C^-U^ À^^T^ >.A^'C^My POEMA DE JOSEPH MARIA DA COSTA E SILVA. LISBOA, NA IMPRESSAO REGIA. 1832. Com Licenga. yq^ ^u>\ c^ li So shall he strive , in changeful hue , Field , feast , and combat to renew , Ànd loves , and arms , and harper's glee , And ali the pomp o£ chivalry. Walter Scott, Marm. Cant, V. S87270 »29 A Qs^;p^/l_ m P R O LO G O. XXa multo que os Poetas de Hespanha comegaroin a paraphrasear os seus antigos Romances, mas limi- tando-se, ao menos nos, que eu tenho visto, a glosar em Coplas regnlares cada dois versos dos dictos Ro- inances: o que indica que o principal intuito dos, que se derom a esse trabaiho, foi tornar aquellas Compo- sigòes mais aptas , e acomodadas pera a Musica mo- derna. Walter Scott, nos nossos dias, aproveitando , e refundindo as Balladas, e Romances Populares da Escocia, formou delles Poemas engenhosos , e subli- mes, que Ihe adquirirom larga nomeada na Europa; e na sua Patria o bem merecido titulo de primeiro dos Poetas Inglezes, no presente Seculo , depois de Lord Byron, que polo arrojo de pensamentos , origi- nalidade de inventar, colorido poetico, for§a de sen- tir, e viveza dedescrever, nom soffre comparagom. Estes dois Homens devem ser considerados corno os Mestres da Escoìla Romantica, que tem progredido tanto, que jà se propagou pela Franga, do que dam testimunho bastante as Poesias de Casimiro de Lavi- gne, Alfredo de Vigni, e Affonso Lamartine. Hum dospoucos engenhos, que ao presente fazem honra a nossa Poesia , depois de haver seguido as pi- zadas de Lord Byron em D. Branca, e em Camoes, resolveo proseguir na carreira de Walter Scott, tra- IV Prologo. ctando os nossos Romances comò elle tractàra os Es* cocezes: Despendeo (diz elle) largos annos em reco* Iher bum boni nùmero daquellas Composigoes deposi- tadas, e comservadas na memoria das Ayas, e das Ve- Ihas ; e he assàs para lamentar que so executasse o seu progeto em dois Romances = Bernal Francez , = e Silvana =: que deo a luz ; ebem que do primeironom tirasse lodo o partido , que podia , do segundo fez o excellente Poema de Adosinda, cheio de pathetico , de interesse, e de sensibilidade , e a que so a inveja póde recusar louvor, e aprego. Este Poema me foi apresentado por bum dos poucos amigos , com quera me dava , M050 de nào vulgar instrucgom , e multo affeigoado a este genero de Estndos , instando comigo pera que compozesse alguma cousa neste gosto , e offerecendo-se-me pera ajudar-me na pesqiiiza dos necessarios Romances. Nào sei si por condescender com o meo amigo , si influido pola Leitura da Adosinda, si polo desejo de pTOvarme nesta espece de Composicom , ou si per todas estas cousas juntas , lansei raào da empresa , e demos obra a buscar os materiaes para ella. Entre os Romances, que ambos podemos coli- gir, o do Conde Galbardo foi o, que por suas situa- coes dramaticas me desafiou mais o desejo de tracta- lo; porém a predilecgom , que o meo Amigo mos- trava pola Heroina de Aragom , fez que eu condes- cendesse em a compór primeiro. Abi a dou agora a luz com o Romance originai, pera que os Leitores possào melbor ajuizar do trabalbo, que tive com està Producgom , e dos ornatos, que Ibe juntou esse pou- co cabedal poetico, com que me dotou a Natureza, e que eu nom pude levar ao grau de polimento, que de- Prologo* v sejava, sem embargo de haver a esse firn, encaminha- do 05 estudos da minha vida inteira. Nom quero entrar em discussòes sobre apreferea- cia da Poesia Classica, oii Romantica , que hoje for- mam bum Scisma na Republica Literaria; parece- me, com tudo, que seria bom, que o gosto desta ulti- ma se generalisasse em Portugal 5 pera livrar os nos- sos Poetas do miseravel jugo da imita9om , que ha inlos Seculos tera agorentado os vóos dos mais feli- Aes engenhos, fazendo-Ibes produsir em vez de Com- posigòes originaes, Paraphrases, ou Traduccoes livres dos Poemas da Antiguidade. A Poesia deve sor Nacional ; e Albuquerque, ou D. Joào de Castro, Irajados àGrega, me parece cou- sa ridicula, alem de absurda ; porque o colorido locai he o maior lenocinlo da Poesia , e a falla delle he o defeito, que mais salta aos olhos em os nossos Poetas ^mtigos; direi mais, si dermos o devido desconto, nos Livros de Cavallarias , que hoje se despresam tanto, havendo tao pouco quem os tenha lido, depararemos mais repetidas, e fteis pinturas dos costumes, e- usan- cas dos nossos maiores, do que nas Epopeias mais gabadas , que se tem impresso em Portuguez. Isto nasce, quanto a mim, de que os Poetas escreviam com a Iliada, ou a Eneada a vista, forcejando por se apropriarem as suas belezas, e os Authores das Chro- nicas fabulosas , nào podendo imitar, nem copiar os Gregos, pintavam , e atribuiàm aos Cavalleiros er- rantes os successos , e opiniòes do seu tempo. A Mythologia he bella nos Poemas de Homero , e de Virgilio ; mas sera ella admissivel na Poesia das Nagòes modernas? creio que sim na Poesia Phylo- sophica, em que o Poeta falla sem iaterposlaPessoa, VI Prologo. podendo por isso servir-se dos Deoses da Fabula, co- mò symbolos dasoperagoes da Natureza, e dando com as descripbòes brilhantes, que elles fornecem , arneni- dade a aridez dos preceitos, e descDa&o a fadiga das Doutrinas. Tambem a admitto na Poesia Lyrica , e Pasto- ri!; mas fazer que era hum Poema Epico os NuQies do Paganismo entiem era accora com Heroes Chris-' tàos, me parece desacerto, inverosimilhanga , e falla de ciso. O Meravillioso Christào he grande ^ e sublime; mas tenho por indecencia empregn-lo era Poemas, cujo assumplo nom seja Religioso. Deos , e os Anjos figuram com toda a magestade no Paraiso de Milton, na Messiada de Klopstock, e no Noe de Bodmer , mas nom sera irrevcrencia misturar objectos Sagrados com OS furores de Orlando, com as cavallarias de Ru- gerio, com as facanhas de Mandricardo , com as des- emvolturas de Angelica, e com as aventuras de Mar- physa , e dos outros Heróes, e Heroinas dos Poemas de Ariosto, e de Berni ? Mas d'onde tiraremos o meravilhoso da Poesia Romantica? das Tradigoes, e Supersticoes popula- les; da Magia, e das Fadas. Todos os Criticos com- fessam que para osAgentes Meravilhnsos derramarem interesse em hum Poema he nx^cessario que sejam susceptiveis de paixoes. Ora parece-me que neste pon- to de vista os Magos , e as Fadas sam iguaes, sinom superiores aos Deoses da Mythologia, sentem corno elles o amor, o odio, o temor , a vinganga, e todos OS mais affectos, que revolvera o peitohumano, e mil cousas ha , que , segundo as ideas mais apuradas da Divindade, que reinam no nosso tempo, se nom pò- Prologo. vii deriam sem inverosiniilhanQa atribair aos Numes da Polylheismo, e que tem todo o cabimento nos Ma- gos, que satn puros Homens , e nas Fadas , que ain- da que, na opinioni popular, sejam de mais subida natureza, nom participani da Divindade. O poder dos Deoses da Grecia hera limitado ; bum nom po- dia desfazer o , que o outro fizera ' Ncque eniin licei irrita cuique Facta Òei fecisse Deo. Ovid. o poder dos Magos , e das Fadas he so limitado pelo seo gran de saber ; desfaz bum as obras do outro, e podem reciprocamente vencer, e ser vencidos , e athe presos, ou por imprudencia sua, ou pola superiorida- de da« artes dos seus inimigos; podem transtornar a marcha da natureza, prever o futuro com maior, ou menor perfeic^om ; e quem nom ve que movimento, que variedade de situa^oes , e de successos pode pro- duzir a lucta de taes Agentes? Torna-se ainda mais verosimil a sua admigom no tecido Epico , por que, sendo os Magos de diferentes Nagoes, he naturai, que trabalhe cada bum delles pola prosperidade da sua Patria, e dos seos Conterraneos. O celebre Voltaire, no seo Ensaio sobre o Poema Epico, mostra-se muito inimigo da Magia, e censu- ra gravemente o Tasso pola haver admitido no seo Gofredo. Hum Homem, (diz elle) que acaba de ler Loke, eAddisson, nom pode accomodar-se com a lei- tura de semelhantes contos. Isto, quanto a mim, he dizer, por outros termos, que a Phylosophia, e a Poe- sia noni sam a mesma cousa, quem oduvida? aPhy- vili Prologo. losophia dirige-se a Rasom , e a Poesia ao corajom ; a Phylosophia quer demonstrar, e comvencer, a Poe- sia quer mover, e deleitar : huma instrue com racio- cinios, e provas ; e a outra com as fic^òes, e os ex- emplos; e ficgòes por ficgoes, creio que as da Magia nom valem menos, do que as outras : e bum Homem , que estuda Addisson , e Loke , se tiver imaginacom , e gosto poetico, se accomodarà mais com Armida, e o seo Jardim delicioso , e com a selva encantada de Tasso, que coni as intrigas da Discordia, do Fana- tismo , e a mais Phantasmagoria alegorico-phyloso- phica da Henriada de Voltaire. Nom ha Fadas , di- rào OS Criticos, mas tambem nom ha Jupiter, nem Marte, nem Venus , e esses mesmos Crlticos, e Boi- leau, o mais severo de todos, os admitem nos Poe- mas Epicos. Quanto aos Magicos, a sua existencia he acredictada em todas as iNagòes polo Vulgo, e por muita Gente, que nom he Vulgo. Os Codigos Eccle- siasticos, e Seculares fulminam penas contra elles, condemnando huais a Magia comò peccado , e pu- nindo-a os outros comò delieto civil. Os Tribunaes Tetumbarom mil vezes com as acuzagoes da Magia , e nom forom poucas as victimas , que subirom ao ca- dafalso por este pretendido crime, e sera dificil de de- cedir se hera maior a cegueìra dos miseraveis, que se julgavam Magicos, ou a dos Juizes, que os puniam corno taes. Està pagina da Historia das loucuras hu- xnanas seria susceptivel de mais de hum Commenta- TÌo. Finalmente huma Tradigom popular he pera as ficgoes poetìcas fundamento suficiente : a Magia he huma Tradicgom popular, e os Poetas devem lansar mào della pera as suas invengoes, em especial quan- do se tracta de pintar os costumes, e opiniòes da ida- de media , de que està crensa faz parte. Prologo. ix O Author da Adosinda escreveo o seo Poema em Octosylabos livremente rythmados; eu preferi os Hendecasylabos soltos, por me parecer que Versos de medida pequena nom se accomodavam bem corti as longas de^cripsòes, qiie o meo assumplo requeria ; e creio que o que dà nova graga aos curtos Cantos de Adosinda, nos Cantos do meo Poema, causàra , por mais estensos , cansada , e tediosa monotonia. Nom don està Obra por bum modelo ; conheco quanto està longe da perfeigom , e nenhum Critico he capaz de julgar-me com menos indulgencia, que eu proprio; mas tenho, que ha nella belìezas suficien- les para tornar agradavel a sua Leitura ; e que para certa ordem de Pessoas nom sera pequena recomen- dacom, o nom achar nella cousa, de que os bons Cos» tumes possam, nem [eveniente offender-se. XI ROMANCE ORÌGINAL. PARTE I. -O a se apergoam as guerras - Là nos Campos de Aragao ; - Ai de mirri , que jà sou vellio , -E guerras me acabarao ! Responde a Filha mais velha Com loda a resolucào ; « Venhào armas, e cavallo, «Que eu serei Filho Barao. -Tendes os olhos mui lindos, - Filha , <::onhecer-vo5-hào. «Quando passar pela armada u Porei o3 olbos no chào. «Venhào armas, e cavallo. uQue eu serei Filho Barào, -Tendes os bombros mui altos , -F^ilha, conhecer-vos-bào ; «Sejào as armas pezadas, ^.tQue OS bombros abaixarào. « Venbào armas , e cavallo , «Que eu serei Filho Barào. XII Romance Original,. — Tendes os peitos mui altos, — Filha , conhecer-vos-hào ; «t Veriha cà hum Alfaiate, «Faja-rae jnsto hura jubào. ce Venbao armas , e cavallo, uQue eu serei Filho Barào. ' — Tendes as niàos pequeninas, — -Filha, conhecer-vos-hào; «Mete-!as-hei n'humas luvas , «De cumpridas passarào. « Venhào aimas, e eavallo, ctQue eu serei Filho Barào. - — Tendes os pes delicados, — Fiiha 9 conhecer-vos-hào ; uMete-los-hey n'humas botas, "Nunca dellas sahirao. « Venhào armas , e cavallo , uQue eu serei Filho Barào. P A R T E II. «Senhor Pay, Senhora May, u Grande dór de coracào , « Por que os olhos de Dom Marcos «Sào de Mulher, d'Homem nào. -Convidai-o vós , meo Filho, -Para hir comvosco ao Pomar; -Porque, se elle for Mulher, -A' magan se ha de pegar. Romance Original. xiir Doni Marcos, corno discreto, Huma Lima ibi mirar; «Oh que bella Lima he està «Para hum Homem cheirar! uLindas magans para Damas, «Quem Ihas podera levar! uSenhor Pay, Senhora May, «Grande dór de coragào, « Por que os olhos de Dom Marcos «Sào de Mulher, d' Homem nào. -Convidai-o vós, meo Filho, -Que va comvosco jantar, -Cadeiras alias, e baixas -Fazei a raeza cercar, - Por que se elle fór Mulher -Nas baixas se ha de sentar. Dom Marcos , comò discreto , Depois de considerar, Deixando as cadeiras baixas A mais alta foi buscar. «Senhor Pay, Senhora May, «Grande dór de coragào, «Por que os olhos de Dom Marcos «Sào de Mulher, d'Homem nào. t -Convidai-o vós , meo Filho, -Para hir comvosco feirar, -Por que, se elle for Mulher, -A'g fitas se ha de pegar. XIV Romance Original. Dom Marcos, comò discreto, N'huma adaga foi pegar; = Oh que bella adaga està ==: Para bum Homem brigar! :Bellas fitas para Damas, Quem Ihas podera levar! uSenhor Pay , Senliora May, «Grande dòr de cora^ào, « Por que os olhos de Dom Marcos itSào de Mulher, d'Homem nào, — Convidai-o vós, meo Filho, -Para comvosco nadar , -Por que se elle for Mulher -^ Desculpas vos ha de dar. Do'm Marcos, corno discreto, Se propoz a hir nadar , E, recebendo huma Carta, Poz-se a ler, e a chorar. « Que magoa he essa , Dom Marcos . uQue infortunio, que afliccao ; «Essas lagrimas te arranca, « Te lacera o coracào ? = Novas me chegao agora, = Novas de grande pezar, = De que minha May he morta, = Meo Pay vai a enterrar. Romance Original. xt =:zOs Sinos da minha Terra = Parece que ougo dobrar; zi=Que duas Irmaàs, que tenho , = Ougo ao longe lamentar. =z:Para servir-lhe de amparo n= Devo ao Castello tornar ; ZZI Monta, nìonta, Cavalleiro, =:Temos tempo de chegar. PAR T E IH. Partem , chegào ao Castello, O Pay a Janella estava; E rindo ao seo Cappitào Dom Marcos assim fallava. uSe me quizer namorar, uOh tao lindo Cappitào, aVenha a caza de meo Pai, 6fc Porem na guerra isso nào. — Oh meo Filho , quem he esse , — Que vos vem accompanhar? uHe, Senhor, hum Genro vosso , «Se o quizerdes acceitar. — Septe annos andou na guerra — Este meo Filho Barào, — E ninguem o conheceu — Senào o seo Cappitào. =zConheci-o pelos olhos, = Que por outra couza nao. 1 A HEROINA DE ARAGOM. CANTO I. OoBRE as fronteiras de Aragotn se elleva Alta moiitanha, crespa de rochedos; Nella antigo Castello, coroado De torreòes , e ameias , anieaga Da planice os pacificos Colonos. Forra o musgo as muralhas corcomidas 5 Que amarellas tornoii do Tempo a dextra ; Polas fendas das pedras serpeando Vam raizes das Heras , cujos ramos , Quaes tropheos , se debrugarn balougando Dos ventos a sabòr ! obra dos Godos, Em sua forma anciàa nos traz a idea Esses tempos feudaes , em que luctando A civilisa^om ja corrompìda Co' a barbarez indomita, exaltadas Pola Supersti§ora , e Amor, as almas Com heroicas virtudes, negros crimes Assignalaroai paginas de sangue ]Na historia d'essas barbaras Idades , Em que a forga hera Ley , Juiz a espada! De noite em solidom ali se escuta A gemedora voz do Mocho infesto; Oi sibilos dos ventos, que, rugindo, 2 A Heroina de Aragom Nos €chos da montanha se prolongam ; O rumor das torrentes, que baqueam De rochedo em rochedo , e vam siimir-se Nos fundos, largos fossos, que atravessa , Presa^em cadeias , levadiga ponte: Disseras, que das grades, que se emcruzam ^^as estreitas , bicudas, longas frestas, Sahem gemidos de formosas Damas, Que trdiconi. ou ciume ali prenderà; Disseras, que os assaltos , e as batalhas. De que forain theatro aquelles sitios Com estrondo outra vez se represenlam. ' De dia embevecida a vista estende-se Por espaco sem firn ; ora contempia Pyramides de neve, que scintillam Da Aurora co' fulgor nos altos picos Dos arduos alcantis; ora se espraia Por florestas de omnimodo Aryoredo, Por cultivados vales , que fecumdam Tortuosos Ribeiros; por Cidades, Que ao longe se esvaecem no li ori sonte Como as dubias visoes de bum ledo sonho ^ Que enternecida amante lisongéa! Neste nobre Solar vivia Affonso, Cavalleiro, que a fior da verde idade Nas cruentas batalhas despendéra : Descendente de Wauìba , em cuja