autoridade e superiores p\xc3\xb2e-se o nome e \nappellidos por extenso. Os titulares p\xc3\xb2em s\xc3\xb3mente o titillo, \nmas costiiiriam, \xc3\xa0s vezes, interlacar a primeira lettra do \ntitulo com a inicial do nome. Para amigos, camaradas, e \npessoas de familiaridade, basta por o appellido sem firma \ne \xc3\xa0s vezes s\xc3\xb3mente a firma. Para pai, m\xc3\xa0i, parentes clic- \ngados, deve p\xc3\xb2r-se s\xc3\xb3mente o nome da pia; isto tambem \nmuitas vezes entre amigos intimos que se tralam por fu. \nEm carlas de negocio, deve-se escrever onome e appellidos \npor extenso, e coni a firma que tivermos adoptado, e \nsempre com uniformidade, para que faca f\xc3\xa9 em juizo e \npossa ser reconhecida por tabelli\xc3\xa0o, quando preciso seja. \n\n\n\nG0D1G0 DO BOM TOM. \n\nOs sobrescritos devem p\xc3\xb3r-se segundo os titulos e trata- \nmentos de que nos tivermos servido nas cartas, indicando \no numero, rua, cidade ou villa, logar ou aldeia, e a pro- \nvincia ou districto segundo a divis\xc3\xa0o territorial do paiz. Aos \nlitulares poem-se s\xc3\xb3rnente os litulos ; se acontecer por\xc3\xa9m \nhaver dous titulos similhantes, o que succede muitas vezes \ncom as f\xc3\xacdaigas, deve-se declarar o nome de baptismo, \npara evitar equivocac\xc3\xb2es. Tambem se deve por era linha \nseparada, e mais abaixo do meio do sobrescrito, a digni. \ndade, o cargo, as honras que a pessoa tem ; sendo por\xc3\xa9m \nniuitos, p\xc3\xb3r-se hao os principaes, corno, do conselho de sua \nmagestade, f\xc3\xacdalgo da casa real, commendador, cavalleiro \nda ordem de...., doutor, etc. \n\nsobrescrito deve p\xc3\xb3r-se de modo que a obreia fjque \npara baixo, ou \xc3\xa0 direita, quando a carta seja ao alto. Este \nmodo de sobrescritar as cartas ao alto era usado geral- \nmente entre n\xc3\xb3s quando se escrevia para a mesma terra, \nainda \xc3\xa0s pessoas de maior ceremonia ; mas talvez hoje se \ntenha adoptado o costume francez, que me parece mais ra- \nzoavel. \n\nA obreia, ou sinete deve ser pequeno para os grandes, \num tanto maior para os iguaes, grande para os inferiores. \nAs pessoas que t\xc3\xa8m armas usar\xc3\xa0o d\'ellas em seus sinetes, \nas que as n\xc3\xa0o t\xc3\xa8m poder\xc3\xa0o mandar gravar nelles as suas \niniciaes, ou alguma divisa accommodada \xc3\xa0 sua posic\xc3\xa0o so- \ncial, lilteraria ou ecclesiastica. Fechar urna carta com um \ncamafeo ou outro objecto d\'este genero n\xc3\xa0o \xc3\xa9 polido nem \ndecente ; melhor \xc3\xa9 o simples lacre : assim fazem muilas \npessoas que, posto que usem de iniciaes ou cifra no sinete, \nse n\xc3\xa0o servem d\'ellas quando escrevem a pessoas de maior \nautoridade. \n\nEm cartas de officio costuma-se por no sobrescrito, em \nbaixo, no canto esquerdo, o nome da pessoa que escreve, \ndizendo : De F., e tambem se p\xc3\xb3e o titillo, ou emprego \n\n\n\nDAS CARTAS. \n\n\n\n217 \n\n\n\nda pessoa, conio do Desembargador F., do Coronel do Re- \ngimento, etc. \n\nAs cartas de recommendac\xc3\xa0o ou d\'empenho dam-se, ou \nmandam-se sempre abertas \xc3\xa0s pessoas por quem nos in- \nteress\xc3\xa0mos ; o contrario seria urna grande descortezia, e \npr\xc3\xb2va de ma educac\xc3\xa0o. Quando se escreve por via, ou me- \ndiac\xc3\xa0o d\'alguma pessoa de respeito, de modo que a nossa \ncarta haja de ir dentro na sua, pede a politica que lh : a en- \ntreguemos ou mandemos aberta, a n\xc3\xa0o ser que ella nos \ntenha aulorizado formalmente e com instancia para a \nfecharmos ; mas teremos cuidado de a advertir de que \nvai aberta, rogandolhe tenha a bondade de a fechar, \nporque assim corno faltariamos \xc3\xa0 civilidade entregando-a \nfechada sem sua permiss\xc3\xa0o , tambem commetter] amos \ngrande descortezia para com a pessoa a quem escrevemos \nse nossa carta fosse aberta. \n\nOs post-escritos s\xc3\xb3 se permittem entre amigos, collegas, \npessoas de conf\xc3\xacanca ; e talvez em cartas de negocios; \npor\xc3\xa9m em outro qualquer caso \xc3\xa9 grande incivilidade, e \npor ventura falta de respeito \xc3\xa0 pessoa de autoridade a \nquem escrevemos. fost-escrito suppoe esquecimento, ou \nomiss\xc3\xa0o, ou indica pouca attencao da parte de quem es- \ncreve. Pelo que, se alguma vez vos acontecer esquecerdes \nalguma cousa que querieis dizer , fazei outra carta , e \nmelhor evitareis estes descuidos se fizerdes um bornio, \ncorno j\xc3\xa0 vos disse. \n\nPara as Cartas em francez recomraendo-vos uni excel- \nlente livro de que j\xc3\xa0 vos tenho fallado mais d\'urna vez, que \ntem por titillo Le style \xc3\xa9pistolaire, ahi achareis (pianto \xc3\xa9 \nnecessario para beni escrever essas cartas. \n\n\n\n15 \n\n\n\n218 \n\n\n\nGODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nREGRAS GERAES PARA A COMPOSIQ\xc3\x80O DAS CARTAS \n\nAs cartas sobre que pretendo dar-vos algumas regras, \nmeus filhos, sam as particulares que se escrevem entre ami- \ngos, ou pessoas de eonhecimento, sem ten$\xc3\xa0o que se pu- \nbliquem, ou sejam de simples amizade e respeitosa cor- \ntezania, ou sobre negocios particulares ou publicos, com o \nfirn de communicar com pessoas ausentes, e transmittir- \nlhes por escrito o que lhes diriamos de viva voz se esti- \nvessem presentes. \n\nAs cartas t\xc3\xa8m differentes nomes, ou para melhor dizer, \ndividem-se em varias classes, segundo os diversos fms a \nque podem dirigir-se, e os varios assumptos sobre que \nversam. Os differentes autores que tratam d\'est\xc3\xa0 materia \nfizeram diversas classif\xc3\xaccacoes, e algumas mui numerosas ; \ntal \xc3\xa9 a de Libanio que nos seus Characteres epistolarum \nconta quarenta especies differentes, com cuja nomencla- \ntura n\xc3\xa0o quero cansar-vos. A que mais me agrada \xc3\xa9 a se- \nguinte. \n\nHa cartas moraes e de conselhos, de pezame, de para- \nbens, de pretendo ou peditorio, eucharisticas ou de agra- \ndecimento, de recommendac\xc3\xa0o ou de empenho, a pessoas \nde cuja companhia nos separ\xc3\xa0mos, de queixas, de excusa, \nde negocios e encargos, de participac\xc3\xa0o ou noticia, de boas \nfestas, dia d\'annos^ etc. \n\nDar-vos-hei primeiramente algumas regras geraes para \ntodas as cartas, e depdis fallarei de cada especie em par- \nticular. \n\nl a estylo ha de ser naturai e sing\xc3\xa9lo quanto seja pos. \nsivel, porque a affecta^\xc3\xa0o e demasieido adorno assentam \ntao mal numa carta corno na conversalo ordinaria. Est\xc3\xa0 \nregra, que \xc3\xa9 a fundamental para bem escrever cartas^ \xc3\xa9 \n\n\n\nDAS CARTAS. 219 \n\nfundada no dito de Seneca a Lucilio : \xc2\xab Qualis meus sermo \nesset si una sederemus, aut ambularemus, illaboratus et \nfacilis; tales volo esse epistolas meas. \xc2\xbb \n\n2 a Est\xc3\xa0 naturalidade e singeleza n\xc3\xa0o excluem com tudo \nos pensamentos engenhosos e profundos, antes com elles \nse tornam graciosas e interessantes, se as agudezas n\xc3\xa0o \nsani estudadas, e as sentencas se n\xc3\xa0o prodigalizam com \ndemazia. \n\no a A linguagem e o toni h\xc3\xa0o de ser familiares naquelle \ngr\xc3\xa0o que corresponda \xc3\xa0 maior ou menor intimidade que \nhaja entre os dous eorrespondentes, e a maior ou menor \nimportancia do assumpto sobre que versa a correspon- \ndencia, e a maior ou menor dignidade da pess\xc3\xb3a a quem \nse dirige a carta. Se est\xc3\xa0 n\xc3\xa0o \xc3\xa9 d\'officio, sei\xc3\xacao de parti- \ncular a particular, ainda sendo escrita a mais alta perso- \nnagem, deve conservar certo ar de familiaridade ; por\xc3\xa9m \nurna familiaridade nobre, por entre a qual trans\xc3\xacuza o \nrespeito devido ao caracter da pessoa com quem fall\xc3\xa0mos. \n\n4 a A singeleza, a naturalidade, e o tom familiar que vos \nrecommendo tenhais nas cartas, n\xc3\xa0o querem dizer uni \ntotal descuido, e desalinho. Deveis por toda a attenc\xc3\xa0o no \nestylo, ainda que escrevais ao amigo mais intimo, escre- \nvendo sempre com pureza e correcc\xc3\xa0o ; e se uni ou outro \nligeiro descuido \xc3\xa9 desculpavel , sera cousa mui reprehen- \nsivel urna constante negligencia. \n\n5 a Nas cartas n\xc3\xa0o assentarci bem em geral clausulas mui \nnumerosas, e urna coordena$\xc3\xa0o de palavras demasiada- \nmente harmoniosa ; basta que as express\xc3\xb2es e sua combi- \nnac\xc3\xa0o n\xc3\xa0o sejam conliecidamente duras e asperas. \n\n6 a Commummenle tampouco admittem clausulas com- \npridas e periodicas, antes a soltura e facilidade nas con- \nstruc^oes sani uni dos caracteres dominantes do estylo \nepistolar. Est\xc3\xa0 regra n\xc3\xa0o \xc3\xa9 toJavia tao rigorosa que se \nalguma vez o pensamento estiver convidando a urna con- \n\n\n\n\'220 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nstruc^\xc3\xa0o periodica deixemos de empreg\xc3\xa0l-a. Tudo o que \nvem naturalmente, tudo o que sai do corac\xc3\xa0o, tanto em \nordem aos pensamentos corno ao modo de present\xc3\xa0l-os e \nexprimil-os, \xc3\xa9 bom. vicio est\xc3\xa0 no excesso e na affectac\xc3\xa0o. \n\n7 a Os similes mui extensos e eircumstanciados, a dema- \nz\xc3\xacada erudito, as allus\xc3\xb2es obscuras e remotas, os termos \npoucousados, o tom mui remontado e emphatico, as per- \nsonnificac\xc3\xb2es, as apostrophes a objectos inanimados, e \noutrosmovimentos oratorios d\'este genero sam intempes- \ntivos nas cartas, porque n\xc3\xa0o parecem naturaes no que \nescreve tranquillamente no seu gabinete. Sem embargo, \ntaes circumstancias podem occorrer, e a imagina^\xc3\xa0o do \nque escreve p\xc3\xb3de de tal modo estar agitada, e seu corac\xc3\xa0o \ntao commovido que est\xc3\xa0 linguagem seja mais propria em \nsua situac\xc3\xa0o ; e ent\xc3\xa0o poder\xc3\xa0 usar d\'ella. Por\xc3\xa9m estes \ncasos sam raros : sam excepc\xc3\xb2es que servem de confirmar \na regra. \n\nREGRAS PART1CULARES PARA DIFFERENTES GENEROS DE CARTAS \n\nCARTAS MORAES E DE CONSELHOS. \n\nPosto que o dar conselho seja urna obra de misericordia, \ncom tudo, meus filhos, para vivermos bem no mundo \xc3\xa9 \nmister n\xc3\xa0o aconselhar sen\xc3\xa0o a quern nos pede conselho, \nou quando conhecamos que o deseja, e julg\xc3\xa0mos que ha \nde ser bem recebido. A carta que se afastar d\'este prin- \ncipio sera sempre intempestiva. Gonselhos ha que sam de \nobriga^\xc3\xa0o, corno os de pai a seu fillio, de mestre a seu \ndiscipulo, etc, e outros de amizade. Aquelles sempre sam \ndados a tempo, porque a obriga^\xc3\xa0o subsiste sempre; estes \nser\xc3\xa0o dados fora de tempo se chegarem a quem se dam \nquando elle est\xc3\xa0 no ardor impetuoso de sua paix\xc3\xa0o, arre- \nbatado pela violencia de seus movimentos; quando, cha- \n\n\n\nDAS GARTAS. 221 \n\nmado por outros assumptos de consideralo, n\xc3\xa0o tem o \ntempo sufficiente para reflectir sobre o que se lhe acon- \nselha, ou emf\xc3\xacm se estes chegam depois que inutilmente \nos ha j\xc3\xa0 dado outra pessoa. Todos estes conselhos sam \nmuito arriscados por n\xc3\xa0o serem a tempo. amor, a cari- \ndade, a compaix\xc3\xa0o e a conf\xc3\xacanga h\xc3\xa0o de dirigir a penna \ndo que aconselha : aconselhar com exasperac\xc3\xa0o e rigor \xc3\xa9 \nperder o tempo, sem esperanca de conseguir a emenda que \nse deseja. \n\nSe algum dia escreverdes d\'estas carlas, escrevei na sup- \nposto de que julgais vossos avisos j\xc3\xa0 postos em pratica \nainda antes de que cheguem, e ao menos n\xc3\xa0o exijais com \nautoridade que se realizem. Fazei ver s\xc3\xb3mente a sua utili- \ndade ; e a submiss\xc3\xa0o (que se irrita quando se cr\xc3\xa8e pre- \ndominada) nascer\xc3\xa0 da mesma gratid\xc3\xa0o que origin\xc3\xa0ra vossa \nbondade. \n\nComo o humor de que nos ach\xc3\xa0mos affectados quando \ntom\xc3\xa0mos a penna \xc3\xa9 regularmente a mola que a dirige, e \ncorno n\xc3\xa0o ha mortai tao feliz que n\xc3\xa0o presenc\xc3\xa8ie ou sirva \nde objecto a varias situacoes desgracadas, d\'aqui prov\xc3\xa8m \nque, escrevendo a algum amigo, nos vemos quasi preci- \nsados a fallar-lhe do que sentimos, j\xc3\xa0 desejosos de desa- \nfogar nossos sentimentos communicando-lh\'os, j\xc3\xa0 porque \nas reflex\xc3\xb2es serias e moraes nos escapam quasi involunta- \nriamente, quando o corac\xc3\xa0o est\xc3\xa0 apaixonado ou opprimido, \npelo que, meus filhos, deveis examinar com a maior pru- \ndencia a quem se dirigem vossas cartas, para que n\xc3\xa0o sejam \nobjecto de sua irris\xc3\xa0o, e procurar igualmente que cheguem \na tempo opportuno, e encontrem a quem as recebe em dis- \nposilo favoravel para as reflex\xc3\xb2es que lhe f\xc3\xaczerdes, evi- \ntando v. g. o moralizar sobre cousas tristes a um sujoilo \ntodo occupado com o gozo d\'iim casamento recente. \n\n\n\n222 \n\n\n\nGODIGO DO BOM TOM \n\n\n\nCARTAS DE PEZAME. \n\nToda a carta de pezame sera curia, e o seu unico objecto \n\xc3\xa9 o de approvar o justo motivo que afflige a pessoa que pa<- \ndece a afflic^\xc3\xa0o, juntando algumas reflex\xc3\xb2es e conselhos \nconsolatorios, os quaes devem ser tirados da Religi\xc3\xa0o. \n\nQuando se p5e mais attendo na elegancia das expressoes \nque no objecto da carta, aconselha-se mal. Em geral nao \n\xc3\xa9 a escolha das palavras, nem o peso das razoes que allivia \nurna pessoa afflicta, por\xc3\xa9m \xc3\xa9 pela maneira com que se in- \ntenta dar-lhe allivio. \n\nPara isto \xc3\xa9 necessario manifestar no principio da carta \nque se toma parte no seu justo sentimento. Por este modo \na pessoa le a carta com mais gosto. E nao ha perigo de \naugmentar a d\xc3\xb3r de quem perde a urna pessoa estimada, \nainda que lh\'a lembremos, com tanto que seja para fazer \nseu elogio ; al\xc3\xa9m de que a tristeza nao \xc3\xa9 outra cousa senao \nurna melancolia que se recreia com suas lagrimas. Este \nargumento p\xc3\xb3de servir de preambulo, ou de introducc\xc3\xa0o \n\xc3\xa0 carta, e d\'aqui se passa naturalmente \xc3\xa0s razoes que ser- \nvem de remedio ao mal. Torno a repetir-vos que as cartas \ndevem ser curtas, porque as reflex\xc3\xb2es moraes e religiosas \npodem mui promptamente causar enfado \xc3\xa0 pessoa a quem \nse escreve. \n\nAs respostas \xc3\xa0s cartas de pezame devem ser escritas no \nmesmo estylo, h\xc3\xa0o de seguir-se nellas as mesmas regras, \nfazendo sobresair, quanto seja possivel, a conformidade \ncom a vontade de Deos, e a esperanca de que a pessoa de- \nfuncta estar\xc3\xa0 gozando de sua vista. \n\n\n\nDAS CARTAS, \n\n\n\n225 \n\n\n\nCARTAS DE PARABENS. \n\nDevemos tornar parte nos motivosd\'alegria que occorrerti \na nossos amigos, parentes, ou protectores. Um descuido, \nainda que involuntario, a este respeito suscita nelles justa- \nmente a suspeita de que somos ingratos ou invejosos. \n\nSam faceis de escrever estas cartas quando as dieta ver- \ndadeiramente a amizade, por\xc3\xa9m exigem mais arte e pre- \ncauc\xc3\xa0o quando a politica e urbanidade unicamente nos \nobrigam a escrev\xc3\xa8l-as, em cujo caso se enche o papel com \nos cumprimentos ordinarios fundados no merito que se \nsuppoe no sujeito a quem se escreve, na utilidade que re- \nsultar\xc3\xa0 da acertada eleic\xc3\xa0o que se fizera de sua pessoa, da \njustica que a produzio, do interesse que se toma na sua \nmaior elevac\xc3\xa0o, etc. \n\nAs respostas devem fazer-se no mesmo estylo, tocando \nos mesmos pontos, e deixando transluzir um sentimento de \nmodestia, e de n\xc3\xa0o ser ass\xc3\xa0s digno, etc. \n\nCARTAS DE PRETE>\'\xc2\xa7AO, REPRE SENTA (JOES E MEMORIAES. \n\nNecessita-se d\'urna habilidade mui particular para fazer \nurna relac\xc3\xa0o dos proprios meritos, que algumas vezes \nobt\xc3\xa8em com justica o que se pede, e rogar que sem atten- \nevo a elles conceda aquelle a quem se dirige a supplica o \nque se deseja por graca particular, e s\xc3\xb3 por um effeito de \nsua generosidade. \n\nPedir com humildade, interessar o amor proprio da per- \nsonagem que ha de despachar-nos, para que nos pref\xc3\xacra a \nnossos competidores; empregar um estylo que se deixe ler \ncom gosto, ser conciso, sing\xc3\xa9lo e modesto, prodigalizando \nos termos respeitosos, e as razoes mais capazes de con- \n\n\n\n224 GODIGO DO BOM TOM. \n\nvencer e manifestar confianca de alcangar o que se sollicita, \neis o que forma e a formos\xc3\xa8a as cartas de pretendo ou \nmemoriaes, pois entre estas duas classes d\'escritos n\xc3\xa0o ha \ndistinc\xc2\xa3\xc3\xa0o d\'argumento sen\xc3\xa0o s\xc3\xb3mente de formula : os \nmemoriaes fazem-se numa follia inteira de papel com \nmargem mui larga, e concluindo com o cumprimento da \nmaior politica e submiss\xc3\xa0o, sendo que nas cartas de pre- \ntendo n\xc3\xa0o se observam mais formalidades que nas outras, \ncorno j\xc3\xa0 vos disse. \n\nQuanto \xc3\xa9 facil a resposta a estas cartas quando se con- \ncede o pedido, tanto ella \xc3\xa9 difficil quando havemos de dar \num n\xc3\xa0o. \xc3\x89 pois necessario dourar a pilula o me\xc3\xachor que \npodermos; fazer ver aimpossibilidade emque estavamosde \nannuir \xc3\xa0 pretendo, mostrar sentimento e pena por n\xc3\xa0o \npoder faz\xc3\xa8l-o, e sobre tudo que, se dependesse de n\xc3\xb3s, o \nteriamos feito com grande gosto esatisfac\xc3\xa0o; acompa- \nnhando tudo de express\xc3\xb2es graciosas, urbanas eamigaveis \nquanto nos seja possivel. \n\nCARTAS EUCHARISTICAS, OU I>E AGRADECIMENTO. \n\nser grato \xc3\xa9 urna virtude; por conseguinte a ac$\xc3\xa0o de \ngracas, pelos favores reeebidos, deve ser urna obrigac\xc3\xa0o \nsagrada. corac\xc3\xa0o que n\xc3\xa0o sente certos movimentos que o \nforcem \xc3\xa0 effus\xc3\xa0o d\'algumas express\xc3\xb2es com que manifeste \na seu bemfeitor seu reconhecimento n\xc3\xa0o s\xc3\xb3mente \xc3\xa9 ingrato, \nsen\xc3\xa0o muito merecedor de que se lhe evitem as occasi\xc3\xb2es \nem que exerca sua grosseira insensibilidade. \n\nD\'este principio nascem as cartas chamadas eucharisti- \ncas ou de agradecimento. estylo deve ser o do corac\xc3\xa0o ; \nassim que, sua propria sensibilidade, a consideralo da \ngenerosidade do bemfeitor, e as circumstancias que acom- \npanham o benef\xc3\xaccio devem subministrar a materia de taes \n\n\n\nDAS CARTAS. 225 \n\ncartas, que sam mui susceptiveis de expressoes vivas e \nbrilhantes. \n\nDe ordinario, o artigo a que se d\xc3\xa0 mais extens\xc3\xa0o, \xc3\xa9 \naquelle em que se falla da certeza com que corresponde- \nremos ao beneficio recebido, se para isso se offerecer occa- \nsi\xc3\xa0o. Eu acho, meus filhos, que est\xc3\xa0 formula cheira um \npouco a amor proprio, pois se annuncia desejo de paga, \ncorno para minorar a divida. Supprimi pois similhante \ncumprimento quando escreverdes cartas de agradecimento, \no qual \xc3\xa8 tanto mais descortez quanto for maior a persona- \ngem a quem se dirigir. \n\nA anecdota que vou contar-vos d\xc3\xa0 um grande exemplo \nda f\xc3\xb3rma mais conveniente ao verdadeiro agradecimento. \n\nQuando Vaugelas trabalhava no diccionario da \xc3\x80cademia \nfranceza deu-lhe urna ten^a o ministro Richelieu. Veio o \nautor para agradecer-lhe ; ao v\xc3\xa8l-o disse o cardial : \xc2\xab Ora \npois, ao menos n\xc3\xa0o esquecereis em vosso diccionario a \npalavra tenga. \xe2\x80\x94 N\xc3\xa0o, eminentissimo senhor, e muito \nmenos a de agradecimento, na qual me estenderei mais, \xc2\xbb \nrespondeu o academico. \n\nCARTAS DE RECOMMENDAQAO OU D*EMPENHO. \n\nEst\xc3\xa0 p\xc3\xb3de chamar-se boje a moeda corrente, por\xc3\xa9m por \nser tao commum, n\xc3\xa0o deixa por isso de ser falsa. \xc3\x89 tanta a \nfacilidade com que boje em dia se dam cartas de recom- \nmendac\xc3\xa0o, que raramente produzem boni effeito. \n\nPor urna carta de recommendac\xc3\xa0o pede o que a escreve \nque se conceda parte da protecc\xc3\xa0o ou amizade, com que o \nhonram, ao sujeito que elle recommenda e que sollicita \nalguma graca. \n\nDeve empregar-se algum parrafo em elogiar as prendas \ndo recommendado, tanto para justificar o motivo da recom- \n\n13. \n\n\n\n226 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM \n\n\n\nmendag\xc3\xa0o corno para que est\xc3\xa0 produza seu effeito. Neste \ncaso, a mais pequena lisonja deveria ter-se por um crime ; \npor\xc3\xa9m por desgraca n\xc3\xa0o acontece assim, e o mesmo que \nleva a carta (que o costume manda que entregue aberta) ? \nnao conhece o seu retrato. \n\nPosto que a carta de recommenda^\xc3\xa0o e d\'empenho seja \nurna e a mesma cousa, com tudo p\xc3\xb3de-se estabelecer \nalguma differenza entre urna e outra. A carta de recom- \nmenda^\xc3\xa0o \xc3\xa9 a que, mais por formalidade que por interesse, \nescrevemos a um amigo em favor d\'urna pessoa que dese- \nj\xc3\xa0mos elle obsequeie ou sirva em sua preteng\xc3\xa0o. A carta \nd\'empenho por\xc3\xa9m \xc3\xa9 aquella em que nos interess\xc3\xa0mos \nmuito de v\xc3\xa9ras por alguma pessoa da nossa amizade, e em \nque empenh\xc3\xa0mos todo o nosso valimento para com um \namigo, afim de que elle empregue seus bons officios a favor \nde nosso afilhado ; por isso \xc3\xa9 costume quasi sempre dizer, \nque o que a elle se f\xc3\xaczer o tomaremos corno feito a n\xc3\xb3s \nmesmos. \n\nCARTAS \xc3\x80S PESSOAS 1>E CUJA COMPANHIA NOS SEPARAMOS. \n\nOs agradecimentos que se dam verbalmente \xc3\xa0s pessoas \nem cuja casa estivemos, pelo bom accolhimento que nos \nfizeram n\xc3\xa0o nos dispensam, de lh\'os repetirmos novamente \npor escrito quando, concluida a viagem, cheg\xc3\xa0mos ao \nnosso destino. Manda-o assim a urbanidade, e assim o \npede a justica. \n\nCertas particularidades occorridas nas pousadas e ca- \nminhos, os lugares por onde pass\xc3\xa0mos, seu aspecto e pro- \nduccoes, e sobre tudo algumas impress\xc3\xb2es lisonjeiras e \ndelicadas \xc3\xa0cerca do sentimento occasionado pela separa- \nrlo, offerecem mui vasto campo em que nos podemos \nestender nesta especie de cartas, as mais susceptiveis de \ntoda a graca e adornos do estylo epistolar. \n\n\n\nDAS CARTAS. \n\n\n\n227 \n\n\n\nCARTAS DE QUEIXAS. \n\nContinuadamente se nos offerece occasi\xc3\xa0o de manifestar \nnosso justo ressentimento \xc3\xa0s pessoas que no-lo occasionali! . \nf\xc3\xacdalgo que julgando-se de urna distincta especie dos de \nmais homens seus inferiore*, costuma, por seu esqueci- \nmento, dar occasi\xc3\xa0o a nossas queixas; do mesmo modo que \no amigo, movido talvez por algum interesse, o prefere \xc3\xa0 \nmesma amizade ; se a estes deix\xc3\xa0mos em silencio, parece \nque lhe d\xc3\xa0mos azo para que nos tenham por insensiveis ou \npor dignos do desprezo com que nos h\xc3\xa0o tratado. Para \nevitar ambos estes inconvenientes, deve talvez pegar-se na \npenna, por\xc3\xa9m nunca sem que tenha passado j\xc3\xa0 a primeira \nforca de nosso ressentimento para que n\xc3\xa0o incorr\xc3\xa0mos \nnoutro maior. \n\nCham\xc3\xa0mos commummente paliar as cousas a maneira \ncom que as explic\xc3\xa0mos,fazendo-o em termos que sedeixem \nouvir sem o desgosto que occasionariam ditas claramente \nsem rodeios, e taes quaes sani em si. E se isto \xc3\xa9 necessa- \nrio em todas as cartas de queixas, muito mais o \xc3\xa9 quando \nellas se dirigem aoprotector, ao grande, ao amigo de quem \ntalvez necessit\xc3\xa0mos; assim que, devemos suppor com \ndocura sua falta, e attribuil-a a suas oceupa\xc2\xa7\xc3\xb2es, meio \nunico para que nos continuem sua proteecao e amizade. \n\nAs respostas a esla especie de cartas entrain na classe \nseguinte. \n\nCARTAS D\'ESCUSA. \n\nQuando se trata de responder \xc3\xa0 queixa ou accusac\xc3\xb2es \nrelativas a pontos de cntidade, deve-se empregar, tanto \nnos motivos que se allegam para dissipar as suspeitas, \n\n\n\n228 CODIGO DO BOM TOM. \n\ncorno nas protesta^oes de amizade, fidelidade, etc, um \nestylo sing\xc3\xa9lo, e expressoes naturaes que disponham aquelle \na quem se escreve a persuadir-se da sinceridade de quanto \nlhe dizemos, evitando com cuidado um toni demasiada- \nmente humilde e rasteiro, que desdiz da nobre confianga \nque inspira a innocencia. \n\nSe se tratasse s\xc3\xb3mente de escusar urna culpa de pouca \nimportanza, corno v. g. o descuido de n\xc3\xa0o escrever, que \xc3\xa9 \no caso que mais a miudo se apresenta, \xc3\xa9 melhor \xc3\xa0s vezes \ntom\xc3\xa0l-a em tom de gra^a, e confessar ingenuamente sua \npregui^a e descuido, que empenhar-se em dar, com for- \nmalidade, escusas e raz\xc3\xb2es, cuja exactid\xc3\xa0o n\xc3\xa0o cr\xc3\xa8 ordina- \nriamente nem quem as le nem quem as escreve. \n\nCARTAS DE 1SEG0CI0S E ENCARGOS. \n\nA este genero de cartas podemos chamar de primeira \nnecessidade, e por isso mesmo sam mais faceis de escre- \nver. Quem necessita d\'outrem para o despacho d\'um \nnegocio seu, apenas toma a penna comeca logo a commu- \nnicar-lhe os seus designios ; assim que, est\xc3\xa0 especie de \ncartas exclue todo preambulo, e desde a primeira linha \nentra logo manifestando seu intento nura estylo naturai; \npois occupada a imagina^\xc3\xa0o