dextra O aguilhom se tornara em Regio Sceptro , Seos Avós nas Asturicas montanhas De Pelaio a fortuna accompanharom , Pugnando por salvar a oppressa Hespanha Da Maura escravidom , que inda durava; Digna Prole de Avós tao generosos^ Canto T. Mil vezes na Peninsula afrontàra Càfillas Agarenas; e alem-mares Fora com o bom Goffredo em Palestina Alardear valor! tremeo Nicea Aos duros golpes seos ! Solyma o vira Seos muros expiignar. Do Egypto a Hostè Viu de seo Chefe a barbara cabe^a Per elle decepada o chàm nianchando; Do Golgotha no cume beijou piò O trilho 5 que deixou de bum Deos o sangue; Eatoou no Olivete ao Sol nascente Do Rey Propheta os Psalriios sonorosos ; Banhou-se do Jordam nas sacras ondas; Venerou em Bethlem a Lapa sancta, Em que nascerà o Redemptor do Mando, E que sabio Hieronimo escolhera Pera nella morrer ! vira do Nhilo A inundagom fecunda , e comtemplara As soberbas Pyramides , debalde Dos rudes habitantes inquirindo Que alto n^otivo os Pharaós moverà A edificar taes fabricas , que os Evos Insultam , e dam pasmo a nossa idade. Agora retirado em seo Castello, Morta a Esposa , seo unico consolo Trez Filbas sam de sem igual belleza. Quem as visse no estrado qui redor delle Julgara que as trez Gracas, desertando Dos amenos vergeis de Idalia^ e Chypre Viniiam ouvir liccòes do velho Tempo. Isabel 5 que das trez'bera a mais velha, E apenas quatro lustros transposera , De Palas, qual a pintam Gregos Vates , B 2 4 A Heroina de Aragom O prefeito retracto se mostrava, Tiriha alto, e esbelto o corpo revestido De forga varonil ; negros os olhos, Que das ramosas palpebras despedem Vivo fulgor, que as almas derretia; Negro o Gabello em ondas se debraia Polo colo de neve, e eburneos hombros; Alto, e bem torneado o lindo peito, Onde turgecem dois formosos globos Alvos mais do que a neve: imita a boca Semi-aberto botom de rubra rosa, De que amavel sorriso a furto escapa. Forte 5 e sonora a voz ; mas qual podera Delicado pincel de Albano, ou Guido Imitar de seo rosto a cor mimosa, Onde as cecens , e as rosas se comfundem ^ Sem que descubra deslumbrada a vista Onde fmda a Cecem , comega a rosa? Agii com garbo em movimento, e passo, Os prazeres do Sexo desdenhando , Tao forte comò o Pav movia as armas ; Tao forte corno o Pay corsel fogoso Na patente campina arremessava. Mil vezes, desparando a seta aguda, No voo a Garca degolou nos ares ; Mil vezes, o Veado perseguindo, Primeira a lansa Ihe cravou ; mil vezes Alcantis de rochedos atrepando Foi roubar em seo ninho os Filhos da Aguia. Theli nenhum Mancebo obteve della Hum suspiro de amor, mas em seo peito Palpita bum coragom a amar propenso. Assinx em negros gràos na funda mina Canto L Preso dormir parece o voraz fogo ; Mas ao contacto de subii! scentelha De subito se emflamma, e pelos ares Despedacadas rocbas arremega , Treme a terra , e com fumo o Sol se eclypsa ! Comfusa tradicom de muitos crida , Duvidada de muitos , divulgava Que ao nascimento seo a Fada Elphira^ De Donzellas gentis accompanhada, Benevola assestira , e que, nos bragos Levantando-a rizonha, prophetara De seos fados a cerca alias venturas, E, ao desapparecer , a Estancia loda Com aroma de rosas perfumara. Hum dia que, baixando, o Sol guiava O Carro ardente ao cerulo Oceano, Hora misteriosa, em que se emtranha Nossa alma em melancholicas ideas , Fundas medita^òes , e em que parece- Que, da terra esq^ìecida, se extravia Por hum vago sem fim , a que eh a maro m Sonhos d'Homem desperto antigos Sabios, Affonso taciturno passeava Por ampia Sala d'armas, que luziam Co vermelho clarom do Sol cadente, Que, por ampia janella, refleetia Nos brunidos Escudos , e éneos Elmos; D'espago a espago comtemplava absorto De seos Avos retractos denegridos, Que as antigas paredes adornavam ; Involuntarias lagriraas cahindo As venerandas faces Ihecorriam, Gemo as gotas de orvalho se debrucao» 6 A Heroina de Aragom Polo odoroso calycf. da Rosa : Do intimo d'alma rompem-lhe suspiros , Qual briza , que os Jasmins move serena Com escasso ruido , e transflorava Magestoso pesar do Heroe no gesto. Tal etn rochedo sobranceiro a praia O C'ar*!Ìba indomito se assenta, Immobil, d'olhos fixos comtemplanda As Occeaneas ondas, que remugem : 'No esquerdo cotovelo inclina o corpo, ]Na mào a face; ondea o ^ento as pìumas. Que a liberrima fronte Ine aderecam , E a bamba chorda do arco desarmndo, Em que apoia a direita ! vendo-o , ocreras, ISom Hom^rn , mas de marmor frifi Eslatua , Que o remate de bum Tumulo coroa ! D'Affonso a inquielacom desvela as Filhas Que a seos bra^os atlonitas se arrojam, E a causa inquirem do pezar, que o punge, Enternecido o Veiho as trez ijpperla Sobre o seo coragom I que a ma ve! grupo De filial Amor, paterno Afecto Primores apostando ! que alto assumpto De Buonarrota ao portentoso scopro , Annimador de marmores! quaò dextro Em trez rostos gentis , n'hum virii rosto Paria contrastar assomos d'alma, Diversos na expressora , na essencia os mesmos! Que longe estam os barbaros, que zombam Dos prodigios das Artes, de sentirem Essa Poesia d'alma, com que annima O Bronze, o Cobra, o Marmore o talento D'inspirados Artistas ! Entes brutos. Canto I. 7 Que a Terra involuntaria em si sostenta, Para quem sempre ibi fechado Livro O quadro da fecunda Natureza! Tem olhos, e nom vera no niveo Lyrio Mais do que estcril fior, e, ouvidos tendo. Mais que rumor nas de M.ozzart nom ouvem Divinas consonancias ! hes , oh Ouro , Unico Idolo seo , porque em ti acliam O facil melo de farlar seosVicios! Longe , Vulgo profano! hide atolar-vos Em sordidos prazeres the que a Morte Vos enserre no Tumulo , e so grave Despreso , esquecimento em vossas campasi Longe i que pera vos nom canta o Vate, Ileservam-se de Phebo os dons sagrados A OS nobres coragoes , em quera Natura Porco m deposi tou do Empyreo fogo , Que OS impelle ao que be terno, ao que he sublime; Que percebem a energica eloquencia Da Beleza , e da Dor , e que penetram Da Solidom os rnisticos orcanos, Sam eiles, que de tlores engrinaldam De Camòes 5 e Pliylinto a septdtura, E talvez, quando eu pague a morte o feudo, Os cantos meos repati rào saudosos. u Filhas (Affonso exclama) oh charas Filhas , « Porque da rninha dor sondaes motivos? b4 Porque estranhaes as lagrimas, que verto ? ii Que nobre coragom da Patria os males ii Nom fazem prantear? com son medonho 64 A trombeta da guerra abaia , atroa 35 Os campos de Aragom ! Mouros canripeaun " Polos seos campos semeando eotragos. 8 A Heroina de Aragom a Em defeza da Fé, da Liberdade 46 Os Hespanos Heroes às armas correm , 4i Tem por ficto a Victoria , ou Morte lionrada ! 4t Lansain em roda os olhos , e procuram 44 Affonso, que outro tempo os precedia « T^a carreira da gloria; e o bravo Affonso u Ora o que he? sombra vaà ! Aguia ferida , u Que, moribunda, e fraca , apenas pode 4( As azas sacudir, quando quizera , 4( Erguida aos Ceos , arremessar-se a preza ! 4c Lidima heransa de valor guerreiro, 4t Que meos claros Avos me Iransmetirom , u Qus eu sustentei de tanto sangue a custo 4f iSlas montanhas de Hesperia derramado , 4i Nos campos do Levante, fervoroso 44 Pola Fé, pola Patria expondo a vida , c( Que de niim nom passasse aos Ceos approuve! 4s Si dos Alayores meos ficto os retractos 46 E esses tropheos por elles conquistados . 4; Parece-me que os vejo merencoiios «t Apontar para mim , dizer — naquelle — -fiosso nome findpu — oh magoa ! oh pena! 4( Embora ! a minha morte ao menos dìgna 4t Sera da minha vida ! . . . . eu corro , oh Filhas, (( Da gloria ao campo; adeos ! e si o meu bra^o 4; Jà nom pode ceifar armadas Hostes , 4t Presentando-me affoito aos innemigos, 4t IMorrendo aos gojpes seos , terei cumprido ic Com o que devo a Deos , a mim , e a Patria! Das Filhas nisto rompe acerbo pianto ; Huma deplora a misera orphandade ; Insta a outra, abra§ada aos seos joelhoSj Que do infausto projeto se descarte ; Canto I. * Mas o Velho tenaz em seo conceito , Rogos regeita, e lagrimas nom ouve. Assim o Monte Aliante alern das nuvens De neves coroada a frente eleva , Neni sente corno o Mar etii crespas ondas Lhe assalta as bases rebramindo irado ! « Omnipotente Deos ! (prosegue Affonso) a Porque nom mereci que me outhorgasses « Hum Filho 5 em quem surgisse a gloria minha • « Elle por mim voàra aos marcios campos , « E a sombra de seos Louros poderia « A minha caduquez dormir tranquilla!. . . . ìom o sopeiam, por fugir trabalha ! Soberba rasom do Homem , quanto cedes A in«^tincto de Annimaes! de longe aventam , Sem o ver, que bum contrario se aproxima ! iNlom sabe a Dama o que este susto indica, E, prompta a todo o lanse, a espada empunha* Eis que por entre as arvoreTdescobre Luz de bum facho , que, rapida correndo, Para o sitlo , onde està, se derigia ! A!egra-se que lium Guia achar ja pensa Que a conduza onde alvergue! assim, perdidos Ao furor *de nocturna tempestade Vellas, e mastros , e boiando o Lenho Meio-alagado a descrigom dos mares, O Nauta esmorecido espera a morte: Eis que rompe a Manhaà, e perto observa Conhecida enseada , que Ine abona Hospedeiro recobro , e Ihe deslembra O presente praser passada angustia. Ja o facho mais proximo llammeja, E o Corsel mais se assusta ! jà se avista Lindo Anom , cor de rosa aijuba o cobrcj LoDgas plumas no gorro Ihe tremulam, Canto IL SI Grande Leom cavalga, que governa Com aureas redeas, e empunhava o facho. éi Isabel (elle diz) prompta me segue, 4i Para guìar-te eu vim. » Ella assombrada — E quem hes tu? (pergunta) que conheces — Quem sou, e o nome meo ? — u mais nom me he dado « Dizer-te ; a, que me envia, assim o ordena. Disse. Ella o segue; em rapido galope Polo mais intrincado da Floresta Se entranham the chegar a huma Colina A cuja falda se abre esconsa gruta , A quem verde cortina, serpeando , Forma em tufos de folhas a Labrusca , Que ao pezo verga dos agrestes cachos. Apeiam-se, e o Anom aplica aos labios Busina, que dos hombros Ihe pendia Presa em aurea corrente! eis surgem fora Duas Nymphas gentis , que as redeas tomani Ao Cavallo, e ao Leom! precauta a Dama Receios dessimuia, e vai seguindo O Anom, que com seu facho attento a guia Pela subterrea estrada! contemplando As paredes , o tecto , o pavimento Desta longa Caverna, admira a Dama O esmero, com que aprove a Natureza De aderecar està mansom de trevas. A agoa empregnada de oxydos diversos, Que variadas cores Ihe transmitem , Pouco a pouco estilando-se ali forma Torneadas columnas de Alabastro, Ricas tapegarias, lindas flores, Arvores , que seus ramos longe estendem , Grij^aldas ao desleixo suspendidas 5 22 A Heroina de Aragom Pyramides, e assentos, quanto pode Nos Arabescos seos pincel feoundo De Raphael Iracar ! a luz do facho, Reperculindo ali, aos olbos forrua Magica Scena 5 que, exaitando a idea, Arrebata , e deslumbra ! oh Natureza ! Quanto hes meraviìhosa , quanto hes rica Nas tuas producgoes! mas porque escondea Taes portentos nas sombras, onde raro Dos Homens chega a vista ? norn he digua Està de apparecer do Sol aos raios Vegetacom niarmorea? ou destinaste Estes lindos Alcagares aos Genios Que presidem do Globo a economia, E OS varios Elementos modificam ? Mas teo mistico veo erguer quem pode , Penetrar teos arcanos ? admira-los , Mas sem os decifrar , so cabe aos Homens ! Nota Isabe! que està comprida estrada 5 A maneira de Serpe, que colea , Em varias direccoès mìl voltas forma , E sempre mais, e mais se inclina, e busca Da Terra a profundez ! eis que comega A apparecer dubio clarom, que imita A Aurora, que no extremo do Oriente Principia a romper, e a ouvir-se ao longe Doces echos de Musica suave De concertadas vozes , e instrumentos , u Onde estanjos ? ?? (pergunta) mas o Guia^ Sem nada responder , o facho apaga; Quanto mais caminbando se adiantam , Mais a luz, mais a Musica se avivariì. Eis que novo Espectaculo embelesa Canto II. 23 Os olhos de Isabel , Salom brilhanle De Arclìitectura Gothica susiido Eli lucidas coìumnas de Alabastro, Eu cujos qualro extremos avultavarn , Obia de aito primor, Estatuas quatro , Que Estio. Outono, Inverno, e Primavera Ao v'vo representa m ! todas de oaro, De preciosas pedras tachonadaa, Que tao vivo fulgor circumvertiam , Que, a vastissima Estancia illuminando, De Pheoo siipre a iuz! o tecto forrarn Forram Paredes mil Rosae» vistoso», Rubis asflores, esmeralda as folhas ; Mosaicado matiz o chào vestia, No topo se ergue bum Throno ern degraos septe^ De que imitam ao vivo as varias cores O Arco chuvoso da Thaumancia Virgem. Servem-lbe de docel festoes de Rosas , Nelle em aurea cadeira se recosta Magestosa Matrona, em cujo roste A bondade, e a belesa resplandecem. Nom sei que de Divino, ao ve-la, acliaras Em seo modo, em seo ar ! sam cor de rosa Roupas, que traja , perlas as matizam. Rosea grinalda Ihe coroa a fronte, D'onde descem ondeando as crepas transas, Que nos formosos hombros Ihe lourejam. Vestidas de igual cor, gentis Donzellas, Humas dedilham Ilarpas sonorosas , Outras com dece voz assìm cantavam. w Salve, das Fadas inclita Princeza, " Do Grào Demogorgon présada Filha, « Elphyra, he lymbre teo a rubra Rosa, S4 A Heroina de Aragom 4t Que te imita em beldade! tu franqueas « A quem te apraz os magicos arcenos, « Dos Heroes, dos Amantes te comprazes a De ao Natal assestir ! feliz trez vezes « Aquelle, que, ao nascer, de ti obteve « Hum sorriso benevolo ! a {eo cargo « Fica o dourar seos dias de ventura, « E invisivel valer-lbe em arduos lanses. « Nas entranhas da Terra te obedecem « Os Gnomos cor da noite! os leves Sylphos ce Polas planices do ar as Leys te acatam , « Nymphas d'agoa , e do fogo ao teo mandado « Dos Elementos seos a furia amansam ; « Junges ao carro teo brandos Favonios, «t E, mais veloz que o pensamento, voas a Do ardente Cymboraco aos frios Alpes, « Do longo JVlississipi ao negro Zaire. « Mas nas margens fructiferas do Ebro « Te agradou colocar teo domecilio M Aqui da Natureza as Leys moderas, « Tarnsformas em Jardins fragas incultas, « Salve das Fadas inclita Princeza , u Do Grào Demogorgon prezada Filha. Cessa o canto , e seus ultimos accentos Nos échos das abobadas soavam , Quando a Fada a Isabel sorrindo accena ; Por entre as alas das alegres Nymphas Ella passa , e do Throno airosa sobe Os marmoreos degraos, e reverente Curva o joelho^ e, o que Ihe ordene , espera, 46 Teo destino (ella diz) da tenra infanci^ a Hey vegiado com desvelo assiduo ; «e Nos bragos te apertei recemnascida^ Canto IL 25 é6 Descrigom , e belleza, que te adornam 5 a Os briosos espiritos, que nutres, « Forom dòes meos ; jà se devolve o tempo « De cumprir-se as proQjessas de ventura 4t Feitas por mim em teo nata! ! a guerra u Vas por influxo meo; mas he preciso « Que a Lei , que te impozer cumpras exacta !.. * « Para intimar-ta eu fiz que na fìorosta a O Cam in ho perdesses. Obra min ha «f A tempestade foi ; e ao raeu Alca^ar (c O A noni te conduziu por meo preceito. i(. Mas fatigada estas , descansar deves, Ergue-se, pela mao a toma, e entra N'outra formosa Estancia , iluminada De candelabros de ouro. Rica meza Ali aderegada se offerece , Vasos de Jaspe com purpureas Rosas Soltam gratos perfumes: lindos Grupos De Figuras a adornam. Toma assento Com a Heroina a Fada. Trazern promptos Guapos Anòes opiparos njanjares. Todas as produccòes de estranhas terras ^ Todas as produccòes de estranhos mares Se alardeam ali. Derramam Nynìphas Em limpidos cristaes antigos vinbos^ Que espumam , e subtil vapor exhalam. Nem Ihes falesce Musica divina, Cansoes, quaes entoara o douto lopas No almo convivio da Fenicia Dido. u Como OS Astros, e Estrellas se equilibram « Nos diaphanos ares ; d'onde partem , (c Onde dam volta igniferos Cometas ; « Como as Nuvens , Trovoes , Ventos se formam , Q6 A Hesoina de Aragom Canto IL is Como OS Rios ao Mar, sem que o Mar cresca , u Levam seos cabedaes; corno ern seo greaiio a Os diversos melaes a terra cria ; te Como se nulrem dos Volcòes os fogos, « Que forga ociilta as agoas vezes duas « Do Polo ao Eqiiador n'hurn dia impelle!... « Caatam corno nas Plantas circulando u Das raizes às folbas sobe a seve, a Das foliias às raizes d^pois desce u Em ondas cor de leite ! comò inspiram " O Oxigenio, aspirando o impuro Azote! 64 Que altas virtudes em seos sucos moram, ii D'onde as cores provem, de que matisa u A Primavera as pétalas das Flores, ts Seos varios bymineos, amores varsos, 6i Hums patentes aos ollios , emvolvido» a Oulros nos veos do tacito misterio. Assumptos graves 5 ponderosos, dignos De quem ouve, e quem canta!... Satisfeito Ja o apetite, a meza se abcindona. Despedida da Fada a Hispana Dama, Oficiosas Nympbas a conduzem A huma pomposa Alcova: despojada Ali das armas 5 em pomposo leito Os fatigados membros descansando, Graciosa se despede ; ellas em torno Em varòes de ouro as sericas corlinas Cor rem , e ao brando somno entregue a deixam. FiM DO Canto II. fvv«vkm %\i^^rv\^%'«%^v%\/«/%(\/v%%/\i%'«/\/v»%i««\«\ vv%i\/v\'«w%«/vi%^Ai^'vtt/v%i\^^ A HEROINA DE ARAGOM. /vki\«wt'«Miwt«««\'%^v«««%a'\/%%\/««\f« %«% CANTO IH. eiGO sornno, dom optimo dos Numes, Tu corri teo doce balsamo restauras Corpos , que diurnas lidas inanirom, Aflicto emferrno laiìgaido te invoca Sobre bum leito de dor ; dltoso amante Qae a noi te despendera entre delicias Sobre o seio da amada volupioso , Nas palpebras te acolbe ao romper d'Alvai Tu a consolagom do Desgracado , Tu hes da Nolte o Rey , e o Sceptro estende^ Aos Ires Reynos da vasta Natureza ; Tu subjugas coni lagos de papoulas O Leom 5 e o Tyrano , e em quanto dormern Descansa a Morte, a Humanidade exulta! Multo embora qs austeros Cenohitas A's tuas Leis rebeldes , vam no Choro Psalmear suas rezas ; multo embora Frivolos Cortezàos , loureiras Daraas Com nionotono jogo a noite encurtem , Prolong'uem the a Aurora os seus banquetes 28 A Heroina de Aragom Tecam choreas , canticos entoem , Sem as virtudes de hums, e os vicios de outros^ Eli teos mimos prefiro a taes praseres. Dormir he o maior dos hens da vida , Velar he padecer! ninguem dormindo De violentas paixoes he lacerado , Ou do crime sulcou mar tormentoso. Os lividos Espectros da Pobreza, As puas da Ambigom , do Orgulbo os fumos , Os prejurios de Amarites refal?adas , Nom cercam, nom inquietam, nom instigam Quera jaz incurioso em teo regalo. Todos sam bons dormindo ; bum privilegio He do Homem justo o somno, que os malvados Nora dormem ; si olhos fecham, se assoporam, Nom he somno; he lethargo, que mterrompem Horridos sobresaltos , visòes negras , Que seos crimes Ihe antolham , que os fustigam Co' vipereo flagello dos remorsos. Gemem entao com soffocados gritos, Tremem , bracejam , erguem-se esj)antados , Buscam a luz, e o fado seo maìdizem. Dormir folgado he ser ditoso; e si Homem Houve feliz no Mundo em meo conceito Epymenides foi ! oh somno, oh Nume! Porque huma igual ventura nom me outhorgas ? Que prazer, despertando apoz dois Evos , Tivera em ver o Sol, em rodear-me De ignotas Gentes , com costumes outros, Com outras opiniòes, em confronta-las Aos meos contemporaneos, decedindo Si vai, corno alguns pensam, nossa espece A peior j ou se o Tempo a aperfeigoa I Caeto III. 29 Mas, si a milito se elevam meos desejos , Ao menos veni assiduo ao meo alvergue. Roga- me com teo sceptro de Papoulas Ai» palpebras despertas, nem consintas Que se abram, sem que o Sol no carro de ouro Ja em pieno merìdio a luz derrame. Da ventura, que eu tanto invejo, e louvo ^ Desfructava Isabel no brando leito. Mas neslas horas de sopor, que ppdem Ferias cha mar-se da exislencia externa; Horas, em que desprega a interna vida A intensìdade toda ; dam-se às vezes Reagoes dos sentidos , que conservam Vigil parie do cerebro afectado De impressòes nimio-vivas , que a seo folgo Livre a Imaginagom despoem , e ordena Mil-variados sonhos produzindo, Caprichosos Pintores, que nos tragam Objectos vàos , ou que o porvir enserra ! Destes Turba engenhosa entao vagava Em ledo adejo da cabega em torno Da dormente Beleza ! assim nos vemos Em manhaà de fragrante Primavera Enxames de raeiificas Abelhas Agodados zurabir, girar em roda Dos calices das Flores, que despojara Do polen fecumdante, que transformem Com seo traballo nos nectareos favos. Ou comò em derredor do bum raio escasso De Sol, que se introduz em casa escura, Mil aihomos subtfs , turbilhonando , Em varias direcgoens descendem , sobem Sem saber corno, a Dama Ihe parece 30 A Heroina de ApwVgOxAì Correr apersurada os marcios campos, Ouve em torno de si rugindo a Morte , Ve tremular bandeiras despregadas. De espadas, e de arnezes, elmos, lansas Mil raios desparar, que a espbera accendem ^ Copar-se todo o ar de hervadas settas, Esquadroes, e esquadroe abalroar-se, Hostes chocarem Hostes ; estes fogem , Seguem aqnelles: ais dos moribundos , Gritos dos Vencedores se confundem Dos raavorcios clarins ao son guerreiro , E dos Corseis ignivonios ao trote* Rios de quente sangue a relva tingem , Cadaveres sangiientos se amori toam ! . . . . Subito muda a scena, e vai sosinha Deleitosa Floresta atravessando , Os Canticos das A^^es a recream , Murmurando os Regatos a espairecem , Das Flores ps efluvios a circumdam , De huma nuvem de aromas! e parece Que o verdoso tapiz se alegra , e folga De que seo pe formoso o pise , ou toque! Eis subito descobre .... assembro novo !. . . Hum Menino gentil ! . . . . Anjo o disseras Dos Ceos descido a vesitar hum Justo, Que em antros da Thebaida exballa a vida ^ E a conduzir sua alma ao sacro Empyreo! Lindas azas dos hombros Ihe descendem , Kubras as pennas saò , e azuis as guias , Aureos anneis a fronte Ihe guarnecem , Seos olhos, sempre inquietos, vibram fogo, Que ora encanta, ora assusta ; sobre os labios Brinca hum sorriso, que juntar parece Canto III. 31 Candidez , e perfidia. Nùs os membros, Menos hum cincto, em que subtil agulha Hieroglificos magicos borderà ; jNa njHO trazia bum Pomo, de tal mimo. Tal aroma, e tal cor, que Eva, se o visse, Segunda vez a lentacom cederà , Nòvamente o preceito transgredira. A Arvore, que o produz jamais foi vista Nos Uortos Gas Hesperìdes famosos, Nunca as maroens ornou do Nilo, ou Ganges , Nasce so nos Poinares de Juventa; Seo fructo cresce prompto, e pouco dura, Sabios OS M050S faz , e os Velhos loucos. O Pomo do prazer Ihe chama o Mundo, Rey da vontade as Fadas Ihe chamarom. Com gesto afagador, com voz tao doce Corno a sonora flauta , o lindo Infante Cliama Isabel , e Ihe oflerece o Pomo. Ella o encara, e dubia nom se atreve A segui-lo, ou fugir! que a cada instante Que o ve Ihe inspira afecto , e susto infunde, Assim eiiì mar de fitas, quando os Ventos Em toda a direc^om rugindo assopram , jNas opposi as correntes eniagada Obedecer a nlgum a Nau nom sabe. « Isabel (elle diz) porque receias? ; Porque o Pomo regeitas, que te offerto? e Da vida todo o bem nelle se enserra , 6 Quem seo nectar nom prova he desditoso, 4 Acceita a occasiom , que se apresenta, e Si a deixas escapar nom mais a cobras; 6 Eu sou do Mundo o Rey, sem mim tivera t Ao cahos ja volvido ha multo o Mwndo. 3£ A Heroina de Aragok « Dabalde a Morte co' a afiada foice « Vai ceifando nos campos da existencia « Quanto ella devastou , eu reproduzo , « E a terra enfeito de mais bellas flores. « Todos da Terra os Povos me dam culto ^ « Aquelle 5 a quem eu busco, e me recebe, « Nada em torrentes de iaefavel gosto , st Aquelle , a quera eu busco , e me desdenha , tt Procura-me depois, e so encontra « Fogo atormentador , angustias, penas. « Eu habito em Jardim delicioso « Onde OS Subditos meos em festa , e jogo « Nectareos dias placidos deslisam. " Segue-me pois!?? — Nom sigas (brada ao longe Respeitosa Matrona, que do bosque Sahio ; bello he seo rosto , mas severo, E vigoso laurei Ihe cinge a fronte. — Nom sigas (ella diz) nom mais escutes — Desse Tyrano as perfidas promessas — Mei suas vozes sam ; mas recheado — -Tem de veneno o coragom maligno. — Esse Jardim florigero, em que habita^ — Vai no Lago findar do Esquecimento , — Que em suas rebalsadas, turvas ondas ' — Sorve, sepulta os nomes dos, que insanos, — Nas bandeiras desse impio se alistarom. ' — Abandona-o ; comigo triiha affouta — A ardua vereda , que os Heroes conduze — Ao Tempio augusto da immortai Memoria. — La se engrinaldam de immurcbaveis louros, -^ — La com aureo clarim pregoa a Fama, — Seos nomes, seos combates, seoé triumphos, —•Viver he deixar posthuma memoria 3 Canto IH. 33 ™-Norn vegetar na terra adormecido = — Elitre OS sonhos de amor! — « Os meos prazeres (Com sorrir desdenboso Amor replica) u Sam reaes , nom sonhados ! deixo , oh Gloria 5 44 Pera os Alumnos teos dellrios, sonhos! àt Todo o renome seo, misero fructo " De fadigas, de afans, està pendente « Da alheia opiniom , que raro he jiista! , . e a Que proesas sam essas , que exageras? u Rios de humanó sangue derramado , « Cidades entre as chamas consumidas, ,4 Povos da Escravidom curvos ao ]ugó ! . . . « Vale isto mais que amor?. . . da morte hes Dèosa , « Eu sou da Vida o Deos ! Tu no sepulchro « Inteiras Gera^oes no germe arrojas, w Eu novas Gera^òes ao Mundo outhorgo ! u Lembram Alumnos teos ? . . . sim , quaes flagelos , « Que a triste Humanidade devastarom , a Sensi veis coracòes os meos recordam , ii E dam saudoso pranto às cinzas suas ! « Que Poeta ree usa os sons da Lyra « A' terna Laodamia , a meiga Alceste? u Que Pintor nom colora acceso em estro, « De Andromacba, e de Heitor a despedida ? . . , 4; Comigo contrastar ^m vào pertendes, 44 He formosa Isabel , e a mim pertence. Assim dizendo, huma das màos Ihe toma, Trava-lhe de outra a Gloria, e, em quanto lidam j Para a tirar a si , parece a Dama Que, de forma mudando, ao^ ehao se arreiga, E que, Arvore frondosa, aos ares sobe. Pendendo em galhos seos Coroas , Sceptros. Sobresaltada bum grito dà, e acorda; 34 A Heroina de Aragom Os olhos volve em torno, e cuida ainda Que a rodea a visom ! ttQiae he isto ? (exclama) « Sonho foi? ou de casos , que me espera m , a Presentimento indicador? ... e bum sonho a Vaà chymera nom he? . . . desenho informe a Da mobil 5 exaltada phantasia? « Nevoa da mente, que a rasom dessipa? . . . « Logo porque me assusto ? . . . mas mil vezes « Sonhei, e ao despertar nom senti nunca u Tao vivas impressòesl . . . debalde intento « Os olhos desviar de quanto hei visto. . , a Sempre Amor, sempre a Gloria aos olhos volvem , a Ougo as suas rasòes ! . . . misterio ha nisto ! . . . u Muitas vezes ouvi que a Divindade a Em sonhos aos Mortaes se communica! . . . 4i Masdigna acasosou? . . . talvez!... quemsabe?,., 4£ Que impendente perigo me revelle ! . . . u Mas que em porta que o Geo aos Homens falle, u Si he tao dubia , e obscura a phraze sua, « Que entender-se nom deixa? ... e n'hum tal sonho u Que ha que possa quadrar com meo destino?. . . a Vou a guerra 5 e vi campos de Batalha ; . . . u Vi Amor , . , . e eu nom amo I . . . transformada et Eni i\rvore, pendiam de meos ramos « Sceptros, Goroas , . . . e o que tem comigo u As Goroas , e os Sceptros ? . . . nescia ! . . . busco a Achar fio n'hum cahos de Phantasmas, a Que o somno produzio ! ?? Como pendente Do mastro de hum Baixel ondea , e volta D'aura a sabor a flammula nos ares; D'idea a idea por alterno impulso Passa o espirito seo ; teme , e se anima j Teme outra vez, e anima-se de novo. Canto III. 30 Juizos mil contradictorios forma , E o que ora regeitou em breve adopta. Ém tanto a Aurora coni rosados dedos As portas Orientaes ao Sol abria ; E no opposto heniispherio a pouco , e manso Hia a iNoile estendendo o veo das sombras. Attentas a sauda-la as Nyrnpbas entram. Deixa o leito Isabel , toma os vestidos 5 Elias as armas lucidas Ihe eniagàm , E co' as màos, e cabega desarmada, A' presensa de Elphyra a entrodu^irom. A Fada a recebeu com meigo agrado 5 E, apoz de longa pratica, assim finda. 4i Sei que oposias ideas , e receios « Tua mente cansada tumultuam. « O sonilo 5 origem sua , me he patente , « Que nom foi ilusom ha de ensinar-te, M E , nom tarde , o porvir ! de amor thegora « Sem conbecer às Leys viveste, e vives: « Mas o terhpo de amares se aproxima, « Do livre coracom sentir ardendo « Em devorante incendio, e palpitarem a Com insolito moto as veias tuas. « Digno o objecto sera ; has de encontra-Io « No iiorror da guerra , entre horridos perigos t ifc Mas si a ventura, que te guarda a sorte, a Nom queres malograr , e em tlor corta-la , C4 Cumpre que elle tee sexo nom conhe^a. w Que, amando-o tu, o afecto dessimulesc u Grava bem na memoria o meo preceito, u Si o deslembras , Elphyra te abandona. « Recebe este Botóm de Rosa, e minca s« Suia do peito teo; e quando vires D 3 36 A Heroina de Aragom « Que as rubicundas pétalas expande , « Difunde brando aroma, entào por certo « Tem que os tempos se chegam, que eu predigo. « Si algurn lanse occorrer, que te de susto, u Beija-o trez vezes , e eu serei comtigo. a Minha Lei desempenha , e ver-me-has inda. 4t Nom te detenho mais; adeos, he forga « Que me ausente daqui , que em seo Palacio « Hoje faz ajuntar as Fadas todas « O Graò Demogorgon nos fins da Terra. Disse, e, unindo-a a seo peito , vezes duas A face Ihe beijou com terno afecto. A Dama enla^a o Elmo, a Lansa toma, Corre de novo a subterranea estrada, Chega a boca da gruta , onde llie entregam Ja prompto o seo Corsel, cavalga , e parte. Em tanto a Fada o carro seo, que brilha Mais que de Phebo a ignifera carroga. Manda traser ; dois Zephyros o tiram, Entra nelle, e se eleva a perder d'olhos ! ... Tal rio selo de Elysia, Patria minha, Amigo Robertson, te vi, ousado , Ein teo leve Balom de ar inflammavel, Em marcha magestosa erguer às nuvens, E là do alto agitar alva bandeira Entre os aplausos do apinhado Vulgo ! Com vista curiosa Elphyra observa Mil terras, que em seo rapido caminho Presentando-se vam ! Mouros naqtiellas, Moram nestas Christaos ! ve grandes Rios Pressurosas correntes devolvendo ; ye Montes coroados de Ar^redos, •.? Ou de fulgido gela! ali campiaas \ Canto III. 37 Onde pastam a solta ampìos Rebanhos , Oiitras 5 que a mào de Ceres inumdara De profuso verdor ; aqui Cidades , Que Torres , e Castellos poem a salvo De innemigo poder I do mar a beira Cadix se eleva, fundagoQi Phynicia, Onde as nuvens a cupula envolverom Do Tempio de Endovelico ! mais longe Nos alt05 Minareos da grào Lisboa Ve tremolar as Mauritanas Luas ! . . . . Eis ouve rebramar fervendo as ondas No Promontorio Sacro , em que outro tempo A Osyris derom culto antigos Povos. Eis rebenta do seio do Oceano O grupo dos Agores , aguardando Que Lusitanos Nautas as descubram , Que as povoem Colonos Lusitanos. La turveja a Madeira envolta em nevoa , Coberta de Arvoredo; hoje suberba Co' a coroa de pampanos, que a frente Maritiraa Ihe cinge! aderegadas Com cinctos de frondiferas Palmeiras, No regasso do Atlantico parecem Recoslar-se as Canarias , onde os Guanchos D'oucas Montanlias no profundo centro, Como bum thesouro , aos Europeos occultam De seos Avós as Mumias ressequidas. Nem vos da Fada aos olhos escapastes, llhas de Cabo Verde, cujas agoas Em selvas de Sargasso se encachoam ! . . . Ella vio teo^.Vulcom vomitar chamas, Tu , que tinhas de ouvir polos teos Bosques Pulsar Oleno a Lyra sonorosa ^ 38: A Heroina de Aragom. De dar pio descanso as cinzas suas ! Mediu co' a aguda vista p niuito exl^ivo Continente Africano, negrejando Com niil barbaros Povos , que o povoam. Barbarps, mas pacificos, ditosos, E exclaiiiou compassiva aos vossós campo? « Lavrai , pastoreai vossos Rebanhos « Em quanto vo-lo onthorga o Fado amigo! . . . u A Cobiga d'Europa desbocada « Nom tarda , que nom venha erguer o fachq « Da Discordia , e da Guerra em vossos Lares. u L' fan OS co' a aiva cor, longos cabellos, « Homens, quanto polidos, deshumanos, 4& Levarao vossos Filhos, vossas Filbas « Por compra, ou roubo pera estranha-s terras ^ a Onde asperas fadigas !he agorentem « A preciosa vida em duros ferrosi Disse, e dos lindos olhos Ihe cahiiora Lagrimas copiosas , que , feridas Polos do Sol nascente accesos raios , Quaes Diamantes nos ares scintilavarn ; E mal que ys bebé o cab'do terreno, (A Fada o quiz assim) delle brotarorii Formosissimas Flores, que a Piedade A si tomou de cultivar cuidosa, Pera bum dia adornar co' ellas a fronte Daquelles que 5 magnanimos, facji.ndps Do escravisado Negro a causa advoguem ! Com ellas, oh Cantor