do objecto principal n\xc3\xa0o busca \nphrases que dem luzimento \xc3\xa0 sua explicac\xc3\xa0o, nem se vale \nde transicoes para passar d\'um artigo a outro. \n\nVivificar as id\xc3\xa8as propriaspara que passem \xc3\xa0 imaginac\xc3\xa0o \nd\'aquelle a quem desej\xc3\xa0mos particip\xc3\xa0l-as, este \xc3\xa9 o firn de \ntaes cartas ; por isso mesmo o proprio interesse as dieta \ncom faciliducle, e quando elle falla n\xc3\xa0o \xc3\xa9 mister arte. \n\nNem todos os assumptos se podem confiar ao pape]. \nQuantas pessoas h\xc3\xa0o acarretado sua propria desgraca por \nn\xc3\xa0o terem presente esla advertencia! \xc3\x89 mui fraca, meus \n\n\n\nDAS CARTAS. \n\n\n\n229 \n\n\n\nfilhos, a seguranca que offerece urna obreia, ou alguns \npingos de lacre, para um segredo importante.,. Al\xc3\xa9m de \nque, o amigo a quem nos dirigimos poder\xc3\xa0deixar de s\xc3\xa8l-o \ncom o tempo, e sempre pelo papel se est\xc3\xa0 dizendo a mesma \ncousa. Quando menos \xc3\xa8 fazermo-nos escravos voluntarios \nde outrem confiando-lhe por escrito um segredo euja pu- \nblicac\xc3\xa0o nos poder\xc3\xa0 prejudicar. \n\nNao dizer mais nem menos do que se necessita, \xc3\xa9 todo o \nmerecimento de similhantes cartas. A concis\xc3\xa0o e clareza \nde veni ser sua divisa distinctiva. \n\nRecommendo-vos, meus filhos, que nao guardeis, antes \nlancai ao lume, quaesquer cartas de amigos, cujo assumpto \nlhes poderiafazer damno se viesse a ser conhecido.Obrando \nassim, fareis o que desejarieis que elles vos fizessem em \nidenticas circumstancias. \n\nCARTAS DE PARTICIPA\xc2\xa3AO, OU DE ISOTICIA. \n\nCommummente as noticias sani tristes, indifferentes ou \nalegres. Xas primeiras deve tomar-se certa precauc\xc3\xa0o para \nevitar os effeitos terriveis que podem causar communi- \ncadas repentinamente, corno quando ao pai, ao litigante \nha que fazer-lhes saber a morte do fillio, da mulher, do \nprotector, ou a perda do pleilo. melhor \xc3\xa9 prepar\xc3\xa0l-os \ncom urna carta que lhes tire a esperanca, e no seguinte \ncorreio dirigir4hes outra que com clareza lh\'es participe o \ntriste successo. \n\nAs cartas que cham\xc3\xa0mos indifferentes sani as de noticias \npoliticas, ou d\'outra especie ; n\xc3\xa0o pedem a ordem seguida, \nnem o estylo relevado das gazetas, pelo que seni mais cere- \nmonia que fazer separac\xc3\xa0o dos parrafos, se tratani nellas \ndifferentes assumptos singelamente e seni transieoes. \n\nDas alegres \xc3\xa9 superflua qualquer prevengo, porquc de \ntodos os modos sani sempre Lem recebidas. \n\n\n\n230 GODIGO DO BOM TOM. \n\nDeve procurar-se no parlicipar as noticias que sejam in- \nteiramente verdadeiras, pelo que, antes de escrev\xc3\xa8l-as, se \ndevem examinar com critica judiciosa e imparcial, porque \nnao d\xc3\xa0 boa id\xc3\xa8a do talento e capacidade de quem as escreve \no d\xc3\xa0l-as falsas ou disparatas; e neste caso \xc3\xa9 melhor \ncalar-se. \n\nNestas cartas \xc3\xa9 onde mais se emprega a narrac\xc3\xa0o, por \nisso seu estylo deve ser, corno o d\'estas, claro, sing\xc3\xa9lo, \nconciso, breve, naturai com dignidade, ornado e elegante \nquanto o permitta o assumpto que se trata. \n\nTambem nestas cartas podem muitas vezes entrar as \ndescripQ\xc3\xb2es de lugares, sitios, ediflcios, objectos materiaes \ne inanimados, exterior d\'urna pessoa, seu caracter mo- \nra], etc. E para que estas descripcoes sejam interessantes, \ndevem ser verdadeiras, f\xc3\xaceis, animadas, isto \xc3\xa9, devem p\xc3\xb3r- \nnos a vista o objecto que descrevemos com tanta pontuali- \ndade, e tanto ao vivo retratado que pareva que o estamos \nvendo. E isto \xc3\xa9 o que quer dizer a palavra grega enargueia \n(svapyeta), que a est\xc3\xa0 f\xc3\xb3rma de representar os objectos dam \nos rhetoricos, que vale o mesmo que \'pintura. \n\nCARTAS DE BOAS FESTAS, D\'ANNO BOM, E DIA d\'aNNOS. \n\nuso dos cumprimentos \xc3\xa9 urna especie de commercio \nde mentiras de officio, que regularmente a ninguem enga- \nnam pois ha pouquissimas pessoas que nao as tomem pelo \nque.valem; por\xc3\xa9m vivemos com os homens, e \xc3\xa9 mister \nadoptar os costumes que sam geralmente recebidos. Sem \nembargo, tambem ha nisto seu excesso. A lisonja civil nao \nprejudica a sociedade; antes lhe serve de laco se se \nmaneja bem; mas nao a reprimindo \xc3\xa9 facil que degenere \nem va adulac\xc3\xa0o, a qual \xc3\xa9 muito prejudicial. Os dias de \nNatal, d\'anno bom, os dias dos annos d\'alguma pessoa, ou \nsanto do nome, sam dias destinados por urna immemorial \n\n\n\nDAS GARTAS. \n\n\n\n231 \n\n\n\nantiguidade a recordar os sentimentos de agradecimento e \namizade. Succede n\xc3\xa0o se offerecer motivo particular no \ndecurso d\'um anno para escrever a um protector, a um \namigo. Succederla que talvez em muito tempo se n\xc3\xa0o \nofferecesse occasi\xc3\xa0o de escrever-lhes, e para evitar que o \nsilencio origine um total esquecimento entre pessoas que \nse devem alguma correspondencia, se h\xc3\xa0o signalado estes \ndias para manifestar a recordac\xc3\xa0o d\'amizade ou de gra- \ntid\xc3\xa0o. \n\nDemasiado me tenho estendido, meus filhos, \xc3\xa0cerca das \ncartas; mas parece-me que n\xc3\xa0o tereis por inutil o que vos \ntenho dito, visto ser t\xc3\xa0o importante este artigo das relacoes \nsociaes. E muito mais interessante o achareis quando lerdes \no Secretano Portuguez; livro escrito com pessimo gosto, \ncheio do ranco da ret\xc3\xaciorica escholastica, e que s\xc3\xb3 pode \nservir para saber certas formulas que ainda \xc3\xa0s vezes se \nusam. E na verdade, quem p\xc3\xb3de hoje soffrer aquelles \ntermos technicos a quo, ad quem, a instrumentai, e a \ncausai"! Quem se accommoda em nossos dias com a regra \nque elle nos d\xc3\xa0, de dizer, com emphase, usar d\'epithetos, \ne flores d \'eloquencia ? Quem p\xc3\xb3de supportar aquellas clau- \nsulas longas, periodicas, e por vezes redundantes e incha- \ndas, que elle no d\xc3\xa0 por exemplos? Quem n\xc3\xa0o olhar\xc3\xa0 corno \nde m\xc3\xa0o gosto, e por ventura pouco decente, aquelle exemplo \nque elle nos inculca da invenc\xc3\xa0o ornada : \xc2\xab Como os \nvossos olhos vencem em luz as estrellas, assim tambem \nsam um vivo argumento de vossa formosura e do meu \namor? \xc2\xbb N\xc3\xa0o, meus f\xc3\xaclhos, Cicero, Madame de S\xc3\xa9vign\xc3\xa9, e \no nosso Vieira n\xc3\xa0o escreveram assim. Esles sarti os trez \ngrandes modelos que ainda ninguem igualou; ledc-os com \nattenc\xc3\xa0o e vereis a futilidade e m\xc3\xa0o gosto do Secretarlo \nPortuguez; segui as regras que vos tenho dado que sam \nautorizadas pelos grandes mestres. Eni vez de consultardes \nos formularios rancosos d\'aquella fastidiosa compilac\xc3\xa0o, \n\n\n\n232 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nlede as Cartas Selectas do P e Vieira, volume precioso em \nque se acham reunidas e dispostas por ordem de materias \nas mais estimaveis que escreveu aquelle notavel Jesuita. \nConcluirei este importante artigo repetindo-vos o que a \nrespeito d\'estas Cartas escreveu o douto Gonde da Ericeira : \n\xc2\xab Nellas nos intruimos de muitos successos publicos e par- \nticulares, do genio de muitos var\xc3\xb2es illustres, das suas \npalavras e apophthegmas, dos motivos politicos e at\xc3\xa9 mi- \nlitares, e mais que tudo, das virtuosas maximas, dos livres \nconselhos, e das fieis e zelosas intenc\xc3\xb2es d\'este santo, \nsabio, erudito, eloquente e discreto autor. A pureza da \nlingua p\xc3\xb3de servir de documento, e de reprehens\xc3\xa0o aos \nusurpadores d\'outras, suppondo que na nossa n\xc3\xa0o ha os \ntermos, que basta para discursar em todas as materias. \ndecoro da phrase p\xc3\xb3de ser o melhor modelo do profundo \nrespeito, com que se deve escrever aos Principes; da de- \nvida attenc\xc3\xa0o, com que se hao de tratar os grandes; da \namavel facilidade, com que se correspondem os iguaes; e \nda urbanidade precisa, com que se falla aos inferiores, \xc2\xbb \n\n\n\nBURIS E SPARTIS. \n\n\n\nTendo os Lacedemonios mandado matar os embaixadores \nd\'El-Rei de Persia, annunciou-lhes o oraculo grandissimas \ndesgracas se nao expiassem promptamente aquelle bor- \nrendo crime. Dous valentes Espartanos, Buris e Spartis,, \nsacrificaram-se pela salvalo commura : foram de seu moto \nproprio entregar-se a Xerxes, para que vingasse nelles a \nmorte dos seus embaixadores. Admirou o monarcha a sua \nheroica resoluc\xc3\xa0oe, longe de lhes fazer mal algum, pediu- \nlhes que f\xc3\xaccassem na sua c\xc3\xb3rte ; por\xc3\xa9m os dous Lacedemo- \nnios lhe responderam urbanamente : \xc2\xab Poderiamos n\xc3\xb3s \nviver longe da nossa patria, n\xc3\xb3s que por ella queriamos \ndar a vida? \xc2\xbb \n\n\n\nCAPITOLO XIV \n\n\n\nDA ESTADA NO CAMPO \n\n\n\nAs pessoasricas que t\xc3\xa8m quintas, herdades, ou palacios \nno campo convidam, muitas vezes, as pessoas da sua ami- \nzade, especialmente a gente moca, a ir passar com ellas \nalgum tempo : est\xc3\xa0 residencia temporaria exige milita \ndiscric\xc3\xa0o. Posto que aquelles que vos convidam devem \nmostrar um ar de reconhecimento pelo incommodo que \ntivestes de deixar a vossa casa para ir estar com elles, com \ntudo sois v\xc3\xb3s que na realidade deveis ser agradecidos a \nurna familia que vos recebe na sua intimidade. \n\nN\xc3\xa0o aceiteis o convite senao com a firme resoluc\xc3\xa0o de \nachar bonito o sitio, a quinta ou palacio, o jardim e a mata \nou pomares, ainda que na verdade o n\xc3\xa0o sejam ; fazei elo- \ngios ao criado que vos serve, e gabai o quarto que vos \ndestinam; conformai-vos com todos os usos da casa ; s\xc3\xa8de \nmui exactos \xc3\xa0s horas de corner, e nunca facais esperar as \npessoas da casa; tende milito cuidado em trazer tosso fato \naceiado, simples, mas beni composto e decente. \n\nSe n\xc3\xa0o tendes criado ou criada, que vos acompanhe, \narranjai vosso quarto o melhor que poderdes, e dai aos \ncriados da casa o menos incommodo possivel. Est\xc3\xa0 gente \n\n\n\n234 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nn\xc3\xa0o se engana, e conhece facilmente, pelas exigencias dos \nhospedes, se em sua casa t\xc3\xa8m quem os sirva. \n\nEstai prevenidos contra certa alegria inconsiderada que \nno campo se apodera dos mancebos, que muitas vezes os \narrasta a divertimentos perigosos e turbulentos. Uns que- \nrem atirar ao alvo, outros remar em botes, estes montar \nem cavallos desinquietos on mal ensinados, aquelles armar \nredou^as, alguns brincar com agua no interior da casa, \npregar pe^as, etc. Todas estas cousas podem divertir se a \nprudencia e discrigao as dirige, alias trazem comsigo dissa- \nbores, contendas, quebra de alfaias, e desordens de toda a \nsorte, prejudiciaes a n\xc3\xb3s e aos outros, e insupportaveis \naos donos da casa, cujas physionomias fareis bem de obser- \nvar, para saberdes quando excedeis os limites do brinco, \ne vos absterdes immediatamente. \n\nNo brincar e divertir-se \xc3\xa9 que se conhece facilmente a \npessoa bem criada. Gonservai-vos sempre senhores de v\xc3\xb3s, \ne n\xc3\xa0o vos abandoneis nunca a urna alegria descomedida, \nque se annuncia por grandes gargalhadas, gritos descom- \npassados, gestos desenvoltos ; habituai-vos a brincar com \ndecencia, moderacao, e certa elegancia e nobreza que \xc3\xa9 o \nornamento das almas bem formadas; habito que urna vez \nadquirido difficilmente se perde. \xc3\x89 tal a for^a dos habitos \nque Cesar, atravessado de golpes e proximo a expirar, \nestendeu a toga para que seu corpo se achasse decente- \nmente coberto. \n\nSe fordes convidados para alguma casa em que esses \ndivertimentos grosseiros e ruidosos estejam em uso, n\xc3\xa0o \ndeis mostras de os desapprovar; por\xc3\xa9m tomai nelles a \nmenor parte que poderdes, e retirai-vos d\'urna casa em que \nhaver\xc3\xa0 por certo frequentes dissabores, os quaes muitas \nvezes acabar\xc3\xa0o em duellos, e talvez em ainda maiores \ncatastrophes. \n\nRespeitai escrupulosamente a propriedade : n\xc3\xa0o apanheis \n\n\n\nESTADA NO CAMPO. 235 \n\nuna fruto, nemuma fior, em quanto n\xc3\xa0o souberdes que os \ndonos da casa desejam que lhes deis este testemunho \nd\'amizade e conf\xc3\xacanca, por\xc3\xa9m n\xc3\xa0o abuseis nunca da liber- \ndade que vos coneedem. \n\nEvitai, quando poderdes, desarranjar ou sujar os moveis. \nTende cuidado de limpar a lama e a poeira dos sapatos \nantes d\'entrar em casa ; e se vierdes milito enlameados \ndingi-vos por algum corredor escuso ao vosso quarto e \nmudai de calcado, e at\xc3\xa9 de fato se preciso for, antes de \nentrardes na sala ou na casa de jantar. \n\nOliando vos deitardes, afastai as cortinas da cama da \nv\xc3\xa9la ou do candieiro ; apagai o lume coni milito cuidado, \nse o tiverdes no quarto, e a luz logo que vos deitardes; \ntende cuidado na conservac\xc3\xa0o de tudo que vos cerca ainda \nmais do que se fosse vosso proprio. \n\nGostuma-se ordinariamente por em cima da commoda \num assucareiro coni assucar ; fazei diligencia por n\xc3\xa0o o \ngastardes todo, e se tendes costume de fazer milito uso \nd\'elle coni agua. levai-o em vossa mala para que nunca o \npecais em casa alheia. \n\nLevai tambem pape], tinteiro e o mais que for necessario \npara escrever. N\xc3\xa0o esqueeais tambem alguns livros cuja \nleitura peca pouca applicac\xc3\xa0o, e que se lem depressa ; \nporque ha certas horas em que \xc3\xa9 mister deixar os donos \nda casa em liberdade, e tambem porque toda a pessoa deve \nreservar-se no dia algumas horas em que esteja recolhida \ne occupada em suas devoc\xc3\xb2es ou habitos liiterarios, que \nnunca se devem perder. \n\nTu, minha fllha, levar\xc3\xa0s aleni d\'isso alguma obra d \nm\xc3\xa0os, e mais do que o que poderes fazer; e conio amboe \nsabeis desenhar levai vos_sas pastas coni lapis, papel, e o \nmais que \xc3\xa9 necessario para trabalhardes. Tambem vos \naconselho que leveis algum livro de botanica, para por \nnieio d\'elle conhecerdes as plantas, arvores e flores, assim \n\n\n\n230 GODIGO DO BOM TOM. \n\ndo jardim com\xc3\xb2 dos campos, e poderdes fallar d\'ellas pelos \nseus nomes e familias, sem com tudo mostrardes a pre- \ntendo de passar por botanicos. \n\nMunidos assim de livros, e obras em que vos occupeis, \nn\xc3\xa0o sereis pesados a ninguem, e passareis insensivelmente \nos dias de chuva e de m\xc3\xa0o tempo em que se n\xc3\xa0o p\xc3\xb3de \nsa\'ir. \n\nQuando sairdes alguma vez com a familia da casa a dar \nalgum passeio, n\xc3\xa0o mostreis desejo de ir antes para um \nlado que para o outro, antes para o prado que para a \nmata; se tendes a curiosidade de ver algum lugar vizinho, \nlevantai-vos de manh\xc3\xa0 muito cedo e ide s\xc3\xb3 visit\xc3\xa0l-o. \n\nEst\xc3\xa0 liberdade n\xc3\xa0o te \xc3\xa9 por\xc3\xa9m permittida, minha filha, \na n\xc3\xa0o ser que teu irm\xc3\xa0o te acompanhe : e a decencia pede \nainda que va mais alguma pessoa da idade madura com- \nvosco. \n\nA intimidade e confian^a com que se vive no campo te \nobrigam, minha Eugenia, a teres muito mais attenc\xc3\xa0o sobre \nti mesma do que quando est\xc3\xa0s na cidade. A cada instante \npodes encontrar-te s\xc3\xb3 com um homem numa escada, numa \nsala com porta para o jardim. Tens um meio d\'evitar estes \nencontros, n\xc3\xa0o te esquecendo de trazer, quando saires do \nteu quarto para a sala, o chap\xc3\xa9o, o chale, as luvas, e tudo \no que has mister, para n\xc3\xa0o seres obrigada a voltar ao \nquarto ; e ter\xc3\xa0s cuidado de deixar na antecamara ou sala \nd\'esper\xc3\xa0 os objectos que s\xc3\xb3 te servem para ir a passeio. \nmesmo deves fazer com o a^afate da costura ou bordado, \nvendo que n\xc3\xa0o falte o deda\xc3\xac, a tesoura, o agulheiro, e o \nmais que \xc3\xa9 necessario para o genero d\'obra que fizeres, \naf\xc3\xacm de que, depois de te assentares a trabalhar na sala ou \ncasa de lavor, n\xc3\xa0o tenhas nenhum motivo que te obrigue \na levantar-te. \n\nSe, apezar d\'estas precau\xc2\xa7\xc3\xb2es, te encontrares alguma \nvez a s\xc3\xb3s com algum homem, n\xc3\xa0o mostres acanhamento \n\n\n\nESTADA NO CAMPO. 237 \n\nou turvac\xc3\xa0o ; segue teu caminho, fazendo a saudac\xc3\xa0o cos- \ntumada sem bisonhice, mas com seriedade. \xc3\x89 necessario \nser um drag\xc3\xa0o de virtude, mas sem o parecer. A verda- \ndeira honestidade n\xc3\xa0o se assusta com cousa nenhuma, \nporque prev\xc3\xa8 tudo. \n\nSe o desejo de tornar ar, ou de colber urna fior, desejo \nmui innocente e mui proprio da tua idade, te fizer sair da \nsala n\xc3\xa0o te afastes muito para longe das janellas, de modo \nque todos possam ver o que fazes, e ouvir o qne dizes. \nMuito desejo, minha f\xc3\xaclha, que n\xc3\xa0o tomes um certo ar pen- \nsativo e estasiado, que fica muito mal \xc3\xa0s donzellas, e ainda \nmesmo \xc3\xa0s senhoras casadas, pelo que se fazem dignas de \ncensura, sendo a menor a de merecerem o nome de roman- \nticas ou romanescas. Quem quer meditar recolhe-se ao seu \nquarto, ou a urna solid\xc3\xa0o. \n\nN\xc3\xa0o s\xc3\xb3 deveis agradecer aos donos da casa o boni acolhi- \nmento que vos fizeram e amizade com que vos trataram, \nmas deveis deixar-lhes algum signal de lembranga, sendo \npossivel ; alguns debuxos,ou desenhos, algum bordado dos \nque chamam tapecaria, ou outra qualquer obra d\'agulha \nsam presentes mui decentes; em falta d\'estes, alguns \nlivros, e se t\xc3\xa9m f\xc3\xaclhos pequenos, alguns bonitos para elles \nbrincarem. \n\nSe n\xc3\xa0o podeis ser generosos para com os criados que \nvos servem, n\xc3\xa0o aceiteis convites para a casa alheia. A \neconomia fica bem em sua casa , a pobreza \xc3\xa9 honrosa \nquando n\xc3\xa0o sai de seu domicilio ; por\xc3\xa9m o goslo dos praze- \nres, de qualquer especie que sejam,n\xc3\xa0o p\xc3\xb3de alliar-se com \na dignidade se n\xc3\xa0o se podem gozar sen\xc3\xa0o a custa alheia . \nDai pois com liberalidade aos criados da casa onde estiver- \ndes hospedados algum tempo; e ficai certos que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 pelo \nque se d\xc3\xa0 que se vem a cair em pobreza, mas sim pelo que \nse gasta com desperdicio. \n\nA ultima advertencia que tenho a fazer-vos, a respeito \n\n\n\n238 \n\n\n\nGODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nda estada no campo, \xc3\xa9 que leveis bastante roupa branca e \nde cor segundo o tempo que contais demorar-vos, e antes \nmais quemenos parao que possa acontecer. Tu, meu f\xc3\xaclho, \nn\xc3\xa0o deves levar menos de urna sobrecasaca ou fraque de \nviagem,outra de sala, urna casacade cor, eum vestido preto \ncompleto ; e se v\xc3\xa0s para cacar, leva todo o traje e aprestos \nnecessarios ao cacador. Tu, minila f\xc3\xaclha, al\xc3\xa9m dos vestidos \nordinarios e quotidianos, leva dous ou trez dos melhores \nque tiveres e os competentes enfeites para algum dia d\'an- \nnos, ou outra qualquer solemnidade que occorra, na qual \nvos deveis apresentar ambos d\'urna maneira digna de v\xc3\xb3s \ne da familia que vos hospeda, e vos honra com a sua ami- \nzade. \n\n\n\nRUTILIO. \n\n\n\nUm famoso Romano, chamado Rutilio, tendo sido injusta- \nmente desterrado,disse-lhe um seu amigo para o consolar, \nque n\xc3\xa0o tardaria que rebentasse urna guerra civil em Roma, \ne que a favor d\'essa desordem geral todos os desterrados \nseriam restituidos aos patrios lares : \xc2\xab Que mal te fize\xc3\xb9, Ihe \nrespondeu Rutilio, para me desejares um regresso \xc3\xa0 patria \nmais triste que o proprio desterro? \xc2\xbb \n\n\n\nCAP1TUL0 XV \n\n\n\nD\xc3\x80S VIAGENS \n\n\n\n\xc3\x89 provavel, meu fillio, que d\'aqui mais a alguns annos, \ndepois de teres bem conhecido tua patria, e \\iajado nella \npara melhor estudares seus usos e costumes, serei obri- \ngado a mandarle viajar nas differentes capitaes da Europa. \nTens sem duvida urna grande vantagem, que \xc3\xa9 a de saber \nbem a lingua franceza; mas fora das salas francezas, e d\'al- \ngumas grandes hospedarias, de pouca utilidade te sera. \nEstar\xc3\xa0s por tanto exposto a ser enganado pelos estalaja- \ndeiros, cocheiros, criados, e homens de loges, gente est\xc3\xa0 \nque toda folga de enganar os estrangeiros sacando-lhes o \nmais dinheiro que podem. Por isso antes d\'ires para um \npaiz estrangeiro busca adquirir algum conhecimento da \nlingua, e n\xc3\xa0o menos das moedas ; previne-te coni um guia \nde viajantes, e com um diccionario portatil para saberes \npedir as cousas mais necessarias. Se te demorares algum \ntempo toma logo um mestre da lingua, frequenta algum \ncurso publico, se o houver, algum theatro em que se falle \nbem ; e quando estiveres j\xc3\xa0 algum tanto adiantado, arma \nconversa com toda a gente que poderes, pergunta-llie o \nnome das cousas, escuta com attenc\xc3\xa0o conio elles fallam \ne d\'este modo aprender\xc3\xa0s em pouco tempo tudo o que uni \nestrangeiro p\xc3\xb3de saber a respeito da lingua do paiz, e que \n\n\n\n240 CODIGO DO BOM TOM. \n\n\xc3\xa9 vergonha ignore quando nelle se tem demorado alguns \n\nmezes. \n\nBusca ao mesmo tempo instruir-te nos usos e costumes, \ne conforma-te com elles, ainda que teparecam muito con- \ntrarios aos nossos, ou aos de Franca, que melhor conheces. \nVem agora a proposito o dizer-te que os Francezes, que \nsam tidos em toda a Europa por vivos, engracados e ale- \ngres, sam por toda a parte criticados unicamente porque \naffectam desdenhar os costumes das outras na^\xc3\xb2es, e n\xc3\xa0o \nse contentando de serem imitados voluntariamente por \nseus vizinhos, pretendem impor-lhes corno lei est\xc3\xa0 dispo- \nsilo que elles t\xc3\xa8m para seguir suas modas. N\xc3\xa0o os imites, \npor\xc3\xa9m n\xc3\xa0o caias no excesso contrario, para que propen- \nderai nossos compatriotas que nunca sairam de Portugal, \nque \xc3\xa9 o de se admirarem de tudo, e acharem bom tudo \nque \xc3\xa9 estrangeiro, ou cairem no excesso contrario desde- \nnhando do que n\xc3\xa0o conhecem ou n\xc3\xa0o sabem apreciar. \n\nN\xc3\xa0o te espantes quando em Inglaterra te apresentarern \num roast-beef escorrendo sangue, urna sopa de lebre ou de \nrabo de boi, e um grande pedaco de queijo com aipo \nem roda. N\xc3\xa0o te admires quando em Alllemanha pozerem \nna mesa um ganso recheado de ma^\xc3\xa0s e ameixas, ou um \nlombo de cabrito montez, um frango, ou outra ave do- \nmestica, ensopada em gel\xc3\xa9a de groselhas ou doce de \ndamascos. N\xc3\xa0o te ponhas a rir quando em Italia \\dres \xc3\xa0 \nsobremesa vagens de favas ou hervilhas verdes. Faze dili- \ngenza por te acostumares \xc3\xa0 cozinha da terra onde esti- \nvercs, e quando alguma cousa te n\xc3\xa0o agradar, n\xc3\xa0o comas \nd\'ella, mas de modo que n\xc3\xa0o d\xc3\xa8s a conhecer tua repugnancia. \n\nN\xc3\xa0o falles de teu paiz sen\xc3\xa0o quando te fizerem alguma \npergunta a seu respeito, e com muita mais raz\xc3\xa0o n\xc3\xa0o falles \nda Franca, onde foste criado, com muita frequencia, sem \nque o caso o pe^a; nem cites continuamente Pariz, a opera, \nos monumentos, os passeios publicos, a elegancia das se- \n\n\n\nDAS YIAGENS. \n\n\n\n241 \n\n\n\nnhoras, o luxo das carruagens, a habilidade dos cozinheL \n\nros Defeito mui ordinano nos Francezes, em cuja \n\ncensura desejo n\xc3\xa0o caias. Londres \xc3\xa9 maior, mais rica, e \nincomparavelmente mais aceiada do que Pariz, e a magnifi- \ncencia das carruagens nao tem comparac\xc3\xa0o ; em toda a \na parte se canta e toca ; em todas as cortes ha gente bem \ncriada e polida ; em Roma ha mais e melhores monumen- \ntos; em Napolese Vienna d\'Austria ha mais deliciosos pas- \nseios ; as margens do Rheno sam mais formosas que as do \nSena ; Lisboa \xc3\xa9 mil vezes mais bem situada ; a cozinha \xc3\xa9 \nmais delicada em Vienna e Mil\xc3\xa0o. Assim que, meu f\xc3\xacllio, \nn\xc3\xa0o avances nenhuma proposic\xc3\xa0o que possa dar lugar a \ncontestae\xc3\xb2es, e a disputas ; deixa aos Francezes o encargo \nde defenderem sua capital e suas pretendidas maravilhas \n(que o fazem elles muito bem), e contenta-te coni defender \na nossa pobre terra, que outr\'ora foi grande, rica, poderosa, \ndescobriu e avasallou o Oriente, \n\nt E semais mando houv\xc3\xa9ra l\xc3\xa0 cheg\xc3\xa0ra ; \xc2\xbb \n\ne hoje \xc3\xa9 tudo o contrario, e apenas se sabe na Europa que \nella existe. Por isso que sabes a nossa historia n\xc3\xa0o te sera \ndifficil mostrar que nenhuma nac\xc3\xa0o fez em menos tempo \ntao grandes cousas ; pelo que pertence aostempos moder. \nnos, posto qne seria facil apontar as causas de nossa de- \ncadencia , \xc3\xa9 melhor que te abstenhas de entrar nessas \ndiscuss\xc3\xb2es, tanto mais que em cada urna das capitaes da \nEuropa achar\xc3\xa0s differentes maneiras de pensar a nosso \nrespeito. Pelo que pertence \xc3\xa0 nossa litteratura classica, se \nse offerecer occasi\xc3\xa0o de fallar, n\xc3\xa0o te acobardes, e faze \nuso da instrucc\xc3\xa0o que a este respeito te dei 1 , mas sempre \ncoin brandura e moderao\xc3\xa0o. Achar\xc3\xa0s em Allemanha muito \n\n1 \\eja-se |\xc2\xabag. 