da Natureza, Darwin harmonioso, a douta testa Sorrindo te enfeitou ! Tu , que prirneiro Da soberba Britania nos ouvidos Fizeste resoar em aureos versos. Canto III. 39 Do oprimido Africano ais , e queixumes^ Da Rayaha dos mares atterraste O fero coragom , pedindo a Terra Que do Negro, nom ciibra , mostre o sangue! Logo, mares iaterminos transpondo, O carro volta, America demanda, America em tres Zonas prolongada , Rica co' as produc^oes de varios climas, Tao ignotas comò ella entaò aos Homens ! He prata a terra sua, ouro as areas, Sam diamantes os montes , e os seos Bosques Nascerom com a Terra, que os sostenta, Os seos Lagos sam mares , e os séos Rios , Si aos d'Europa os comparas, sam Gigantes! , . . Terra feliz, si o Fado a nom fizera Dos Crimes Europeos Theatro infando! . . , La ve de Norte a Sul correr os Andes, Alem das Regioes que as nuvens cruzam Levantar a cabega em ar mais puro, E em baixo condengar-se a tempestade Os trovoes rebramar, luzir 03 raios ! Ah para; ali poz seo domicilio O Grào Demogorgon , que as Fadas r ege , Com outras, que de oppostos Clifhas ebega m ^ Se emcontra ; hunias a outras saudando, Do supremo Monarcha os passos buscam. Mas, a Fada benefica seguindo. De Isabel me esqueci ! . . . pecado he este, Que certo eston que absolvigom nom tenha No Tribuna! dos Ctiticos ! embora ! . . • Que tenho eu com os Criticos ? acaso Tecendo estou altisona Epopeia? Romance he Canto meo ! de taes Poennias 40 A Heugina de Aragom Nom resam de Aristoteles, e Horacio As mni-doulas Poeticas ! . . . quem doma De hutn Poeta Romantico os capricbos ? Foi meo gosto seguir de Elphyra os voos ! Quem nom gostar de ouvir tape os ouvidos. Si a Palas de Aragom perdi de vista, Is'om preciso que os Crilicos me ensinem Onde a heide encontrar ! . . . ao longe a vejo f Pisa as margens frnctiferas do Ebro ! . . . Nasce este rio nas agrestes Serras De Santllhana , que os comfins ajuntam Da aspera Asluiias, da Castella antiga , Que elle banbando vai co' as ondas suas; Atravessa Aragom, corta huma ))arte Das terras vossas , Catalàes ousados , E ao Mar Mediterraneo alfim se arroja! Elle agora, orgulboso, levantando O corpo fora d'agoa atbe a cincia^ De verdes espada nas coToado , Firmando em seo Tridente a mao robnsla *, Contente a orla sua contemjjjava Ajuntado, em ruina do Agareno, O Arraial dos Christaos, Cidade errante, Onde as Tend^s de Lona estam formando.. Tracas, e Ruas ! . . . nas entradas delle Yelam continuo attentas Atalaias. , Que em marcados espa^os se revesam. Giram por fora, descobrindo o campo, Bem-montadosPiquetes! dentro a Tropa Conjo as ondas do mar se agita, e move! ISem so ali Aragonezas Hostes Juntas estam ; da guerra a cauza loca De loda a Hesp^n^a A Cluistandade inteira ! Canto III. 41 Briosos Voluntarios la correroni De varios Reynos, de Provincias varias. Huns de Biscaia de enredado Idyoma , Oiitros vierom das Castellas duas, Das Asturias, Leom , e de Galiza , De Lusitania 5 e do Paiz formoso, Que banha o grande Rio , que de Roma Betis chamara a mageàtosa Lingoa , E que ora os Hespanhoes (com betn niau goslo) Chamam Guadalquivir com voz Mou fisca ! . • . Guadalquivir ! . . . parece-me que o Rio, Cada vez que Ibe chamam lai alcunha, Xmpetos lem de por ao hombro a urna, E hir derrama-ia em terra onde o nom chrismem. Como hum suberbo Cedro , que entra Myrlhos A magestosa coma alteia ufano , Tal là brilha Isabel na roda illustre De altos Heroes da Patria defensores ; Seo formoso sembiante, afaveis modos, A descrigom , e a graca , que a decoram , Sua afoutesa em bejicas afrontas. De seo Pay o apelido, e acgoes Heroicas, Geral benevolencia Ihe grangeam. Dom Marcos de Moncada (assim Ibe chamara) Rouba dos Generaes a attencom loda , Dos Soldados he o Idolo Dom Marcos , Todos do seo valor fallam com honra , Todos sua virtude aos Astros sobem , E a Inveja, que remorde alheio lustre, Pela primeira vez guardou silencio. FiM DO Canto IIL ^VV V».'V Suas Damas sam bellas, meigas, ternas^ E algumas lem seo pico de Loureiras. He flexivel seo metro; o seo ertilo Brando, ou forte, sublime, ou gracioso Como Q:pcdem seos quadros variados : O Leitor o accompanha embevecido Per onde elle o conduz, sem que o fatigue A proHxa Jornada , porque sempre Mais, e n)ais o interesse se accresceota ! O novo Canto OS Criticos azoa , E porque ousou abrir nova vereda , Que de Homero os vesligios nom marearom ^ Reo de lesa-Epopeia Ariosto banem, Sem descrepancia , dos cpnfins do Pindo. As Musas da Sentensa escarnecerom , E OS Povos , sem dos Criticos lembrar-se, Do Ci? ne de Ferrara os.doces versos Gostosos lem, decoram , cantam ^ louvam. E que emporta que Ariosto transcurasse A restricta unidade? he menos bello Do que isolado Grupo de Esculptura Vasto Painel, em que Piator solerle^ 44 A Heroina de Aragom: MuUiplicou, seni comfusom , Figuras, Campindo os longes com gentis Paugagens? Agrada, e agradar he na Poesia Primeira regra , ou unica; e mais vale, Quanto a mim , o ser lido, e criticado, Quo nom ser criticado, e nom ser lido. Hoje domina de Ariosto a Musa; E em lugar de afectar Gregos donaires , Modernos trages a Poesia enverga ; Pinta as nossas paixoes , costumes nossos . E procura dar vida aos Patrios Fastos. Quadros Nacionaes bem coloridos , Bem novos , bem exatos se preferem A's tao gabadas, Classicas Pinturas, Filhas da Imita^om , que nos condusem Sempre aos campos de Roma , aos Gregos Bosques E OS Vates, e os Heroes tornam Gentios! Moda he isto , e està moda de Germania Tanto lavrou, que jà conquista a Galia Tao afferrada ao Classico Systema ! Ja, quem tal presumira? em seo Theatro, Onde athegora com diversas roupas Euripedes, e Sóphocles reinarom , Ousou mostrar de Shakespeare o Othelo Seo negro rosto , e barbaro ciume; E de Pariz as Guapas , e os Facetos Por faltar-lhe o bom ton , e o ar da Corte O Africano Orosman non cbasquearom. Na Gazeta de Franga a fatai nova Aos Elysios chegou ! . . . fictou-lhe os olhos O irascivel , greguissimo La Harpe , Que entao com Despreaux junto a hmpa fonte Sobre a morbida relva conversava ; Canto IV. 45 Ergue-se, baie o pe, «perdeo-se ludo! ... Pondo as aiàos na cabega aflicto exclama , t Si a Eschola de Racine calie por terra X Costo, e Letras, a Honra , os bons Costumes, Mesmo a Religiom findou na Calia! . . . i Eu quero defender os bons principios , t Eu quero prevenir tal desventura! 4 Vou-me là, e na Scena aparecendo^ i Provare! eloquente a esses Papalvos i Que Shakespeare he barbaro Poeta, t Ridiculos, sem regras os seus Draraas, E todos OS Romanticos Francezes 4 Homens sem gosto, que escrever nom sabem. r — Optimo ! (diz Boileau) e de caminho — Levaràs, que eu ta dou pera refor^o , — Huma Satyra em prosa bem rimada, — Muito cheia de fel , e bem maligna, — Que . . . — Nisto OS interrompem gargalhadas ! . , o Hera o chistoso, folgasam Phylinto, Que desta arte Ihe disse u Vossés julgarn = A Franga do seo tempo a Franga de hoje? = Que tem de have-lo com Perrault, La Motte? = Eu conhego-a milhor, que ha menos annos = Polo Lethes troquei do Senna as margens. = Vi a Eschola Romantica fundar-se, = Tractei com seos Alumnos; os Talentos, = Que ora dam maior lustre às Patrias Letras^ =:: Nella figuram ! . . . si, Boileau là fosse, ==: Com urbano motejo o emmudeceram ; =:= Si la fosses, La Harpe, zombariarn = Da hypocresia , com que uair pertendes =: Da Religiom à cauza a da Poesia . . . = Nem temam que se extinga a Eschola antigao 46 A Heroina de Aragom =: Durala, vo-lo affirmo ; sobra em Franca :=!=: Quem saiba escrever bém , e pouco invente, z= E pertcnda brilhar copiando os outros. rz3 Totnem , que elle he de amigo, o meo cohselhoa = Mortos estam , gosem do Elysio as sombras , z::^ E deixem la na terra a seo capricho z=: Cada bum poetar ! 59 Os dois acbarom Eni Phylinto rasom , rasom Ihe eu acho, E vou romancear, sém que me emportem Os juizos de Zoilos, e Pedantes, Da Historia de Isabel bum novo Canto. Durava a Guerra, prolongando estragòs , Com furor renascente, e novas forgas ; Rindo agora aos Christàos , agora aos Mouros , A Victoria revoa enlre os dois Campos Dubia em qual fexaria as azas leves. ChQques seguem-se a chóques ; mez nom passa ^ Em que as armas de sangue se nom tinjam , Em que a Morte nom col ha ampio tributo De vidas de Gerreiros ! as Batalhas, Segando o uso do Tempo, se entrevallam Com privados Duelos, em que ostentam Intrepidos Campioes o seo denodo. Brilba Isabel entre os mais dignos cbèfes. De Mequinenza no apertadó assedio De mil Aventureiros ella a testa O Mourisco Arraìal rompeo de noite, De viveres a Pra^a abastecendo. Foi raio abrasador, Fraga, em teos campos, E huma Bandeira arrebatou bizarra Ao Alferes dos Arabes, que afouto A defendeu , e que a largou co' à vidà, Batidos OS Càristaès nas margens do Ava, Canto IV. 47 Ella, as Hostes dispersas reunindo, Cora o exemplo, co' a voz Ihe imfunde arrojo^ E a refrega as conduz ! envergonhadas Da derrota, e da fuga, avangam , ferem INos Mouros^que, de ufanos co' a Victoria, Incaulos a pilhagem se abandonam. Renova-se o combate, enxorra o sangue, Nem Tygres , nem Leoes se despedagam Com tamanho furor, com raiva tanta. Triumpha quem fugio , quem venceo foge , Tanto, oh sorte da guerra, hes inconstante! Assiro nos pintam Fabulas da Grecia O Rey dos Deoses, que, ao Portai do Olympo , Aniiudando trovoes , chovendo raios. Fere, prostra os Titàes , que ao Geo galgavam Por escadas de montes! Montes, e elles, Desfeitos, fulrninados ruera , cahem , No Baratliro se affundam ! Largo espago Tremeo nos Eìxos seos comvulsa a Terra, E, no abismo soando , o baque borrendo, Fez descorar Plutào, poz medo às Furias* Declinava o Estio , e vinha ao longe A pomifera fronte erguendo o Outono ! Fatigados os Mouros , e apoucados Ern successivas perdas, resolverom Provar a sorte de geral Batalha. Chega o Dia fatai , termo da vida De muitos, que ora insanos o desejam ; Terror de irjuifcos, que deviam nelle Enriquecer-se de optinios despojos. Tanto he verdade, que nom sabe o Homem O que deve anhelar , que temer deve ! A Noite, que precede, bum campo, e outra 48 A Heroina de Aragom Passam insomnes! no Arraial Mourisco Coni accesos brandoes a passo lento Giram Imàns, Dervizes murmurando As verbas do Alcorom com voz soturna. Tal ao cahir da noite devisamos Em torno de arruinada, velha Torre, Habitadores seos , Bandos de Mochos Revoarem com funebres gemidos. Mas sobre o Campo Aragonez descende Espirito de esforco , e de alegria, Annuncio de Victoria! aquelle erapluma De ondeanle Cocar Elmo iuzente: Pule este o forte arnez , e o ferreo peito; Esses afiam Iiicidas espadas , Essoiitros o carcaz de Settas enchem ^ Ou agucam as lansas! Assim lidam Em vario afan as providas Abelbas Entram, sahem , se animam , descarregam5 Soa a Colmea co' zumbir continuo , E o redolente aroma enfrasca os ares! Quantos votos o Geo ouviu propicio ! Quantos votos o Geo regeita irado ! Santuario nom houve em toda a Hespanha^ A quem promessas mil nom tributassem A Piedade, e o Temor , que raro os Homens Se recordaxn do Ceo quando nom temem ! Quem promete, si vivo a guerra finda, Hir descalso em devota Romaria A' Virgem do Pilar, que santifica De Aragom a Metropole, e accender-lbe Cirios, alvos qua! neve, era seos altares! Quem jura visitar de Atocha o Tempio, De Madrid ornamento ! quem tornando Canto IV. 49 Peregrino bordom , e malisado O capuz de raaritimas vieiras, Hir beijar reverente a Sepultura , Onde guarda a devota Campostella As reliqaias do Apostolo bemdclo, Que trouxe a luz da Fé a Hespanha em trevas. Nein la faltarom votos deslemidos , Que d'esses Evos rustiquez sincera Noni deixa chauiar iinpios, que a Prudencia Delirios do valor hoje nomea! Ma5 , dogeneres Netos , mal nos cabe Escarnecer dos Erros , e Caprichos De nossos Avoengos, que mais valem Sua agreste virtude, e rudes brios , Que a nossa polidez, e os nossos vicios. Solitaria Isabeì na Tenda sua Sobre o seo leito armada espera o dia ! Em meza, onde alva vela a luz difunde, Pousa o seo morriom vari-emplumado , A bum canto jaz a lansa, e pende a espada De As^arenos terrori oornsif^^o a Bella Na mente repousada rev [stando Vai o estranilo theor da vida sua. u Chegou (ella dizia) o firn da guerra, ii Amanhaà ou Victoria , ou morte a todos !, . . . a Morte ao menos a mim! que ao Pay nom torno « Nuncia da perdicom das Patrias Hostes ! « Pode hum Homem fugir, perdida a guerra,. « E pera a renovar guardar seo brago ; « He seo officio, he jogo, em que o triumpho « Sempre na mesma mao paiar nom pode. « Mullier, que as armas veste, ou venga, ou morra, ti Si nom quer malograr suas proesas, E 50 A Heroina de Aragom « E ser de zombarla , e riso objelo ! u Quem ao campo a chamou ? . . . porque transcende « Circulo , em quo a fechara a Natureza ? . . . « Tal sorte nom terei ; morta, o meo sangue u Farà crescer , e veeejar meos louros ! . . . « Mas que nova lembranga me saltea? u Onde a promessa, as predicgòes d'Elphyra? . . , « Onde OS successos , que explicar deviam a O Enigma do meo Sonho? onde o Consorte, a Que ea devia encontrar no horror da guerra? « E a guerra amanbaà finda! . . . acaso a Fada n Me halucinoii coni falsas esperangas?. . . 44 E a que firn?. . . que proveito em taes enganos ? et Grande he o dia de Deos ! . . . nom pode hum dia u Traser o que annos longos nom trouxerom ? u Minha May, que nos Ceos Eslrellas pisa , u Beneficios d'Elphyra me abonava , u Me ensinou sempre a venerar seo nome,.. « Nas proraessas d'Elphyra confiemos ; u Regem as Fadas dos Mortaes a sorte , u Os varios Elementos Ihe obedecem , « Nom tem veos o porvir pera os seos olhos ! . . u Elphyra cumprirà seos Vatecinios, 4fc Sinom . . . quem nada espera nada teme. u Que vale a dita provocar coni votos? . . . 46 Que vale presagiar futuros males? . . . a Nem bens se apressam , nem retardam damnos , « E torna-se o pensar novo tormento it Que nos da novo golpe em cada idea! Disse , e placido somno Ihe assopora Os lindcs olhos de velar cansados ! A Aurora rompe emfim , e vai primeiro Desdobrando ao Levante hum veo ceruleo Uanto IV". Que logo de ouro , e purpura matisa , E almo rodo esparge ern Plantas, Flores! Com canticos as Aves a saudam Porem subito os caiìtos Ihe enterrompem Os Clarins , as Trombetas , e Atabales, Que locam a alvorada! armados^ promptos Infantes, Cavalleiros deixaia Tendas, E seos Pendoes procuram. Soam vózes Dos Capitaes, que os formam , que os animam, Todos om trez Bataìhas repartindo ! Assim OS Maioraes ao romper d'alva Contar costumam de seo Arno as Rezés , Em di ver SOS Rebaniios as se para in , E cala liuin dt^lles a hinn Pastor comfiam. Abrem-se as portas corn fragor , que imita Sublerraneo trovom, que indica ao Murido, Que o tremendo Vesuvio se prepara ilios a voriiitar de lava ardente; rreme Calabria, Napoles descora, j\ Montanha vacila, horrenda geme, E Elhna ao longe responde aos seos gemidos 5 Vam sahindo as Batalhas! a primeira Leva o forte Alvarado, que mil vezes Sua es})ada lingiu em Mauro sangue j E escudo foi da Patria! da s<»gunda Brilha u frente brioso Dom Garcia, Mancebo de alto cizo ^ e de alto sangue, Na beleza, e valor rivai de Acbyles; Vendo a tristesa, que Ihe assombra o roste, Disseras uama» o objelo Dinguem sabe. Nas montanhas de Asturias teve o bergo , Chegado hera ao Exercito de pouco, E, mais que amor da gloria, a de seo peito E 2 52 A Heroina de Aragom Vaga inquietagoffl o trouxe a guerra. Rege a lerceira o intrepido Gonzales, Supremo General, provecto em annos, He Mogo em robustez , sabio em conselho. Os Voluntarios Isabel comanda; Co' elles, e os sagitiferos Archeiros He seo dever caracolar no campo, Perturbar a ordenanca do Innemigo, E acodir denodada onde baja afronta. Qual Rio, que, ao voltar da Primavera , Com chuvas , e desgelos engrossado , Furibundo se arroja alem das margens, Prados submerge, de rondom levando Arvores, Penbas, ruslicas Choupanas, E faz ouvir ao longe os seus mugidos , Taes, do Arraial sahindo , as bravas Hostes A campina vastissima innundavam. Heram Scena do proximo comflicto De Balbastro as planices! assentada De Lum Rio, nom caudal , na fertil veiga , (Da terra os Naluraes Ihe chamam Vero,) Ergue Baìbaslro a fronte, e pasce a vista No fecundo Olivedo, que a rodea, E em Latadas de Vinha? , q\je revestem De seo Termo as encostas pictorescas! Sereno estava o Vento, o Ar sem nuvens, E nunca o Sol tao claro sobre a esphera Fulgores derramou, que, reflectindo !Nos Escudos 5 nos Elmos, Peitos , Lansas: Fingem Incendio, que ondeando corre, Dilatada Floresta devorando. Ja se escuta dos Arabes a grita, E OS ludes Anafis; ja se descobre Canto IV* 53 Densa nuvem de pò, que se abre^ e della Vani sahindo Peoés , e Cavalleiros, £ ferrea messe de agussadas lansas ! . . , Dam do altaque o Signal nos pontos todos Da Aragoneza Linha os retumbantes , Belicos Instrumenlos 5 que formavam Viva, alegre, sonura melodia, Que as almas arrebata L . . quem primeiro Da Musica as suaves consonancias Juniou do Moribundo aos ais senlidos. Do Homecidio ao fragor? . .eerto hera humMonstro, Que uiiiu dor., e praser, e escarnecia Das angustias da morte ! . . . o mesmo fora Ao misero, que marcha ao cadafalso, Presentar no caminho alegres Dansas, Mezas cobertas de optimos manjares, Ricos vestidos , cofres prenhes de ouro , E Donzelas gentis , que em ledo riso A's delicias de amor o desafiem. Tolda -se todo o Ar de hervadas setas, De Pedras , que rechinam , que sibilam, E longe a morte levam ! ululando Todos OS Genios da feroz matanca, Rottas as vestes, que salpica o sangue, Ao centro da peleja se arremessam ! . . . Seos olhos vibram fogo , nas cabecas Mil cobras , seos cabellos , se Ihe enroscam E silvani assanhadas! de seos faclios, Que rapidos agitam , derramando Vam discordia, furor, do sangue a sede Nos peitos dos Guerreiros, que em delirio Nom receiam morrer, morrer dezejam A troco de matar! baixas as lansasj bé A Heroina de Aragom Beni cobertos do Escudo os Cavallt^iros A galope se enconlram , lansas lompeiBci Mil Cavalbs fugindo vam sem dono^ Mil Soldados por terra se rebolcam Feridos, mortas , alurdid<^s! ferein Na abobada dos Ceos comfusos gritos^ Ella trerae^ e returoba ^ qoal reboa Quando os Filhos de Eolo desfreiados Pel^ etherea expansom Kìciam bramindo ; Como reboriibao) Libicas Floreslas Quando Tygres^ Leoes^ ììyeDns^ Lince?., Em demanda da presa divagando ^ O* seos rogidós hórridos eomfundem. Vinha diante bum Mouro desieiìridò,. (Granada o vio Bascer) de cor morena , Quasi Gigante em corpo, qoe atropella^ Mata , derruba ^ larga estrada rompe Pela Hoste dos Cbristaos , e em altos gritos Os insulta, e d«esta ! ao seo encontro I)o rapido Corse! a todo o trote Voa Alvarado! poeio-lhe a lansa ao peito^ Falsa-lhe o eseudo^ falsa arnez, e o Mouro Com ella athe ao meio atravessado^ Soando cae , sobre elle as armas tinern ! Passa avanle o Hespanhoì, florea a espada l Tal dos Alpes no e urne annodo Pinho Da tormenta ao furor resiste ousado; JVlas de Norte hurn pegom subito o arranca ^ Cae ruidoso ; e por fragas rebolando Em profonda geieira immerso fica! Alta magoa dos Arabes no peito ^ove a morte do Chele ^ e por vinga-Ia Ena redor do Alvarado se aRionioam. ~ Canto IV. §5^ Bravo o Heroe se defende; os seos o ani para rn , E parece que ali se leconcenlra Todo o fogo da guerra ! rnenos bastas Cahern do Segador a curva folce As luridas Espigas ! menos densas Cahem no firn do Outono as secas folhas , Que OS Guerreiros ali ! purpureos rios No verde campo sussurrando fumam ! Ao numuro o valor emfim soccumbe, E OS Christaòs o terreno vam perdendo. A soccorro dos seos voa Garcia Co' segundo Esquadrom ; qual si bramindo As Eolias prisoes os Ventos rompem 5 E nos desertos do Ax livres campeam , Curvam os Bosques os verdosos iopes , E passagem Ihe daa] , eslalani troncos^ Remuge o Echo lugubre nas grutasj E OS Rebanlios balindo se despersam / De Garcia , e dos seos assim aos golpes Atropellados se abrem , se debandam Os Africanos Batallioès ! arroja O seo negro Corsel da pugna ao centro O bravo Asturiano: sobre o Elmo Aladim de Jaen colhe, e a cabega £m duas Ihe separa ! leva bum hombro Ao feroz Almansor^ ebegado ha pouco Das campinas de Fez 5 onde deìxara, Formosa corno o Sol ^ consorte amante, Que abragada ao Filhinbo aos Ceos se queixa Do desamor do Pay ! as costas fende Ao negro Mustafà, que hia fugindo, E de hum golpe Ihe finda o medo, e u vida! Alvarado a Garcia se reune. 56 A Heroina de Aragosi E ambos ferem , e rnatam , e atropelam, E ampia estrada nos Barbaros franqueam ! Assira dois Rios 5 que distantes nascem , Depois de largo giro comfluindo Cobram forga dobrada , e levam quanto Traballìa de empecer-lhe a marcba tindosa. Koinpeni todos a bum tempo os Maiiritaaos j E, qual fìe entào comece, a pugna ferve! E Isabei o que faz ? . . . campea afouta Pola amplidom do campo, accompanhada Do bJzarro Esquadrom de A ventiireiros ! Ora dà de tropel com seos Ginetes Nos Arabes massissos : ora manda Que de longe, e despersos seos xArcheiros Hum diluvio de setas Ihe desparem ! A' frente, a rectaguarda, aos tlancos sempre O Innemigo a depara , e sempre o estraga ! Rapida foge, rapida accomete, Parece em tempestade acceso raio , Que repentino vem , que bate , e passa ^ E Arvores derribadas , rotas penbas O trilbo 5 que levou , fumando indicam. Em quanto assim vaguea , assim combate De Aragom a Amasona, observa ao longe iS'bum ponto concentrar-se os Agarenos, Que ali mais estrondea o som das arraas, Com gritos, que parece o chaò fundir-se, E OS Ceos estremesser L veloz se arroja Com OS seos em tropel; lansas , espadas , Kada o passo Ihe embarga, e marcba a Morte. Js'a dianteira sua ! . . . ebega ! . . . hum Joven ^ Roto o escudo 5 sem elmo, a pé, cuberto pe sangue j que de inumeras feridas Cateto IV. 57 Por junturas do arnez Ihe golfa, em meio De hura montoni de cadaveres, revolve Coiti furia exasperada o ferro, e tenta Romper polo cordom dos Innemigos, Que eni prende-lo , ou mata-lo ali se empenham. Nom teme o bravo Heroe! elmos aboia 5 As lorigas desmaìba , escudos racha, Mas quantns mais abaie, mais o infestam, Qual Javali que incauto se emmalharaj A liberdade, e vida procurando. Debalde furibundo herrissa as cerdas , Debalde vibra os navalhados denles, Por que se emreda mais quanto mais lida Por sahir da prisom , assim Garcia, (Garcia hera o Guerreiro) em vào combate 5 Que salvar-se nom pode ! a linda Dama Pasma de ver o seo gentil sembiante, Pasma do seo valor! animo! (brada) E, a pinha dos contrarios dessi pando, N'hum Cavallo, que soUo ali vagava, A subir o ajudou ! dos seos no centro Fora o poem da re frega ! o bravo Moco, Acalmado o furor, que o sustentava , Semi-morto cahiu ; busca a Heroina Cbama-lo a vida. O intrepido Gonzales Coni sua Hoste folgada entaò ?e aballa, A batalha em matan^a se converte, E a Victoria aos Christàos os Ceos outorw'am. FiM DO Canto IV. 58 A HEROINÀ DE ARAGOM. CANTO V. -UBA de clave , oh Lyra ! assas cantàmos Os furores de Marte! novo objecto Sons mais brandos requere, e maviosos Os suspiros de Amor nas cbordas geoìam I Nasceu de Amor nos brago?, e a seo colo Foi criada a Camena Lusitana ! Com macio desvelo , e meigo afugo. Com doces favos de Hybla elle a nutria ! . . , As pequeninas màos Ihe acostumava A manejar o Plectro, e nos seos labios Libava vivos beijos 5 e com elìes O fogo Ihe imfluio, que as aloias move! Ria a formosa May, as Gragas riam Das fadigas do Nume, que^ conienie, Lhe volve 66 Corra o Tempo ^ que està Musa « Canlara sonorosa os meos triumphos^ u Crearà novo Idyoma , que suberbo « Polo Mundo derrame a gloria tua 5 65 Nem Vate inspirata 5 que Amor nom sigal Quando fundava o generoso Affonso Cakto V, 5y O Imporlo 5 a que o Destiiio prometera Os PoYO:^ subjugar do rubro Oriente, Descobrir novo Mundo aleni dos ioare^^ Devassar qaantas llbas escondla O ceruleo Nereo no gremio unuoso, Jà, Trovador, e Amante, o bravo Hermingueè^ Fazia resoar de Alt.iada o monte Com o doce nome da genti! Fatirna, Premio do seo valor, suave assurnpto De amorosas Cansoes, em que esaltava Mimos celeste», que em seos bracos gosa! Coplas de amor 5 vagidos sam piimeiros Da Poesia Lusa , e nellas brilha Por enire o metro imforme, e a lingoa incolla Hum tao vivo sentir, dizec tao brando, Hum estro de paixom , que enleva , encanta ! Taes quaes sam Uìiùs me agradam , e as prefiro A(5 agudos conceilos relriiìcados , Emnygniaticos , turgidos , diabolicos De Violafìte do Geo, e de Vahia Tho sonoros eoì n.etro, em piìinse cuìlos F Serra de Cinllìra, que adornou Natura De beleza Romantica, a quem toucam Espessos Nevoeiros, que alimentam Mi! Fonte?, que perenes fertelisam Cilreos Pomares , pamj>inosas Vinhas, Floreslas de Sobreiros, que amplas sombrcs Prestam aos Genios da Tristeza amigos, Que vezes em teos monies resoarom De Bernardirn na rustica Theorba Ternas Endexas, fructo de saudades Daquella, que, outros montes habitando» Memore do seo Vate^ recordava 60 A Heroina de Aragoji Doces instantes de praser furtivo, Que outrora Ihe outhorgara entre perigos, Uffana que seos brios colocassem Em tao alto lugar seo pensamento ! E quando, ja robusta, a nova Musa Affouta despregou seo voo de Aguia, Se ergueu aos Astros, perpassando as nuveos , Das primeiras Licjoès nunca esquecida, Folgou de visitar verdes Florestas, De Venus os Jardins, dictando os versos, Que voavam a Amor, qual brando aroma, Das Lyras de Gargào, Pbylinto, Elmano; E o divino Camòes , que a argentea tuba Tao alto remontou de Heroes cantando , Toma novo calor, nova harmonia Quando da linda Ignez descreve as gragas , Os maviosos ais , e a morte dura : Quando pinta a formosa Cytherea , Que , namorando o mar , a terra , os ares , As Espheras transpoem , e a bem dos Lusos Mais mimosa, que triste ao Padre falla! Quando Colora co' as mais vivas tinctas , Na Ilha dos Amores, nos Mancebos O fervido seguir, os rogos brandos, O obrigar supplicando ; e nas Nereidas A simulada fuga, ira risonila, E o negar concedendo , lenocinios Que o pejo iludem, e o prazer avivam ! Siga-se, oli Lyra, de Camoes o exemplo, De Isabel os amores descantemos ! Em quanto o resto das Mouriscas Hoslea Alvarado persegue athe às Raias Com ligeiro Esquadroni de Almogavares; Canto V. 61 Victorioso o Exercito se acolhe Aos niuros de Balbastro entre os aplausos Dos Habitantes seos ! Ali penduram Nos Templos , uso antigo , os Estandartes Arrancados com sangue aos Innemigos. Ferido ali o intrepido Garcia Vai a favor de Aledicos soccorros A vida recobrando , e alto publica Que 5 si inda respirava a vita] aura, A Dom Marcos o deve. Inteiros dias Doni Marcos (que Jsabel assim nomeiam) Passa junto ao seo leilo. Ouvi-lo, e velo Desusado prazer n'alma Ihe move, Garcia comtemplando o seo sembiante, Sobem-lhe a mente ideas, que trabalha Em vao por dessipar, que mais se avivam Quanto mais pensa , quanto as mais combate. Hum dia passeando a linda Dama Desce às margens do Vero deleitosas, Sempre cobertas de verdura, e flores , Baixava o Sol, e a sombra de hum vSalgueiro, Que em roda atlie ao chao prolonga os ramos, Senta-se; sobre a mào a face inclina, O vegetai aroma, que derrama Em torno della o Zephyro , o sussurro D'agoa corrente longo tempo a embebem Em suave tristeza ; alfim recorda, E desta sorte exciama a Qual he este « Profundo, inexplicavel sentimento , it Que athequi nom provei , e em mìm domina? u Por que ha de sempre a imagem de Garcia « Seguir-me a solidom ? e porque n'alma « Eu sinto, delle ausante ^ hum vago, huma ancia 62 A Heroina de Aragom a De o tornar inda a ver? porque si ficta, u E oh quantas vezes? em meo rosto os olbos, 4t Sinto às faces subir-me hum vivo fogo, a Que abrasa-las parece ? . . . si està ledo a Me alegro, si està triste me entristego! , • • a Mais que o do Rouxinol em rneos onvidos a O som da sua voz brando resoa 1 u Si da vida salvar-!he me dà gracas u Tanto me ufano , que ti vera em menos « O dominio gosar do Mundo intuirò! « Si louva o meo valor, entao quizera 44 Ter alcansado de Alexandre os louros. 4t Si outra Dama Ihe falla, odeio-a logo , 4c Morta a desejo ! . . . que loucura ! , . . acaso e; Sera islo o que amor os Homens cliamam?. . . u Talvez ! . . , quem sabe ? . . . e eu amarei Garcia ? . . . a Ama-lo! ... e porque nom?. . . de illustre sangue, fit Moco, gentil, valente, generoso, a De allo eslado Senhor, o que Ibe falla u Porque a ufania de meo Pay contente? Disse , e a mào por acaso leva ao seio , E subito estremece , comlemplando O que Elphyra ilie dee botom de Rosa, # Que aberto vivo aroma difundia ! Q pobre Lavrador , que sotlerrada Acha, ao cavar seo Horto, amphora cheia De cunhado metal, menos se alegra , Que Isabel exultou ! «que mais duvido? « Das promessas de Elphyra o tempo chega, a Seo Botom jà floriu ! . . . amo, e Garcia 44 He o que eu devo amar! , . . que lotica estava « Que as palavras da Fada me esqueciam ! a — Ja o tempo de amares se aproxima, Canto V. 63 « — Digno o objecto sera; has de encontra-ìo «« — No ardor da guerra entre horridos perigos , — 4i Quem mais digno de mim do que Garcia? . . . a Na guerra o deparei , salvei-lhe a vida, ii Ja nas garras da Morte! . . . comò ludo i4 Co' a predicrom combina! . » . he vinda a quadra ii De eo ser em firn ditosa! ... oh muitas vezes '.i Feliz o instante, em que , vestindo as armas, éc A' guerra temei vir ! 95 Ergue-se 5 segue A corrente do Bio, que serena Com ceruleos debruns as margens beja ! Eis de subila idea acometida Para, e diz ìì Porem comò ham de cumprir-se « As promessa? de Elphyra? corno pode « Garcia amar-me? cre-me hum Cavaìleiro! . . . u Declarar-lhe meo sexo a Fada o veda! . . . a Saio de Imm Laberinto, e outro me enreda! et Que farei?... observar a Ley de Elphyra, u Quer que eu ame, e que o afecto desimule, a Protegeu-me athequi , fique a seo cargo « Dirigir, aplonar, regular ludo! Vinha a Nolte chegando ; ella da volta a' Cidade , suspensa entre esperansas. Chaga amorosa , que lavrava a ocultas Dentro em seo coracom , ora mais viva Repouso Ihe noni deixa. Assim o Incendio Que hia occulto lavrando em matto espesso Si de Noto hum pégom sobre ella sopra, Em labaredas sobe, e, campeando D'Arvore em Arvore, a Floresta annosa Estrondoso devora, e volve em cinzas. Garcia em tanto recobrava as for^as; Mas tristeza maior Ihe assombra o rosto. 6é A Heroina de Aragom Sargil, seo Escudeiro, o contemplava Ora profundo meditar , e logo Cruzar no peilo as maòs, soltar siispiros. Hera Sargil Iiuqì Servo lealdoso, Astuto , jovial , e a mào do Tempo A embranquecer-lhe a coma comecàra, Do Amo a aftlic^om Ihe doe, e assim Ihe falla. u Que nova dor ? que nova magoa he essa, u Que recatas de mim? quando deveras « Ledo exultar co' a vida, e co' a saude, « Suspiras ? gemes ? . . . muita vez nos bragos « Te adormeci na infancia ; a ter hum Filho , 6t Mais que a ti non o amara ! Usar segredo 4t Comigo he ingratidom ! eia, saibaraos « O teo pezar , si tens pezar ! ?5 Garcia « Responde, — Si hei pezar!.. . pezar interno, — Pezar que me enioquece, e leva a morte I —- et Sào Thiago ! . . . os cabelos se me hirrissam ! . . . " Pezar de morte ! ... e qual ? 53 — Tens observado — Os olhos de Dom Marcos ? — u Muitas vezes , u Que lindos sam ! . . . mais negros que azeviche, « Tao brandos , e expressivos ! tao gamenhos ! . . . u De certo, sj o Muchacho a amar se aplica , « Moga nom acharà, que Ihe resista! — Eis de meo mal a cauza ! — " O que, meo Amo? « Os olhos de Dom JMarcos??' — sim — uThegora « Quem ouviu tao donoso desparate? « Que do me faz ! . . . meo amo està louquinho! . . . « Depois de amar sonhada formosura, « Polos olhos de hum Homem se dorrete ! — De hù Homem !... nom!... Homem nenhum thegora ' • — Olhos gosou tao meigos , tao suaves , . — Tao divino sembiante , e voz tao doce ! Canto V. 63 s; Mas quem queres , que seja?5? — linda Dama, ■ — Que em virii trage as armas exercita ! — - 4t Cada vez a milhor ! . . . Dama presumes a Quem fende morrioes , retalha escudos, ii, No sangue exulta, e nenhum risco esquiva ?. , « Ve, Senhor, que nom seja algum Demonio, t; Que tentar-te viesse em forma humana! .. . « He o Demonio hura Pescadór astuto, a Que com varios anzoes as almas pesca , (.i Estes com ouro, com a gloria aquelles, u Com cargos huns, com fofmosura os outros, a Que mestre he de maranhas!» — Nom gracejes, — He Dama , nom me iludo , alto mo affirraam — Do coracom os vivos sobresaltos. — Sabe mais; em figura, em moto, em tosto — He a mesma , que em sonhos vi outrora, — Que o Mago me affirmou , que acbar devia. — ' « Em tal caso nom fallo, encolho os hombros ! . . c4 Quando era Sacristam na minha aldeia 6c O meo Cura 99 — Que nescio ! deixa o Cura!...