185, e seguintes. \n\n14 \n\n\n\n242 C0D1G0 DO BOM TOM. \n\nmais gente que conhega nossa historia e litteratura do que \nem Franca. A primeira historia litteraria portugueza que \nse escreveu foi em allem\xc3\xa0o, por Boutterwek; a melhor \nhistoria de Portugal que at\xc3\xa9gora se publicou \xc3\xa9 em alle- \nm\xc3\xa0o, por Scheffer, o qual ainda vive, e suspendeu os seus \ntraba\xc3\xachos para se aproveitar dos do nosso insigne litterato \no S r Visconde de Santarem. Estou certo que a este respeito \nnos fazem os Allem\xc3\xa0es mais justi^a do que muitos Fran- \ncezes, com tudo se alguns achares que tenham as mesmas \nopini\xc3\xb2es, usa para com elles da maneira que te disse no \nartigo da conversalo em francez. \n\nN\xc3\xa0o pretendo que possas ver sem admira$ao e talvez re. \npugnancia certos usos, trajes, e at\xc3\xa9 physionomias, que \nsobre novas para ti, sam disformes e desagradaveis ; o feio \ne o bonito sam de convengo, podes crer-me, para os ho- \nme ns bem organizados , que t\xc3\xa8m cultivado suas facul- \ndades moraes e estudado as bellas artes , e desejo que \npor toda a parte saibas distinguir um do outro ; por\xc3\xa9m \nquero que louves em voz alta, e desapproves em segredo, \ne quero sobre tudo que a tua raz\xc3\xa0o examine o juizo que for- \nmares depois da primeira impress\xc3\xa0o em teus sentidos, e \nque julgando maduramente e comparando os usos estra- \nnhos com os conterraneos, possas achar a raz\xc3\xa0o da diffe- \nrenza e d\xc3\xa0l-a quando t\'a pedirem ; porque dizer simples- \nmente : isto agrada-me , n\xc3\xa0o gosto d\'aquillo ; isto n\xc3\xa0o \npresta, aquillo \xc3\xa9 bom, sem dar a raz\xc3\xa0o do seu dito, \xc3\xa9 obrar \ncorno urna cri anca. \n\nPara que tua viagem te seja util e agradavel, n\xc3\xa0o basta \nter adquirido algum conhecimento da lingua ; \xc3\xa9 mister \ntambem ter noticia da historia e geographia dos paizes que \nvisitares ; este conhecimento te dar\xc3\xa0 estimac\xc3\xa0o entre os \nnaturaes, e obter\xc3\xa0s por este meio relac\xc3\xb2es, e conheci- \nmentos, que de outro modo n\xc3\xa0o obterias ainda gastando \nmuito dinheiro. \n\n\n\nDAS VIAGENS. \n\n\n\n243 \n\n\n\nEstou certo que nao preferes Milton ao Tasso, e Ercilla \na Camoes ; mas peco-te encarecidamente que nao se te \nmetta nunca na cabeca o querer converter, a este res- \npeito, seus compatriotas. Tambem estou persuadido que \npreferes Racine e Corneille a Shakspeare e Schiller, \nmas peco-te igualmente que nao disputes sua primazia com \num Inglez e comum Allem\xc3\xa0o. Ouve attentamente o que elles \ndisserem das bellezas de seus autores ; procura apreci\xc3\xa0- \nlos\xc3\xa0sua maneira : \xc3\xa9uma faculdade de mais que adquirir\xc3\xa0s. \nCousas ha que um estrangeiro aprecia melhor que o nacio- \nnal,por\xc3\xa9m ha outras em que \xc3\xa9 sempre m\xc3\xa0o juiz: taes sam \nnos poetas, a belleza e harmonia da express\xc3\xa0o, a naturali- \ndade e pureza da linguagem, a fidelidade e animacao das \npinturas, m\xc3\xb3rmente as de costumes ; por isso nao deves \nnunca nestes artigos disputar com os compatriotas do au- \ntor, e s\xc3\xb3 te limitar\xc3\xa0s a apreciar os pensamentos , as \nf\xc3\xb3rmas de que sam revestidos, as imitacoes que nelle haja, \ne a fazer algumas comparacoes entre elle e os nossos. \n\nQuem viaja com as disposicoes que acabo de dizer-te, \nisto \xc3\xa9, conhecimento da lingua, historia, litteratura, e \ngeographia das terras que se percorrem, e um desejo e \nintenc\xc3\xa0o de examinar as cousas e estudar os usos e costu- \nmes, nao s\xc3\xb3 aprende muito, mas adquire muitos desen- \nganos \xc3\xa0cerca das maravilhas que os estrangeiros d\'ellas \nnos contam. Estou certo que depois de teres percorrido \nos lugares mais notaveis da Europa, ter\xc3\xa0s por verdade mui \ncerta, corno eu o tenho por experiencia, o que disse o \nSeneca Portuguez : \n\n\xc2\xab Andei d\'aqucm paraal\xc3\xa9m. \n\xc2\xab Terras vi e vi lugares, \n\xc2\xab Tudo seus avessos tem ; \n\xc2\xab que nao experimentares \n<( Nao cuides que o sabes Lem. \xc2\xbb \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nMARQUEZ DE MANSERA, \n\nTendo o archiduque d\'Austria entrado em Madrid em \n1710, mandou dizer ao marquez de Mansera, anci\xc3\xa0o de \nperto de cem annos, presidente do supremo conselho de \nCastella, que viesse beijar-lhe a m\xc3\xa0o : \xc2\xab Eu n\xc3\xa0o tenho \nsen\xc3\xa0o urna f\xc3\xa9, respondeu o generoso centenario, n\xc3\xa0o tenho \nsen\xc3\xa0o um rei, que \xc3\xa9 Philippe V, a quem jurei fidelidade. \nReconhe^o o archiduque por um grande principe, mas \nn\xc3\xa0o por meu Soberano. Tenho vivido cem annos sem nun- \nca ter faltado aos meus deveres ; e, por poucos dias que \nrestam de vida, nao me quero deshonrar. \xc2\xbb \n\n\n\nCAPITOLO XVI \n\n\n\nDOS PAIS E PARENTES \n\n\n\nSe todos os f\xc3\xaclhos fossem corno v\xc3\xb3s , submissos, obe- \ndientes, respeitosos, amigos, e carinhosos para coni seus \npais, escusado seria dar regras nem conselhos a este res- \npeilo ; corno por\xc3\xa9m, ainda mal, nem sempre assim acontece, \npara que os m\xc3\xa0os exemplos n\xc3\xa0o facam em v\xc3\xb3s alguma im- \npress\xc3\xa0o, e para que um dia possais bem instruir vossos \nfilhos, dir-vos-hei alguma cousa dos deveres dos filhos \npara coni seus pais. \n\nA natureza gravou no corac\xc3\xa0o do homem una preceito \nindestructivel que lhe diz continuamente que deve amar e \nvenerar aquelles que lhe deram o ser, que se deve mo- \nstrar agradecido aquelles de quem recebeu a nutrico e \ntantos desyelos para chegar ao estado de poder viver por \nsi mesmo. E aReligi\xc3\xa0o, amiga do homem e desvelada pelo \nbem da sociedade, diz : Honrar\xc3\xa0s pai e m\xc3\xa0i ; conio se dis- \nsesse : n\xc3\xa0o basta amar a quem nos deu o ser, porque isso \no diz a raz\xc3\xa0o naturai, por\xc3\xa9m \xc3\xa9 mister tributar-lhes honra, \nrespeito, obediencia, submiss\xc3\xa0o ; ter d\'elies cuidado, fazer \nlhes todo o bem que precisarem e n\xc3\xb2s lhes poss\xc3\xa0mos f\xc3\xa0zer ; \nprocurar seus interesses, ainda em detrimento dos nossos; \n\n14. \n\n\n\n246 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\ndefender a sua honra, sustentar seu bom nome; occultar \nos seus defeitos, se por infelicidade lh\'os conhecemos, \nainda que nos fosse necessario tornar a capa nos hombros \ne com as costas viradas lancar lh\'a em cima corno f\xc3\xaczeram \nos bons filhos de No\xc3\xa8. Isto \xc3\xa9 que se chama honrar pai e \nmai, isto \xc3\xa9 o que o supremo legislador nos ordena, e isto \n\xc3\xa9 o queestamos obrigados a praticar em consciencia, en\xc3\xa0o \ns\xc3\xb3 em sua vida, mas ainda depois da morte, quanto nos \ncumpra e as circumstancias permittam. \n\nOs deveres dos filhos para com os pais devem ser consi- \nderados corno urna especie de culto ; culto, se \xc3\xa9 permit- \ntido explicar-me assim, tributado a deoses terrestres, mas \ndomesticos. \n\nBom exemplo d\'este amor e respeito para com os pais \nnos deixou o sabio e virtuoso Rei Doni Duarte, quando \nescreveu no seu Leal Conselheiro : \xc2\xab E desto eu dou b\xc3\xb2o \ntestemunho, gragas a Deos, porque o fynamento dos dictos \nSenhores Rey e Rainha nom me partirom de seu amor, \nporque assy desejo de lhes fazer servico e prazer corno se \nvivos fossem, e receu aquellas cousas que vivendo sabia \nque nam avyam por bem, corno se duvidasse de mo pode- \nrem ao prezente contradizer, e allegrandone fazer as que \npenso que lhes prazem, ou prazeria se na presente vida \nfossem, segundo minhas obras bem o demostram. \xc2\xbb (Edi- \nc\xc3\xa0o de Pariz, p. 248). \n\nhistoriador judeu Phil\xc3\xa0o dizia que o mandamento do \ndever dos filhos para com os pais estava escrito, entre os \nHebreus, metade na primeira taboada Lei, que continha os \npreceitos do direito de Deos, e metade na segunda, qu ( e \ncontinha os do proximo, corno sendo metade divino e me- \ntade humano. \n\nEm todos os tempos e em todos os povos, desde a mais \nremota antiguidade, foram sempre venerados estes deveres, \ne religiosamente observados. \n\n\n\nDOS PAIS E PARE>"TES. -247 \n\nOs mais sabios legisladores deram aos pais grande auto- \nridade sobre seus filhos, e notava-se que nada contribuir\xc3\xa0 \ntanto para fazer reinar a tranquillidade nos Estados. \n\nEni muitas nac\xc3\xb2es da Grecia, em a Republica Romana, \nera illimitada a autoridade paternal. Todos estavam con- \nvencidos que nenlium pai seria capaz de abusar d\'este \npoder. Sentia-se a necessidade de dar aos pais de familia \nurna autoridade ass\xc3\xa0s forte para conter os filhos rebeldes, \nse por acaso apparecessem. \n\nEni Roma, por esemplo, a lei dava aos pais direito de \nvida e de morte sobre seus filhos. Conta-se que o Senador \nFulvio, tendo sabido que seu fillio tinha entrado na conju- \nrac\xc3\xa0o de Catilina, deu ordem para que o execntassem, \ndizenclo, \xc2\xab que elle n\xc3\xa0o tinha dado o ser a seu fillio para \nservir Catilina contra a patria, senato para servir a patria \ncontra Catilina. \xc2\xbb \n\nProva-se por grande numero de exemplos que est\xc3\xa0 seve- \nridade, que hoje nos parece excessiva, n\xc3\xa0o enfraquecia \npor modo algum a piedade filial. Quantos lancos admi- \nraveis n\xc3\xa0o encontr\xc3\xa0mos n\xc3\xb3s na Ustoria romana que provam \no contrario? Bastar\xc3\xa0 por todos o mui raro e estremado \namor filial d\'aquellas duas jovens esposas que alimentaram \na seus peitos, urna seu pai, outra sua m\xc3\xa0i, condemnados \nambos a morrer de fonie nos calaboucos ! \n\nNa China, posto que o infanticidio seja permittido, os \nfilhos olham seus pais corno deoses, e conio laes osrespei- \ntam n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 em vida ; sen\xc3\xa0o depois da morie. \n\nCertus povos, a quem chamam barbaros, poderinm dar- \nnos licOes a respeito da piedade filial. Enlre os Turcos, e \nat\xc3\xa9 entre os Arabes, o chefe d\'urna trib\xc3\xb9 foi sempre consi- \nrado por seus filhos conio urna personagem sagrada. Entre \nelles, uni fillio nunca contradiz seu pai ; n\xc3\xa0o apparece \ndiante d\'elle sen\xc3\xa0o quando \xc3\xa9 chamado , e sempre coni \ngrande respeito ; n\xc3\xa0o falla sen\xc3\xa0o respondendo ao que \n\n\n\n248 CODIGO DO BOM TOM. \n\nlhe perguntam, e est\xc3\xa0 sempre em p\xc3\xa9 at\xc3\xa9 que o mandem \nsentar. \n\nAs nac\xc3\xb2es modernas, quet\xc3\xa8m a fortuna de viver debaixo \nda lei de Jesu-Christo, receberam do divino Legislador os \nmais sublimes exemplos de piedade Oliai. \n\nEn(re n\xc3\xb3s a piedade filial foi sempre tida em grande \nestima, e religiosamente respeitada. Nem me consta que a \nseveridade dos pais portuguezes, nos felizes tempos de \nnossa gloria, enfraquecesse em nada as boas qualidades \ndos f\xc3\xaclhos, antes estou convencido que para ellas muito \ncontribuir\xc3\xa0. Quando Dom Jo\xc3\xa0o de Castro, passando pela \nJubiteria, e vendo estar penduradas umas calcas de obra \nque seu f\xc3\xaclho Dom Alvaro tinha mandado fazer sem sua \nlicenza, pedia urna tesoura, com que as cortou todas, di- \nzendo para o mestre : Dizei a esse rapaz que compre armas ; \nquando, repito, assim mostrou aquelle egregio pai sua se- \nveridade, que rivaliza com a austera disciplina dos antigos \nRomanos, n\xc3\xa0o extinguia por certo no cora^\xc3\xa0o do f\xc3\xaclho a \npiedade f\xc3\xaclial, antes lhe deu um fortissimo estimulo para \nser, corno foi, tao grande capit\xc3\xa0o, e digno fillio de tao \ninclito e benemerito Portuguez, em quem poder n\xc3\xa0o tem a \nmorte. \n\nAinda mal que a autoridade paternal se vai enfraque- \ncendo cada vez mais entre n\xc3\xb3s, o que \xc3\xa9 sem d\xc3\xb9vida devido \nao contacto com os Francezes, e \xc3\xa0 mania de querermos \nintroduzir seus costumes novos, sem saber se elles se coa- \ndunam com o nosso caracter nacional. N\xc3\xa0o vejo que por \nisso estejamos mais adiantados nem mais prosperos. N\xc3\xa0o \nquero entrar nesta grave quest\xc3\xa0o, que mais pertence aos \nmoralistas e legisladores do que a um simples pai de fami- \nlia corno eu ; s\xc3\xb3 vos digo o que sei por experiencia e tenho \npres\xc3\xa9nciado nestes ultimos tempos. Os pais em Franca \namam mais os filhos do que estes os pais; criam-nos com \nmuito mimo, e deixam-lhes fazer lodas as vontadinhas, e \n\n\n\nDOS PA\xc3\x8cS E PARENTES. 249 \n\npor isso os mocos sam altivos, indoceis, feitos da sua von- \ntade, pouco respeitosos, e por vezes insolentes; quando se \nemanciparci julgam-se desligados de loda a obediencia aos \npais, que muitas vezes t\xc3\xa8m mais medo dos filhos, do que \nestes dos pais; e a alguns ouvi eu dizer que olhavam para \nos filhos corno para inimigos domesticos. E o que para mim \n\xc3\xa9 mais horroroso, e o sera tambem para v\xc3\xb3s, \xc3\xa9 que no \ntempo dos antigos costumes em que os bons pais seguiam \no exemplo da Rainha Bianche de Castille, e os bons filhos \no de S. Luiz, havia condes de Montpensier que expiravam \nabracados com o cadaver de seu mai morto da peste, e \nurna Isabel Cazotte que arremecando-se por entre os pu- \nnhaes dos assasinos disputou seu pai aos algozes! Era ou- \ntr\'ora cousa inaudita ou rarissima um parricidio ; e em \nnossos dias, em que a indulgencia dos pais degenera em \nfraqueza, e a liberdade dos filhos chega ao ponto de tratar \nos pais por tu, sam tao frequentes que s\xc3\xb3 nos ultimos dez \nannos contam-se mais de oitenta que foram julgados nos \ntribunaes! E Deos sabe quantos outrosse ter\xc3\xa0o commettido \nsem que se saiba ! \n\nN\xc3\xa0o segui eu a vosso respeito, meus filhos, nem a nimia \nseveridade de nossos maiores, que n\xc3\xa0o se ajusta com os \ncostumes do seculo em que vivemos, nem a excessiva in- \ndulgencia e certa sem-ceremonia que se nota corno defei- \ntuosa entre os Francezes ; busquei conservar sempre \naquella dignidade que deve existir entre o homem de \nidade e o menino, entre o pai e o fillio; com a graca de \nDeos n\xc3\xa0o me accusa a consciencia de vos ter dado outro \nexemplo que o da honra e o da virtude ; desvelado por v\xc3\xb3s, \nvistes quantos cuidados, sollicitudes e sacrificios me foram \nnecessarios para vos educar d\'urna maneira nobre e pro- \nveitosa; se nem sempre condescendi com vossa vondade, \ne se conservei com igualdade o toni grave e serio, que por \nvezes vos desagradava, foi porque estou convencido que \xc3\xa9 \n\n\n\n250 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nnecessario que os meninos se acostumem desde a mais \ntenra idadea soffrer algumas contrariedades e privac\xc3\xb2es, \npara n\xc3\xa0o estranharem depois os revezes que a fortuna lhes \nprepara ; que \xc3\xa9 mister que aprendam a obedecer para me- \nlhor saberem mandar. Dou-me os parabens pelos bons \nresultados que obtive, e aeonselho-vos que facais o mesmo \npara com vossos f\xc3\xaclhos, se os tiverdes ; Deos vos aben^oar\xc3\xa0, \ne a patria vos sera grata por lhe dardes bons cidad\xc3\xa0os em \ntempo tao avaro d\'elles. \n\nQue feliz serei eu quando vir que sem vos despirdes da \nautoridade paternal tratais meus netos com brandura e \nsuavidade, os acostumais a \'obedecer sem levantar a voz, \nos fazeis doceis sem vos encolerizardes, os reprehendeis \nsemr.alhos e amea^as, os admoestais antes de os castigar, \ne os castigais, cheios de raz\xc3\xa0o, e nunca com assomo d\'ira \nou vingan$a ! Que ditoso serei se vir meus netos, cheios de \ncandura e meiguice, buscando sempre fazer a vontade a \nseus pais, fugindo de tudo que p\xc3\xb3de ser-lhes molesto e \ndesagradavel, e corno que adivinhando-lhes os pensa- \nmentos para lhes dar gosto ; esmerando-se em os tratar \nem suas infermidades, em lhes dar allivio em suas m\xc3\xa0goas, \nem os consolar em suas affliccoes! Oh! se em meus can- \nsados annos me vir renascer nesses entes queridos, que \ntomarei em meu collo, e regarei de minhas frias lagrimas, \nbemdirei o c\xc3\xa9o por me ter dado a maispreciosa cor\xc3\xb3a que \np\xc3\xb3de ornar a fronte encanecida d\'urna velhice honrada ! \nDirei entao com o nosso poeta : \n\n\xc2\xab Acabe-se est\xc3\xa0 luz alli commigo. \xc2\xbb \n\nEstes deveres filiaes estendem-se ainda aos parentes em \nlinha ascendente, que sam av\xc3\xb3s, tios, e tambem tutores, \nposto que com menor rigor, por ser mais afastado o gr\xc3\xa0o \nde consanguinidade. Se nao lhes devemos tanta obediencia \n\n\n\nDOS PAIS E PARENTES. \n\ncorno a nossos pais, devemos-lhes igual testemimho de de- \nferencia e affeicao ; e \xc3\xa9 nos permittido ter com elles mais \nfamiliaridade por isso que sua amizade \xc3\xa9 quasi sempre \nmais condescendente. \n\nEntre irm\xc3\xa0os e primos ha de reinar grande familiaridade; \nmas sempre acompanhada de polidez e decencia, porque \nos lacos do sangue, estreitando a amizade, n\xc3\xa0o devem por \nmodo algum contribuir para que a urbanidade se perca ou \nperigue a honestidade. \n\nA affeicao que liga os membros d\'urna familia deve ma- \nnifestar-se pela brandura das palavras e maneiras, pela \ncondescendencia, pelo ar obsequioso e affavel, por todos \nos meios possiveis de ser util e agradavel, e sobre tudo por \nurna sensibilidade que n\xc3\xa0o seja nem desconfiada nem ca- \nprichosa. \n\nQuando numa familia se ouvem ralhos, gritos, disputas \namiudadas, forma-se urna triste id\xc3\xa8a de sua educacao. \nQuando n\xc3\xa0o fosse sen\xc3\xa0o para tapar a boca ao mundo, de- \nviam os pais ou chefes de familia usar de palavras brandas \ne em tom baixo, porque os que carecem d\'indulgencia ou \nd\'affeic\xc3\xa0o e n\xc3\xa0o sabem dissimular n\xc3\xa0o devem contar com \na indulgendo e affeicao de ninguem. \n\nSe por algum caso extraordinari\xc3\xb2 , que Deos afaste, \nviesse a acontecer que urna pessoa de vossa familia se des- \nviava da estrada da honra, vosso dever \xc3\xa9 advertil-a em \nquanto n\xc3\xa0o ha escandalo publico ; por\xc3\xa9m logo que o haja, \ndeveiscortar com ella toda a communicac\xc3\xa0o, conservando \ns\xc3\xb3mente aquellas relac\xc3\xb2es occultas que a caridade vos pre- \nscreve, e a que vossos actos de benef\xc3\xaccencia vos obrigam. \nSe ella se corrigir, dai-lhe a m\xc3\xa0o para que se levante mais \ndepressa, e buscai consol\xc3\xa0l-a c\xc3\xaciminuindo sua m\xc3\xa0goa, ani- \nmando sua resoluc\xc3\xa0o. Se por\xc3\xa9m forem infructiferos vossos \nesforcos, e se em vez de emenda houver obstina^\xc3\xa0o, e \ntalvez injuria e calumnia, neste caso, meus f\xc3\xaclhos, n\xc3\xa0o \n\n\n\nG0D1G0 DOBOM TOM. \n\n\n\nbasta calar-se, e fugir d\'um parente, \xc3\xa9 mister ter animo \nde dizer em publico : \xc2\xab N\xc3\xa0o posso v\xc3\xa9l-o, e n\xc3\xa0o posso dizera \nraz\xc3\xa0o por que. \xc2\xbb Estas palavras sani terriveis quando saem \nda boca d\'um ho m cm de bem ; mas \xc3\xa9 mister proferii- as \nquando a nossa honra, e a honra de nossa familia assim o \nexigem. Cruel, mas imperioso dever, a que n\xc3\xa0o poderemos \nfaltar sem nos tornarmos em certo modo complices da \nmesma falla. Ainda mal que os casos se multiplicam em \nque urna familia honesta \xc3\xa9 obrigada a expulsar de seu seio \num objecto por muito tempo querido, e a deplorar urna \nperversidade atrevida que excede os limites da tolerancia ! \nNem a magestade do throno est\xc3\xa0 exempta d\'este desar. \nClytemnestre, fallando a seu marido da fugitiva Helena, \ndiz-lhe : \n\nce Quantas vezes por sua causa \n\xc2\xab Nos subio a cor ao rosto? \xc2\xbb \n\nEPAMINONDAS. \n\nA \\ictoria de Leuctres tinha desafiado os olhos e a na- \nturai admira\xc2\xa7\xc3\xa0o dos povos vizinhos sobre Epaminondas, e \no fazia considerar corno o sustentaculo e o restaurador de \nThebas, corno o vencedor d Esparta, corno o libertador de \ntoda a Grecia ; numa palavra corno o maior homem e mais \nillustre capit\xc3\xa0o que jamais existira. No meio d\'este ap- \nplauso universal, tao capaz de produzir no animo d\'um \ngeneral ainda mancebo urna especie d\'embriaguez, Epami- \nnondas, pouco sensivel a urna gloria tao lisonjeira e tao \nbem merecida, disse : \xc2\xab A minha alegria \xc3\xa9 a que eu sei \nque bade causar a meu pai e a minha m\xc3\xa0i a noticia da mi- \nnila Victoria. \xc2\xbb \n\n\n\nCAP1TUL0 XVII \n\n\n\nDOS AMIGOS \n\n\n\nPor grande que seja a influencia que sobre nossa repu- \ntac\xc3\xa0o possa ter a de nossos parentes, e dado que alguma \nquebra nos possa vir de seu m\xc3\xa0o proceder, n\xc3\xa0o \xc3\xa9 com tudo \npor elles que o mundo nos julga : detestam-se as pessoas \nque perdem a estima publica, mas tem-se d\xc3\xb3 de suas fa- \nmilias. N\xc3\xa0o aconteee por\xc3\xa9m assim com os amigos que \nescolhemos : os parentes sam-nos dados pela natureza, \ndevemos soffr\xc3\xa8l-os o mais que podermos; os amigos esco- \nlhemo-los n\xc3\xb3s, e segundo o que elles valem, assim podem \njulgar de nosso discernimento, gosto, inclinagoes e ha- \nbitos. \n\nN\xc3\xa0o se enganaram nossos antigos quando nos deixaram \no sabio proverbio bem trivial : \n\n\xc2\xab Dize-me com quem andas , dir-te-hei que manhas \ntens. )> \n\nmenor mal que p\xc3\xb3de acontecer ao que escolhe uni \namigo reprovado pela opini\xc3\xa0o publica \xc3\xa9 passar por tolo : \nmuito feliz se n\xc3\xa0o o accusam dos mesmos defeitos que \nconhecem naquelle que parece ser seu amigo!.... Notai, \nineus filhos, que digo : que parec\xc3\xa8 ser seu amino; porque \npara ser susceptivel d\'amizade, \xc3\xb3 mister ter a alma nobre, \no corac\xc3\xa0o sensivel ; ser fiel, sincero, discreto, estremasi) ; \n\n15 \n\n\n\n254 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nd\'uni naturai prasenteiro, affavel e sempre igual; ser obse- \nquioso at\xc3\xa9 a generosidade ; denodado at\xc3\xa9 \xc3\xa0 temeridade ; \npossuir emf\xc3\xacm virtudes que raramente se encontram juntas. \nAssim que, devemos dar gracas ao c\xc3\xa9o quando no curso \nd\'urna longa vida tivermos a fortuna de achar um amigo. \nDizia Cicero que a verdadeira amizade n\xc3\xa0o se podia dar \nsen\xc3\xa0o entre duas ou mui poucas pessoas 1 . \n\nInsistirei muito comvosco, meus f\xc3\xaclhos, em que n\xc3\xa0o con- \nfundais o attractivo que encontrais numa pessoa alegre, \nengra^ada, bem parecida, prendada, com a sympathia e \naffecto que conduz \xc3\xa0 amizade. Aquellas qualidades sani \nbastantes para o que se chama conhecimento, que nunca \ndeve trazer comsigo familiaridade nem confidencia, mas \nn\xc3\xa0o bastam para estabelecer a amizade. N\xc3\xa0o vos fieis na \nlinguagem doce, lisonjeira, sentimental com que algumas \npessoas pretendam seduzir-vos para contrahirdes amiza- \ndes : pedi-lhes outras provas, e urna cau\xc2\xa7\xc3\xa0o segura antes \nd\'entregardes vosso corac\xc3\xa0o ; nem penseis que a verda- \ndeira e solida amizade se forma d\'uni dia para o outro ; \xc3\xa9 \nnecessario tempo, e muito tempo para conhecermos as \npessoas com quem lid\xc3\xa0mos, quanto mais os que escolhe- \nmos para amigos.... J\xc3\xa0 entre os Romanos se dizia vulgar- \nmente, e entre n\xc3\xb3s o escreveu E I-Rei Dom Duarte no Leal \nConselheiro, que se devem corner muitos moios de sai com \nalguma pessoa antes de com ellaliarmos amizade 2 . \n\nN\xc3\xa0o descubro nenhuma raz\xc3\xa0o plausivel porque, quando \ntemos parentes, vamos buscar numa familia estranila um \namigo, isto \xc3\xa9, urna pessoa que partilhe comnosco tudo \nquanto experiment\xc3\xa0mos de bem ou de mal. Pois que, man- \n\n1 \xc2\xab Ita conctracta res est ut omnis caritas aut inter duos aut inter \npaucosjungeretur. \xc2\xbb (De AmicUia,ca.ip. 5.) \n\n2 \xc2\xab Vulgo dicitur, multos modios salis simui edendos esse, ut, ami- \neitia) munus expletum sit. x> (Cic, De amicitia, cap. 19. \xe2\x80\x94 Vej. Leal \nconselheiro, cap. 49.) \n\n\n\nDOS \xc3\x80MIGOS. \'255 \n\ncebo ou donzella, tendes pai, m\xc3\xa0i, irm\xc3\xa0os, tios, primos, \ncom quem viveis, e n\xc3\xa0o \xc3\xa9 a elles que abris vosso corac\xc3\xa0o, \nnem pondes nelles vossas complacencias? Ser\xc3\xa0o os estra- \nnhos mais dignos de receber vossas conf\xc3\xacdencias? Bem \ndesgracado deve ser um mancebo ou urna donzella que \nn\xc3\xa0o ache entre os que cuidaram em sua educac\xc3\xa0o, que fo- \nram socios em seus primeiros brincos, ou companheiros \ndos primeiros estudos, um confidente, um amigo a quem \nabra seu peito !... A n\xc3\xa0o haver circumstancias particulares \nque a isso obriguem, sempre desconfiarei das pessoas \nmocas que buscam amigos fora de sua familia, e ainda for- \nmarci peior conceilo das que os buscam fora do circulo \ndas pessoas conhecidas da casa; e posso assegurar-vos, \nmeus f\xc3\xaclhos, que o mundo n\xc3\xa0o \xc3\xa9 mais indulgente do que \neu, e tem raz\xc3\xa0o; que nunca vi comportarem-se bem no de- \ncurso da vida os filhos que t\xc3\xa8m pressa de subtrahir-se \xc3\xa0 \nsollicitude affectuosa de seus pais. \n\nMas corno distinguir um verdadeiro d\'um falso amigo, \nme perguntareis v\xc3\xb3s? \xc3\x89 mui facil, meus f\xc3\xaclhos. amigo \nverdadeiro \xc3\xa9 aquelle que vos aconselha o bem, e vos dis- \nsuade do mal ; que vos encaminha para a virtude, e vos \naparta do vicio ; que vos induz ao respeito e a obediencia \na vossos superiores ; que vos mostra quanto \xc3\xa9 util amar o \ntrabalho e regular suas despezas; que vos acode em vossas \nnecessidades, vos consola em vossas afflicc\xc3\xb2es, e se inte- \nressa em tudo que vos diz respeito ; que vos faz mil obse- \nquios, e vos n\xc3\xa0o pede nenhum; que prefere ver-vos antes \ndescontentes do que injustos ; que vos \xc3\xa9 fiel, assimila pro- \nspera corno Da adversa fortuna ; que guarda vosso segredo, \nainda em detrimento proprio; que nunca vos mente, e vos \nfalla sempre com o corac\xc3\xa0o nas ma\xc3\xb2s; que tem em v\xc3\xb3s e \nvossa palavra grande confianca; que interpreta em bem \nvossos ditos, obras e gestos; e emf\xc3\xacm que so sacrificarla \nvossa amizade a verdade, \xc3\xa0 lionra e \xc3\xa0 religi\xc3\xa0o; e que, se \n\n\n\n256 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nlhe pedisseis cousas contrarias a ellas, vos responderia \ncom os antigos sabios : Amicus Plato, sed magis amica \nveritas. Amicus usque ad aras. \n\nOs que assim procederern comvosco esses sam vossos \namigos, a elles podeis abrir vossopeito. Por\xc3\xa9m considerar \ncorno amigo urn mancebo ou um homem s\xc3\xb3 porque vos acom- \npanha em vossos divertimentos e passalempos ; porque vos \nconvida, antes arrasta aos espeetaculos, aos bailes ; por- \nque se assenta comvosco a mesa do jogo, e muitas vezes \nfolga de vos ganhar o dinheiro ; que vos convida para seus \njantares e ca$adas, que vos escolhe para testemunha de \nseus duellos, que vos pede dinheiro emprestado, e que n\xc3\xa0o \ntem outras confi dencias a fazer-vos sen\xc3\xa0o estravagantes, \ndissolutas e por ventura criminosas, \xc3\xa9 um fatai engano a \nque estam expostos os filhos de gente nobre, e de que \nmuitas vezes sam victimas ; contra o qual n\xc3\xa0o cessarei, \nmeus filhos, de vos premunir. \n\nA amizade procedida de corner e beber, passear juntos, \npartilhar divertimentos e folgan^as, n\xc3\xa0o merece o nome \nde tal, nem p\xc3\xb3de ter firmeza. Assim o convence a raz\xc3\xa0o, \ne assim o mostra a experiencia : e devemos ter sempre \ncorno regra o dito d\'uni antigo philosopho, que em vulgar \nquer dizer : \n\n\xc2\xab D\'amigos bons estimag\xc3\xa0o se faga, \n\n\xc2\xab Por prova de perigos, e nao de taga. \xc2\xbb \n\nEm quanto a fortuna \xc3\xa9 prospera abundam os amigos, \nquando ella nos volta as costas ach\xc3\xa0mo-nos s\xc3\xb3s. Fervem \nos amigos em quanto a panella ferve, sobre cuja sentenza \nfez Marciai uns engraQados versos, que o nosso moralista \nBernardes trasladou nas seguintes, n\xc3\xa0o menos engra$adas, \nredondilhas : \n\nt Este que as mesas t\xc3\xa9m feito \n\xc2\xab E os falernos teu amigo, \n\xc2\xab Guidas guardar\xc3\xa0 comtigo \n\n\n\nDOS AMIGOS. \n\n\n\n257 \n\n\n\n\xc2\xab Verdadeiro e f\xc3\xacel peito? \n\xc2\xab De ser amigo d\xc3\xa0 mostras, \n\xc2\xab Mas resta saber de quem ; \n\xc2\xab D\'aquillo que sabe bem, \n\xc2\xab Vinho, salsixoes e ostras. \xc2\xbb \n\nA amiga d\'urna donzella n\xc3\xa0o deve ter menos boas qua- \nlidades que o amigo d\'um mancebo, e a primeira recom- \nmendac\xc3\xa0o que fa$o a v\xc3\xb3s ambos, meusf\xc3\xaclhos, \xc3\xa9 que nunca \ntenhais confianca mima pessoa que vos imposesse um \nsegredo para com vossos pais. N\xc3\xa0o duvideis um s\xc3\xb3 instante \nque correis grande risco em travar amizade com ella ; n\xc3\xa0o \n\xc3\xa9 o vosso bem que ella busca, mas o seu proprio, e talvez \nvossa ruina. Tomai conselho com pessoas sensatas, evitai \nsem affectac\xc3\xa0o as occasi\xc3\xb2es de a ver, n\xc3\xa0o fiqueis nunca a \ns\xc3\xb3s com ella, e cortai pouco a pouco toda a sorte de rela- \nc\xc3\xb2es, de maneira que seja para v\xc3\xb3s urna pessoa intera- \nmente estranila. \n\nN\xc3\xa0o penseis, meus filhos, que em vos dando estas adver- \ntencias relativamente a amizade, n\xc3\xa0o aprecio este dom do \nc\xc3\xa9o que \xc3\xa9 o mais nobre emprego do corac\xc3\xa0o humano. N\xc3\xa0o, \nbem ao contrario, corno sei que est\xc3\xa0 especie de divindade \ns\xc3\xb3 aceita os puros perfumes da sinceridade, da candura e \nda virtude, desejo que nunca profaneis, nem sejais causa \nque seprofanem, seus altares corno negro fumo dalisonja, \nda mentir\xc3\xa0, ou da seducc\xc3\xa0o. E para vos saberdes governar \na este respeito, aqui vos transcrevo alguns pensamentos e \nmaximas \xc3\xa0cerca da amizade e dos amigos, que, para meu \nuso, ha muito collegi de Cicero, d\'El-Rei Dom Duarte, de \nVieira e de Bernardes. \n\nA verdadeira amizade n\xc3\xa0o \xc3\xa9 outra cousa sen\xc3\xa0o urna \nsumma uni\xc3\xa0o e communi consenso entre os amigos, com \na qual benevola e amorosamente se conformarli em todas \nas cousas n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 humanas mas divinas, e primeiro nas di- \nvinas, que nas humanas : Divinarmi humanarumque re- \n\n\n\n258 CODIGO DO BOM TOM. \n\nrum, cum benevolentia et stimma cantate, stimma con- \nsentio l . \n\nDepois da sabedoria \xc3\xa9 este o maior bem que o c\xc3\xa9o nos \np\xc3\xb3de conceder. \n\nNa prospera fortuna \xc3\xa9 a amizade brilhante esmalte de \nnossas delicias : na adversidade, lenitivo a nossos soffri- \nmentos. \n\nQuerer tirar do commercio da vida a amizade, seria o \nmesmo que tirar ao mundo a luz do sol. \n\nA amizade s\xc3\xb3 p\xc3\xb3de subsistir entre gente de bons cos- \ntumes. \n\n\xc3\x80 similhanca do bom vinho que com os annos se torna \nmais generoso, a amizade velha \xc3\xa9 sempre a melhor. \n\nQuem tira \xc3\xa0 amizade o decoro e o respeito tira-lhe o \nmelhor ornato. \n\n\xc3\x89 um pernicioso erro crer que a amizade favorece o \ndesvario dos vicios e a desenvoltura das paix\xc3\xb2es. \n\nSe alguem subisse \xc3\xa0s regi\xc3\xb2es celestes e de l\xc3\xa0 contem- \nplasse a labrica do mundo, e a formosura dos astros, n\xc3\xa0o \nexperimentaria prazer completo se n\xc3\xa0o tivesse um amigo \na quem communicasse sua dita. \n\nA natureza \xc3\xa9 inimiga da solid\xc3\xa0o, busca sempre um sus- \ntentaculo ; e nenhum Ihe \xc3\xa9 mais grato que a amizade. \n\namigo fiel n\xc3\xa0o tem comparalo. \n\namigo fiel nunca p\xc3\xb3de deixar de amar ; porque nem \nseria fiel, nem amigo, se n\xc3\xa0o amasse. \n\nmaior e mais certo motivo de ser amado, \xc3\xa9 anticipar \na sua amizade quem quer alcancar a alheia. \n\nA verdadeira amizade, e que so merece este nome, vive \nimmortai sobre a esphera da mudan^a, n\xc3\xa0o chegam l\xc3\xa0 as \njurisdicc\xc3\xb2es do tempo, nem a vice-morte, a ausencia, a \nesfria. \n\n4 Cicero, De amicitia, cap. I. \n\n\n\nDOS AMIGOS. 259 \n\nNo corac\xc3\xa0o do amigo ausente palpitam as saudades, re- \nbentam-lhe dos olhos aslagrimas, saem-lhe da bocasuspi- \nros : signaes sensiveis do invisivel fogo em que seu peito se \nabraza. \n\nQuem v\xc3\xa8 um verdadeiro amigo, v\xc3\xa8 urna imagem de si \nmesmo. \n\nAinda que os amigos se ausentem, estam presentes; \nainda que sejam pobres, abundam em riquezas ; ainda que \nsejam desvalidos, t\xc3\xa8m muito poder ; e o que \xc3\xa9 mais, ainda \ndepois de mortos, vivem : tanta \xc3\xa9 a honra que lhestribu- \nt\xc3\xa0mos, tal \xc3\xa9 a lembranca que d\'elles temos, tao vivas sam \nas saudades que d\'elles conserv\xc3\xa0mos. \n\nMeu amigo \xc3\xa9 outro eu. Quando eu busco um amigo \xc3\xa9 \npara misturar minha alma com a sua, e das duas fazer \nurna s\xc3\xb3. \n\nNada ha tao amavel corno a virtude; nada estreita tanto \nos lacos da amizade; os homens probos e virtuosos excitam \na nossa amizade, ainda sem os conhecermos : am\xc3\xa0mo-los \npor f\xc3\xa9. \n\nA virtude, e s\xc3\xb3 a virtude concilia e conserva a verdadeira \namizade. \n\nN\xc3\xa0o observa as leis da amizade o que pede ao amigo \ncousas illicitas e injustas. \n\nProfana seu santuario, e perde o nome d\'amigo o que \npede cousas indecorosas ou deshonestas. \n\nN\xc3\xa0o merece desculpa nenhuma o crime, que com pre- \ntexto de amizade se commette. \n\nA boa lei da amizade manda que n\xc3\xa0o se peca, e menos \nse conceda, cousa que nos faca vergonha. \n\nN\xc3\xa0o pe^amos ao amigo, nem lhe concedamos sen\xc3\xa0o o \nque for honesto. \n\n\xc3\x89 proprio da alma bem formada alegrar-se com o bem, \ne entristecer-se com o mal. E que bem mais innocente e \nmais grato ao corac\xc3\xa0o do sabio do que a amizade? \n\n\n\n260 CODIGO DO BOM TOM. \n\nSe o sabio, ainda o mais estoico, nao est\xc3\xa0 isento de \naffliccoes d\'espirito, poder\xc3\xa0 elle expulsar de seu peito est\xc3\xa0 \nnobre paix\xc3\xa0o d\'alma porque lhe custa alguns sacrificios? \n\nQue differenza haver\xc3\xa0, nao digo entre o homem e o \nbruto, mas entre elle e o marmore ou o tronco dessecado, \nse seu cora^\xc3\xa0o nao \xc3\xa9 sensivel aos toques da amizade? \n\nQue loucura nao \xc3\xa9 a do homem rico e abastado o adqui- \nrir cousas venaes, cavallos de prego, vestidos esplendidos, \nvasos preciosos ; e nao grangear amigos, alfaia, se assim \xc3\xa9 \npermittido fallar, a mais util e formosa de quantas nos \npresenta o mundo ! \n\nPor isso que as cousas humanas sani incertas e perece- \ndouras, facamos do corano do amigo um thesouro em \nque a nossa alma ache consolalo nas magoas, allivio nas \npenas, conforto nas tribula^\xc3\xb2es. \n\nNao se busque para amigo a quem um dia por alguma \ncircumstancia possamos aborrecer. \n\nDifficilmente se achar\xc3\xa0 verdadeira amizade nos homens \ncollocados em altos empregos ou embara^ados em nego- \ncios publicos. \n\nNao \xc3\xa9 bom para amigo o que nos revela os segredos de \noutros com quem j\xc3\xa0 teve amizade. \n\nTarnbem nao sabe as leis da amizade o que, ouvindo \nmurmurar ou detrahir do amigo, nao acode a defender a \nsua fama, antes se cala, que vale o mesmo que consentir \nno que o murmurador diz. \n\nque na prosperidade conhece e estima o amigo desva- \nlido, e o tira da desgra^a, ou lhe acode no perigo, este \xc3\xa9 \nleal e verdadeiro amigo. \n\nAmicus certus in re incerta cernitine : \n\n\xc3\x89 sentenza de Ennio, refenda por Cicero, e que anda \ntrasladada em nosso antigo rif\xc3\xa0o : \n\n\n\nDOS AMIGOS. 261 \n\nNo aperto e no perigo \nSe conhece o amigo. \n\nAo amigo mirica se ha de fallar com fingimento nem \ndissimulalo. Fingir o que n\xc3\xa0o \xc3\xa9, \xc3\xa9 mentir ; e a mentir\xc3\xa0 \xc3\xa9 \ninimiga da amizade. Dissimular erros no amigo n\xc3\xa0o \xc3\xa9 ami- \nzade, \xc3\xa9 lisonja; n\xc3\xa0o \xc3\xa9 prudencia, \xc3\xa9 traic\xc3\xa0o, ou quando \nmenos, pusillanimidade. \n\nAssim corno se vissemos nos vestidos do amigo alguma \ndescompostura ou immundicia, deviamos manifestar-lh\'o \npara que nao apparecesseempublicoridiculamente; assim \ntambem corre-nos obrigac\xc3\xa0o de o avisar em secreto se \nvemos que sua fama padece com raz\xc3\xa0o, ou lhe ach\xc3\xa0mos \ndefeitos reprehensiveis. \n\nSeja por\xc3\xa9m a correc^\xc3\xa0o caridosa, branda, e em occasi\xc3\xa0o \nopportuna; seja dada com conf\xc3\xacanca e brevidade, corno \npilula, que ha de ser dourada e pequenina que quasi se \nsinta primeiro engulida do que amargosa. \n\nOs que a fortuna fez ditosos e a natureza mimoseou de \nseus dons devem abaixar-se, e por-se ao nivel dos amigos \nmenos favorecidos e menos bem dotados, estes por\xc3\xa9m n\xc3\xa0o \ndevem contristar- se de sua inferioridade, antes consolar-se \nporque a providencia estabeleceu o rico para que soccorra \no pobre, o sabio para que ensine o ignorante, o poderoso \npara que proteja o fraco. \n\nTem a amizade seus contratempos. As paix\xc3\xb2es e os vicios \ndisputam-nos muitas vezes o objecto querido da nossa \ncandida amizade. N\xc3\xa0o podem nossos conselhos e esfor^os \nsalv\xc3\xa0l-o do naufragio. Deploremos sua desgraca, mas \nponhamo-nos com tempo em salvo, para n\xc3\xa0o perecermos \ncom elle. \n\nPor\xc3\xa9m, n\xc3\xa0o obremos com pressa ou com espalhafato ; \ndescosdmos (era express\xc3\xa0o de Cat\xc3\xa0o) o laco que nos unia, \nmas n\xc3\xa0o o rasguemos. \n\n15, \n\n\n\n262 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nAquelle eujos ouvidos sefeixam \xc3\xa0 verdade, e que recusa \nouvir as palavras que saem da boca do amigo, \xc3\xa9 um homem \nperdido. \n\nCat\xc3\xa0o dizia que os inimigos declarados sani menos peri- \ngosos que os amigos condescendentes e lisonjeiros : \naquelles dizem a\xc3\xacgumas vezes a verdade, estes nunca. \n\nSe o dar e receber conselhos, o manifestar o seu pensa- \nmento sem disfarce, mas com brandura, o ouvir com doci- \nlidade e sem repugnancia sam os direitos e deveres da \namizade, segue-se que n\xc3\xa0o ha para ella maior inimigo que \na lisonja, a adulac\xc3\xa0o e a vii condescendencia. \n\nA verdadeira amizade n\xc3\xa0o se contenta com palavras : \nquer obras, exige sacrificios, pede f\xc3\xacnezas. Por ella \xc3\xa9 mister \nsentir ausencias, chorar saudades, resistir contradic\xc2\xa3\xc3\xb2es, \natropellar diff\xc3\xacculdades, vencer impossiveis, desprezar as \nhonras, abater a autoridade, arriscar a vida, sujeitar a \nvontade, captivar o alvedrio, e muitas vezes morar den- \ntro em si por tormento, e viver em seu amigo por cui- \ndado. \n\nEstas foram as f\xc3\xacnezas que Jonathas fez por David ; f\xc3\xacne- \nzas que a Escritura louva, que nos d\xc3\xa0 corno modelo, e que \nmuito desejo v\xc3\xb3s imiteis, meusf\xc3\xaclhos, se achardes tao bons \namigos corno eram aquelles santos var\xc3\xb2es, que n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 em \nvida foram muito unidos, mas at\xc3\xa9 na morte se n\xc3\xa0o poderam \napartar. \n\nGrande desejo tenho que n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 saibais as leis e deveres \nda boa amizade, sen\xc3\xa0o que a pratiqueis tao ponctualmente \nque quando lerdes os livros que d\'ella tratam nomeada- \nmente o de Cicero, possais dizer com o sabio Rei Dom \nDuarte : \xc2\xab Nosso Senhor me outorgou viver sempre sem \nfallecimento em amizade muy special com osmuy virtuosos \nmeus Senhores padre e madre. . . , de tal guysa que nom me \npareceu quando vy o livro de Tullio e outros que della \nfallam, que achava cousa nova, nem contraria da que usa- \n\n\n\nDOS AMIGOS. 263 \n\nvamos ; e posto que assy razoar o nom soubera, j\xc3\xa0 no \ncoracom aquella sentia, e por obra usava 1 . \xc2\xbb \n\nDAMO?* E PYTHIAS. \n\nDous Syracusanos, Damon e Pythias, ambos educados \nsegundo os principios de Pythagoras, viviam unidos pelos \nmais estreitos lacos de solida amizade. Denisio, tyranno de \nSyracusa, por urna simples denuncia, condemna \xc3\xa0 morte \nPythias. Pede este que, antes de soffrer a pena ultima, lhe \nseja permittido ir regular alguns negocios importantes que \ntinha numa cidade vizinha, promette n\xc3\xa0o faltar no dia e \nhora marcada, e parte para o seu destino, f\xc3\xaccando Damon \npor seu f\xc3\xacador, com o perigo de sua propria vida. Entre- \ntanto havia delongas nos negocios de Pythias, e o dia fatai \nera chegado. Reune-se o povo; uns censurarci, outros \nlamentarli a Damon, mas elle, sem se alterar, caminha \ndesassombrado para o patibulo, intimamente persuadido \nque seu amigo n\xc3\xa0o ha de faltar \xc3\xa0 palavra dada, que n\xc3\xa0o \ntarda a chegar, dando-se por feliz se por ventura n\xc3\xa0o viesse ! \nAproximava-se o momento fatai, quando mil gritos tumul- \ntuosos annunciarli a chegada de Pythias. Sem tornar des- \ncanso, corre, v\xc3\xb3a ao lugar do supplicio; v\xc3\xa8 o cotello sus- \npenso sobre o pescoso de seu amigo, e, no meio de abracos \ne choros, ambos se disputam a dita de morrer um pelo \noutro. As lagrimas rebentam dos olhos de todos os espec- \ntadores, o proprio tyranno precipita-se dothrono, n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 \nperdoa, mas pede-lhes que o admittam na sua amizade. \n\n\n\n1 Leal ConselheirOy edig\xc3\xa0o de Pariz, pag. 215. \n\n\n\nCAPITOLO XVIII \n\n\n\nDOS CRIADOS \n\n\n\nA caridade e a humanidade para com os que nos servem \n\xc3\xa9 a primeira e a principal recommendag\xc3\xa0o que tenho a \nfazer-vos; recommenda^\xc3\xa0o hoje menos necessaria do que \nnoutro tempo, e entre n\xc3\xb3s muito menos de que o era em \nFranca ha um seculo, tempo em que a sorte do criado \npouco differia da do escravo. \n\nA este respeito diz urna Fidalga franceza de grande juizo \no que vos transcrevo : \xc2\xab Nossas revolu$\xc3\xb2es t\xc3\xa8m ensinado \na todos os homens que se n\xc3\xa0o devem soffrer uns aos oulros \nsenao voluntariamente, e que nenhuma circumstancia de \ngerarchia ou de riqueza podia fazer d\'uns opprimidos, \nd\'outros oppressores. \xc3\x80s injurias, os m\xc3\xa0os tratos para com \nos que nos servem foram sempre olhados corno cousa \nignobil : hoje considerar-se-hi\xc3\xa0o corno perigosa loucura; \nporque se acha estabelecido o direito de represalia. Assim \nque, os amos d\'uni e outro sexo, que outr\'ora se deseulpa- \nvam com a viveza de seu genio, quando caiam em algum \nexcesso, ach\xc3\xa0ram-se de repente com for$a bastante para \nmoderar sua violencia, logo que reconheceram que as \nconsequencias d\'este procedimento punham em risco sua \ndignidade e a propria seguran^a ; d\'onde podemos concluir \n\n\n\nDOS CRIADOS. 265 \n\nque sempre se p\xc3\xb3de o que bem se quer : Von petit ce que \nVon veni. \xc2\xbb \n\nEvitai pois, meus filhos, o fallar a vossos criados com ar \nenfadado e colerico, e sobre tudo ralhar sem raz\xc3\xa0o : o que \nfacilmente acontecer\xc3\xa0 se vos deixardes levar dos primeiros \nmovimentos. \n\nN\xc3\xa0o ha heroe para o seu criado do quarto, diz um pro- \nverbio francez : il ni) a pas de k\xc3\xa9ros pour san valet de \nchambre. Isto equivale a dizer : (< N\xc3\xa0o ha nenhum homem \nque ame a virtude por ella mesma, e a queira praticar \nsinceramente; faz no publico um papel que desinente \nquando entra em sua casa. \xc2\xbb Este proverbio, se foi noutro \ntempo verdadeiro em Franca, n\xc3\xa0o o \xc3\xa9 hoje em geral, nem \ncreio que entre n\xc3\xb3s nunca o fosse : sempre houve e ha \nmuita gente que obra por principios e conviccoes invaria- \nveis, que n\xc3\xa0o mente, murmura, calumnia ou se deixa levar \nda ira com mais facilidade diante d\'uni lacaio do que em \npresenca d\'um f\xc3\xacdalgo ou d\'um Principe. Desinenti em v\xc3\xb3s \neste ditado : conhecei o bem, amai-o, e praticai-o igual- \nmente diante de todos, e maiormente diante d\'aquelles a \nque ni deveis dar bom exemplo. Se por\xc3\xa9m acontecesse, o \nque n\xc3\xa0o espero, que vossa conducta privada n\xc3\xa0o se ajus- \ntava com a publica, ou que vos contentaveis s\xc3\xb3 com as \napparencias, guardai-as escrupulosamenle para com os \ncriados; porque elles sani menos dispostos que os outros \na tolerar vossos defeitos, e julgam-se com mais direito \npara censurar vosso proceder. \n\nN\xc3\xa0o sei se devemos felicitar ou lamentar o nosso seculo ; \nmas parece-me que elle \xc3\xa9 disposto a n\xc3\xa0o venerar, nem \neslimar sen\xc3\xa0o o que \xc3\xa9 digno de veneralo e d\'estima. J\xc3\xa0 \nse n\xc3\xa0o p\xc3\xb3de contar com o nascimento, com a riqueza, \ncorno urna aureola que deslumbra o vulgo. Estimam-se, \napreciam-se todas as aristocracias, isto \xc3\xa9, tudo que se dis- \ntingue na sociedade por qualquer l italo que seja ; mas \n\n\n\n266, \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\njulgam-se todas, e desde que d\'ellas sen\xc3\xa0o ha mister, pu- \nblica-se o conceito que d\'ellas se forma. Isto mesmo se \nfazia em outros tempos, com est\xc3\xa0 differenza por\xc3\xa9m que s\xc3\xb3 \nos grandes ou fidalgos fallavam e se julgavam e aceusa- \nvam uns aos outros, e que se n\xc3\xa0o fazia caso do silencio \ndos pequenos. N\xc3\xa0o conteis pois sen\xc3\xa0o com vosso mereci- \nmento, sejam quaes forem as pessoas com quem tenhais \nrela\xc2\xa3\xc3\xb2es. \n\nA obediencia \xc3\xa9 a primeira qualidade que deveis exigir \nd\'um criado, e urna obediencia cega; n\xc3\xa0o para ostentardes \ncom fatuidade vossos direitos de amos, sen\xc3\xa0o para pre- \ncaver grandes desgracas que frequentemente acontecem \npor desobediente descuido dos familiares. Que de roubos, \nque de assassinios, que de fogos n\xc3\xa0o t\xc3\xa8m acontecido por- \nque os criados n\xc3\xa0o cumpriram por descuido ou teima, as \nordens do dono da casa? Criados ha, por certo mui affectos \na seus amos, mas que, levados d\'um zelo indiscreto, ou \nporque se persuadem ter mais juizo do que elles, querem \nsempre fazer as cousas pela sua cabe^a, sendo por isso a \ncausa de grandes desgracas. N\xc3\xa0o conserveis pois qualquer \ncriado, por grande que seja o seu prestimo, que for deso- \nbediente ; despedi tambem aquelle que murmura quando \no reprehendern. A moderac\xc3\xa0o \xc3\xa9 necessaria, corno j\xc3\xa0 vos \ndisse, mas n\xc3\xa0o nos devemos expor a perd\xc3\xa8l-a. \n\nSe alguma vez acontecer que reprehendais um criado \ninjustamente, se elle vos ouvir com paciencia, n\xc3\xa0o mur- \nmurar nem se queixar, e passado algum tempo vos provar \nrespeitosamente vossa injusti^a, n\xc3\xa0o hesiteis a dar-lhe \nraz\xc3\xa0o, e mostrai-lhe um verdadeiro arrependimento : d\'este \nmodo reparareis a falta que commettestes, e tornar-vos- \nheis mais respeitaveis a s\'eus olhos. \n\nA n\xc3\xa0o ser que tenhais um criado ha muitos annos, e \nque elle vos tenha dado provas de grande amizade e dedi- \ncalo, n\xc3\xa0o falleis com elle seri\xc3\xa0o no que pertence ao ser\xc2\xbb \n\n\n\nDOS CRIADOS. 267 \n\nvico que est\xc3\xa0 a seu cargo. A milita familiaridade \xc3\xa9 causa \nde menospreco. Dai-lhe provas de tomardes interesse pelo \nque lhe pertence ; ouvi-o com attenc\xc3\xa0o quando vos con- \nsultar sobre negocios seus ; mas fora d\'isto n\xc3\xa0o tenhais \npr\xc3\xa0ticas com elle, n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 por evitardes a demasiada fami- \nliaridade, senao por n\xc3\xa0o adquirirdes maneiras e modos de \nfallar, proprios de gente ordinaria, mas que sam um des- \ndouro no homem limpo e bem criado. \n\nN\xc3\xa0o exijais nunca de vosso criado nenhum servico repu- \ngnante e ascoroso, excepto no caso de molestia ou enfer- \nmidade conhecida, e que elle mesmo saiba que o fazeis \na vosso m\xc3\xa0o grado. Acostumai-vos a vestir-\\os e despir-vos \ns\xc3\xb3s ; dispensai quanto poderdes a assistencia e coadjuvac\xc3\xa0o \nde vosso criado ou criada do quarto ; por\xc3\xa9m, se os hou- \nverdes mister, observai a mais rigorosa decencia e com- \npostura diante d\'elles. \n\nN\xc3\xa0o interrompais sem motivo importante, e que vossos \ncriados conbecam, suas comidas ehoras de dormir; pon- \nde-vos por um instante em seu\xc3\xacugar, e supponde que sois \nobrigados a servil-os, e conhecereis quanto isto lhes sera \ndesagradavel : e corno n\xc3\xa0o devemos querer para os outros \no que n\xc3\xa0o quereriamos para n\xc3\xb3s, \xc3\xa9 melhor esperarmos ou \nsoffrermos algum incommodo passageiro do que ir contra \no principio fundamental de toda a moral. \n\nVigiai o que fazem vossos criados, por\xc3\xa9m n\xc3\xa0o de modo \nqueelles pensem que \xc3\xa9 por desconf\xc3\xacanca que d\'elles tencles, \nmas porque quereis saber o que se passa em vossa casa, \ncorno \xc3\xa9 do vosso dever. N\xc3\xa0o se estenda por\xc3\xa9m vossa vigi- \nlanciaa miudezas insignificantes, e deixai a vossos criados \ndispor de pequenas cousas, n\xc3\xa0o corno quem cede de suas \naUribuic\xc3\xb2es, mas corno um amo que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 impertinente \nnem apouquentador de seus familiares. Fazei em tudo que \nvosso jugo seja o mais suave possivel; mas n\xc3\xa0o sejais in- \ndulgentes com demazia ; n\xc3\xa0o soffrais criado infici, dado a \n\n\n\n268 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nbebidas, atrevido, respond\xc3\xa0o, e de costumes, n\xc3\xa0o digo de- \n\nvassos, massuspeitos. \n\nN\xc3\xa0o reprehendais os criados por faltas involuntarias ; \ndai desconto a seu desazo e pouco geito para misteres deli- \ncados ; m\xc3\xb3rmente se , estando acostumados a trabalhos \ngrosseiros, lhes mandais fazer servi\xc2\xa7os que pedem m\xc3\xa0os \nfinas. Se possuis certos moveis ou alfaias de pre^o, que o \nluxo e a delicadeza produz em nossos dias, e se os tendes \nem grande estima$\xc3\xa0o, limpai-os v\xc3\xb3s mesmos, para vos n\xc3\xa0o \nexpordes ao desgosto de os verdes quebrar entre as m\xc3\xa0os \ngrosseiras e desacauteladas de vossos criados. \n\nAinda que tenhais toda a conf\xc3\xacan^a em vossos criados, \npede a prudencia que n\xc3\xa0o se exponha o probe a tentalo \nde se enriquecer num instante, deixando \xc3\xa0 sua disposic\xc3\xa0o \nouro, prata ou diamantes. N\xc3\xa0o se deixar\xc3\xa0o facilmenle \nseduzir pelas alfaias de prata que todos os dias lhes pas- \nsam pelas m\xc3\xa0os, por isso que com ellas estam familian- \nzados, mas talvez n\xc3\xa0o aconieca o mesmo com objectos \npreciosos que lhes n\xc3\xa0o sam familiares; n\xc3\xa0o deis pois \noccasi\xc3\xa0o a que em vossa casa, e a vossa custa se realize o \nditado, a occasi\xc3\xa0o fa% o ladrao. \n\nDai a vossos criados os ordenados mais avultados que \npoderdes ; \xc3\xa9 este o melhor meio de ser bem servido, e de \nganhar sua affeig\xc3\xa0o. Pagai-lhes punctualmente, mas ad- \nverti-os, quando os tomardes a vosso servico, que lhes de- \nvereis sempre trez mezes atrazados : \xc3\xa8 este um bom meio \nde os acustumar a serem economicos e a tomarem cuidado \nnos objectos que lhes conf\xc3\xacais. \n\nN\xc3\xa0o lhes exciteis a gula recheando vossa mesa de igua- \nrias delicadas, e guardando com a d\'elles mesquinha par- \ncimonia. Fazei-os participar d\'alguns pratos que v\xc3\xa8m \xc3\xa0 \nmesa, deixando-lhes n\xc3\xa0o so os sobejos, masalguma porc\xc3\xa0o \nem que ninguem tocasse, e fazei com que n\xc3\xa0o sejam estra- \nnhos \xc3\xa0s festas que celebrais. Os criados pagam-se muito \n\n\n\nDOS CRIADOS. 