—-» a Tal nom farei , qne o Cura he necessario « Para o que vou dizer. Como contava « O meo Cura aos Seroès, ao lar sentado, " Pelas noites de Inverno a raim , e a Ama. u Do bom Dora Florisel a H istoria lia ; . . i(. Por sigual , que hera escripta em Pergaminho u N'hnmas Letras mui feias , mui travadas, « Que elle chamava Gregas, e tao Gregas , « Que eu nunca huma palavra pude ler-lhe , « Mas o Padre corrente as entendia !.. 55 •— Acabas ja preambulo tao longo ! — u Nom te enfades! . . . Authora do tal Livro « Hera a famosa Magica Zirfea, F 66 A Heroina de Aragom « Que da Ilha de Argines foi Raynha, . . . « Sabes onde he Argines??? — Noni — «he pena « Que eu o nom perguntasse ao Padre Cura ! a Paciencia! . , . dizia a dieta Historia « Que a Raynha do Caucaso, chamada , a Si bem me leinbra , Zahra, e a Filha sua u A mui presada Infanta Alastraxerea , » Andarom polo Mondo em viril traje 45 Acabando arriscadas Aventuras. is Com que, si isto he verdade, nom duvido , a Que tambem seja femea o tal Dom Marcos. « Nisto entrava Isabel, SargiI se ausenta. Garcia a recebe-Ia se adianta , E, tremulo qual Vime, a mào Ihe aperta, Quem devéras arnou conhece o enleio , Que em pre^nga daquella , que idolatra , Nom declarado amante agita, e punge. u Bons dias, Cappitam , (Ihe diz a Bella) « Triste estas "^ ?? — muito triste, (elle responde) — « Talvez^^ tua saude. . . ?? — Nom, sani d*alma — As dores, que eu padego. — «A causa dellas a Ser-me-ha dado saber ? ?? — Acaso amaste? — éi Nunca ! (Isabel corando Ihe replica) — Entào mal podes conceber meps males. (Garcia Ihe volveo) porem segredos — Com tao fiel amigo eu ter nom devo. — Sentam-se , e assim comeja o Cavalleiro. « Nom sei, quando o souberes, si o meo Fado u Te darà riso, ou do ! caso tao novo , £t Tao inaudito, e raro, sae da esphera « Dos vulgares successosi narrar magoas « He dellas lenitivo; mas a minha « He tal, que o nom conta-la, he ser prudente.. Canto V. 67 4t Que em Oviedo nasci, qual he meo sangue, u E qual o estado meo , ja te he notorio. « Amador do saber, e dado às Letras, a Norri desdenhei a guerra, exerciteì-a M Seguindo de meo Pay o heroico exemplo. « Na paz ern montear passava os dias, « Praser suave , que comprei bem caro! . . . u E nunca da Bèlezd os atractivos u Sobre o meo coracom fizerom brecha. « De nescio persumi que este tributo « Nom tinha de pagar, e Amor cobrou-o u Com violento rigor, per modo estranho. « Hum dia, andando a ca^a em prado hervoso , u Vi linda Corsa , que repasta , e folga. 66 Armo o Arco, desparo, a seta voa , 66 E no lombo se encrava ! ella ferida 66 Foge gemendo, sigo-a. . . Eis que do Bosque 66 Se arroja huraa Mulher em trage ignoto, 66 Que a faz parar , a afaga , extrae a flexa , 66 E, encarando-me, diz com gesto irado, — Ferir ousaste a Cerva, que eu presava , — Nom morre , que llie valem meos soccorros , — Porem breve outra seta, outra ferida •— Em premio te darao tormento longo. — 66 Da amea5a zombei, e estava perto 66 O complemento seo ! volvo ao Castello 66 Subnoute, busco o leito , e me adormego. 66 Sonhei! . . . sonbo nom foi ! . . . eu vi patente 66 Pera mim caminhar Menino alado, 66 Na dextra hum arco de ouró , aljava ao hombrOj « E o cerca resptendor , que a Estancia aclara. a Vem a seo lado Imma formosa Datna , " Dama ! . . . Deidade , que nom ha taes gTàgtìs F 2 68 A Heroina de Aragom (c N'algum humano Sevi essa, que Zeuxis, « De cem Belezas compilando encanlos, ce Na Grecia coloriu , nom foi tao bella! a Meiga, e qual se hum preceito a conslrangesse ^ a Ficta OS olbos em mim , antes luzeiros, « Que na espLera de amor vibra vam raios ! . . . « Em quanto eu a contemplo embevecido, a Todo allieado, e absorto , Amor me clama, — Eis a tua isempgom quem vencer deve, — C«e a seos pes, adora, e me conhece. — a Nisto o arco despara, a seta parte 44 Sobre bum raslo de luz, vara-me o peito. « Co' as maos no golpe despertei gritando ; a Porem da linda Dama a imagem linda 44 N'alma gravada estava eni igneos tragos, 44 Da memoria risca-la aflicto busco, 44 E ella cada vez mais , oh Ceos ! se aviva ! 44 Tudo me desagrada , e me desgosta , 44 Fujo das gentes , pelos montes vago, 44 Ah! quem cometa a amar, e amar receia , 44 Nom busque a solidom ; sombras de Bosques 44 Nom acalmam paixoes , dam-lhe mais forca» 44 No tranquillo silencio das Florestas 64 Minha imaginagom mais se accendia, 44 E amorosos Phantasmas me cercavam ! (4 O Zephyro nas folhas sussurrando 44 Heram seos passos ; o rumor das Fontes 44 Das roupas suas o rugir; das Aves 44 No doce canto a sua voz ouvia!... (4 Interno sentimento me afirmava 64 Que neste Mundo da sonhada imagem 44 O originai existe , mas quem pode a De sim, cu nom assegurar-me ? escuto Canto V. 6^ a Que em montes de Granada bum Mago habita^ « A quem tudo he patente! nom hesito, a Vou demandar esse Paiz formoso <4 Coberto de vicosas Amoreiras, a Nutrindo o Insecto, Artifece daSeda^ u Onde limpidos Rios se devolvem ;t A' sombra de odoriferos Pomares it De vigosos Limòes, aiireas Laranjas, a De Romaàs, que os Rubis nos giàos imitami ^ Paiz, onde os seos Reys do alto da Alhambra, « D'arte, e riqueza monumento eximio, « Vem em torno de si brilhar Sciencias, a O Commercio, a Opulencia, Industria ^ Lei ras 3 -fi Praseres, e Policia , que inda ignoram » Nossos agrestes Godos, que so sabem a Vida pobre viver, brandir a espada; « Deixando da Lavoura as uteis ìidas , a Gloria em Roma de Consules, Patricios, 4i A' inerte Escravidom, que esterelisa a Tudo o que toca co' a aviltada dextra ! u Entrei n'hum vale, verdejante, estreito, « Cercado de alcantis, a quem chamaram, « Per sua forma, de Geriom, o leito; « Limpido Lago estende-se no centro, ;; Altos Carvalhos, que de roda o cingem, « Alamos, e Pinheiros vara às nuvens « Tecendo verde abobada, e parece u Sobre o liquido espelho reflectido, « Que bum magico Bosquel das ondas surge! « No fundo huma pequena cataraeta « As agoas, refervendo, arroja ao Lago, « Unico estrondo, que o silencio quebra u Neste ameno recinto! domicilio 70 A Heroina i>e Aragom u Ahi poz o Mago ern placido Tugurio , « A cuja porta fresco Alpendre formam « Arvores, que Ihe dam annuo tributo « De saborosas Frutas ! acolheu-me « Coni benigno sembiante o sabio Velho, «e Consolou minhas niagoas ! depois toma « A meo pedido fluctuantes roupas « Escuras comò a Moite! solta as transas « Que no colo, qual-neve, Ihe branquejam, « Tem na direita a vara , com que traga w Em torno a si trez circulos na terra ; « Na esquerda hum Livro, emquemurmura aespagos <; O cbao pulsando magicas palavras (( Em lingoa ignota ! . . . eis de repente soam li Trez medonbos trovoes , que reboando 4c Nos echos das montanh^s se prolopgam , « Trerae a terra, e dos circulos ao longo te Correm trez grades de azuladas eh a mas : (( No meio assoma hum Genio em luz emvolto, « Que reverente ao Nigromante offerta * u Trìangular espelho , cujos frizos ti Cifras matisam de lavor estranho! — Observa — (elle me diz) «e, nòm sei corno, t; Ali aos olhos meos, huma apoz outra , t( Passando yam quantas formosas Damas t; Hoje adornam o Mundo ! Alfim descubro et Aquella, que na idea eu trago impres&a , tt De praser transportado e;xclamo , he està ! . , . t; Mal dou tal grito , outros trovoes retumbaai , et E o Genio, a luz, e espelho se esvaecem tt Como rapidp sonho , e a par do Mago tt Na escuridona da noite , labsorto eu fico ! tt Yoz aoru soltei de atociito , e tremia Canto V. fi. « Como hum Choupo dos Earos agoutado! « O sabio me conduz ao seo alvergue , u E assim me diz" — Que existe essa, que adoras , — Ja vez, mas onde, e o nome seo dizer-te — O Gram Demogorgon prohibe agora. — Poder maior que o meo rege o teo fado. ^ — Busca-a fora da Patria, ha de ser tua. — Dar-te està seguranga me permitem. — « D'ali me aparto co' sorrir da Aurora. « Peregrino de amor, vou descorrendo " Quantas Cidades nossa Hespanha enserra. tt Terras estranhas ver, de varios Povos ti Notar usos , costumes, leys , he gosto 4i Que , sem provado o haver , mal se avalia ! « Mil nos agitam sensasoes ignotas, « Mil quadros nossos olhos embelesam ! a Censuramos aqui , alem louvarìios , 4i E contrastam desgostos , e prazeres. a Certo que o Geo nom fez pera vivereiii « No mesmo solo os Arabès, e Hispanos, " Si multo a Crensa os aliena, o Genio » Hum Povo de outro muito mais separa! « Nossas Cidades Arràiaes parecerìi , u Palacios , que habitanios, sam Castellos u De Barbacaàs *, e Torres defendidos ; 4i Nossos campos incultos estrondeam 44 Com os sons da tuba venatoria , o Godo 44 Austero, insociavel^ blasonando 44 De alto valor 5 e de nobreza antiga 44 So tem praser nas armas , e seo peito 44 A estranhas gentes franquear recusa. 44 Tal o nocturno Mocbo em toca escura " De huma Arvore elevada se eritrinebejra 72 A Heroina de Aragom ut Co' a solidom contente , e quando morre « O darò resplendor do Sol, que odea, (( Sae polas sombras procurando a preza, 4t JE coni funereo pio assusta os ares. « O Arabe, em tudo extremo, se arremessa u Do trabalho ao praser, do amor a guerra , « As Sciencias cultiva, as Artes honra, « Hospedeiro, e leal com seos amigos, (; Co's contrarios be Tygre ! sarn seos campos Pictorescos prospectos serao sempre « Do sensivel Viajante enlevo , e encanto ! éi Quantas vezes no altivo Promontorio^ u A cuja falda verde se le Vanta « Esse Castello de apbucado nome, 55 Onde de Roma o Cezar derradeiró « Dos Herdlos sofreii pezados ferrod, ;; A vista derramando no horisonie « Me embeveci com arròbado enleio « Em mil quadros Poelicos ! a esquerda « Se proloagava o Devisor da Italia, u Fillio doà Alpes, o Apeninno ingente, « Coroado de neves, e Cypresles ti liasgando as nuvens e' os ethereos picoà; u De là se arroja o Aì*no, arroja ò Tybre5 u Rios Irmaòs, e que entre sì desputam i4 Da gloria a primasia, bum porque lava 64 A sabia Hetruria , outro de Roma os muros; «< Tao loucos corno os Homens , que , nascidos « Tódos do mesmo Pay, de iguaes se pejanu u La de vulgares montes se destaca <4 O Vesuvio, que, ignivomo Gigante, u Caminha às praias, e no mar se espelha ; « De horror , e gra^a que contraste ! era quanto u No cume o seo Cratero vomitando a Candéhtes pedras, e purpureas chamas, « Geme, e se represénta aos seos gemidos « Que de Africa abrasada os Leoes todos a Rugem juntos ali ; que irado Jove 44 Todos OS seus trovoes despara a bum tempo, « E huma columna de ceruleo fumò, « Como enorme Pinlróro j sobe aos ares ^ G A Heroina ee Ar AGOM 4i E junto aos Ceos em turbilboes desprega « A negrejante copa ! se revestem « Da montanha as encostas cultivadas « De aureos Palacios, de vicosas Quintas, «fi De apinhadas Aldeias, que enliemeiam « Alegres Vinbas, Laranjaes odoros, « De tlores , e de fructos esmaltadosl « Quem coni mais energia, que aste quadro « Pode ensinar aos Homens, que visinham « O terror, e o prazer , a morte, e a vida! « Descobria a direila o Pausilippo « De latadas de Pampanos vestido , a De corpulentos Choupos, corno a Noiva « Aldeà, que engrinaldada se apressura a De Hymeneo aos Altares! ali dormem « Do Mantuano as cinzas venerandas, a Das Egypcias Pyramides mais dignas ti Que^ OS inglorios ossames, que la jazem « D'ignotos Pharaós 5 segundo he fama! r. Inda abrigo Ihe dà velho Loureiro , Et Que elle proprio piantoni curva-se, aloriga-se (( Polo golfo a montanha! alem assomam &c Prócyda plana , e Ischya montuosa , 6< Mas O sopro do Tempo apagar soube (c Seo medonho Volcom ! Baias là fica, (c Baias, que n'outro tempo retnmbava c*be oe antigas Fabulas ! quem sabe « Onde inda me levara o meo tormento ^ « Minila louca esperansa, si a que volte a De bum Pay a morte nom me obriga a Patria? u Voi tei ! . . . mente quem diz que amor se esfria u Nas peregri na^oes , correr do Tempo! . . . u Ardo cada vez mais, mais me esperanso, « Bem que em tao varias terras percorridas « Nom podesse dizer de huma so Dama — . — Eis a minha ideal — .,. . so hura sembiante M Thegora vi, que ao vivo a represente, . . . a E esse he . . . o teo ! . . . ?5 aqui Ihe a voz fallesse, E, fictos neita os olhos , fica immovel! Nunca prazer igual sentirà a Dama Como ao ouvir taes vozes!... perlurbada De alvoro^o , em resposta nom accerta. Aifim, dissimulando os motos d'alma, Coni forgado sorriso assim Ihe falla. e; Certo que o rosto meo nom cri tao bello, « Nem pensei que, depois de enternecer-rae « Co' a triste narragom de teos pezares, « Com lepido gracejo a terminasses ! 93 Garcia hia a fallar, e ella prosegue; « Loucura he desCulpar-te ! . . . mas, si he certo 5 u Toma-Io deves por porpicio agouro ! . . . 46 Ao menos o desejo I . . . muitas vezes 44 Quando mais longe a crcs , ebega a ventura, ?> Cortez , e alegre se despede; as for5as Si mais se conslrangesse , Ihe faltaram. Fica o Amante, do que ouvira absorto , Mais em suas suspeitas comfirmado. Entra Sargil , e diz-lhe: «Entào, meo Amo, « Ha nova Zarha, ou nova Alastraxerea^w 86 A Heroina de Aragom • — Caria vcz mais o affirmo; os meos amores — A Dom JVIarcos contei ; ouviu-me alterilo, • — Ifiterneceu-se, suspirou ! e ouvindo — Que hera da que eu «tdoro , a viva imagem , — Sqhresaltou-se , paliou comfnso — Com chistosos donaires seo enleio, — E subito deixou-me! . . , nom duvides, — He Dama, e se recata! que o declare — Fazer emporta , porem corno ? — - « Como ? . . . 6c O caso he mui difficil ! , . . o meo Cura . . . — Sempre o leo Cura!... — u sempre I he vantajo^o 6t Ter qué citar alguina AulhoridacJe ! *t De mais, eu quanto sei aprendi delle! . . . « Contava que, escondido em femeo traje, « Entre as Damas de Scyro se occultara ^4 Pera nom hir a Troya o bravo Achylles; a Que Ulysses, gràa liaposa desses tempos, a Desfargado em Cbatim la fora! aos oihQS a Das iSiyrnphas presentou mil baforinbas, 6i A que ellas promptamente concorrerom ; « Mas entre a mais viniaga havia hum Elmo *t Bem emplnmado, rico Escudo , e Espada; « A cuja vista de Peleo o Filho 6t Cheio de ardor guerreiro as ricas toucas a Arroja ao chaò, poeiii Elmo, embraca o Escudo, « Desembainha a Espadi: , e adeos desfarce ! . . . 