269 \n\nd\'este interesse que por elles se toma, tornam-se mais \ncuidadosos e dam boa fama da casa. \n\nDai-lhes sempre que fazer, n\xc3\xa0o consintais que estejam \nociosos, mas proporcionai o trabalho \xc3\xa0s suas forcas, e \ncalculai attentamente todas vossas exigencias. \n\nN\xc3\xa0o tenhais um medico para v\xc3\xb3s, e outro para vossos \ncriados ; se o vosso os n\xc3\xa0o quizer tratar, despedi-o, porque \nde certo \xc3\xa9 m\xc3\xa0o homem, ou quando menos um fatuo e sem \ncaridade; e at\xc3\xa9 hoje ainda n\xc3\xa0o pude convencer-me que o \ntalento fosse proporcionado a maldade. \n\nN\xc3\xa0o tenhais mais criados que os que precizais, e que \nvossas posses permittem ; n\xc3\xa0o abandoneis o desvalido ou \naleijado que em tosso servico perdeu a saude ou o uso \ndos membros; s\xc3\xa8de para estes pai, mas n\xc3\xa0o consintais \nque \xc3\xa0 vossa sombra vrvam parasitas e vadios, que s\xc3\xb3 vos \nservem de descredito, e em tempos adversos yos podem \nser perigosos. Usai para comtodos de justica, rectid\xc3\xa0o e \nbondade ; n\xc3\xa0o tenhais favoritos entre elles, apreciai o \nmerecimento de cada um sem estabelecer rivalidades e \ninimizios; por este modo ganhareis sua affeic\xc3\xa0o; e n\xc3\xa0o \npenseis que ella p\xc3\xb3de ser jamais o preco da fraqueza, da \nfamiliaridade, das conf\xc3\xacdencias ou da prodigalidade. Pou- \ncos homens ha que saibam discernir d\'onde prov\xc3\xa9m o \nmal ou o beni que se lhes faz. \n\nQuando reprehenderdes algum criado, n\xc3\xa0o ralheis des- \ncomedidamente, nem lhe digais injurias nem affrontas ; \nn\xc3\xa0o fareis sen\xc3\xa0o exasper\xc3\xa0l-o, e expor vossa dignidade. \nPermitte-se a severidade, mas n\xc3\xa0o o insulto e a humilia- \nc\xc3\xa0o. Respeitai-vos, e respeitar-vos-h\xc3\xa0o. N\xc3\xa0o deis repre- \nhens\xc3\xb2es, ou corno se diz vulgarmente, recados ou foguetes, \nem publico, \xc3\xa9 raro que um criado n\xc3\xa0o seja sensivel a est\xc3\xa0 \nattenc\xc3\xa0o. \n\nQuando encontrardes algum criado flel e zeloso, descul- \npai-lhe algum defeito que tenha, dando-lhe sempre sau- \n\n\n\n270 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\ndaveis admoesta\xc2\xa7oes ; nao desespereis nunca de sua \nemenda. Em quanto a mim, asseguro-vos que um bom \ncriado velilo me parece urna das grandes consola^oes da \nvida, e que a express\xc3\xa0o entre n\xc3\xb3s usada, e que em Franca \nse nao conhece, de familia , fallando dos criados, faz \nhonra aos nossos costumes suaves, e \xc3\xa9 urna prova de que \nos amos entre n\xc3\xb3s se consideram corno pais, e olham corno \nfamilia propria todos seus domesticos. Conservai em pala- \nvras e obras este costume, que, sobre nacional, \xc3\xa9 mui \nconforme ao espirito do Evangelho. \n\n\xc3\x89 do vosso dever nao so vigiar o procedimento de vos- \nsos criados pelo que vos diz respeito, e a suas obriga^\xc3\xb2es, \nmas deveis tambem fazer com que vivam em paz e har- \nmonia uns com os outros, e tenham cuidado em si e nas \nsuas cousas, e nao soffrer que gastem em fato ou em des- \npezas inuteis a maior parte do que ganham. \n\nDeveis prohibir-lhes que s\xc3\xa0iam com frequencia, ou que \nadmittam em casa amiudo outros criados, ainda que sejam \nde familias conhecidas ; nao deveis por\xc3\xa9m impedir-lhes \nque se divirtam entre si em certos dias do anno, corno pelo \nNatal, dia de R\xc3\xa8is, entrudo, dia de vossos annos, etc. \n\nSe a educalo dos amos \xc3\xa9 por vezes imperfeita e pouco \ndesvelada, que admira^\xc3\xa0o \xc3\xa9 que a dos criados o seja ainda \nmais ! D\'aqui resultanti mil imperfei^oes que deveis esfor- \ncar-vos de corrigir com frequentes instruccoes. Juntai a \nestas a l\xc3\x8c\xc2\xa3\xc3\xa0o de bons livros, e nao consintais nunca que \nleiam novellas e outros livros ainda peiores, que, come- \ncando por roubar-lhes o tempo que deviam gastarno tra- \nballio marmai, vem por firn a corromper-lhes o corano e \na estragar-lhes o espirito. \n\nAssim corno deveis vigiar que vossos criados trabalhem \ndurante a semana, assim tambem nao exigireis d\'elles ne- \nnhum trabalho nos Domingos, \xc3\xa0 excep^\xc3\xa0o do indispen- \nsavelpara o governo da casa. Fazei quanto poderdes para \n\n\n\nDOS CRIADOS. \n\n\n\n271 \n\n\n\nque santifiquem osDomingos e dias santos, para que guar- \ndem os preceitos da Religi\xc3\xa0o; animai-os com o exemplo, \nconvidai-os com exhortac\xc3\xb2es, mas n\xc3\xa0o os obrigueis, que \nera higar de bons christ\xc3\xa0os s\xc3\xb3 fareis hypocrilas. Tende- \nvos por\xc3\xa9m por advertidos que o homem a quem a con- \nsciencia n\xc3\xa0o dieta seus deveres, jamais os preencher\xc3\xa0 com \nregularidade ; e que o criado que n\xc3\xa0o respeita a lei de \nDeos s\xc3\xb3 respeitar\xc3\xa0 as ordens de seu amo em quanto o teme \nou d\'elle depende. \n\nTerramare] este capitalo dos criados pelo melhor con- \nselho, que se possa dar \xc3\xa0 mocidade : \xc3\xa9 de passar sem \nelles, emquanto seja possivel. \n\nDiz Franklin : \xc2\xab Queres ter um criado f\xc3\xacel, e com quem \nestejas sempre satisfeito? Pois, serve-te a ti-mesmo. \xc2\xbb \n\nNas pequenas circumstancias da vida, \xc3\xa9 mais digno, \xc3\xa0s \nmais das vezes n\xc3\xa0o sefazer assistir por ninguem ; mas nas \ngrandes, n\xc3\xa0o deve a gente contar sen\xc3\xa0o comsigo mesmo. \n\nA este respeito, referir-vos-hei urna anecdota relativa a \nmulheres que souberam proceder sem assistencia alguma \nde criados. \n\nAS MULHERES DE WINSPERG, \n\nUm dos rasgos que fazem maior honra ao sexo feminino \n\xc3\xa9 o das mulheres da cidade de Winsperg, sitiada pelo im- \nperador Conrado III. Assusladas com a sorte que poderia \ncaber a seus maridos, pediram a permiss\xc3\xa0o de sair da ci- \ndade com o que podessem levar comsigo. Persuadido o \nimperador que n\xc3\xa0o seria grande cousa o que mulheres \npoderiam levar, concedeu a licenca pedida. Cada mulher \nsaiu da praca levando seu marido \xc3\xa0s costas. Conrado, com- \nmovido com um tal rasgo, tributou \xc3\xa0quellas mulheres o \nmaior corno o mais beni merecido elogio. \n\n\n\nCAPITULO XIX \n\n\n\nA THEOPH1LO EM P\xc3\x80RT1CULAR \n\n\n\nBem a meu pezar, meu filho, te separo hoje de tua irm\xc3\xa0 \npara te dar algumas advertendas em particular. Bem qui- \nzera eu faz\xc3\xa8l-o corno at\xc3\xa9qui, por\xc3\xa9m corno nossos costumes, \nde acordo com a natureza, nao prescrevam a v\xc3\xb3s ambos os \nmesmos deveres pessoaes, sou obrigado, para completar \nminhas instruc^\xc3\xb2es, a dirigir urna em particular a ti, as- \nsim corno o farei igualmente a Eugenia. Nao penses com \ntudo que o que vou a dizer-te seja um segredo para tua \nirm\xc3\xa0, e o seja para ti o que a ella disser ; nao, meu filho, \nnada deve haver de occulto entre v\xc3\xb3s: ha cousas especiaes \na cada um de v\xc3\xb3s, mas que ambos podeis saber ; para maior \nclareza e melhor intelligencia vo-las digo em separado, \npor\xc3\xa9m nao s\xc3\xb3 vos permitto, mas vos aconselho que vo-las \ncommuniqueis mutuamente, porque nalguns pontos se to- \ncam, e se tornam por isso mais completas. \n\nDeves ter notado, meu filho, que eu nao tive em vista (e \nseria louco se o intentasse) dar-te tratados completos sobre \nos differentes deveres do homem que vive em sociedade ; \ntenho apontado o que a este respeito \xc3\xa9 mais importante, e \nque fica mal a um homem bem criado ignorar ; mais para \no diante com a lig\xc3\xa0o dos bons livros, a experiencia dosne- \ngocios, e o trato com os homens probos e instruidos conhe- \n\n\n\nA THEOPHILO. 273 \n\ncer\xc3\xa0s a fundo o que agora te digo ligeiramente, e saber\xc3\xa0s \napreciar os meus conselhos. \n\nSeguindo pois este mesmo methodo, digo-te que as pri- \nmeiras qualidades do homem que lem casa, e quer andar \ncom a cara descoberta, e merecer a estima de seus conter- \nraneos, sani a ordem e regularidade em suas occupac\xc3\xb2es \ne negocios, e a economia em sua despeza. \n\nQuando entrares na posse dos bens que te pertencem \ndeves ir v\xc3\xa8l-os a miudo, e conhecer pessoalmenle teus \nrendeiros ou feitores. Se tens trabalhos a fazer por tua conta, \nassiste a elles o mais tempo que poderes, e se tu mesmo \nquem pagues aos trabalhadores. Mant\xc3\xa8m severamente a auto- \nridade que tiveres confiado a teus feitores ou caseiros, para \nque elles respeitem a tua. Quando tiveres alguma ordem \ndesagradavel a dar, d\xc3\xa0-a por uni segundo ; mas se quizeres \nexercer algum acto de clemencia ou de caridade, exerce-o \npor ti mesmo, para qne teus inferiores te conhecam mais \npor tua bondade que por tua autoridade. \n\nAinda que tenhas mordomo ou feitor, s\xc3\xa8 tu mesmo \nquem guardes os livros de comptabilidade para saberes \nnum momento o estado de tua casa, o que deves e o que \nte devem, quanto te rende tal e tal fazenda que, trazes por \ntua conta, e poderes calcular se te seria mais vantajoso o \narrend\xc3\xa0l-a. Tambem \xc3\xa9 boni que saibas separadamente \nquanto te custa tua cocheira e cavalharica, quanto a cozinha \ne a meza, e quanto gastas em fato e objectos de luxo, para \nque, quando aconteca ser necessario fazer algumas econo- \nmias, saibas sobre que ramo as possas fazer que sejam menos \nsensiveis. Quanto lamento, meu fillio, a sorte d\'aquelles \nmancebos que entrain na administrac\xc3\xa0o d uina casa que \nn\xc3\xa0o conhecem, que n\xc3\xa0o buscam conhecer, e que n\xc3\xa0o sa- \nbem governar ! Gastam o que n\xc3\xa0o t\xc3\xa8m, comem adiantado, \ndevem o que n\xc3\xa0o gastaram, caem nas m\xc3\xa0os dos usurarios, \nbue \xc3\xa0 maneira d\'esponjas lhes absorbem loda a sustancia, \n\n\n\n274 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\ne em pouco tempo se acham reduzidos ao mais lastimoso \nestado de dependencia e pobreza. Muitos exemplos d\'estes \nachar\xc3\xa0s em nossa terra : sirvam-te de advertencia, e de \nescarmento. ho meni de medianos teres que vive com \nregularidade e economia \xc3\xa9 mais rico que o rico desarran- \njado e perdulario. \n\nAinda qne tenhas irmi t a riqueza, se poupado e cuida- \ndoso em teus vestidos ; n\xc3\xa0o por affectaclo, mas por habito ; \nandar\xc3\xa0s sempre aceiado com menos despeza, far\xc3\xa0s a teu \ncriado do quarto um bom presente quando lhe deres o fato \nusado. \n\nApezar de teres sempre em vista a economia, n\xc3\xa0o sejas \nmesquinho nem ridiculo, e sobre tudo n\xc3\xa0o consintas que \nteus criados sejam mais economicos do que tu, para que se \nn\xc3\xa0o diga em tua casa o que nalgumas ouvi : \xc2\xab Amos o dam \ncriados o eh or a in. \xc2\xbb \n\nSegue a moda, mas sem affectaelo. Tem por alfaiate e \nsapateiro os que sam conhecidos por bons officiaes ; paga- \nIhes comdinheiro \xc3\xa0 vista, e ser\xc3\xa0s bem servido. Quando te \ndigo que sigas a moda, quero dizer que te vistas corno as \nmais pessoas de tua qualidade, mas n\xc3\xa0o que sejas o pri- \nmeiro a trazer o fato d\'uni feitio novo e muitas vezes ridi- \nculo, corno acontece a esses pobres mancebos que, pagos \npelos alfaites corno bon\xc3\xa9cos, sam obrigados a mostrar por \ntoda a parte as sobresacas ou calcas de nova fei^\xc3\xa0o, para \nestabelecer urna moda quetrar\xc3\xa0 comsigo a necessidade de \nmandar fazer fato novo e dar que fazer aos alfaiates. \n\nPara andares bem vestido, \xc3\xa9 mister que mandes fazer \nurna casaca cada anno, e que conserves sempre trez ; urna \nsobrecasaca para o inverno e outra para o ver\xc3\xa0o sam de \nnecessidade ; dous chap\xc3\xa9os \xc3\xa9 o menos que podes ter ; cat- \nodo nunca \xc3\xa9 demais. Logo que guarneceres tua guarda- \nroba d\'estes objectos, tem cuidado de os renovar succes- \nsivamente; a despeza ser\xc3\xa0 menos sensivel, e os vestidos te \n\n\n\nA THEOPHILO. \n\n\n\n275 \n\n\n\ndurar\xc3\xa0o mais,trazendo-os alternativamente. Beni depressa \nandar\xc3\xa0 de fato velilo quem s\xc3\xb3 tem fato novo. \n\nOs honiens n\xc3\xa0o costumam trazer cheiros; uso min acer- \ntado, que te peco observes escrupulosamente : pela mesma \nraz\xc3\xa0o estimarla que n\xc3\xa0o trouxesses anneis, cadeias d\'ouro, \nbot\xc3\xb2es de diamantes, e outros enfeites que sam proprios \nde senhoras, e ficam mal num homem. \n\nEspero que n\xc3\xa0o ver\xc3\xa0s reviver a moda de ensebar a \ncabeca de pomada e cobril-a de polvilhos ; espero igual- \nmente que n\xc3\xa0o deixar\xc3\xa0s crescer os cabellos a maneira dos \nHottentotes, nem a barba corno a d\'um bode; e que n\xc3\xa0o \nte deixar\xc3\xa0s levar d\'essa tola invocac\xc3\xa0o \xc3\xa0 natureza, que n\xc3\xa0o \ndeixam de fazer os que gostam de similliante moda ; por- \nque ent\xc3\xa0o o cortar-se as unhas, o pentear-se, o limpar os \ndentes coni urna escova sam outras tantas infraccoes das leis \nda m\xc3\xa0i communi, que, se as quizessemos observar escrupu- \nlosamente, n\xc3\xa0o nos permittiriam enxertaras arvores fructi- \nferas, nem adubar as hortas e pomares, Lembra-te, meu \nfillio, que no homem ha duas substancias, e que a material \ndeve sujeitar-se \xc3\xa0 espiritual. Faze o que tiveres por mais \nsaudavel, commodo e airoso, segundo os conselhos de tua \nraz\xc3\xa0o, e n\xc3\xa0o te importe o que dizem esses apologistas da \nnatureza, que s\xc3\xb3 a invocam no que \xc3\xa9 extravagante> para me- \nIhor a insultarem nossagrados deveres que ella nosimp\xc3\xb2e. \nEvita pois os vestidos muito justos, assim corno os muito \nlargos; estes annunciam molleza, aquelles impedem a circu- \nlac\xc3\xa0o do sangue e embaracam o movimento das articulac\xc3\xb2es: \n\nN\xc3\xa0o te acostumes a estar em casa em traje desalinhado, \nou, corno se diz vulgarmente, traje de frasqueira, nem \ntomes o costume de te por em mangas de camiza e sem \ngravata no pescoco, m\xc3\xb3rmente vindo quente de fora : o \nprimeiro s\xc3\xb3 \xc3\xa9 permittido aos velhos e achacados, e o se- \ngundo, sobre nocivo \xc3\xa0 saude, \xc3\xa9 proprio de gente ordinaria \nou mal criada. \n\n\n\n276 GODIGO DO BOI TOM. \n\nN\xc3\xa0o te ponhas \xc3\xa0 janella de chambre, em mangas de ca- \nmiza, de chinellas, nem desgorjado ; e muito menos ainda \nao lado d\'urna mulher, fosse ella tua irm\xc3\xa0. Deve-se a quem \npassa pela rua certo respeito que grangea o seu para comnosco . \n\nA n\xc3\xa0o haver cousa que te impida, veste-te logo desde \npela manh\xc3\xa0, de maneira que estejas prompto a receber \nalguem que venha fallar-te, ou a sair se o caso o pedir. N\xc3\xa0o \npercas o costume, que adquiriste no collegio, de te lavares \ncom agua fria logo que te levantas da cama ; toma todas \nas semanas um banho inteiro, ou pelo menos um banho \naos p\xc3\xa9s ; toma cuidado que a agua n\xc3\xa0o esteja muito quente, \ne gasta em toda est\xc3\xa0 limpeza corporal o menos tempo pos- \nsivel; porque, se \xc3\xa9 necessario ser aceiado, n\xc3\xa0o \xc3\xa9 permit- \ntido ser molle e affeminado. Tem muito cuidado em teus \ndentes ; limpa-os todos os dias ; advirto-te por\xc3\xa9m que n\xc3\xa0o \nfa$as demasiado uso de escovas duras, m\xc3\xb3rmente na parte \nque toca as gengivas, porque as escarna, que n\xc3\xa0o os laves \ncom agua fria quando tens a boca quente, e pela mesma \nraz\xc3\xa0o n\xc3\xa0o a bebas (o que entre n\xc3\xb3s se costumava muito) \ndepois de corner a sopa escaldando, porque os constipa e \nnos traz d\xc3\xb3res insupportaveis ; e emf\xc3\xacm que n\xc3\xa0o uses de \naguas aromaticas ou p\xc3\xb3s demtifricios e odontalgicos que n\xc3\xa0o \nsejam conhecidos e approvados por dentista 1 . \n\nPor isso que um pai deve precaver tudo que interessa ao \n\n1 Eis aqui urna receita de que uso ha mais de 30 annos que me tem \nconservado os dentes e preservado de carie e d\xc3\xb2res violentas. \n\nQuina em p\xc3\xb3 , . urna 8 a \n\nLirio fiorentino. 18 gr\xc3\xa0os. \n\nSangue de Drago 18 \xe2\x80\x94 \n\nOsso de siba urna 8 a \n\nCremor de tartaro \xc2\xa7 8 a \n\nEssencia de fior de laranja 4 gotas. \n\nN\xc3\xa0o riavendo essencia de fior de laranja, p\xc3\xb3de servir a essencia de \nrosas. \n\nEm qualquer Botica se p\xc3\xb3de mandar preparar est\xc3\xa0 Recerta. \n\n\n\nA THEOPHILO. \n\n\n\n277 \n\n\n\nbeni estarde seu fillio, \xc3\xa9 tempo que te falle de urna necessi- \ndade que s\xc3\xb3 pertence aos homens : o fazer a barba. J\xc3\xa0 te \ncomprei um estojo com tudo o necessario para est\xc3\xa0 ope- \nrac\xc3\xa0o, que nossos maiores conf\xc3\xacavam a m\xc3\xa0os estranhas, \nmas quehojeaboa educac\xc3\xa0opede ques\xc3\xb3 fiemos dasnossas. \nA que embara^os, a que tormentos se n\xc3\xa0o \\iam elles expos- \ntos quando faltava o barbeiro, ou quando numa viagem eram \nobrigados a entregarnas desastradas m\xc3\xa0os d\'um desconhe- \ncido suas encanecidas barbas ! Quantas vezes lhes reben- \ntavam \xc3\xacnvoluntarias lagrimas naquelle martyrio que se as- \nsimilila va ao de S\xc3\xa0o Bartholomeu !.... \xc3\x80costuma-te pois a \nbarbear-te em quanto a barba \xc3\xa9 nova, e urna vez adquirido \neste habito n\xc3\xa0o o percas. Deves fazer a barba todos os dias ; \ne n\xc3\xa0o percas nunca este costume, pois \xc3\xa9 grande incivili- \ndade e quasi affronta presentar-sea alguem de respeito sem \nter a barba feita d\'aquelle dia. A liora mais propria \xc3\xa9 quan- \ndo nos lav\xc3\xa0mos pela manh\xc3\xa0 : tenho visto por experiencia \nque a barba est\xc3\xa0 mais macia e as navalhas cortam melhor. \n\nEni quanto tiveres saude acostuma-te a sair com todo o \ntempo ; mas se entrares com o fato ou calgado molhado, \nmuda o sempre que te seja possivel. Quando for necessario, \nn\xc3\xa0o duvides expor-te ao frio, a calma, \xc3\xa0 chuva, ao can- \nsasso ; mas sem precis\xc3\xa0o e s\xc3\xb3 por velleidade tornar-se im- \npossibilitado e valetudinario, e por consequenciaincapaz de \nfazer algum servico \xc3\xa0 sociedade ou ficar-lhe servindo de \npeso, \xc3\xa9 rematada loucura. homem que n\xc3\xa0o sabe soffrer \na d\xc3\xb3r \xc3\xa9 desprezivel ; o que a busca \xc3\xa9 digno de compaix\xc3\xa0o \nporque \xc3\xa9 insensato ; mas se \xc3\xa9 victima de soffrimentos por sa- \ntisfazer suas paix\xc3\xb2es n\xc3\xa0o se isentar\xc3\xa0 do desprezo. Quanto \na mim, nunca tive muito d\xc3\xb2 das indisposig\xc3\xb2es causadas \npela gula, nem dos accidentes que traz comsigo a triste \ngloria de levantar grandes pesos ou de fazer algum outro \nesfor^o, e guardo a minha admirac\xc3\xa0o para as cicatrizes \nrecebidas na guerra. \n\n16 \n\n\n\n278 CODIGO DO BOM TOM. \n\nA simplicidade que desejo tenhas em teus vestidos, a \ndesejo igualmente em tua mobilia. Nada em teu quarto \ndeve respirar luxo, molleza, nem futilidade. que ahi se \ndeve ver sam livros, instrumentos d\'estudo ou de musica, \nalgumas armas curiosas se as tiveres. \n\nhorror das dividas deve ser tao grande corno o do \ncrime : pelas dividas se perde o decoro, o brio, a digni- \ndade e a independencia; m\xc3\xb3rmente em terras estranhas \nonde se prende por ellas; at\xc3\xa9 se perde o juizo, e suffoca o \nsentimento religioso adquirido com tanto custo numa \neducalo desvelada. Quantos mancebos devorados pelo \npejo, e desesperados contra si mesmos, se t\xc3\xa8m deitado ao \nrio, ao mar, ou se deram um tiro no ouvido para encobri- \nrem sua vergonha ! ! . . . \n\nDivide o tempo o mais regularmente que poderes, e \npensa que a lembranca dos prazeres nenhum causa. N\xc3\xa0o \ndeixes passar um s\xc3\xb3 dia em que n\xc3\xa0o dediques algumas \nhoras ao estudo, de qualquer genero que seja, e acostuma- \nte a estar s\xc3\xb3. Parecer-te-ha a sociedade muito mais agra- \ndavel, quando por algum tempo te privares d\'ella, e tu \nmesmo lhe causar\xc3\xa0s maior satisfac\xc3\xa0o. \n\nAproveita o tempo da mocidade para dares grandes pas- \nseios a cavallo, ou a p\xc3\xa9, dansares, fazeres exercicios gym- \nnasticos, jogares a pella, a boia, a barra, para nadares, \nires \xc3\xa0 ca\xc2\xa7a e \xc3\xa0 pesca ; por\xc3\xa9m n\xc3\xa0o desprezes os estudos \nsedenlarios, que de necessidade ser\xc3\xa0o um dia tua unica \noccupalo. Prev\xc3\xa8 que vira um dia em que a for^a e a \nagilidade te abandonar\xc3\xa0o ; se n\xc3\xa0o tiveres cultivado tua \nintelligencia e n\xc3\xa0o tiveres amor \xc3\xa0 leitura, ser\xc3\xa0s aborrido a \nti mesmo, e insupportavel aos outros : \xc3\xa9 grande necessidade \ndeixar-se sorprender pelo tempo, e os mocos fnvolos e es- \ntonteados tornam-se velhos, insipidos, erabugentos. Corre \na vida do homem tao rapidamente que, apenas nossa raz\xc3\xa0o \nest\xc3\xa0 formada, devemos comecar a fazer provimento de \n\n\n\nA THEOPHILO. \n\n\n\n279 \n\n\n\ngozos para todas as epocas de nossa existencia ; e para que \nnos sejam gratos em todo tempo, \xc3\xa9 mister que em n\xc3\xb3s \ntenham sua origem, e seu afro seja nosso bem estar; \nporque quanto mais vamos avancando na idade, tanto \nmenos sympathia caus\xc3\xa0mos nos outros. N\xc3\xa0o te assustes, \nnem te mostres timorato, quando os cabellos te cairem ou \nalvejarem, quando a columna vertebral se cuvar, e hou- \nveres mister um bord\xc3\xa0o para apoiar os tremulos passos ; \nporque este \xc3\xa9 o apanagio da velhice, e \xc3\xa9 grande fraqueza \nn\xc3\xa0o aprender a encarar desassombradamente a decrepi- \ntude e a morte. Quantos ha que enfermam ainda mo\xc2\xa7os, e \nque morrem na fior dos annos? Acredita-me, meu fillio, \xc3\xa9 \nbom e louvavel empregar o vigor da juvenilidade a con- \nstruir o edificio em que ha de repousar a velhice ; faze-o \nassim, e conhecer\xc3\xa0s por experiencia a verdade d\'aquella \nsentenca d\'um antigo sabio : \n\na Mocidade sobria e regulada \n\n\xc2\xab Traz comsigo velhice descansada, \xc2\xbb \n\nN\xc3\xa0o esperes que o mundo te abandone; abandona-o tu \nprimeiro. Mette tempo entre a vida e a morte ; faze corno \no Imperador Carlos V, que depois de espantar o mundo \ncom suas victorias, n\xc3\xa0o esperou que a morte lhe batesse \xc3\xa0 \nporta para se preparar para ella ; sem que a fortuna o \nabandonasse, nem a velhice o perseguisse, arrimou o \nbast\xc3\xa0o, renunciou o imperio, despiu a purpura, e tirando \na cor\xc3\xb3a imperiai da cabeca, poz a cor\xc3\xb3a a todas suas victo- \nrias, recolhendo-se ao mosteiro de S\xc3\xa0o-Justo, para aprender \na morrer; porque, corno sabiamente disse o P e Yieira, \nsaber morrer \xc3\xa9 a maior facanha. Se por desventura, o que \nDeos n\xc3\xa0o permitta, as paix\xc3\xb2es tiverem algum dia em ti \nmais poder que a raz\xc3\xa0o, se, arrastado pelo turbilh\xc3\xa0o das \ndelicias mundanas, te afastares do verdadeiro caminho \n\n\n\n280 CODIGO DO BOM TOM. \n\nque conduz a morada celestial, mais tempora deve ser tua \nresoluc\xc3\xa0o ; que n\xc3\xa0o esperes ter vida longa se ella for agi- \ntada e descomedida. Se deste escandalo em teu viver, \nrepara o mal sabendo morrer; imita um moderno poeta \nque, tendo mal vivido, acabou dizendo : \n\n\xc2\xab Mas saiba morrer quem viver nao soube. \xc2\xbb \n\nS\xc3\xa8 sincero para comtigo mesmo, e nao te illudas volun- \ntariamente. Nao te lisonjeies de ir aos theatros para te \ninstruires ou tomares li\xc2\xa3\xc3\xb2es de bem obrar. castigat \nridendo mores \xc3\xa9 um gracejo de que ninguem se deixa \nenganar. Nunca se reconhecem no theatro outra cousa \nsen\xc3\xa0o os vicios e os defeitos de seu vizinho. Quintiliano \nqueria que se nao permittisse, sen\xc3\xa0o mui tarde, aos man- \ncebos a leitura das pe^as de theatro ; Cicero olhava os \nespectaculos corno perigosos; Pia tao reprovava-os ; Ovidio \ndeclara-os funestos ; Marco-Aurelio queria destruil-os ; Ta- \ncito attribue \xc3\xa0 falta d\'elles a pureza de costumes dos Ger- \nmanos; os conselheiros de Cyro declaram que o rnelhor \nmeio de conservar submissa urna na^\xc3\xa0o vencida, \xc3\xa9 enviar- \nlheuma banda de musicose de dansarinos... Depois de tan- \ntas autoridades pag\xc3\xa0s nao me perguntes qual \xc3\xa9 a opini\xc3\xa0o \ndos sabios do Christianismo. Lembra-te pois que nao v\xc3\xa0s \nao espectaculo sen\xc3\xa0o para te divertires, e deste prazer, \ncorno de todos os outros, usa com grande sobriedade. N\xc3\xa0o \nfrequentes sen\xc3\xa0o os theatros maiores, onde se representam \nas pecas dos autores celebres, e onde a boa musica te \nservir\xc3\xa0 de distraevo e aperfei^oar\xc3\xa0 o gosto das bellas \nartes. Esses theatros sam caros, me dir\xc3\xa0s-tu? Tanto melhor ; \nir\xc3\xa0s a elles menos vezes. N\xc3\xa0o vas nunca aos theatros infe- \nriores, e que em Franga chamam petits th\xc3\xa9\xc3\xa0tres, nenhum \nbem d\'ahi te resultar\xc3\xa0, antes muito mal, sendo o menor o \n\n\n\nA THEOPHILO. 281 \n\nperder o que tiveres adquirido de bom no fallar e nas \nmaneiras. \n\nConserva o habito que tens adquirido de te levantares \ncedo, e n\xc3\xa0o facas lungo ser\xc3\xa0o. \n\nN\xc3\xa0o leias na cama depois de te deitares, e n\xc3\xa0o penses \nque isso seja necessario para conciliar o sonino, corno pre- \ntendem muitos mancebos. \n\nFaze um plano do que deves ler e estudar, e rejeita n\xc3\xa0o \ns\xc3\xb3mente os livros que lisonjeiam as paix\xc3\xb2es, sen\xc3\xa0o os inu- \nteis. Gastar a vista e o tempo para n\xc3\xa0o vir a ser nem mais \ninstruido nem melhor \xc3\xa9 dar provas de curto engenho e \nfraco juizo. \n\nFrequenta pouco os c\xc3\xacubs, lojas de bebidas, e outros \nlugares publicos-, nunca ahi jogues. Agente menos peri- \ngosa que nesses lugares encontrar\xc3\xa0s sani espias da policia : \ngente muito util para a manutenc\xc3\xa0o da tranquillidade pu \nblica, mas de pessima companhia. \n\nAt\xc3\xa9qui, meu fillio, tenho conseguido que n\xc3\xa0o fumes ; \nmas temo encontrar algum dia em teu quarto urna col- \nlecc\xc3\xa0o de cachimbos... Beni sei que este ornato de taverna \nse encontra por toda a parte, e que a opini\xc3\xa0o geral \xc3\xa9 hoje \nmais indulgente do que no tempo em que eu era da tua \nidade. Nunca vi fumar em casa de gente de beni, antes \nouvi sempre dizer : fumar \xc3\xa9 dos marujos e tambores. \nTalvez a minha opini\xc3\xa0o n\xc3\xa0o seja hoje a da maioria, mas \nestou decidido a n\xc3\xa0o mudar, tanto mais que ouco a cada \npasso dizer que d\'entre os mancebos que fumam, poucos \nsani os que merecem o nome de amaveis, aju\'izados e \ndistinctos... Sei que poder\xc3\xa0s citar-me alguns exemplos tao \nrespeitaveis que annullar\xc3\xa0o a minha critica ; todavia quero \ncitar uni em contrario que corrobora o meu sentimento. \n\nQuando Napole\xc3\xa0o estava no maior auge de sua gloria, \nfundou no antigo pa^o de S\xc3\xa0o Gei mano en Laije* urna \n\n1 Saint-Germaiii-en-Laye \xc3\xa9 urna pequena cidade a seis leguas de \n\n1G. \n\n\n\n282 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nescola de cavalleria, onde s\xc3\xb3 podiam entrar os filhos dos \nprimeiros e mais ricos f\xc3\xacdalgos da c\xc3\xb3rte imperiai, e dos dif- \nferentes Est\xc3\xa0 dos ent\xc3\xa0o unidos a Franca. Os primeiros man- \ncebos ali reunidos prometteram corresponder a id\xc3\xa8a aris- \ntocratica do fundador, e deliberaram entre si qual seria o \nmeio de sobresair a todas as outras escolas?... Observar \na mais severa disciplina, mostrar zelo e valor no servico e \nnas manobras, anhelar pelo momento de poder applicar no \ncampo de batalha a pr\xc3\xa0tica \xc3\xa0 theoria, seria n\xc3\xa0o se diffe- \nrengar da escola d\'infanteria de Saint-Cyro, rivai da de \nSainl-Germain, que andava em foro de inconvparav\xc3\xa9l... \nDecid\xc3\xacram pois unanimemente que se podiam ter maneiras \nmilitares e n\xc3\xa0o soldadescas, que se podia ter arreganho \nmilitar sem o descaro de tarimba ; deram-se palavra de \nn\xc3\xa0o fumar, de n\xc3\xa0o se tratarem por tu, de n\xc3\xa0o beber aguar- \ndente e de n\xc3\xa0o praguejar... \n\nObservou-se a risca este regulamento. Foram raras as \ninfracc\xc3\xb2es, e punidas pelos proprios alumnos, que segundo \no costume dos jovens legisladores, se mostraram rigidos \nobservadores das leis que elles mesmos se tinham imposto, \ne provaram dentro em pouco tempo que se podia amansar \num cavallo sem usar do estylo dos mo$os da cavalharica ; \nter amigos, sem se tratar com familiaridade descortez ; \nresistir \xc3\xa0s fadigas da guerra, sem se embriagar; e desen- \nfadar-se, sem recorrer ao cachimbo, ou ao cigarro... Este \nfacto te prova que a vontade constante vence tudo, e que \njustif\xc3\xaccar-se com exemplos \xc3\xa9 mostrar-se fraco e pusilla- \nnime. \n\nuso do tabaco em p\xc3\xb3 era muito do gosto de nossos \n\nPariz, onde Francisco I e editicou um palacip que, por muito tempo, foi \na residencia dos Reis de Franga; LuizXlV abandonou-q de todo porque \nde l\xc3\xa0 via as torres de Sao Deniz, onde havia de ser enterrado com seus \nmaiores. grande rei n\xc3\xa0o se parecia com Carlos Y p ; era muito pequeno \nquando se lembrava que havia de morrer. \n\n\n\nA THEOPHILO. 283 \n\nantigos e ainda hoje tem sua aceitac\xc3\xa0o, com tudo em \nquanto poderes, n\xc3\xa0o te acostumes a um uso incommodo aos \noutros e pouco aceiado para ti. Se por\xc3\xa9m te acostumares a \ntornar tabaco, tem cuidado em usares de lenco de cor \nescura e nunca branco, n\xc3\xa0o cheires \xc3\xa0 mesa nem ao ch\xc3\xa0, \nnem mesmo na igreja; e \xc3\xa0s senhoras n\xc3\xa0o offerecas tabaco \nou rape ainda que saibas que o tomam, porque em geral \nse escandalizam quando se lhes offerece em publico. Toma \nsempre do melhor, e offerece a tua caixa aos que te fazem \no mesmo, mas n\xc3\xa0o aos tafues que querem sustentar vicios \na custa alheia. \n\nTem sempre presente, meu fillio, que a sobriedade e a \nmoderac\xc3\xa0o em tudo e por tudo sam as- bases da saude, e \nque n\xc3\xa0o ha indisposto que se n\xc3\xa0o cure com urna dieta \nrigorosa. Se soffreres molestia aguda, se tiveres febre, \nchama o medico, e faze o que elle te ordenar. Por\xc3\xa9m sabe \nsoffrer sem impaciencia, sem m\xc3\xa0o humor. Os que tratarem \nde ti ter\xc3\xa0o ass\xc3\xa0s de trabalho com tua molestia, e \xc3\xa8 mister \nn\xc3\xa0o os amofinar com murmurac\xc3\xb2es e ralhos. Se a intensi- \ndade do mal juntares a acrimonia do genio, irritar\xc3\xa0s teu \nsoffrimento, e dar\xc3\xa0s desprazer aos que de ti t\xc3\xa8m cuidado. \n\nDir-te-hei por firn, que ha na vida muitos deveres, mas \nque \xc3\xa9 necessario conhecer os que sam indispensaveis, e \nter cuidado em n\xc3\xa0o multiplicar os outros, em cujo numero \nponho as visitas e as correspondencias inuteis. N\xc3\xa0o estendas \npois tuas relacoes sem necessidade, nem te julgues obri- \ngado a aceitar todos os convites que te f\xc3\xaczerem as pessoas \nfrivolas e ociosas, para que te n\xc3\xa0o tornes similhante \xc3\xa0 \nellas. Toma por costume responder : Meus estudos, meus \nnegocios, minhas occupacoes me obrigam a estar em casa, \ne deixar-te-h\xc3\xa0o em socego... N\xc3\xa0o \xc3\xa9 por\xc3\xa9m para te abando- \nnares a preguica que te exhorto a amares o retiro, \xc3\xa9 sim \npara melhor te preparares para servir a sociedade, teus \namigos, tua familia, e teus proprips interesses. Ninguem \n\n\n\n284 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nse deve descuidar de augmentar a sua riqueza, quando se \nfaz d\'ella o uso que a humanidado prescreve. Lembra-te, \nmeu f\xc3\xaclho, que ha pobres que estendenti a m\xc3\xa0o para lerem \num bocado de p\xc3\xa0o, amigos que h\xc3\xa0o mister soccorro, \nartistas que merecem que os animem ; reparte com elles e \nn\xc3\xa0o ter\xc3\xa0s riquezas de mais. Se trabalhares com outro \nintento, n\xc3\xa0o sei que te diga ; porque nunca pude compre- \nhender que houvesse prazer em accumular credito e ouro \npara mim s\xc3\xb3. \n\nMeu f\xc3\xaclho, ouve o ultimo conselho que quero dar-te : \nGuia-te sempre pelo clamo da boa e sa philosophia; pro- \ncura ter a teu favor o testemunho da propria consciencia ; \nfaze por teres as menos possiveis necessidades; se o mais \nindependente que poderes; exercita o corpo, cultiva o \nespirito, desafoga o cora$\xc3\xa0o, e ser\xc3\xa0s feliz quanto \xc3\xa9 possivel \ns\xc3\xa9l-o neste mundo. N\xc3\xa0o fagas f\xc3\xacncap\xc3\xa9 nas prosperidades do \nmundo, nem te deixes levar das esperangas d\'um melhora- \nmento proximo na especie humana, devido \xc3\xa0 lei do pro- \ngresso, eu, que j\xc3\xa0 tenho bastante experiencia, penso o con- \ntrario : e para que te convencas que n\xc3\xa0o sou eu s\xc3\xb3 que \npenso assim, ouve o que em 1820 escrevia J. A. de Macedo, \ne ver\xc3\xa0s que elle fallou com espirito quasi prophetico \nquando disse : \xc2\xab Eu n\xc3\xa0o sei agoirar, sei discorrer; o fogo \ndo genio est\xc3\xa0 abafado, e o gosto das lettras perdido, a \nignorancia estende-se, a barbaridade aproxima-se, a boa \nmoral desconhece-se ; cedo ou tarde, a surda fermentac\xc3\xa0o \nde principios anti-sociaes, anti-politicos, anti-religiosos, \nexpor\xc3\xa0 o mundo a urna explos\xc3\xa0o irremediavel ; e saibam \nos mais profundos pensadores que, se as oscillac\xc3\xb2es da \nmontanha vulcanica se n\xc3\xa0o fazem visiveis, n\xc3\xa0o \xc3\xa9 menos \nactivo e menos violento o incendio que lhe despeda^a e \ndevora as entranhas. amor das sciencias, e^ apre^o de \nquem as cultiva, foi substituido pelo furor das innovac\xc3\xb2es, \ne sam t\xc3\xa0o cegos os homens que exultam nos males pr\xc3\xb2- \n\n\n\nA THEOPHILO. \n\n\n\n285 \n\n\n\nprios coni a quimerica esperanca de melhoramentos fu- \ntures. Chamem-me embora um Jeremias, que d\'antemao \nderramo lagrimas sobre as ruinas dahumana sociedade *.j> \n\nEPAMINONDAS. \n\nEpaminondas e Pelopidas foram os dous mais famosos \ncapit\xc3\xa0es thebanos ; alcancaram elles aos Lacedemonios a \nVictoria de Leuctres. Quando voltaram a patria, cobertos \nde louros, foram accusados e citados perante a assembl\xc3\xa8a \nthebana, por terem conservado o commando das tropas \nal\xc3\xa9m do termo fixado pela lei. Pelopidas, tao intrepido no \ncampo da batalha, n\xc3\xa0o soube defender-se sen\xc3\xa0o com rogos \ne supplicas. Epaminondas por\xc3\xa9m mostrou urna firmeza \nheroica : \xc2\xab Consinto em sujeitar-me \xc3\xa0 morte, disse, com- \ntanto que na minha sentenza se escrevam estas palavras : \nEpaminondas e Pelopidas foram condemnados a morte por \nterem for$ado os Thebanos a ganhar a Victoria, na jornada \nde Leuctres. \xc2\xbb povo envergonhou-se da sua ingratid\xc3\xa0o, \nos dous illustres r\xc3\xa9os foram absolvidos por acclamalo, e \nlevados em triumpho para suas casas. \n\nNa batalha de Mantin\xc3\xa9a, que Epaminondas ganh\xc3\xa0ra \ngloriosamente aos Lacedemonios, fic\xc3\xa0ra elle mortalmente \nferido. Levaram-no para a sua tenda, tendo ainda o morti- \nfero dardo cravado na ferida, e o heroe devia morrer logo \nque lh\'o arrancassem. Epaminondas perguntou se estava \nsalvo o seu escudo; trouxeram-lh\'o, e elle o contemplou \ncom alegria corno companheiro que fora de seus trabalhos \ne triumphos. Como seus amigos se lastimassem porque \nmorrria sem f\xc3\xaclhos : \xc2\xab Tranquilliza\xc3\xac-vos,lhes disse, porque \neu deixo duas filhas immortaes, as victorias de Leuctres e \n\n1 Censura dos Lusiadas, tom. II, pag. 235. \n\n\n\n286 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nMantin\xc3\xa9a. Morr\xc3\xb2 contente, porque deixo a minha patria \nvencedora. \xc2\xbb Ao dizer estas palavras arrancou o ferro da \nferida, e no mesmo instante expirou. Com este grande ho- \nmem acabou o poderio de Thebas, que elle tanto elev\xc3\xa0ra \ncom os seus talentos e aprimorado valor. \n\n\n\nCAPITOLO XX \n\n\n\nA EUGENIA EM PARTICULAR \n\n\n\nN\xc3\xa0o penses, minha filha, que por isso que sou homem \nn\xc3\xa0o \xc3\xa9 da minha competencia fallar-te do que respeita a tua \npessoa e teus enfeites. F\xc3\xa9nelon era homem, era ecclesias- \ntico, era Arcebispo, mas n\xc3\xa0o duvidou entrar nas particu- \nlaridades mais minuciosas sobre o caracter das mulheres, \nseus defeitose qualidades, nas estima veis cartas que escre- \nveu sobre a educac\xc3\xa0o das meninas; os enfeites, o toucador, \nas modas, tudo foi examinado pelo virtuoso Prelado com \naquelle discernimento, sabedoria ebom gosto que tornam \nimmortaes seus escriplos.\xc3\x89 provavel que n\xc3\xa0o sejas freira; \ne, ou te cases, ou f\xc3\xacques solteira, has de encontrar na so- \nciedade tantos homens corno mulheres : \xc3\xa9 mister que ad- \nquiras bom nome entre os cavalheiros n\xc3\xa0o menos que \nentreas senhoras. Podenclo pois ser o interprete junto de \nti de metade do genero humano, al\xc3\xa9m de minha qualidade \nde pai, tenho ass\xc3\xa0s bom direito para te aconselhar sobre \no modo corno para com ella te deves comportar; e depois \nde haver consultado algumas senhoras da minha amizade, \nn\xc3\xa0o receio fallar-te do que conv\xc3\xa8lli a urna menina, ainda \npelo que respeita ao tocador, seus vestidos e enfeites; ca- \npitulo este que, por te agradar, tratarei primeiro, \n\n\xc3\x89 muito possivel, minha f\xc3\xaclha, que n\xc3\xa0o entendamo.s d\'i- \n\n\n\nm COMGO DO BOM TOM. \n\nguai modo o que \xc3\xa9 relativo ao asseio, \xc3\xa0 compostura e ornato \ndo corpo; mas posso assegurar-te que n\xc3\xa0o d\xc3\xa0s a isso mais \nimportancia do que eu. \n\nA primeira cousa que te recommendo \xc3\xa9 o asseio con- \nstante : porque tenho visto muitas meninas de tua idade \nque guardavam limpar os dentes 1 , as orelhas e as unhas \npara os dias de festa ou de baile : este cuidado deve ser \ndiario ; mas n\xc3\xa0o gastes muito tempo, e com o pretexto de \nseres asseiada n\xc3\xa0o sejas perluxa. N\xc3\xa0o tenhas horror \xc3\xa0 agua \nfria, a n\xc3\xa0o ser que por motivo de molestia os medicos te \nprohibam usar d\'ella ; nunca Uve em conta de limpas e \nasseiadas as pessoas que esfregavam a cara com urna toalha \nmolhada, em vez de a banharem e lavarem com as palmas \ncheias d\'agua; e sempre me pareceram invencioneiras as \nque, sem necessidade, esperavam que a agua se aquecesse \npara lavarem o rosto ; as abluc\xc3\xb2es d\'agua fria ao levantar \nda cama sam muito saudaveis, com a addic\xc3\xa0o de conser- \nvarem o rosto fresco e rubicuudo : raz\xc3\xa0o de certo rimi \nattendivel para as de teu sexo. Os banhos de todo o corpo \nfazem urna parte do asseio, por\xc3\xa9m, a n\xc3\xa0o te serem orde- \nnados por facultativo, basta que tomes um cada mez, e que \nn\xc3\xa0o sejam longos. Fica mal a urna menina o gosto de se \nestabelecer no fundo d\'urna banheira horas esquecidas : \nest\xc3\xa0 molleza e ociosidade nem quadra aos seus verdes \nannos, nem \xc3\xa9 propicia \xc3\xa0 sua saude. \n\nA primeira cousa que deves fazer depois de te lavar \xc3\xa9 \narranjar o cabello ; e se por algum incidente o n\xc3\xa0o poderes \nfazer logo pela manh\xc3\xa0 poe urna touca ou coifa com que \nescondas teu desalinho.N\xc3\xa0o ha objecto mais desagradavel \ndo que urna mulher desgrenhada ou mal penteada. \n\nOs arrebiques, os perfumes, e at\xc3\xa9 os cheiros t\xc3\xa9m caido \nem desuso; e com raz\xc3\xa0o, que eram elles prejudiciaes a \n\n\n\n1 Vega-se o que a este respeito fica dito a pag. 276. \n\n\n\nA EUGENIA, \n\n\n\n289 \n\n\n\nsaude e pouco favoraveis \xc3\xa0 fama das que os traziam porque \nchamavam a attenc\xc3\xa0o dos homens, e n\xc3\xa0o posso dissimu- \nlar-te que elles sam mui disposlos a cortejar as mulheres \nquando ellas parecem desej\xc3\xa0l-o ; mas que em lhes prodiga- \nlizando os cortejos que ellas provocam, cessam de as esti- \nmar. \xc3\x89 necessario, minha f\xc3\xaclha, que a este respeito lomes \nurna firme resoluc\xc3\xa0o : se se poder suppor que tua vonlade \ntem alguma parte no effeito que produzes, se se crer que \ncontribues d\'algum modo para que os homens olhem para \nti com particularidade, e que buscas suas homenagens, \nser\xc3\xa0s declarada leviana, garrida e namoradeira, o que \ntudo se inclue na palavra franceza coquette, que mui beni \nconheces, e que \xc3\xa9 o opposto de sisuda, modesta e recatada, \nque sam os mais preciosos dotes d\'urna donzella ; e n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 \nter\xc3\xa0s est\xc3\xa0 triste fama, mas suppor-te-h\xc3\xa0o sujeita a inveja, \nao ciume, \xc3\xa0 mentir\xc3\xa0, e a todas as mistraveis baixezas da \n\\aidade, e aosinsupportaveis caprichos edevaneios quellie \nforni am o cortejo. E n\xc3\xa0o penses que \xc3\xa9 a austeridade pro- \npria da minha idade ou o pouco conhecimento do mundo \nquem me dieta este discurso : n\xc3\xa0o, minha f\xc3\xaclha, eu sou \npara comtigo o interprete de todos os homens, ainda d\'a- \nquelles que te negassem as verdades que te rev\xc3\xa9lo. E para \nque n\xc3\xa0o penses que fallo s\xc3\xb3 de mim, citar-te-hei as expres- \nsoes de um autor moderno que eonheceu e descreveu \nbem o seculo em que vivemos ; fallando em nome dos ho- \nmens, a este mesmo respeito, diz : \n\n\xc2\xab N\xc3\xb3s temos todos a mesma opini\xc3\xa0o, form\xc3\xa0mos o mesmo \nconceito ; mas por vezes temos interesse em deixar as mu- \nlheres no erro , e se n\xc3\xa0o cncontrassemos na sociedade \nd\'essas que merecem o nome de garridas ou namoradeiras, \nf\xc3\xaccariamos privados d\'uni dos mais risivcis divertimentos \nque offercee o mundo. \xc2\xbb \n\nN\xc3\xa0o te deixes pois illudir d\'esses respeitos e acatamentos \nhypocritas que has de encontrar na sociedade; n\xc3\xa0o te \n\n17 \n\n\n\n290 \n\n\n\nC0DIG0 DO BOM TOM. \n\n\n\ndeixes seduzir d\'essas f\xc3\xacnezas esiudadas que muitas vezes \nouvir\xc3\xa0s; suppoe sempre que tudo \xc3\xa9 fingimento, e que \nquerem rir \xc3\xa0 tua custa. Empenha todo o teu amor proprio \nem n\xc3\xa0o seres nunca alvo de chistes e gracejos, e muito \nmenos objecto de riso e fabula da gente. Queres ver o \nretrato que o mesmo autor faz d\'urna d\'essas gamdas ? \nei-lo aqui : \n\n\xc2\xab Urna mulher garrida f\xc3\xacgura-se-me sempre empunhando \nurna trombeta corno a estatua da Fama; toca, torna a to- \ncar, e n\xc3\xa0o descansa em quanto se n\xc3\xa0o v\xc3\xa8 bem rodeada : \nassim corno os feirantes estendem a fazenda para attrahir \nos compradores, assim ella faz alarde de todos seus attra- \nctivos, enfeites, ditos engracados, para captivar a alten- \nc\xc3\xa0o e os affectos dos que a admiram. Nota-se-lhe o voi ver \ndos olhos, o sorvido dos beicos, o inclinado do collo, os \nrequebros do corpo, a languidez ou vivacidade dos gestos; \npassa-se depois a examinar as dobras da mantilha, os fofos \ndo vestido, o ondeado dos folhos, o bordado do lencinho \nque men\xc3\xa9a com desdem, o aberto das meias, o justo dos \nsapatos, a pequeneza do p\xc3\xa9 que tem cuidado de mostrar : \neste \xc3\xa9 o estudo dos olhos ; segue-se o dos ouvidos, que \xc3\xa9 \nmui curto, porque estas damas dizem todas o mesmo, \nsegundo se acham lancadas ou no genero sentimentale ou \nno apaixonado. Se fallam de lilteratura so conhecem o \nromantico; se contam suas viagens, extasiam-se com as \nimpress\xc3\xb3es que receberam e querem que partilhemos suas \nemog\xc3\xb3es... \xc2\xbb \n\nDesculpa, minha f\xc3\xaclha, est\xc3\xa0 digress\xc3\xa0o ; deves attribuil-a \nao estremoso amor d\'um pai, que antes quereria ver-te \nmorta do que dada ao gal\xc3\xa0nteio. Lembra4e que a formo- \nsura acaba antes da vida, que a velhice e a morte sam o \nfirn certo para que todos caminh\xc3\xa0mos : e quanto n\xc3\xa0o \xc3\xa9 \nmelhor chegar a este termo pela estrada da virtude que \npela do vicio?!... \n\n\n\nA EU GEMA. 291 \n\nTratemos agora de cousas mais ligeiras, mas que n\xc3\xa0o \ndeixam de ter sua importancia. \xc3\x89 quasi desnecessario di- \nzer-te que deves ter cuidado de andares sempre bem cal- \ncada, porque foste criada entre senhoras francezas que \nt\xc3\xa8m nisto grande desvanecimento; e com raz\xc3\xa0o, que \xc3\xa9 este \num dos signaes de boa educac\xc3\xa0o. Dir-te-hei com tudo al- \nguma cousa a este respeito, para que algum m\xc3\xa0o exemplo, \nque em nossa terra encontres, te n\xc3\xa0o induza em descuiclo \ne desalinho que possa dar ma id\xc3\xa8a de tua pessoa. \n\nandar bem calcada n\xc3\xa0o consiste em trazer sempre sa- \npatos novos, mas em nunca os trazer acalquinhados ou \nmal debruados, ou largos a cair dos p\xc3\xa9s, ou tao apertados \nque impidam o andar. Usa pois sempre d\'um calcador, e \nn\xc3\xa0o se acalcanhar\xc3\xa0 o tal\xc3\xa0o; o servir-se dos dedos em lu- \ngar de calcador alarga a entrada do sapato e rompe ou \nestraga o debrum. Busca bom sapateiro que tome bem a \nmedida, e que fazendo o calcado justo e airoso t\'o n\xc3\xa0o \nfaca apertado, porque sobre o incommodo que experimen- \ntas, e os callos que te far\xc3\xa0, e que te ser\xc3\xa0o bem dolorosos, \nouvir\xc3\xa0s muita gente rir-se de ti, porque \xc3\xa9 um mal que \nbuscas por tuas m\xc3\xa0os, e que s\xc3\xb3 serve de te impedir de \nbem pisar. As duas c\xc3\xb3res de que em geral deves mandar \nfazer os sapatos, sam branco e preto : a primeira para os \nbailes e grande gala, a segunda para todos os demais \ncasos. Os borzeguins pretos no inverno, e de cor no ver\xc3\xa0o \nsam de bom tom, e sobre uteis ficam milito bem \xc3\xa0s senhoras \nquando vani a passeio ou visitas de pouca c\xc3\xa9remonia* \n\xc3\x80bstem-te quanto poderes de trazer pantufos ou chinellas; \ne se for por economia, poupa antes numa fita, num cinto, \nou noutro qualquer enfeite, mas n\xc3\xa0o sejas mesquinha \npelo que peitence ao calcado; um diale grande, urna \ncapa, urna mantilba esconde o corpo, por\xc3\xa9m os p\xc3\xa9s appa- \nrecem sempre. \n\nSe os sapatos n\xc3\xa0o devem ser apertados, muito nienos o \n\n\n\n292 CODIGO DO BOM TOM. \n\ndevem ser os vestidos. Poe o justilho, ou collete de barbas, \nlogo pela manh\xc3\xa0, mas n\xc3\xa0o o apertes sen\xc3\xa0o quanto seja \nnecessario para conchegar o corpo. Mal sabes, minha filha, \nquantas e qu\xc3\xa0o perigosas molestias resultam do excessivo \naperto dos colletes, para os quaes j\xc3\xa0 n\xc3\xa0o bastam as barbas \nde bal\xc3\xa9a, e \xc3\xa9 mister empregar folhas d\'a^o! N\xc3\xa0o attribuas \na outra causa os verg\xc3\xb2es vermelhos que v\xc3\xa8s no rosto de \nmuitas damas, os narizes avermelhados, as d\xc3\xb3res de esto- \nmago, e outras molestias internas que soffrem sem se \nqueixarem e de que muitas vezes sam victhnas. desejo \nde ter urna cintura delicada tem-se tornado em monoma- \nnia para certas senhoras, que amam mais parecer bem do \nque ter saude. \xc3\x80lgumas conheci eu que, depois de terem \nsoffrido o martyrio, morreram com a consolac\xc3\xa0o de terem \nouvido celebrar o delgado de sua cintura : este modo de \nsuicidio que consiste em ter as entranhas vazias e em talas, \nassemelha-se alguma cousa com o de Cat\xc3\xa0o, que arrancou \nas suas! Por\xc3\xa9m o que mais me admira \xc3\xa9 que haja m\xc3\xa0is de \nfamilia que n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 o consintam, mas que o ordenem a suas \nf\xc3\xaclhas, e ajuntem ao preceito mundano o exemplo, que \nmuitas vezes lhes n\xc3\xa0o dam na observancia dos divinos... \nDir-te-hei com tudo, minha filha, que est\xc3\xa0 exigencia do \nnosso seculo n\xc3\xa0o \xc3\xa9 peior que o costume que tinham as se- \nnhoras, ha quarenta annos, de trajarem vestidos ligeiros \ne decotados no rigor do inverno s\xc3\xb3 para parecerem bem ; \nas de hoje matam-se com urna gastrite ou molestia de \nfigado; aquellas matavam-se com urna constipa^\xc3\xa0o ou com \num pleuriz. As antigas n\xc3\xa0o tinham tempo para se fazerem \nfeias antes d\'expirar; as de hoje fazem-se feias e velhas \nantes de tempo, e antes de morrerem para a vida, morrem \npara aquelles para quem pretendiam viver : \xc3\xa9 toda a diffe- \nrenza que ha entre umas e outras. Isto basta para es- \ntares de prevengo contra as modas loucas ? e prejudiciaes \n\xc3\xa0 saude. \n\n\n\nA EUGENIA. 