46 Arme-se bum Ingo ignal a tal Madama ! . . . ?? " — ^Bem dizes! porem qual ?. — u Ha nesta casa « Hum vistosr> Pomar; ali com ella Ci Desfar^ado passe.ia , as fructas gaba , 4t Si elle he Mulher ha de às ma^àas deitar-sels? Approva-se o projccto, e ancioso o Amante Aguarda para a prova o novo dia! FiM AO Canto V. 87 «*W%%i% **(%%V»iW»**%l^llW*VlM/*IWWW»»ft**/%W*»*'W^*^^ A HEROINA DE ARAGOM. f^y «/Mi««%«VV%^«Vt'«iVt^'M^'V%«'V%e àragojì ~ He Dama, tem-Ihe amor, e se recata. ' — Farei quie se declare, ou corto as barbasi Ja se aprompta o Banquete, nom moldada Polo vaò luxo dos modernos terapos, Em que das quatro partes do Universo As variadas produccoes concorrem Ao jantar de hum Pyg-meo cosido em ouro, Qae fora 5 sem o haver, dò Mundo oprobrio ! Nossos Avós, dos Godos descendentes. Tao valerosos, tao frugaes comò elles, Nunca as aureas Baixellas conhecerom , Nem massas, e adubados acepipes, Que, em estÌQiulo a gula , a Franca inventai Alvo Pam, tenro Boy, nedeo Carneiro, Caca por elles morta, Aves cazeiras, Vinho, e fructa na Patria produzidos , Com abundancia tudo , hera o seo luxo. Flores do Campo as mezas adornavam , Franca alegria hera a policia sua. FelÌ2 idade, que nom via na terra j De mymicos Bichancros rodeada , bictando Leis ridicula Etiqueta! Ajuntam-se os alegres Convidados; Entra Isabel , derrama em roda a vista , Viu desiguaes Cadeiras, viu que observa Todas suas acgoes attènto o Amante, = Lago aqui vejo armado==diz comsigo , Pensa hum leve momento, e cum desgarre^ Na riiais alta Cadeira toma assento. Vinho deità, o seo hospede sauda, Trincha sem ser rogada , mil donaires^ Mil causticos apodos , que feriam No sexo femeail risonha scita. Canto VI. 97 Contento sem mixtura ern todos reina, E, cousa rara entào , mui vulgar hoje , So norn leve prazer da Festa o dono. Stparou-se alta noite a Companhia. Pesaroso Garcia ao Servo volta, « Qne te parece? (diz) — Senhor , (responde) — Inda norn vi Rapoza mais niatreira. — -M/iS noni emporta , hei de afumar-llìe a cova, — E have-la às màos ! . . . coragerii , prosig-amos, — Novaesparrella se arme! — u Equal? — Nom tarda • — A se abrir eni campinas circumstàntes — Hama pomposa Feira ! ia te cumpre — Hir desse teo Duende accompanhado , — Com elle giraràs as Vendas todas, — Si elle he Mulher, ham de tenta-lo as fitas ! — - Politica atilada inventou Feiras Pera animarem o Commercio interno^ E a Civilisa^om ! em tempos certos , E em aprasados sitios se juntavam Chatins de toda a parte conduzindo As varias produc^òes do solo, e industria, Qne a livre venda expunham. Concorriaoi De toda a Terra os Povos a prover-se Ali de todos generos precisos , Por tal modo hums com outros convivendo! Co' està primeira Enchada comegarom A derrubar nossos antigos Sabios Dos costumes dos Godos , e Suevos O Feudal Edificio erguicJo, e feito Pera isolar os Horacns ^ obrigando De cada hurna Provincia os Moradores, Os de cada Cidade, e cada Aidea A ser no mesoGio Reyno hum Povo estranho, H 98 A Heroina de Aragom Dos mais cioso , e às vezes ineraigo ! JVlas nestas pouco a pouco se afizerom Reuniòes frequentes a traclar-se, A unir-se com reciproco interesse, E mutuas transac^òes! hes , oh Commercio, Da Sociedade o vincalo mais forte; Tu seos costunf)es barbaros adogas, Interesses oppostos equilibras, Deseravolves o engeniio, Artess apuras , E OS cómodos da vida aperfeigoas ! Si a defeza da Patria està nas armas, A forga de as brandir vem do Commercio , Quem tem quer conservar; da Propriedade O jus nos prende a terra, qne nos nutre; Faltas de Propriedade, e de Commercio A Fome de seos Bosques arrojava As do Septejutriom barbaras chusmas Sustento a procurar no Sul co' a espada. Assim dos Pirenneos, durante o Inverno, De Lobos famulentas Alcateas, Descem , e buscam preza , em que cevar-se Nos cuUivados vales! os Pastores, Os validos Rafeiros em vaò lidam Pera salvar os pavidos Rebanhos Da praga devorante, que nom cessa Sem que o ferro o mor numero extermine! Mas do Tempo o correr, que ludo altera, Mais brìlhante caracter deu as Feiras! Os productos do Luxo , acumulados Da Terra às producgòes, as Iransformarom De prazer em Theatro, onde passavam Scenas alegres, e amorosos furtos. Ndmorados Mancebos, Damas liudas Canto VI. 9S La forom noni comprar, nnas ver, ser vistos. Da Feira de Balbastro eis chega o dia: Em largo Campo, que Arvores circumdam, i\lil Barracas de Lona armadas formani Pracas, e Ruas , que purpureos toldos Con tra os raios do Sol defendém ; cobre O chao verde espadana , e rubra area. Dentro em ricos Balcòes , vitreos Armarios Por elegante rnethodo despostas As omnimodas mérces desafiam Da Cobica , e do Goslo os vagos olhos. La Volantim ligeiro o Vulgo encanta, Co' a maroma nas maos saltando airoso Em retesada chorda , ou fino Ararne! Ca em Camara Oplica demostra Charlatam palavroso a tenue prego Remota» Regiòes , o Ethna ardendo, Os Alpes de geleiras coroados, Do Papa a Corte, o Bosque das Ardennas. Conduz este o giboso Dromedario, E o Urso dancarim! outro governa Com debil vara o valido Elephante, Que a proboscide elastica revolve ! Aqui em alto pulpito subido Descarado Pihpostor inculca a brados Portentoso Elexir de invengom sua, Que OS males todòs cura , e da Bellesa Faz reyiver n'hum ponto as murchas rozaSc Alem gentil Sigana, quanto astuta, Solto o cabelo, o corpo désconjuntaj Girando comò leve Corropio: Ou nas raias dà mào , qué ibè àpresenta, Os vindouros successòs le do Dono. H 2 100 A Heroinà de Ara.gom Ranchos encriisam Ranchos, e vagueam De Barraca em Barraca , Rua eoi Rua ! Fora doste Recinto novos Quadros Se apresentam aos oìhos! as JManadas Dos chatinandos Boys , lanosas Oves, Ou trepadoras Cabras, recostadas Sobre bum lado no chaò quedas runninam ! Pulverulentas nuvens alevaniam , Nos Cavallos em osso galopando, Vozeantes Mancebos^ que alardeam A sua rapiclez, e forga , e fogo! Nas providas Locandas se acumulaai Os Rusticos em bandos ; giram copos De fumegante Vinho, e de toldados Cuidam que o cbao llie foge , e os tectps tremem ! Outros ao som dos Arrabis, das Gailas Tecem com tenìulentas Can:iponesas Choreas Aldeaas! outros mais bravos Os longos paos emcrusomj sabem , entram , Fogem , avancam , saltam , golpes param , Goìpes acertam ; bum vacila , o outro Cae o sangue a gojfar ! ludo he bolicio ; Cantam , vozeam , rixam , the aos Astros O rumor jubiloso se propaga ! Por entie os aureos carros , que devoram As estradas rodando, a Feira chegam Dom Marcos 5 e (larcia em Corseis negros De briihantes jaezes adornados, jNos Cavalleiros dois se empregam todos Os olhos femenis, e nom decidem Qual tem garbo maior, maior bellesa. Apeiam-se, e os Cavallos entregando Aos Escudeiros seos,,Jju4oj^gistam5 Cai^to VL 101 Ao menos o parece , que bum ao oiitro Mais atende que a turba variada De objectos circumfusos ! que ha no Mundo Tao bello, e encanlador, que prenda a vista De bum terno amante, que o seo bem noai seja? He a paixon^i de Amor qual vldro ardente Que n'hum ponto da luz concentra os raios. « Nesta pomposa Loja , (diz Garcia) « Feirar nos cumpre, tudo nella' abunda. A mui-prudente Dama os olbos lansa, E as fitas mais preciosas, que avistàra, Viu a bum lado jazer; conhece o dolo, E, disfargando, rica adaga empunba; — Pera bum Romeni brigar que bella adaga! — Que aci-calado ferro, e rico punbo! Pera as fittas, surrindo aponta, e clama, — Oh que formosas fitas pera Damas, — Quem alguma livera a que offerta*! as! A Noite desce em firn; mais variada, Mais brilhante aparencia toma a F'eira. Vivo reflexo de bum milbom de luzes Da Carroga flammivoma de Phebo Ausente o resplendor sentir nom deixa. Ardem crebras fogueiras estalando, E OS Mininos, travessos em seos jogos, Em torno clamam , e as transpoem d'hum salto« De Damas mais frequentes chegam Turmas , E com loquaz susurro atroam tudo. Instrumentos barmonicos se escutam , Cantigas populares ! alta noite Os dois pera a Cidade se retiram. Vai mudo , e melancholico Garcia ; Ri-se a furto Isabel de o ver comfuso; J02 A Heroij^a de Aragom Que indole a da Mulher, que se recrea Co' as penas the do Homeni , que mais ama ! 'No centro da paixom sempre a vaidade Predomina em sua alma^ sempre cuida Como ha de vender caro os seos favores , E tal 5 que pelo amante dera a vida , De atormenta-lo huma ocasiom nom perde! O manhoso Sargil , que observa o Amo, Nom dar palavra no caminho inteiro , O motivo antevé, e dava ao Demo Tao negregado amor , tanto desfarce. Ei-!os em casa sós ! o Asturianno Passeia, na cabe^a as maos emcruza , E puipureos suspiros d'alma arranca! « Inda desta escapou??? (SargiI pergunta) — E sempre escaparà, (responde o Amante) — Por de mais he lidar , meo Fado o ordena ! — E cumpre 5 novo Tantalo, que morra — A pura sede tendo a fonte a vista. « Isso nom 5 que SargiI inda nom cansa, « E rede Ihe armarci, que ella nom rompa, (( Huma vez cae a Gaza , nem tao dextro c( Esgrimidor ha hi, que ou tarde, ou cedo « Nom descubra onde bum bote ad verso o fira. Disse, e em quanto Garcia a dor se entrega , Pensando fica , e de repente grita « Achei, achei !n e salta comò butp Gamo. — Achaste o que? (o Amo Ihe pergunta Que, de assim velo, attonito se ria.) — Endoudeceste ? — a Endoudeci ! . . • veremos ! . . . ti Tenho a Gorga emprazada, e nom me escapa. — Sempre dizes assim, e sempre zomb^ — De todos teos ardiz! «Nom desta feita. Canto VI. 103 a Inda que por livra-Ia se empenliassem « Quantas Fadas ha hi , Magos, Duendes! . » , — Multo promeles! mas em firn vejamos — O que ideado tens! o Naufragante ^ — Proxitoo a submergir-se as màos estende — A debiì canna, ao qiiebradigo vime! « Despedio-se de nós a Primavera , u E o Leom ja da juba as calmas soltaj « Serenas suas agoas leva o Vero, « Nada ha mais naturai que comvida-lo « Pera nelle a manhàa nadar comtigo: c( Si he JVJulher darò eslà que se disculpa, a Sì he Homem , vem . desenganado ficas. 99 — O lago he tao subtil (Ihe diz Garcia) — Que ardua cousa sera que delle escape! • — P]u Ihe vou escrever ; fica a teo cargo — Apresentar-lhe a Carta ao romper d'alva. Quanto he contradictorio o peito do Homem Si o domina a paixom ! busca a verdade , E de encontra-la timido receia ! Ha certas ilusoes, que nos fascinam , E tememos perder! assim Garcia Escrevendo a Isabel vacJla, hosita , E treme cada vez que se recorda Que possa ser Varom ! fechada a Carta, Ao Escudeiro a entrega, e dividido Entre susto, e esperansa o leito busca. Mas qual teo sobresalto , e o teo assombro, Lindissima Isabel, quando no Leito Hum Servo, ao romper d'alva , te apresenta De Garcia o Bilhete! menos austo Tem Caminhante incauto, que, rnarchando A dubia lu25 da Aurora em bosque espesso. 104 A Heroina de Aragom Piza da Serpe o colo, e a ve raivosa Vibrar qual chama a trifarpada lingoa, E arquear sibilando a longa cauda ! Le, e relè huma, e mil vezes , cuida Que està sonhando; arroja-se do Leito Meia-vestida , cem projelos forma , £, mal que os forma, subito os regeita. Tal dextro Esgrimidor do Imigo a frente Yivo se avanza, prompto retrocede, Mil golpes varre, mil entradas tenta, h sempre encontra do Adversario o ferro , Que seos botes , seos impetos Ihe frustra. * 6t O lanse, que eu temi , chegou (diz ella) , a O meo Sexo occultar Elphyra ordena, « Meo Sexo conhecer tenta Garcia. « Pude athegora coni feliz industria u Os ardis illudir, que amor Ihe inspira. « Mas este comò? si nom vou comfesso , « Impossivel he hir! . . . quem me encaminha « Neste mar proceloso, em que navego H « Sem mais Norte que debil esperansa, fi « Que a espa^os me sorri , me accena, e foge ? l± « Quem vio mais, do que o nosso , estranho Fado?:3 « Devo ama-lo , e occultar-me, elle adorar-me a Sem conhecer-me! hum Laberinto corro 4c Sem fio achar , que me dirija os passos , « E me liberte do entricado Enredo! a Mas, si eu fiz quanto pude, o que me resta? a Corro a declarar tudo ao caro Amante, jjj u Tempo he ja de cessar de atormenta-lo ! . . . 6w Louca ! . . . si o fago para sempre o perco ! . . . a Bem claro o disse a Fada ! e seos discursos ^ w Certos em tudoj falharào so nisto ? • • . Canto VI. 105 ii Fugirei ! . . . mas fngindo o que adianto ?. . . u Rompo o segredo , e cuidarà que eu fiijo é; Porque o nom amo ! ?? A forga de entregar-se A oppostas reflexoes , ideas varias. Se recordou que a Fada Ihe oulborgara O poder invoca-la em arduos lanses. 6i Que mor aperto, que este ? (exclaraa a Bella) Toma o roseo Botom , beija-o tres vezes , li 5 suavissimo aromii a estancia enchendo , Branda voz se escutou — De que te assustas ? — Da tua ditta a bora se aproxima; — Vai ao prazo indicado, e a tempo idoneo — La coratigo serei ! — Como as Florinhas, Que fizera curvar nocturno gelo , Mal que a purpurea luz do Sol as doura , Se erguem, e o calice odoroso expandem , Assìqì toma vigor, exulta, e folga O atribulado Espirito da Dama Co' a protectora voz!.. nom sabe o corno, Mas co' auxilio de Elphyra se esperansa Sahir airosa deste novo aperto. Caminiiava ao Zenith o Sol ardente, Pelas margens do Vero passeando Em bosquel de frondosas Amoreiras Garcia com Sargil ha muito aguardam. Soltos OS seos Cavallos repastavarn Do fertil prado a felpa verdejante. Cada instante, que passa, o peito alegra Do bravo Asturianno, e a vez primeira Houve quem de esperar nom se enfàdasse. « Nom falhou, oh Sargil, a industria tua; " Iludi-la nom soube , (diz Garcia) « He Dama, e noia vira! Dama, x^ qua eu busco 5 106 A Heroina de Ar.\gom « E cuja posse o Mago me afiansa ! . . . a Quao longe a fui buscar, tendo-a tao perto ! u Mas do peregrinar chegou-se o termo. « Livre jà posso em meo amor fallar-lhe, « Rogar, instar ! . . . 15— A ocasiom he bella. (Sargil Ibe diz) que ella ahi vem!— Hum raio De procelosas nuvens desparado, Que abraza crepitando hum Cedro annoso, Ou gigantesco Roble , menos susto Imfunde em quem o ve, que estas palavras No animo de Garcia , que de longe Reconhece Isabel, que, campeando Em seo negro Corsel , se avezinhava! Foge-lhe a cor, fraqueam-lhe os joelhos, Turvam-se os olhos , quer fallar, nom pode , Que a dor Ihe prende a falla! ... a nom suste-Io Prompto Sargil exanime cahira ! Chega em tanto Isabel, leda se apeia ; «6 Tardei^! (diz ella) quem comvida espera! — Porem que obsei vo ? . . . palido ! . . . tremente ! . — Que sentes ? — Com traballio repremindo Sua perturba^orn volve Garcia. -— Nada ! . . . afrontou-me a calma, mas ja torno — A livre respirar ! -—«Folgo; (diz ella) « Mas caprichoso andaste em comvidar-me, « E creio que deprega te arrependas , « Pois sou mau nadador! porem do Vero a Tao limpidas, tao mansas vam as agoas, u Que espero acbar prazer no fresco banho. Fallando assim , crebros estalos se ouvem , Volta m os olhos onde o estrondo soa, E hum A nom com figura de Correio Vem , quQ em ligeiro Palafrem galopa Canto VI. 107 Centra o sitio, em que estam , e mal se apeia Huma Carta a Isabel cortez entrega. A Dama, desalando os nós de seda, Le, e, lendo , o sembiante se Ihe altera, E arrazam-se-liie em praato os lindos oibos. a Amigo (diz Garcia) que desgraca u Essa Carta contem ? « — Desgraga , e grande ^ (Ella rej^lica) rninha Irmàa me avisa -Que meo Pay jaz emfermo, e que he perdida • Toda a esperansa de salvar-lhe a vida. — Outro Filho nom tem , e terno me ama, — Por raim a todo o instante esrà chamando. — Prornpto voo ao Solar, e oxalà chegne — A tempo de beijar-lhe a mào piedoso, — E receber-lbe a bencào ! ~ Nisto parte Seo Cavallo a tornar, que solto andava. Trava do Amo SargiI , e diz a Nom creio « Que està Carta, este A nom do Ceo chovessem Mesmo a ponto no critico momenlo! . . . u Ella he mais fina que Raposas septe, SI E està Scena d<^spoz para embagar-nos, « E escapulir-se airosa deste aperto!- — — laìvez!... mas que farei? — u O que?,,. segui-la, — Nom to pode negar vista a amizade, — Que ha multo vos ligou ! . . . tens palmilhado — Pera dares com ella tanto Mundo ^ — Que o galopares mais hum par de dias — He cousa de nonnada ! o fundo ao Cesto — Cumpre ver, e quem he na Caza sua — Saberemos em firn, — Nisto ella chega Ja cavalgando u Amigo , adeos ! w — Que intentas ? (Garcia vivamente Ihe replicai) — Partir seoi mira ? . . . nossa amizade 6ofrc 108 A Heroina de Aragom — Que em tao urgente caso le abandone? — Comtigo hirei! . . . Sargil, os Corseis ionia. ^ — A Dama de prazer em si nom cabe Ouvindo tal «A companhia tua u So podia em tal lanse consolar-me , u Mas nom to ousei pedir!.. .« Vem o Escudeiro C'os Corseis; jà na sella se arremessam , Cravam esporas, e, o A nom seguindo, A longa estrada rapidos devoram. Vai contente Isabel , bem que o desfarce, Por que na ignota Carta vio notoria Da Fada a proteo coni, e porque segue Garcia os passos seos; Elle a acompanha Sem saber o que espere, ou tema; poucas , A si 5 e a seos Corseis , horas , concedem , De sustento 5 e descanso em vindo a noite. No Castello de Affonso em tanto reinam Saudade , e tristeza ! aflige o Velho Da Filha a longa ausencia , e nom atina Qual a causa sera! Thereza , Elvira Pera dar-lhe consolo em vao traballjam , Que Isabel so deseja , Isabel busca , D'Isabel falla, de Isabel so cuida. Tal a formosa Vaca, a quem roubarom , Pera em sangue tingir aras de Numes, A incornigera Filba , vaga, corre: Debalde ferteis campos Ihe oferecem Relvoso, ameno pasto; em vào Ribeiros A banhar-se , e a beber correndo a chamam ; Em vào densas Flore^tas a comvidam Com sombra abrigadora ! ella recuza A relva 5 a limpba, as sombras, .. . inquieta Valesy e jafìonles co' mugido atroa , Canto VI. 109 E cansada, e faminta ao Redil volta. Huma tarde, em que o So], quebrando a forga 5 Pouco a pouco inclinava o Carro ardente Pera o pcgo , em que Thetis o recebe : E as frescas Viracòes batendo as azas Slavissima frescura derramavam , Na Torre da Homenageiii , assentada Junto às ameias a gentil Thereza, Depois de liaver a vista derramado Nos circumfusos Vales , de Harpa de ouro As sonorosas chordas dediinando , De Rodrigo o Romance (1) asjìim cantava! ti Quando as pintadas Aves emmud^^cem^ « E a Terra escuta os Rios , que devolvem fic O seo tributo ao mar; a luz escassa « D'Estrelias 5 que no timido silencio « Tristemente scintilam ; mais seguro w Julgando o trage humilde, que a riqueza, « E invejada Coroa ; de^vestidas « As Insignias Reaes , que Amor, e Mede « De Guadalete nas Campinas deixam ; « Bem diverso daquejje, que, inda ha pouco, « Pomposo entrou na pugna decorado « De ricas joias, premio de victorias ; « Em sangue alheio, e proprio as armas tinctas, « Cheio o rosto de pò, sem Elmo a fronte, « Copia funesta da Fortuna sua, « Que em pò se volve, em seo Cavallo Orelia , « Que de cansado mal respira, e beja, " Escorregando, a terra; pelos campos (1) Romance popular dos Hespanhoes , aqui fielmente traduzido. 