293 \n\nN\xc3\xa0o pretendo eu, minha f\xc3\xaclha, p\xc3\xb3r-te em rebelli\xc3\xa0o contra \nas modas do teu tempo, nem te direi tampouco que sigas \nas que precederam : o nome de moda diz mudanca, incons- \ntancia. \xc2\xab A moda, diz F\xc3\xa9nelon, detroe-se a si mesma; diz \nque poe a mira no perfeito, e nunca o encontra; ou se o \nacha, n\xc3\xa0o quer nunca ahi f\xc3\xacxar-se. \xc2\xbb Se pois a moda muda \na cada instante, por que raz\xc3\xa0o ser\xc3\xa0s tu escrava de sua \ninconstancia? E se ella nunca consultou em nada a saude, \na commodidade nem mesmo a formosura, por isso que \npelo menos desfigura e altera as proporcoes do corpo, por \nque raz\xc3\xa0o te deixar\xc3\xa0s arrastar de seus funestos caprichos? \nAconselho-te pois que, se te n\xc3\xa0o podes eximir de sacrificar \nalguma cousa a est\xc3\xa0 imperiosa exigencia do seculo em que \nvives, facas este sacrificio com discernimento e bom gosto, \ne nunca de modo que a decencia e a honestidade sejam \nmenoscabadas pelo capricho ou levianclade d\'urna mo- \ndista. Dir-te-hei com o mesmo veneravel Prelado, que a \nsimplicidade das estatuas antigas deve mostrar-te quanta \nnobreza e graca t\xc3\xa8m os vestidos lisos e seni adornos. Quanto \nmais teu penteado e vestidos fizerem lembrar o traje an- \ntigo, tanto mais engracaclos, e de bom gosto ser\xc3\xa0o. A \nrocagante tunica grega, o largo manto, o longo v\xc3\xa9o, pa- \nrecem-me outros tantos emblemas do pudor que deve con- \nduzir as donzellas a subtrair-se aos olhos curiosos e atre- \nvidos do mundo. Far\xc3\xa0s modificar estas f\xc3\xb3rmas segundo as \nmodas do tempo, com discernimento e bom gosto, corno \nj\xc3\xa0 te disse, de maneira que nem d\xc3\xa8s motivo a que se riam \nde ti, nem facas nascer a mais leve suspeita de que tens \nem pouca conta a modestia e a honestidade. \n\nPosto que eu desejo que saibas fazer tudo que pertence \nao teu vestuario e adornos, todavia recommendo-te que, se \nn\xc3\xa0o es perfeitamente habil neste mister, mandes fazer teus \nvestidos por urna costureira : vestido do mais magnifico \nestofo mal cortado ou mal feito n\xc3\xa0o enfeita, nem aproveita \n\n\n\n294 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nem dura. Outro tanto te digo dos toucados, dos chap\xc3\xa9os, \ne de ludo que forma o ornato mulheril, o qual com ser em \nnossos dias mui consideravi, n\xc3\xa0o o \xc3\xa9 tanto corno no tempo \ndos Romanos, que por exagerac\xc3\xa0o Ihe deram o nome de \nmundus muliebris. \xc3\x89 necessario, minha f\xc3\xaclha, ou suppri- \nt mir todos esses atavios (e este seria o meu parecer, posto \nque n\xc3\xa0o me atrevo a declar\xc3\xa0l-o), ou traz\xc3\xa8l-os mui recentes, \ne vindos das melhores lojas. \xc3\x89 mister andar vestido : nin- \nguem tem pois direito a criticar os vestidos necessarios, \npor ordinarios e velhos que sejam; mas n\xc3\xa0o sendo neces- \nsarios para a compostura e resguardo do corpo os milha- \nres de ornatos e aderecos de que as mulheres fazem uso, \n\xc3\xa9 mister ser mais que philosopho para n\xc3\xa0o escarnecer da \ntriste figura que faz urna mulher que se apresenta com \ntodos estes atavios quando j\xc3\xa0 perderam seu frescor, ou \nformam um anachronismo com os que estam em moda. \nFigura-te, minha filha, f\xc3\xacl\xc3\xb3s, fitas, volantes, flores seccas, \nplumas, bordados de seda ou de palheta, amarellados, \ndesbotados, enxovaihados, e dize-me se se p\xc3\xb3de ver, sem \nrir, um tal espectaculo ? \n\nrefinamente no luxo e vaidade das mulheres \xc3\xa9 um si- \ngnal infallivel da decadencia dos costumes, e quasi sempre \nde grandes desastres na ordem social; e, fallando a lingua- \ngem dos moralistas christ\xc3\xa0os, \xc3\xa9 um insulto \xc3\xa0 Divindade que \nmuitas vezes provoca exemplares castigos. Quero transcre- \nver-te aqui o que diz o Propheta Isaias no terceiro capitulo \nde suas predicc\xc3\xb2es, em que, fazendo o aranzel ou rol das \ngalas e aderecos femininos annuncia que Deos estava in- \ndi gnado de tanta vaidade e luxo, e ameacava castig\xc3\xa0l-o \ncom terriveis demonstra^oes; e por principio d\'elles, diz, \n\xc2\xab que ha de deitar a baixo as fivellas, e topes do calcado, \nas luas, os collares, as gargantilhas, os afogadores, os \nbraceletes, as mitras, os pentes, as fitas que servem d\'a- \npartar e apertar as trancas, os fralde\xc3\xacins, os cord\xc3\xb2es d\'ouro, \n\n\n\nA EUGENIA. \n\n\n\n295 \n\n\n\nas pomadas, e frasquinhos d\'aguas cheirosas; as arrecadas \ne chuveiros, os anneis e memorias, asjoiasde pedraria \npreciosa pendentes sobre a testa, as galas de festa, os ca- \npotilhos, os volantes e velilhos, as espadinhas, os espelhos, \nas toucas, os listoes, vendas, e faxas, e os mantos fmos. \xc2\xbb \nE ajuntarei o que a este respeito diz o P e Bernardes, figu- \nrando a mulher vaidosa dada ao luxo sob a allegoria d\'urna \nn\xc3\xa0o que ha mister grande apparelho para navegar 1 . \xc2\xab Po- \nr\xc3\xa9m n\'este rol n\xc3\xa0o est\xc3\xa0 a centesima parte do apparelho \nque pede est\xc3\xa0 grande n\xc3\xa0o para velejar vento em poppa \nnas ceruleas planicies do applauso publico. E mais \xc3\xa9 ad- \nvertir que o Propheta falla das mulheres que andam em \nseus p\xc3\xa9s; que as que andam nos alheios necessitam de \nmuito mais enxarcia, enfrechadura, e amantilhos; de \nmuito mais flamulas e galhardetes: de muito mais grinal- \ndas e far\xc3\xb3es, e de melhores pavezes a um e outro bordo. \xc2\xbb \n\nNem penses, minha filha, que est\xc3\xa0 severidade \xc3\xa9 s\xc3\xb3 \npropria de moralistas christ\xc3\xa0os. Terencio disse sentencio- \nsamente nas suas comedias : \xc2\xab Mulheres em quanto se \napercebem, em quanto se enfeitam l\xc3\xa0 vai um anno 2 . \xc2\xbb \nE Catao o Censor, vendo a desordem escandalosa das \nmatronas romanas, que sem decencia nem decoro saiam \nde casa, e andavam pelas mas pedindo amotinadamente a \nquantos encontravam que votassem pela revocac\xc3\xa0o da lei \nOpia, promulgada durante a segunda guerra punica, em \nque se lhes prohibia trazer alfaias d\'ouro e prata al\xc3\xa9m de \ncerto valor, lancou-lhes em pieno Senado est\xc3\xa0 amarga \ncensura : \xc2\xab Que costume \xc3\xa9 este de presentar-se assim em \npublico, de encher as mas, e parar a fallar coni homens \n\n1 Allegoria fundada no dito de Terencio : Navis e mul\xc3\xacer nunquam \nsatis armantur. \n\n2 adagio de Terencio era ; Bum moliunlur. dum comuntur, annus \nest. \n\n\n\n296 C0D1G0 DO BOM TOM. \n\nque n\xc3\xa0o sam vossos maridos? N\xc3\xa0o p\xc3\xb3de cada urna fazer \nessa mesma supplica ao seu l\xc3\xa0 no interior de sua casa? \nOu sois acaso mais affaveis em publico que em particular, \ne mais com os estranhos que os proprios? Sem embargo \nde que nem ainda em vossa casa, se as matronas se con- \ntivessem dentro dos limites que lhes prescreve o pudor \ndevieis curar de saber que leis se iam a estabelecer aqui ou \na revogar. \xc2\xbb \n\n\xc3\x89 d\'esperar que entre n\xc3\xb3s n\xc3\xa0o chegar\xc3\xa0 o luxo a um \ntal desenfreamento ; por\xc3\xa9m ainda que chegasse, estou per- \nsuadido que tu nunca estarias no caso de merecer nem a \namea\xc2\xa7a de Isaias nem a censura de Cat\xc3\xa0o. \n\nTem corno regra geral, minha fi\xc3\xacha, que o penteado, o \ncalcado, os vestidos simplices e modestos, tudo bem feito, \nasseiado, e bem composto ; poucas c\xc3\xb3res vivas, e nunca \ncontrastando umas com outras, corno as de arlequins; \ncerto discernimento e juizo em modificar as modas naquillo \nem que offendem a decencia e prejudicam a saude, sam \nas cousas em que deves por todo o teu desv\xc3\xa9lo, e pelas \nquaes dar\xc3\xa0s provas de ter recebido urna boa educac\xc3\xa0o, e \nte tornar\xc3\xa0s estimavel a todas as pessoas que sabem apre- \nciar o verdadeiro merecimento e a modestia acompanhada \ndo bom gosto. \n\nA mesma simplicidade te recommendo na mobilia e \nalfaias de tua camara ou camarim. Que loucura n\xc3\xa0o \xc3\xa9 a de \nmuitas damas e donzellas que ornam mais ricamente seus \nquartos de dormir ou camarins de toucar do que suas ca- \npellas ou oratorios, quando os t\xc3\xa8m! V\xc3\xa8-se ali com profu- \ns\xc3\xa0o quadros, pinturas de pre$o, sanefas, bambinellas, \ncortinas tomadas a trechos com rosas de maravalhas, ou \napanhadas em flor\xc3\xb2es dourados; banquinhas de madeira \naromatica e preciosa, ou guarnecidas de damasco, franja- \ndas de seda ou de ouro; pias de cristal ou de rarissimas \nconchas; guardaroupas de grande custo pelo precioso da \n\n\n\nA EUGENIA. 297 \n\nmadeira e bem acabado da obra; cacoletas, espelhos, jar- \nras, ramalhetes, porcelanas, frasquinhos, f\xc3\xacguras de ala- \nbastro ou de gesso; caixas, bocetas, cofrinhos, escrinios, \nescaparates, escritorinhos ; carteiras de gabinete e de via- \ngem; carteirinhas d\'algibeira para memorias ou cartas de \nvisita ou para marcar as contradancas nos bailes; estojos \nde toucar e de costura; papeleirinhas recheadas de cabos \nde marflm ou d\'agatha para pennas metalli cas, lacres aro- \nmatizados, signetes de camafeos ou emblematicos, obreias \ntransparentes ou eph\xc3\xa9meras, papel de c\xc3\xb3res, estampado, \naberto emtarjas, guarnecido de debuxos entrela^ando ar- \nmas, iniciaes ou emblemas; urna prateleira cheia de ba- \ngatellas, de marfim, porcelana, cristal e filagrana que \nn\xc3\xa0o t\xc3\xa8m nome e que s\xc3\xb3 se lhe poderia chamar bonitos de \nde criancas; a todo este aranzel accrescem os alegretes \nportateis de flores exoticas, naturaes ou artif\xc3\xacciaes, a gala \nd\'Angora com a sua competente cesta, o c\xc3\xa0o felpudo ou \nfraldeiro com a indispensavel camilha! Que id\xc3\xa8a se p\xc3\xb3de \nter d\'urna pessoa que gasta o seu dinheiro em similhantes \nsuperfluidades, e que perde o seu tempo em limpar todos \nestes objectos, ou que occupa nisso a sua criada do quarto \na maior parte do dia? \xc3\x89 por ventura de bom gosto que \nurna camara se pareva com urna loja ou bazar? N\xc3\xa0o, mi- \nnila f\xc3\xaclha, se fores rica, tem urna, ou mais galerias para \nos paineis, estatuas, e objectos de curiosidade; mas n\xc3\xa0o \nsejas nunca a caricatura da gente poderosa e rica. A. ca- \nmara d\'urna mulher honesta n\xc3\xa0o deve trazer \xc3\xa0 memoria \nesses templos pag\xc3\xa0os cujos sacerdotes faziam notar as offe- \nrendas aos visitantes para que estes augmeatassem o \nnumero d\'ellas. S\xc3\xa8 modesta em tudo. luxo d\'urna ca- \nmara n\xc3\xa0o \xc3\xa9 menos escandaloso que o dos vestidos e ador- \nnos. Em lugar de todas essas futilidades, vcjam-se em tua \ncamara teares de bordar, cestas de costura, lapis, pinceis \ne cavaletes, instrumentos de musica, livros de piedade e \n\n17. \n\n\n\n298 \n\n\n\nC0D1G0 DO BOM TOM. \n\n\n\nde boa litteratura ; nem um so de novellas ahi tenha lugar, \nporque taes livros pervertem o espirito e corromperli o \ncorac\xc3\xa0o; n\xc3\xa0o ser\xc3\xa0o de mais o teu livro de missa, o teu \nripanco e a Imitalo de Christo. \n\nJ\xc3\xa0 te disse que n\xc3\xa0o devias ter em teu quarto aromas ou \nperfumes cheirosos ; mas n\xc3\xa0o te prohibo o que exhalam as \nflores naturaes, urna vez que n\xc3\xa0o seja mui activo e fa^a \nmal a cabeca. N\xc3\xa0o tenhas de noite flores no teu quarto, \nnem quando \xc3\xa9s obrigada a fechar as janellas; por\xc3\xa9m fora \ndisso p\xc3\xb3des t\xc3\xa9l-as em vasos, tendo cuidado de lhes mudar \na a agua e cortar os p\xc3\xa9s ; e se tiveres quintal, jardim, va- \nranda, ou janellas de sacada em que possa haver vasos, \nmuito folgarei de ver que as cultivas por tuas m\xc3\xa0os : \xc3\xa9 \nurna innocente recreag\xc3\xa0o que fica mui bern \xc3\xa0s meninas e \nsenhoras. \n\nmesmo te digo dos passaros ; n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 t\'os n\xc3\xa0o prohibo, \nmas digo-te que urna gaiola bonita e asseiada, habitada \npor um lindo cantor dos bosques, cujas brilhantes c\xc3\xb3res e \nmavioso gorgeio annunciam perennemente urna das mara- \nvilhas da creac\xc3\xa0o, um aviario em que se admire a varie- \ndade d\'estes engracados animaes, sam, n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 um objecto \nde divers\xc3\xa0o permittido \xc3\xa0s senhoras, mas um emprego \nmui louvavel de seus desv\xc3\xa9los. Sam ellas destinadas a \npassar a maior parte da vida em casa; pela viveza de sua \nimaginac\xc3\xa0o, e necessidade que seu corac\xc3\xa0o tem de se af- \nfeicoar a algum objecto deleitoso, h\xc3\xa0o mister distraccoes \nmisturadas de prazer, e que mais innocentes e attractivas \nque as flores e os passarinhos? ! E quanto n\xc3\xa0o sam ellas \nmais apreciaveis quando se sabem os elementos de bo- \ntanica e historia naturai?! E que uteis se n\xc3\xa0o tornam \nquando as contempl\xc3\xa0mos corno obras que sairam primiti- \nvamente do thesouro da sabedoria increada, e que a fe- \ncunda providencia faz renascer cada dia para deleite dos \nhumanos e ostentalo de seu poder?! Creio, minha f\xc3\xaclha, \n\n\n\nA EUGENIA, \n\n\n\n299 \n\n\n\nque attrahida por est\xc3\xa0 contemplac\xc3\xa0o muitas vezes excla- \nmar\xc3\xa0s com o real Propheta : \n\n\xc2\xab Quanto \xc3\xa9s grande, Senhor, nas tuas obras! \n(l Quanta brilhar se ve magnificenti a, \n8 E inf\xc3\xacnda sapiencia l s \n\nN\xc3\xa0o estejas nunca ociosa ; descansa-se quando se muda \nde occupac\xc3\xa0o. \n\nBusca saber fazer todas as cousas que houveres de man- \ndar fazer a teus criados e criadas, para poderes julgar o \nque custam, e que tempo levam. \n\nSe boa, polida e affavelcom tua criada do quarto ; exige \nd\'ella que cumpra exacta e regularmente seus deveres, \nadverte-a, aconselha-a, mas n\xc3\xa0o ralhes despropositada- \n\xc3\xacii ente; se n\xc3\xa0o for submissa, cuidadosa e asseiada, des- \npede-a, e ainda com mais raz\xc3\xa0o se for linguareira e pre- \nsumida ; n\xc3\xa0o a deixes estar ociosa, nem consintas que va \nconversar com outras criadas, e muito menos lhe admittas \nmurmurac\xc3\xb2es e fallar nas vidas alheias ; se estiver doente, \ntrata-a com caridade e carinho : \xc3\xa9 este um meio de ga- \nnhar o corac\xc3\xa0o dos familiares, mais efflcaz que as grandes \ndadivas. D\xc3\xa0-lhe o exemplo de todas as virtudes, e n\xc3\xa0o lhe \nconfies nunca segredo que n\xc3\xa0o queiras seja descoberto. \n\nJ\xc3\xa0 te disse, minha filha, que \xc3\xa9 mister ter cuidado na \npropria saude : \xc3\xa9 este um bem, que urna vez perdido tarde \nou nunca se recupera. N\xc3\xa0o te intregues a urna vida molle \ne delicada ; n\xc3\xa0o durmas em cama de pennas ou branda de \nmais ; sai todos os dias ao menos urna bora a p\xc3\xa9, de ver\xc3\xa0o \ne de inverno ; n\xc3\xa0o facas ser\xc3\xa0o at\xc3\xa9 muito tarde; levanta-te \ncedo ; vai raramente ao baile e ao Iheatro ; come alimentos \ns\xc3\xa0os, simples e pouco adubados ; n\xc3\xa0o uses de bebidas fer- \nmentadas; reserva no interior da casa algumas occupa- \ncoes que te obriguem a levantar da cadeira, porque a vida \nsedentaria \xc3\xa9 nociva \xc3\xa0 saude, e faz envelhecer antes de \n\n\n\n300 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\ntempo. N\xc3\xa0o te ponhas no costume de chamar a cada in- \nstante ou tocar a campainha a teus criados. Sabe arranjar \no teu lume, tornar um copo d\'agua, ir buscar nos armarios \nou nas gavetas o que has mister. Se te fizeres servir \xc3\xa0 ma- \nneira das mulheres da India e da America hespanhola, ser\xc3\xa0s \nbem de pressa corno ellas pallida, apathica, debil e tao insi- \npida corno ellas sam. Rir-se-h\xc3\xa0o de ti todas as senhoras e \ndonzellas, e corno n\xc3\xa0o has de ter escravas para te servirem, \nter\xc3\xa0s dissabor de te veres a cada instante abandonada de \ntuas criadas, que n\xc3\xa0o poder\xc3\xa0o aturar urna ama que se \ntorna insupportavel a forca de exigencias.... Se por ven- \ntura alguma criada do quarto te adular a este respeito, se \nellapozer muitodesv\xc3\xa9lo em satisfazer todas tuas vontades, \nfazendo de ti urna especie de idolo, desconfia d\'ella, e \nvigia-a, achar\xc3\xa0s que tem algum interesse em se tornar \nd\'esse modo indispensavel. \n\n\xc3\x89 mui agradavel cousa vermo-nos cercados de fami- \nliares que nos poupam rnil pequenos incommodos, mas \xc3\xa9 \nnecessario saber dispensar o servilo de outrem. Urna via- \ngem, muitas outras circumstancias inesperadas podem \nfor^ar-te a servir-te a ti mesma d\'um momento para o ou- \ntro. A perda de tuas riquezas, que p\xc3\xb3de provir de innume- \nraveis causas, p\xc3\xb3de reduzir-te \xc3\xa0 dura necessidade de des- \npedir at\xc3\xa9 o ultimo criado.... Aprende n\xc3\xa0o s\xc3\xb3 a n\xc3\xa0o preci- \nsares de ninguem no servico de tua pessoa , mas a seres \nutil a teus parentes na adversidade ; e para o conseguires \nn\xc3\xa0o abuses d\'urna prosperidade presente, penhor pouco \nseguro contra as miserias que p\xc3\xb3dem sobrevir. \n\nDesejo, minha f\xc3\xaclha, que o teu quarto seja o lugar do \nmundo em que estejas com mais satisfar\xc3\xb2, e que as occu- \npac\xc3\xb2es sedentarias sejam para ti urna necessidade : sem \nprohibir nenhum dos prazeres proprios de tua idade, de- \nsejo que a privalo d\'elles n\xc3\xa0o te pareva jamais um sacri- \nficio, e que n\xc3\xa0o ames realmente sen\xc3\xa0o o que sempre se \n\n\n\nA EUGENIA. 501 \n\np\xc3\xb3de amar : o estudo que eleva o espirito, o traballio que \noccupa as m\xc3\xa0os, as obras de beneficencia que conquistam \ntodos os corac\xc3\xb2es, as maneiras polidas que encantam e \ncaptivam a gente de distinec\xc3\xa0o, o boni modo que de todos \ngrangea a estima. \n\nLembra-te emfim, filha minha, que n\xc3\xa0o tens m\xc3\xa0i, e que \npor isso deves por mais esmero em reunir em tua pessoa \ntodas as virludes d\'urna donzella, e em preparar as que \nsani proprias da m\xc3\xa0i de familia. Tem sempre diante dos \nolhos o retrato da mulher forte debuxado por Salom\xc3\xa0o, \ncom que F\xc3\xa9nelon remata suas instrucc\xc3\xb2es \xc3\xa0 cerca da edu- \ncac\xc3\xa0o das meninas, e que muitas vezes te dei a ler. Oh! \nse eu podesse em meus derradeiros dias ver renascer nos \npatrios lares aquellas heroicas virtudes das antigas ma- \ntronas portuguezas, aperfeicoadas com a polidez, urbani- \ndade e instrucc\xc3\xa0o que aquelle grande Prelado recommen- \ndava em suas cartas ; se tu podesses ser o prototypo d\'este \naperfeicoamento, seria eu o mais feliz dos mortaes; e o \nesposo que a Providencia te destinar, vendo a enchente de \nbens que a mulher forte lhe traz para casa, juntaria seus \nlouvores aos de seus conterraneos, e dir-te-hia com o Rei \nSabio : \xc2\xab Muitas mulheres juntaram riquezas; por\xc3\xa9m tu \nexcedeste a todas. A graca \xc3\xa9 enganadora, e a formosura \xc3\xa9 \nv\xc3\xa0, a mulher que teme ao Senhor essa \xc3\xa9 a que merece ser \nlouvada. Venham sobre ella as benc\xc3\xa0os e abundancia, que \nsam o fructo de seu traballio, e proclamem-se Seus lou- \nvores nas portas da cidade, no conselho dos anci\xc3\xa0os. \xc2\xbb \n\nMADAMA LEFORT. \n\nDurando a tormenta revolucionaria, madama Lefort, \nscnhora respeitavel do Oeste da Franca, tremia pela vida \ndo seu mariolo que fora mettido na cadeia corno conspira- \n\n\n\n302 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\ndor; com grande custo e por bom preco comprou a gene- \nrosa matrona a permiss\xc3\xa0o de o ir ver \xc3\xa0 prisao. \n\n\xc3\x80o cair da noite corre apressada a visitar o esposo que- \nrido, levando comsigo duas andainas de vestidos ; nao sem \ndifficuldade conseguiu de seu marido que mudasse de \ntrajo, eque assim disfar^ado saisse da cadeia e a deixasse \na ella em seu lugar. projeto saiu bem; o preso escapou- \nse, e s\xc3\xb3 no dia seguinte \xc3\xa9 que se descobriu que sua esposa \nfic\xc3\xa0ra em seu lugar. representante do povo encarregado \nde fazer as perguntas \xc3\xa0 illustre consorte, disse-lhe com \num tom ameacador : \xc2\xab Que fizeste, desgracada? \xe2\x80\x94 meu \ndever, respondeu ella; faze o teu. \xc2\xbb Resposta cujo laco- \nnismo heroico recorda o de Esparta. \n\n\n\nCAPITOLO XXI \n\n\n\nORIGEM DE ARLEQDIM \n\n\n\nNoma escola primaria foi onde teve origem essa persona- \ngem tao alegre, tao divertida a que chamam Arlequim. \nConta-se que ninna cidade d\'Italia, chamada Bergamo, \nvraa um amavel menino que se distinguia, assim por seu \nexcellente corac\xc3\xa0o, corno pela vivacidade do seu espirito ; \nfazia elle a consolac\xc3\xa0o de seus pais pobres, que n\xc3\xa0o tinham \nmeios para lhe dar urna educac\xc3\xa0o brilhante, mas faziam \ngrandes sacrificios para que lhe n\xc3\xa0o faltasse a educag\xc3\xa0o \nmoral e religiosa. E o menino estudava com tanto ardor, \naprendia com tanto desv\xc3\xa9lo, e se mostrava de tal modo \nanimado do louvavel desejo de se achar o mais depressa \npossivel em estado de ajudar a sua familia, que seus \nmestres, encantados com as optimas disposic\xc3\xb2es que nelle \ndevisavam, tinham consentido em o conservar entre os \nseus discipulos, posto que n\xc3\xa0o podesse pagar as lic\xc3\xb2es \nque d\'elles recebia. Chamava-se elle Arlequim, tinha urna \nlinda figura, muita graca em tudo que clizia e fazia, \nn\xc3\xa0o menos agilidade em todos os seus movimentos. Era \nbemquisto e amaclo de todos os seus camaradas, apezar de \nque a todos se avantajasse; mas nenhum d\'elles pensava \nem se mostrar invejoso d\'um camarada sempre prompto a \nobsequi\xc3\xa0l-os. \n\n\n\n304 \n\n\n\nCODIGO DO BOM TOM. \n\n\n\nEra costume dar-se todos os annos pelo carnaval um \nfato novo aos collegiaes, que esperavam est\xc3\xa0 epoca do anno \ncom impaciencia, pela vaidade que tinham em apparece- \nrem todos nesse tempo com o bello uniforme que tinham \nesperado durante um anno. dia da distribuic\xc3\xa0o dos \npremios n\xc3\xa0o era tao desejado porque estes eram s\xc3\xb3 para \nalguns, sendo que o fato novo era para todos, sabios e \nignorantes, estudiosos e mandri\xc3\xb2es. Para todos, mas n\xc3\xa0o na \nescola de Bergamo, porque o pobre Arlequim n\xc3\xa0o tinha \nquem lh\'o desse. \n\nUm mez antes do dia do entrudo, os estudantes n\xc3\xa0o \nfallavam noutra cousa, e contavam uns aos outros qual o \nfato novo que haviarn de ter. estofo, a cor, o feitio, eram \ndiscutidos e criticados; est\xc3\xa0 grave conversalo enchia \ntodas as recreagoes. Arlequim ouvia e nada dizia. \xc2\xab E tu, \nlhe diz um de seus melhores amigos, qual \xc3\xa9 a cor do fato \nque te fazem? \xe2\x80\x94 N\xc3\xa0o me fazem fato nenhum, respondeu \nArlequim. \xe2\x80\x94 N\xc3\xa0o te fazem fato nenhum! Pois n\xc3\xa0o tens \nfato novo para o entrudo? ! \xc2\xbb exclamaram todos os condisci- \npulos. \xe2\x80\x94 \xc2\xab N\xc3\xa0o, disse elle, sem se mostrar muito penali- \nzado; n\xc3\xa0o, porque custa caro ; meu pai n\xc3\xa0o \xc3\xa9 rico, e esteve \ndoente todo o inverno; eu sentina muito que se fizesse \ntamanha despeza inutilmente s\xc3\xb3 para mim, porque o meu \nfato ainda est\xc3\xa0 bom, e andando aceiado p\xc3\xb3de durar mais \num anno. Tem alguns buraquinhos, e duas ou trez nodoas, \nmas quando a minha m\xc3\xa0i o concertar, corno ella costuma \nfazer, ficar\xc3\xa0 corno novo. Isso n\xc3\xa0o vos impedir\xc3\xa0 de me rece- \nberdes no melo de v\xc3\xb3s, e de brincardes commigo, n\xc3\xa0o \xc3\xa9 \nassim? \xe2\x80\x94 Oh! n\xc3\xa0o, n\xc3\xa0o, bom Arlequim, \xc2\xbb exclamaram \ntodos, indo abra$\xc3\xa0l-o. \n\nEntretanto consultaram entre si os camaradas de Arle- \nquim, e resolveram en tender-se com seus pais para lhe \ndarem um fato novo. Reunindo-se todos, a despeza n\xc3\xa0o \nsera grande para cada um d\'elles, e seus pais consentir\xc3\xa0o \n\n\n\nARLEQUIM. 305 \n\nde boa vontade em lhes facilitar um gosto miri louvavel de \nfazer algum beni ao melhor estudante da sua escola. \nSairam beni no seu intento, alcancaram de seus pais o \nque desejavam, e vieram radiantes de alegria trazer a sua \nofferenda ao seu amigo Arlequim. Na sua vivacidade de \ncriancas, n\xc3\xa0o tinham todavia reflectido na extravagancia do \npresente ; cada um tinha trazido um retalho do panno de \nque se havia de fazer o seu trajo, por tal modo que havia \nde todas as c\xc3\xb3res. Como fazer uni fato de tao differentes \nretalhos? Ent\xc3\xa0o \xc3\xa9 quederam pelo engano, eficaram enver- \ngonhados da sua distracc\xc3\xa0o. \xc2\xab Meus bons amigos, disse \nArlequim, que via o embaraco em que estavam, asseguro- \nvos que o vosso presente me causa um verdadeiro prazer. \nQuero que me fagam um fato com todos estes retalhos de \ndifferentes c\xc3\xb3res ; no dia de entrudo p\xc3\xb3de cada um vestir-se \ncorno quizer : \xc3\xa9 festa d\'entrudo ! Todas essas differentes \nc\xc3\xb3res tem para mim tanto mais valor quanto mais nume- \nrosas ellas forem, porque cada urna d\'ellas representa um \namigo. \xc2\xbb \n\nFez-se pois corno elle tinha dito, e em Bergamo o novo \ntrajo teve um successo completo. Arlequim tinha muita \ngraca e gentileza; poz urna mascara preta, para fazer um \ncontraste mais frizante com a sua alegria ; poz na cabeca \num chap\xc3\xa9o cimento, de f\xc3\xb3rma afunilada, ornado com um \nrabo de coelho ; armou-se com urna espada de p\xc3\xa0o, a que \nchamavaa sua durindana, e correu toda a cidade, saltando, \ndansando, dizendo mil gracejos, mil amaveis agudezas. \n\nDesde ent\xc3\xa0o ficou sendo Arlequim um dos ornamentos \nmais originaes dos divertimentos do carnaval ; mas esque- \nceu-se que foi a amizade quem o inventou. \n\n\n\nCAPITOLO XXII \n\n\n\nA AG A DEMI A SILENCIOSA, OU OS EMBLEMAS- \n\n\n\nHavia em Amadan urna famosa academia, cujo primeiro \nestatuto era concebido nestes termos : \xc2\xab Os academicos \npensarlo muito, escrever\xc3\xa0o pouco, e fallar\xc3\xa0o o menos que \npoderem. \xc2\xbb Chamavam-lhe a Academia silenciosa; e n\xc3\xa0o \nhavia na Persia verdadeiro sabio que nao ambieionasse ser \nadmittido entre os seus socios. \n\ndoutor Zeb, autor do excellente livrinho intitulado a \nmordala (baillon), soube l\xc3\xa0 no fundo da sua provincia, \nque tinha vagado um lugar na Academia silenciosa. Parte \nsem demora ; chega a Amadan, e presenta-se a porta da \nsala onde estavam reunidos os academicos, pede ao con- \ntinuo que entregue ao presidente este bilhete : \xc2\xab doutor \nZeb pede humildemente o lugar vago. \xc2\xbb continuo de- \nsempenhou immediatamente a commmiss\xc3\xa0o ; por\xc3\xa9m o \ndoutor e o seu bilhete chegavam j\xc3\xa0 tarde : o lugar aca- \nbava de ser preenchido... \n\nSentiu muito a Academia este contratempo ; receb\xc3\xa8ra, \num pouco a seu pezar, um bello espirito de c\xc3\xb3rte, cuja elo- \nquencia viva e ligeirafazia a admirac\xc3\xa0o de todasas anteca- \nmaras, e via-se reduzida a refusar o doutor Zeb, o flagello \ndos falladores, urna cabe^a tao beni organizada, um en- \ngenho tao elevado ! presidente, encarregado de annuii- \n\n\n\nA ACADEMIA SILENCIOSA. 307 \n\nciar ao doutor est\xc3\xa0 nova desagradavel, n\xc3\xa0o podia a tal \nresolver-se, e n\xc3\xa0o sabia corno se haver neste caso. Depois \nde pensar um pouco, mandou encher d\'agua urna grande \ntaca, mas por tal modo cheia, que urna s\xc3\xb3 gota de mais \nfaria trasbordar o liquido. Depois deu signal para que in- \ntroduzissem o candidato. Apresentou-se este com aquelle \nar simples e modesto que annuncia quasi sempre o verda- \ndeiro merito. presidente levantou-se, e, sem proferir \nurna s\xc3\xb3 palalavra, mostrou-lhe, com um ar contristado, a \ntaca emblematica, aquella taca tao exactamente cheia. \ndoutor comprehendeu perfeitamente que j\xc3\xa0 n\xc3\xa0o havia lugar \nna Academia ; mas, sem perder animo, procurava dar a \nentender que um academico supranumerario n\xc3\xa0o mudaria \nos usos academicos. Nisto ve por acaso a seus p\xc3\xa9s urna \nfollia de rosa, levanta-a, e a p\xc3\xb2e delicadamente na super- \nficie da agua, e de tal arte a poz que nem urna s\xc3\xb3 gota \ntrasbordou do vaso. \n\nA est\xc3\xa0 resposta engenhosa, todos os circumstantes batte- \nram as palmas : deixaram-se dormir as regras por aquella \nvez, e o doutor Zeb foi recebido por acclamac\xc3\xa0o. Apre- \nsentaram-lhe immediatamente o registro da Academia, \nonde os proprios recipiendarios deviam escrever os seus \nnomes. Exarou o novo academico a sua assignatura, e n\xc3\xa0o \nlhe restava mais nada a fazer sen\xc3\xa0o pronunciar, segundo \n\ncostume, alguma pbrase de agradecimento ; por\xc3\xa9m, na \nqualidade de Academico verdadeiramente silencioso , o \ndoutor Zeb agradeceu sem dizer palavra, escreveu \xc3\xa0 mar- \ngeni o numero con, que era o dos seus novos socios ; \ne logo, pondo um zero antes do numero, escreveu por \nbaixo : \xc2\xab Elles nem por isso valer\xc3\xa0o nem menos nem mais \n(0,100). )) presidente respondeu ao modesto doutor coni \ntanta polidez corno presenca d\'espirilo ; poz o algarismo \n\n1 antes do numero ceni, e escreveu : o Elles valer\xc3\xa0o por \nisso clez vezes mais (1,100). \xc2\xbb \n\n\n\nCAPITULO XXIII \n\n\n\nO MENINO BOTANICO \n\n\n\nMio era ura lindo menino, muito amigo de ftores ; \nestas encantadoras creac\xc3\xb2es da Divindade faziam suas deli- \ncias. que mais contribuia para conservar e desenvolver \neste gosto era a intimidade que tinha com Ernesto, f\xc3\xaclho do \njardineiro de seu pai, rapaz de mais idade que elle, d\'urna \nintelligencia prematura, e de raro talento, a quem seu \npai, desde os mais tenros annos, tinha instruido erri todos os \nprincipios e observa^\xc3\xb2es que pedem a jardinagem e a hor- \nticultura, as quaes exigem urna variedade de conhecimen- \ntos maior do que em geral se supp\xc3\xb2e. \n\npai de Julio com quanto habitasse Pariz tinha com \ntudo nas vizinhancas da capital um magnifico jardim que \nmandava cultivar com todo cuidado, e aonde nao deixava \nde ir passar as tardes, quando fazia bom tempo. Pela ma- \nnh\xc3\xa0, quando seus negocios lh\'o permittiam, deleitava-se \nem ir com a sua familia, e o f\xc3\xaclho do jardineiro, a um \nd\'esses mercados de plantas e flores que se podem consi- \nderar corno um dos mais bellos ornamentos de Pariz, e Ju- \nlio, com o seu Ernesto ao lado, tinha nisto o maior prazer. \ndia do mercado de flores era para elle um dia de festa 3 \n\nSam dous os mercados de flores qu\xc3\xa9, em dias alterna- \ndos, aformoseam a capital : o da Magdalena e o da ilha \n\n\n\nMENINO BOTANICO. 309 \n\nda cidade (cit\xc3\xa9), mas este era o mais frequentado dos flo- \nristas, e onde Julio mais se comprazi\xc3\xa0 com o seu Ernesto, \npasseando attentamente por aquellas mas de acacias, pa- \nrando junto d\'aquelles frescos chafarizes que, em repu- \nchos, derramam a agua por entre as plantas e flores, de \ncujos nomes e qualidades variadas continuamente pedia \ninformacoes ao seu pedagogo. Outra raz\xc3\xa0o n\xc3\xa0o menos \nattendivel inclinava para \xc3\xa0quelle mercado o nosso botanico, \nera vir ali urna prima de Ernesto, rica jardineira de Fon- \ntenay-aux-Roses , que sempre lhe trazia algum presente \nd\'um lindo ramalhete ou d\'algum vaso de flores das mais \nraras e mimosas. \n\nOs pais de Julio, contentes com a bella indole, bom \nproceder e applicac\xc3\xa0o ao estudo de seu f\xc3\xaclho, deram-lhe \num dia um alfobre no jardim para elle o cultivar, corno \nsua fantasia lhe dictasse, seguindo os conselhos de seu \namigo Ernesto. Ficou o nosso Julio saltando de contente, \ne sem mais demora comecou a fazer uso d\'urna enxada \npequena que lhe emprestou Ernesto ; cavou muito bem a \nterra, adubou-a convenientemente, alizou-a com o ancinho, \nalinhou o tabuleiro, guarneceu-o com buxo, e j\xc3\xa0 o alfobre \nparecia outra cousa ; s\xc3\xb3 lhe faltavam algumas plantas e \nflores no meio. Seus pais deram-lhe licenca que escolhesse \nno jardim as que mais lhe agradassem segundo a esta^\xc3\xa0o, \ne accrescentaram que, se Julio, tornando lic\xc3\xb2es com Er- \nnesto, conseguisse descrever-lhes exactamente a menor \npianta do seu jardim, lev\xc3\xa0l-o-hi\xc3\xa0o a casa da prima do seu \namigo Ernesto, a Fontenay-aux-Roses, para ahi escolher \xc3\xa0 \nsua vontade as mais bellas flores que elle quizesse. \n\nJulio tinha muito brio, mas n\xc3\xa0o era soberbo ; tinham- \nlhe muitas vezes dito que se aprendiam cousas muito uteis \nconi pessoas as mais simples em apparencia, e que s\xc3\xb2 a \nvaidade se envergonha de perguntar, com medo de se hu- \nmilhar e parecer ignorante. Quantas cousas uteis e por \n\n\n\n340 \n\n\n\nC0DIG0 DO BOM TOM. \n\n\n\nventura necessarias \xc3\xa0 vida, e que muitas vezes se ignoram, \naprenderiamos n\xc3\xb3s, se perguntassemos a proposito, e a tal \nrespeito,os maishumildes habitantes do campo! Julio n\xc3\xa0o \nignorava que o filho do jardineiro de seu pai sabia muito \nmais do que elle, pelo que pertence \xc3\xa0 cultura dos jardins e \nhortas, e que at\xc3\xa9 j\xc3\xa0 tinlia alguns conhecimentos scientificos \nem botanica, o mais gracioso de todos os ramos de histo- \nria naturai, que n\xc3\xa0o \xc3\xa9 outra cousa mais que o estudo me- \nthodico das plantas, dos vegetaes em geral ; d\'es\'ses seres \nviventes, que nascem, crescem e morrem depois de ter \nreproduzido a sua especie, posto que n\xc3\xa0o possam mover- \nse voluntariamente e n\xc3\xa0o tenham voz, nem vista, nem \nolfato. Sem hesitar pois, Julio pegou mima pianta do seu \njardim, e perguntou a Ernesto se elle poderia dizer-lhe de \nquantas partes ella se compunha, e para que servia cada \nurna d\'ellas. Sem hesitar mais respondeu-lhe Ernesto : \n\na Olha, Julio, tu j\xc3\xa0 sabes que isto que estava mettido na \nterra \xc3\xa9 a raiz ; pela raiz \xc3\xa9 que as plantas se allimentam ; \npor isso \xc3\xa9 necessario ter sempre muito cuidado quando se \ncava a terra, n\xc3\xa0o offender a Taiz das plantas , para que n\xc3\xa0o \naconte*Y. 555 \n\nnaturai de sua felieidade. A carinhosa m\xc3\xa0i criava ella \nmesma a sua filhinha, sem descuidar do governo da casa, \ne de servir os freguezes que vinham \xc3\xa0 sua loja de mer- \ncearia prover-se do necessario, emquanto seu marido \nlidava por fora e fazia as compras necessarias para o seu \nmodo de vida, e algumas vezes ia \xc3\xa0s feiras e mercados \ncom um carrinho e cavallo que tinha, vender algumas \nfazendas de linho e algod\xc3\xa0o de que tambem se compu- \nnha a sua loja ? corno acontece quasi sempre nas terras \npequenas. \n\nUrna tarde que elle vinha para casa, pensando no gosto \nque havia de ter de beijar a sua filhinha, ficou muito ad- \nmirado de ver de longe sua mulher que, tendo deixado a \nloja contra o seu costume, o esperava muito adiante na \nestrada, com a filhinha nos bragos. Quanto mais se aproxi- \nmava, mais lhe parecia penalizado e triste o ar de sua \nmulher, quando se chegou para perto, quiz ella sorrir-se \nmostrando-lhe a sua menina, corno para lhe apresentar \na consolac\xc3\xa0o com a d\xc3\xb3r; mas as lagrimas foram mais \nfortes que o sorriso contrafeito, que bem depressa se afo- \ngou em pranto desfeito, \n\n\xc2\xab Que tens-tu, minha filha? que te aconteceu? Na ver- \ndade, se ten\xc3\xa0o visse l\xc3\xa0 a tua filhinha querida, acreditaria \nque a tinhamos perdido. Ella est\xc3\xa0 viva, qual p\xc3\xb3de ser pois \na causa da tua magoa? \n\n\xe2\x80\x94 Ella est\xc3\xa0 viva, meu caro Luiz, mas \xc3\xa9 tudo quanto nos \nresta ! Eu vim at\xc3\xa9qui para te dizer que no lugar em que \nestava a nossa casa so achar\xc3\xa0s um mont\xc3\xa0o de cinzas. Pe- \ngou o fogo na casa d\'um vizinho, communicou-se logo a \nnossa, e consumiu tudo, sem que se podesse salvar a me- \nnor de nossas mercadorias, o mais pequeno de nossos \ntrastes, nem sequer o nosso leito nem o ber^o de nossa \nfilha! \xc2\xbb \n\nAo ouvir tao triste noticia, que transtornava todos os \n\n19. \n\n\n\n334 CODIGO DO BOM TOM. \n\nseusplanos, todo o seu porvir, que tragavatodas as suas \nesperan^as com tudo quanto possuia, Luiz ficou aterrado \ncorno homem ferido de raio; por\xc3\xa8m seus olhos, ainda ha \npouco abatidos, levantaram-se brandamente para a inno- \ncente que lhe estendia os bracinhos; comprehendeu que \nlhe n\xc3\xa0o era permittido desesperar, e que Deus punha diante \nd\'elle aquella imagem da fraqueza que tinha necessidade \nd\'elle para lhe restituir o animo e a energia. \n\n\xc2\xab Pois bem, disse Luiz a sua mulher, j\xc3\xa0 que nos resta \nnossa filha, e que nos restarli ainda nossos bracos, que \nnos falta a n\xc3\xb3s ? J\xc3\xa0 trabalhavamos muito certamente para \ndeixar alguma cousa a est\xc3\xa0 querida filha; agora trabalha- \nremos o dobro, e ella n\xc3\xa0o ter\xc3\xa0 perdido nada. N\xc3\xa0o \xc3\xa9 tudo o \nque n\xc3\xb3s podemos desejar? \n\n\xe2\x80\x94 Sim, mas o que n\xc3\xb3s devemos... \n\n\xe2\x80\x94 N\xc3\xb3s temos aqui com que pagar, interrompeu Luiz ; \nvende-se este carrinho com o que traz dentro, e o cavallo, \ne temos bastante. Pobre cavallo, era o meu companheiro, \najudava-me a ganhar a vida ! Mas, vam-se os anneis e \nfiquem os dedos ! Primeiro que tudo est\xc3\xa0 o ser homem de \nbem. Paguemos o que devemos, e a Providencia, que nunca \ndesampara o justo, se lembrar\xc3\xa0 de n\xc3\xb3s. Yeiu-me agora \nurna id\xc3\xa8a ; eu g\xc3\xb3sto muito de lidar com cavallos : vou j\xc3\xa0 \nimmediatamente a casa do mestre de postas de Berny, que \n\xc3\xa9 bom homem ; elle conhece-me, nossa triste posi^\xc3\xa0o lhe \ninspirar\xc3\xa0 interesse, e estou certo que elle n\xc3\xa0o recusar\xc3\xa0 de \nme tornar por postilh\xc3\xa0o. \n\n\xe2\x80\x94 \xc3\x89 um duro mister, meu pobre Luiz, o que tu queres \nescolher, lhe disse a mulher. \n\n\xe2\x80\x94 Eu n\xc3\xa0o escolho, respondeu o bom do pai, eu tomo a \nprimeira cousa que a Providencia me depara, dura ou n\xc3\xa0o, \npara ver se podemos recobrar o perdido. Vamos, nada de \nreflexoes que me esfriem ; sejamos o que podermos por \nagora, ao depois veremos se as cousas vam melhor, e se \n\n\n\nPOSTILHAO DE BERKY. 335 , \n\nDeus nos ajudar, melhorar-se-ha a nossa sorte. N\xc3\xa0o percas \no animo, minha esposa. \xc2\xbb \n\nAntes de entrar em Bourg-la-Reine, Luiz foi a casa do \nmestre de postas de Berny, n\xc3\xa0o longe da casa onde elle se \nachava, e apresentou-se-lhe emcompanhia de sua mulher \ne de sua filhinha. \n\n\xc2\xab Com a melhor boa vontade, eis aqui tudo o que me \nresta, senhor, lhe disse mostrando-lhe estes caros objectos. \nEu sou urna das victimas do ultimo incendio que houve em \nBourg-la-Reine. Minha mulher acaba de me dar est\xc3\xa0 triste \nnoticia quando eu recolhia para casa com o meu carrinho \ne o meu cavallo, que eu vou vender para n\xc3\xa0o dever nada \na ninguem; porque, do pobre que deve, n\xc3\xa0o \xc3\xa9 corno do \nrico, todos dizem mal, seja qual for a causa da sua divida. \n\n\xe2\x80\x94 Que poderei eu fazer em vosso favor? perguntou o \nmestre de postas com urna certa frieza, que dava bem a en- \nlender que elle esperava um pedido bem differente do que \nLuiz era capaz de fazer. \n\n\xe2\x80\x94 Quereis contar-me desde j\xc3\xa0 em o numero de vossos \npostilh\xc3\xb2es, senhor? Eu vos ficarei obrigado por toda a \nvida, e minha filha, espero que se lembrar\xc3\xa0 depois de \nmim. \xc2\xbb \n\nmestre de postas, vendo que n\xc3\xa0o se tractava de ne- \nnhum socorro ou peditorio para elle, nem de nenhum apoio \nque lhe fosse oneroso, serenou o sembiante e, sabendoque \ntratava com um homem honrado e bom christ\xc3\xa0o, aceitou \nimmediamente a proposta de Luiz, exprimindo-lhe todo o \ngosto que experimentava de lhe poder ser util numa posi- \nc\xc3\xa0o tao digna de interesse corno a em que elle se achava. \nOffereceu-se tambem para lhe comprar o cavallo e o car- \nrinho com dinheiro \xc3\xa0 vista. Concluido o ajuste, Luiz entrou \ncom menos magoa na villa para ahi procurar um novo al- \nbergue para sua mulher e sua filha que, em a noite ante- \ncedente, foram obrigadas a pedir agazalho em casa d\'um \n\n\n\n336 CODIGO DO BOM TOM. \n\nvizinho. Para melhor conservar o animo que lhe era mister \nnaquella conjuntura, evitou passar pelo sitio onde estiver\xc3\xa0 \nsua casa queimada; e logo no dia seguinte, depois de ter \naccommodado a sua familia, com alguns trastes que achou \nem segunda m\xc3\xa0o, e que pagou em dinheiro de contado, \nsatisfez tudo quanto devia, e foi tornar o seu servilo de \nnoite e dia em casa do seu patr\xc3\xa0o, o mestre de postas de \nBerny. \n\nLuiz estava na for^a da idade, tinha perfeita saude, ne- \nnhuma molestia, nenhum vicio lhe diminuia as for^as, \ncom as quaes rivalizava a sua grande actividade ; de tal \narte que o patr\xc3\xa0o desde logo conheceu e soube apreciar o \nmerecimento do novo postilh\xc3\xa0o. Sua cortezia, e maneiras \nobsequiosas, n\'um modo de vida que de ordinario tem a \ngrossaria por heran^a, n\xc3\xa0o eram indifferentes aos viajantes \nque, quasi todos, o recompensavam generosamente. Luiz \ntinha, \xc3\xa9 verdade, muito traballio, cansava-se muito; ora \npelo frio, ora pelo calor, agora pela chuva, logo pela neve \ne pela geada; elle n\xc3\xa0o dormia sen\xc3\xa0o duas ou trez horas \nem trinta e seis; comtudo n\xc3\xa0o se queixava, sempre com \ncara alegre n\xc3\xa0o fugia ao traballio, antes o buscava; bas- \ntava-lhe o pensamento de que elle supportava tudo por \ncausa de sua mulher e sua f\xc3\xaclha, para sustentar e dobrar \nsuas forcas. \n\nUm dia o honrado postilh\xc3\xa0o, que no firn da semana trazia \npara casa o que tinha ganhado, examinando no armario de \nsua mulher o pequeno thesouro que j\xc3\xa0 tinha juntado, lem- \nbrou-se que, com o mais que fosse juntando, poderia em \npouco tempo comprar urna casinha com um bom quintal, \nna borda da estrada por onde elle passava todos os dias, \nalojar ali a sua familia e v\xc3\xa8l-a mais a miudo. Est\xc3\xa0 id\xc3\xa8a \nagradou muito a sua mulher, que assim esperava ajudar a \nseu marido e tirar-lhe o trabalho que tinha de ir a casa \ntodas as semanas. Depois que perder\xc3\xa0 a sua casa, todo o \n\n\n\nPOSTILHAO DE BERNY, \n\n\n\n337 \n\n\n\ntempo que lhe restava de cuidar em sua filha empregava \naquella cuidadosa esposa em trabaihos de agulha, que era \nella habil custureira, e o que por este meio ganhava era \nquasi bastante para governar a casa, e assilli ia crescendo \no thesouro de seu marido, Al\xc3\xa9m de que a casinha que elle \nqueria comprar n\xc3\xa0o ficava muito longe da villa, podiam \nali vir os seus freguezes, e at\xc3\xa9 augmentar-se o numero, \npondo urna loja de bebidas, onde n\xc3\xa0o deixariam de parar \nos amigos e camaradas de Luiz. \n\nN\xc3\xa0o pensava por\xc3\xa9m assim seu homem, a quem o amor \npaternal dava brilhante luz para guiar o entendimento. \n\n\xc2\xab N\xc3\xa0o, disse elle, n\xc3\xa0o ter\xc3\xa0s loja de bebidas nem taverna \nna borda da estrada; o dinheiro que n\xc3\xb3s ahi ganhassemos \nnos custaria caro, poderia comprometter a boa educac\xc3\xa0o \nde nossa f\xc3\xaclha. Demais vos amo eu para vos expor a ouvir \npalavras grosseiras e ditos torpes d\'essa gente que passa \nmetade da vida embriagada. Tu ir\xc3\xa0s habitar aquella ca- \nsinha com tua f\xc3\xaclha, um pouco afastada da estrada, n\xc3\xa0o \nfosse sen\xc3\xa0o para ter o gosto de vos ver mais a miudo, mas \nninguem ter\xc3\xa0 direito de l\xc3\xa0 ir pedir de beber sen\xc3\xa0o eu e os \npobres que tiverein sede. Quero antes trabalhar mais \ntempo, e ter mais fadiga, do que arriscar-me a n\xc3\xa0o deixar \na minha f\xc3\xaclha o mais bello dote que ella possa levar a seu \nesposo, um corac\xc3\xa0o puro. \xc2\xbb \n\nA m\xc3\xa0i n\xc3\xa0o teve grande difficuldade em comprehender \nas excellentes raz\xc3\xb2es de seu marido. Comprou-se a casinha \ncom seu grande quintal corno elle queria, n\xc3\xa0o houve venda \nnem taverna, e a cuidadosa esposa continuou recatada- \nmente os seus trabaihos de agulha, comecou a educar \nchrist\xc3\xa0mente a sua f\xc3\xaclha, ensinou-lhe a ler e escrever, e \ncom as economias suas e de seu marido, ern pouco tempo \ncomprou duas vacas, cujo leite ella distribuia pela manh\xc3\xa0 \ne \xc3\xa0 noite aos vizinhos, que lh\'o retribuiam com genero- \nsidade. \n\n\n\n358 \n\n\n\nCOMGO DO BOM TOM \n\n\n\nEntretanto Luiz dava-se por milito afortunado de ter a \nsua casinha n\xc3\xa0o longe da estrada por onde passava a miudo, \ne quando n\xc3\xa0o podia descansar a tornar alguma refeic\xc3\xa0o, ao \nmenos deitava um meigo olhar para aquella residencia, \nganhada com o seu suor, que encerrava o que para elle \nhavia mais caro no mundo, e muitas vezes sem se apear \ntornava nosbra^os a sua filhinha que beijava com ternura, \nrecebendo em troca os amplexos infantis e os puros osculos \nda innocencia. N\xc3\xa0o ha nada tao amoroso corno o corac\xc3\xa0o \nd\'um pai que, traballando constantemente para sua fami- \nlia, goza raras vezes da fortuna de a ver; n\xc3\xa0o ha nada \nmais suave e sentimental corno o ver e contemplar um \nhomem de casca grossa do povo, que se deixa possuir da \nsensibilidade de pai com seus filhos. \n\ncabello de Luiz, ainda que n\xc3\xa0o era velho, j\xc3\xa0 comecava \na fazer-se branco, pelo duro mister que elle tinha abra- \ncado; d\xc3\xb3res rheumaticas, ganhadas pelaschuvas e friosdo \ninverno, attestavano tambem a sua dedicac\xc3\xa0o de pai. Que \nimporta! elle n\xc3\xa0o pensava em tal, em que s\xc3\xb3 cuidava era \nem trabalhar para a sua filha. Sua consolac\xc3\xa0o e sua ale- \ngria foram completas quando, depois de ter admiravel- \nmente educado sua filha, segundo as suas posses, p\xc3\xb3de, \ncasando-a com um esposo digno d\'ella, dar-lhe um bonito \ndote com que ella nunca poderia contar. Pela primeira \nvez n\'aquelle momento de ventura sempre misturado de \nalguns cuidados para o futuro, contou elle mesmo a sua \nfilha tudo o que tinha feito por ella desde o dia terrivel \nem que o fogo reduzira a cinzas tudo quanto possuia, e o \ndeix\xc3\xa0ra a elle e sua familia sem asylo e sem outro recurso \nque o penoso trabalho de seu braco. \n\n\xc2\xab Possa este dote ser mais feliz que o da tua m\xc3\xa0i e da \nminha! dizia o exceliente pai, e possa elle recordar-te \nsempre os que t\'o ganh\xc3\xa0ram ! \xc2\xbb \n\nA joven esposa e o gerir\xc3\xb2 n\xc3\xa0o podiam conter as lagri- \n\n\n\nPOSTILHAO DE BERNY. \n\n\n\n539 \n\n\n\nmas, e a promessa d\'um eterno reconhecimento se expri- \nmiu melhor assim que por v\xc3\xa0s palavras. Era facil prever \nque o esquecimento n\xc3\xa0o teria nunca lugar nos corac\xc3\xb2es \nd\'aquelles que eram o objecto d\'urna scena tao pathetica. \nPor muito tempo se n\xc3\xa0o fallou, por aquelles contornos, \nsen\xc3\xa0o no postilh\xc3\xa0o de Berny, que, com o fructo do seu tra- \nballio e com suas economias, tinha conseguido dar a sua \nf\xc3\xaclha um dote de seis mil francos (mais d\'um conto de \nreis), e reparar os desastres que o fogo lhe tinha causado. \nfeliz pai ficou sendo d\'ali em diante o alvo das attenc\xc3\xb2es \nde todos e o caro objecto dos carinhos e amizade de sua \nfilha e genro. Luiz n\xc3\xa0o correu mais a posta; veiu repousar \nem familia de suas passadas fadigas e gozar a recompensa \nde sua dedicag\xc3\xa0o na de seus filhos. Cada qual se sentia \nfeliz da felicidade do honrado postilh\xc3\xa0o; e o pai e a filha, \nelle por seu amor paternal. ella por seu amor f\xc3\xaclial, foram \ne sam ainda hoje citados corno um modelo digno de imi- \ntar-se; e de feito tem tido muitos imitadores. Tanto p\xc3\xb3de \no bom exemplo! \n\n\n\nFI\xc2\xbb \n\n\n\nINDICE DAS MATERIAS \n\n\n\nAdvertencia 1 \n\nIntroducc\xc3\xa0o . 3 . 5 \n\nCap. I. Da Igreja 18 \n\nBaptizados 22 \n\nCasamentos 27 \n\nEnterros 55 \n\nCap. II. Do Paco 59 \n\nCaf. IH. Dos Tratamentos 47 \n\nCap. IV. Das Assembl\xc3\xa9as . 55 \n\nCap. V. Dos Cumprimentos 64 \n\nDe agradecimento 64 \n\nOutro. 65 \n\nDe pezames 65 \n\nEntre amigos 66 \n\nDe parabens a um superior 66 \n\nA um igual. . . . 6G \n\nEm casamentos 67 \n\nEm nascimcntos 67 \n\nNas boas festas 68 \n\nSobre a saude. \xe2\x80\x94 De inferior a superior 68 \n\n\n\n342 INDICE DAS MATERIAS. \n\nCap. VI. Dos Bailes. . 71 \n\nGap. VII. Das Partidas ou Reunioes nocturnas 80 \n\nCap. VIII. Dos Jantares e Banquetes 101 \n\nGonvites Ili \n\nDisposigao do banquete. . * 113 \n\nModo de por a mesa 114 \n\nManeira de fazer as honras d\'um banquete 118 \n\nDa Sobremesa 125 \n\nDeveres dos convivas. . 127 \n\nGartas e bilhetes de convite 132 \n\nCap. IX. Das Visitas 135 \n\nCap. X. Da Conversalo (em portuguez) 147 \n\nCap. XI. Da Conversalo (em francez) 182 \n\nCap. XII. Dos Jogos e Jogadores 201 \n\nCap. XIII. Das Cartas 208 \n\nContextura das Cartas 209 \n\nRegras geraes para a composigao de Cartas. ... 218 \nRegras particulares para differentes generos de \n\nCartas. 220 \n\nCartas moraes e de conselhos 220 \n\nCartas de pezame 222 \n\nCartas de parabens 223 \n\nCartas de pretencao, representacoes e memoriaes. . 223 \n\nCartas eucharisticas, ou de agradecimento 224 \n\nCartas de recommendagao, ou d\'empenho 225 \n\nCartas \xc3\xa0s pessoas de cuja companhia nos separ\xc3\xa0mos. 226 \n\nCartas de queixas i 227 \n\nCartas d\'escusa. 227 \n\nCartas de negocios e encargos 228 \n\nCartas de participacao, ou de noticia 229 \n\nCartas de boas festas, d\'anno bom, e dia d\'annos. . 230 \n\nCap. XIV. Da Estada no campo 253 \n\nCap, XV. Das Viagens 239 \n\nCap. XVI. Dos Pais e Parentes , . . . 245 \n\nCap. XVII. Dos Amigos 252 \n\nCap. XVIII. Dos Crtados. 264 \n\nCap. XIX. A Theophilo em particular. . . . s - 272 \n\n\n\nINDICE DAS MATERIAS 343 \n\nGap. XX. A Eugenia em particular 287 \n\nGap. XXI. Origem te Arieqidi 303 \n\nCap. XXII. A Academia silenciosa. ou Os emblemas 306 \n\nCap. XXIII. menino Botanico 308 \n\nGap. XXIV. Mathilbe. ou A viuva de quinze annos 314 \n\nCap, XXV. Roberto ou A dedicag\xc3\xa0o 325 \n\nCap. XXVI. Postilh\xc3\xa0o de Berny 332 \n\n\n\n\xe2\x80\x94 TYP. FOKTUf.. 5IM\xc3\x800 RACO.N E COMP., KUA b\'tRFURTH, 1. \n\n\n\nDeacidified using the Bookkeeper pr\xc3\xb2* \nNeutralizing agent: Magnesium Oxide \nTreatment Date: Dee. 2004 \n\nPreservationTechnologies \n\nA WORLD LEADER IN PAPER PRESERVATICI \n\n1 1 1 Thomson Park Drive \nCranberry Township, PA 16066 \n(724)779-2111 . \n\n\n\nLIBRARY OF CONGRESS \n\n\n\n\n'