110 A Heroina de Aragom « De Xerez, Gelboé chorosa, e nova, a Por valés, montes , serras vai fugindo 4t Rodrigo, ìnfeliz Rey ! . . . ante os seos olhos « Voao tristes imagens! . . . temeroso « Fere-lhe o ouvido o belico ruido; « Nom sabe, ai triste! onde derija a vista; « Si pera o Geo , a choléra Ihe teme , et Pois fez offensa ao Geo; si pera a Terra, « Ja nom he sua , e marcha em solo alheio : « Si dentro em si com as memorias suas a Quer reco!her-se, eariipo de Batalba u Mais horrido, e funesto acha em seo peito: « E assim entre sgIu^os, e suspiros « Se queixa cv Godo Rey — Rodrigo infausto ! — Si isto outrora fizeras, e fu^iras, •— J ao leve corno agora, aos teos desejos, — Si aos assai tos de amor nom opuseras — Fiaqueza tao indigna de Homem Godo, — Mais indigna de bum Rey, que o Sceptro rege, ' — Inda Hespanha gozara a gloria sua, — E essa forte defeza, que por terra — Ora jaz ! e que- a cor às hervas muda ! — Amada imiga minba, Héleiìa Ibera, (1) — Oh si nascesse eu cego ! , , . oh si nascesses — Sem formosura tu !.. . maldita a bora — Em que ao Mundo me deu a Estrejla minha! ■ — Antes OS peitos, que me derom leite, — Me dessem sepultura! pago o censo (1) A Condega Florinda, Filha do Gonde Ju- lìom , coffheeido vulgarmenfé pelo Nome Arabigo de Cava. Canto VI. Ili — A* Terra, em sua solidom dormirà — Com Consules, e Reys , ou Pliebo faumilde! — Deste modo a Fortuna roubaria — Carro, em que triumphar, e a triste Hespanha — Hum Rodrigo motor da perda sua! — Oh traiclor Juliom , perfido Conde, — Si hera a culpa de bum so, porque fizeste — Tao sem justicja , universa! a pena? — Si eu nunca aos Africanos fiz offensa, -—Por que a vingar-te os Africanos correm ? — Oh ! si esto as falsas veias te rasgasse — Ponle-agudo F^unhal ! — u mais pertendia" 66 Dizer Rodrigo, e enojo Ihe arrebata , £( E entre seos dentes as palavras quebra ; « E a Hespanha, que ja Barbaros dominam j u Dizendo adeos, junlo ao Corsel deitado, a Pela innemiga luz do Dia espera!)? Da forfuosa Theresa a voz sua ve Reperculida nos distantes echos , Formava sons tao lernos, que parece Que resurgindo as Victimas dos Mouros, Vinham com ella prantear seos fados! Acabou , e , lansando acaso a vista A' encosta da Montanha, descortina Dois Cavalleiros, que a galope guiam A' porta do Castello, accompanhados De hum Escudeiro, e de hum Anom, que os seguem, E Escudo, e Lansa em F^alafrens Ihe trazem. « Quem serao (diz Thereza) os que assira buscam u iS'osso Castello?... hum subito alvorogo, « Nom sei porque, entra em meo peito ao velos!..« « Oh ! se fosse talvez ! ... « mais perto chegam , E ella, afirmando mais attenta a vista, 113 A Heroina de Aragom Pelos sobre-signaes a Irmaa conhece! 4t He Isabel ! » (exclama) arroja a Harpa ^ Ligeira comò bum Gamo escadas desce , Atravessa os Saloes , the qua depara, Affonso, que d'Elvira no regasso, Ao som de seo cantar se adormecera ! Oh antigos Costumes!... haver pode Para bum bom Pay mais brando Travesseiro Que de Filha amorosa o raeigo colo ! Thereza entra gritando ti veio ! chega ! . . . Sobresalta-se a Irmàa , o Pai desperta , — Quem he que veio? (attonito pergunta) « Isabel ! . . . eu a vi ... 95 a taes palavras Na Sala de rondom se precepitam A Heroina, Garcia , os Escudeiros. Isabel de si ionge arroja o Elmo, Corre ao seio do Pay, que estreito aperta, Com lagrimas de jubilo ! a abraga-la As Irmàas voam , solugando todos , Todos fallam a hum tempo, e mal se entendem. Desviado Garcia , e mudo observa Està Scena da vivida ternura, E OS olhos seos arrazam-se de pranto. « Filha, alfim torno a ver-te ? ( A ffon so exclama) « Oh! quanto padeci na ausencia tua! > « Mil vezes praguejei saudoso a Bora, « Que de mim te apartou! . . . mas jà voltaste « E todo o meo pezar, ditoso, esquego! « Mas quem he este guapo Cavalleiro, « Que teos passos seguiu f?? — Esse he teo Gemo ^ — Si acceitar o quizeres! ... — a Garcia Depois voltando diz, — Si requeslar-me, ' ' — Tao lindo Cappitam , intentas , seja Canto VI- 113 «—Em casa de meo Pay, mas nom na gtierra. Mal que isto disse, escuridom profanda A todos eavolvea ; treroe o Castello Nos fundamentos seos, ^ parecia Que a montanha com elle a terra absorve!.. * Eis se escuta suavissima harmonia, Das Rosas a fragrancia enfrasca os ares, Vai viva luz as trevas desbastando, The que as extingue; o Anom desaparece, E, linda corno a Aurora, assonia Elphyra ! . . . Todos a acatam , e se huQiilham todos Da Farailia a benigna Protectora,. Que une as màos de Isabe! , e de Garcia, x E sorrindo Ihe diz ««Curapriste a fisca te Todo o preceiio meo, recebe o premio. €i Fui eu quem accendeu em vossas almas ii Vivo incendio de Amor, que sempre dure, u Venturosos vivei, que de vós ambos « Alta Prole vira, que, a Patria honrando^ « Hum dia de Aragoni occupe o Solio, u De mim vos recordai; virei mil vezes 4t Dias afegres desfructar comvosco, a E rever-me n'iium quadro de ventura-i, « Que dos desvelos meos foi digno objecto. F I M. A V I S O M, POEMETO X>£ JOSEPH MARIA DA COSTA E SILVA. I ^ ADVERTENCIA. Nom se persuadam os meos Leitores, de que es* te Poemeto nascerà de eu haver ein despreso a Poesia Romantica, qwe seria injùsti^a em mim o menos-ca* bar bum genero, a quem se devem os milhores Poe- mas deste Seculo; e a que, rigorosamente fallando, pertencem os de Ariosto, Tasso, Camoes , e Ossian: mas sim do tedio, e indigna^om, que me causarona algumas obras, que nestes ultiroos annos se publica- rom , e que seos Authores chamarom Romanticas, quando so Ihes conapetia o nome de estravagant€s , e lidiculas: mas a inopia, ou ftilla de ciso destes, nom deve haver-se por culpa do genero, mas de quem mal o cultiva. Por ventura sera o genero Classico respon- savel por Pradon, e Pimenta escreverem ruins Trage- dias, e La Mothe Odes hyperboreas? Poi por isso que no mesmo Poemeto procurej difinir o caracter de bum Poeta Romantico 5 e o que faz o distincti- yo desta espece de Poesia. ut A V I S O M5 POEMETO. (W%M\IM^MIXMI%MMWK%IWM\ Me orreria o Moraes? «a manhàa (disse) (1) « Ca verilìo 5 e prenhes trago as aijibeiras ti Co' a Conquista doAlgarve, (9) co' a Ulysseia, (3) t; Co' as Poes'ias do Caldassj (4) mas passado Tem bum solido mez , sem que apparega, Que nom mente o Moraes he cousa clara, He Homem de palavra; o mais ferrenbo. Mais sordido Judeo Ihe acceitaria Em penhor de mil Louras emprestadas (1) O meo Amigo o Senhor Francisco de Mo« raes Sarmento. (2) D, Branca, cu a Conquista do Algarve, Poema. (3) A Ulysseia , Poema Epico de Gabriel Pe-. reira de Castrò. (4) Poesias Lyricas do Padre Antonio de Sou* sa Càldas^ 11^ A Vi SOM, Dois cabpllos da barba, si a tivera. Grande cousa anda aqui ! a pbantasia jVIil penosas ideas me sugere , E a mente encosla a mais cruel de todas. Ma colisa he ser Romantico; que apenas N'hum Homem farejarom tal mania, Dam lo<^o nelle Fadi^s, Nigromantes , E o metem em mil lanses, miì tractadas; Testemunha esses Livros tao donosos , Grato entertenimento em milhor tempo De nossos bons Avos a guerra dados, Que o Cura do Mancbego Cavalleiro X)o Barbeiro 5 e Sobrinha accompanbado, Sem piedade arrojou pela Janella , (1) E no Pateo queimou, corno se acaso Eosse elle Inquisidor , Hebreos os Livros. Quem sabe si Liipercio , Mago astuto , O encafuou na Torre crisialina, Onde era meio do mar ja encantara JDo forte Ro^abel a linda Esposa ! . • . Talvez agora jaza eracasmurrado , Encostado a bum Balcom, comtando as ondas, Que na escada da Torre, e nas columnas, Se arrojam remugindo , e se espedacam ! . . . Pobre Moraes , si he tal !.. • onde ha de achar-se Hum bravo Clara monte, que, vestido Co' as armas de Theseo , e bacba tremenda, Venha , destrosse OS Guardas, e o liberte?... (2) (1) Veja-se a Historia de D. Quixole por Mi- guel de Cervantes Savedra. (2) Veja-se Espejo de Principes, y C^valleros* PoEMETO* 119^ Talvez no extremo de Floresta escura Fraudador dos Ardis desse com elle, E , acallantando-o com palavras brandas j O levasse enganado ao seo Castello, Metendo-o na Gaiola , onde prenderà C'os doi? Velhos Paschasios , que a seguiam f A formosa Daraìda; e de igual modo, liabeando de fome , agora veja Fraudador co' as Irmàas dansar-lhe em roda , Cantando adà-me o pé , dà cà , meo Loiro!. ..« Inda mal, si Guerreiro o Moraes fosse^ Podendo, comò a intrepida Daraida, Arrancar da bainha a Durindana , De bum golpe espeda5ar as ferreas grades , E, o burlador burlado, por-se ao fresco. (1) Em quanto assim fallava, eis de repente Soa de vento horrisona rajada , Que de vinte trovòes imita o brado; Remoinhando o pò se eleva aos Astros; Da Janella as vidragas ritinindo Correrom-se per si, a Casa treme ! Alva nuvem , ondeando , se dilata, Eracorpora-se, fende-se , e a meo lado Poem vulto feminil ! . . . em seo sembiante Severa magestade resumbrava ; Tinha louro o cabello , em seis lagadas Descriminado com chistoso esmero. Pendendo a bum lado, e outro, e o mais colhido Em subtis fios de huma argentea rede. (1) Chronica de D. Florisel de Niquea por Fq.% liciano da Silva» 120 A VisoM, De tercio-pelo azul opa trajava , De pregas the a cincia enroquetada, Com mil aureos Caireis; largas as inangas De tfez alturas, que apertavam golpes. Polo» quaes , donairosos transiloravam Da morbida Camiza os niveos tufos. Calsam-lhe as plantas Borzegnins purpureos^ Com debruns de onro, perlas os matisam : Hnm brilbante Carbunculo Ihe aperta O precioso cincto, e ao dextro pulso Curta vara suspende aurea cadeia. Ao ver o estranilo trage, o modo estranho, « Quem hes (subresaltado Ihe pergunlo) — Urganda sou (1) (pausada me responde) — Do multo sabio Alquife (2) a sabia Esposa, ù Urganda tu ! 55 — Meo nome te he ignoto?— ou , fiel Carmella, ■Que em seu nome perfez mensagens tantas. •Eis Perion de Gaula , e Gricileria, (2) ■ Lysuarte coni Abra, a tao discreta , •Segùnda Esposa sua! mais ao longe • Dom Florise! , e a Imperalriz Helena , (3) -Estes, que se unem em abrado estreito • Sam ( jalaor , e a mui gentil Briolanja, (4) -De Orianna rivai em formosura, ■ E inda pende indicisa a preferencia. 'Ahi vés Agrages, e a presada Olinda, ■O forte Grasendor , Rei de Bohemia, (5) 'Com a sua Mabilia! observa agora -Este Par sem igual na gentilesa, -Sabes quem sam? Agesiiau, Diana, (6) - Principe elle de Cholchos, e ella Prole (1) Chronica do Iraperador Esplandiom. (2) Chronica de Perion de Gaula, e Lysuarte da Grecia. (3) Chronica de D. Fiorisci de Niqnea. (4) Chronica de Amadis de Gaula de Vasco de Lobeira. (5) A'cerca destes Cavalleiros, e Damas vajam- se OS citadosLivros, ern quedelles se faz larga mensào. (6) Chronica do Principe Agesilao, IH Parie da de D. Florisiel por Feliciano da Silva. 132 A V I so M. — Do boni Dom Florisel, e de Sidonia, — Que em Guindaya reinou! vestindo as armas, — Hum Gigante nom houve, ou Cavalleiro, — Que delle ao braco resistir podesse : — Em nome de Daraida, em femeo trage , — So Diana o vencia em genlileza. 6t Por certo be extremada ! (eu digo) e pouco a Estranho desde agora me parece , « Que por Agesilau, julgando-o Dama, ic Que por Agesilau , julgando-o Joven, « De violento amor emdoidecessem 4t De Gualdapa o Monarcha, e sua Esposa, (c Mas descubro huma Dama, que em sembiante, « E talhe desemvolto he seu retrato. — Retrat^o seu?... Della o retrato he elle! — Essa de o produzir teve a veatura. — He a forte Raynha Alastraxerea , (1) — De Dom Phalanges de Astra Esposa linda, — Que junto della vès ; (responde Urganda) — Outra nom houve igual em vibrar lansa, — Ou florear a espada , bem que a Fama — Levante athe aos Astros essas duas, — Calàfia, que reinou em California, (2) — Sarmacia, que de Esparta foi Princeza, — E o Troyano (3ristedes desposara. (3) — Ve Amadis da Grecia, e ve Niquea, (4) — Que delle muito amante, e muito amada, (1) Chronica de D. Fiorisci. (2) Chronica de Lysuarte. (3) Espejo de Princepes, y Cavallei'os^ (4) Chronica de Amadis da Grecia. P OE ME T O. 133 — Seo thalamo fecundo enriquecera — Com prodi<^ios de esforgo, e formosura. — Fior da Cavallaria esse Heroe guapo = — Chàmarom com rasom , pois nenhiim outro — Acabou tao penosas aventuras , — E uniu tanta virtude, e tal denodo. — Huma espada de fogo a Natareza — No peito Ihe estampou por fausto agouro — Do estrago, que nos Barbaros faria. De tao altas Princesas largo tenrjpo Estive embevecido comtemplando A sem-ignal beldade, que dà mostras De que as formara adrede a Natureza Para modellos de subtis Pintores; Daquelles extreniados Cavalleiros A procera estatura bem-talhada, A altiva magestade dos sernblantes, Onde assomos de esforco resumbravam ; Nom tinha mais respeito , e mais bellesa A Assemblea dos Deoses , que nos pinta Nas cumiadas do Olympo o Lacio Vate, O destino dos Teucros ventilando. Disse por firn a Urganda u o Sol brilhante " Centos de vezes acabou seos giros, « Depois que estes Heroes aqui se escondem : a Tenbo, que elles existam por prodigio; i6 Mas prodigio maior inda reputo « Que OS rostos nom Ihe enrugue a mao do Tempo, « E no vigor da idade os veja a todos. — Do encanto isso provem , (responde a x^Iaga) — O Encantamento he sincope da vida, — Que em sua duragom nom se adianta^ , "—Ed tempo j que decorre ^m t^nto, lie nullo. 134 A Vi SOM, — A està causa geral , oiitra se ajunta — Em algum desses Keys ! o Sabio Alqttife, — Poude, a forerà de estudos, e fadigas , — -De Plantas, de Metaes, Fructos, e Flores — Variadas substancias decompondo , — Formar hum Elixir, qua a vida do Homem — Remora, e corn cem annos a acrescenta , (1) — Sempre no mesmo estado , e, anles do encanto , — A^quelles, que curvara a longa idade, — O ministrou , por que os amava muito: — E a virtude da formula, que digo, — -Volveu a juventude a mim , e a elle. (1) A mania de remo^ar, de prolongar a vi- da, e athe de conseguir a immorialidade por melo de beberagens , vo^fou muito na Europa com os Alcby- mistas, e se acabou com elles. Nom assim na China, onde cada vez mais se arreiga, apesar de muitos dos seus Letrados, e Imperadores baverem sidn victimas da sua nescia credulidade a este respeito, Todos sa- bem que o Imperador Wau-tsong ^ dando ouvidos a cliarlatanaria de Tchao- Koiiey ^ Chefe dos Bonzos da Seila de LaO" Kium ^ que Ihe prometia a bebida da Immortalidade, si elle Imperador, desse hum Decre- to para ex terminar os Bonzos da Scita de Fo^ ou Chc'Kia^ firmou o dicto Decreto, e tomou a bebi- da, que em vez de o tornar immortai, Ihe deu cabo da Vida dentro em trez dias. O miseravel nom sabia que OS Homens so podem volver-se irnmortaes prati- cando a virtude, as Sciencias, e as Bellas Artes; e OS Monarchas reinando com justiga , e accrto , e Fa- zendo a i^licidMc dos Ppvos ! Po3£?»IETO. 135 « Meravilhas mecontas, (1) (disse) oli Sabia, 4i E, si a verdade ern labios teos se exprimc, tar-me. (1) (1) Nom duvido quebaja abi Leilores, que nom entendam os sepie versos , de que se compoem està falla; mas consolem-se comigo , que tambem àcerca delles estou em jejum. Davus surn ^ non Edipus. Lo- go (dirào) porque os fizeste assim ? respondo , nom os fiz ; traduzi-os com todo o escrupulo e exacgom em verso da prosa do Prologo de certo Livro mui pane- giricado , comò bum modelo daquelia espece de su- blime, que se cbama Balhos^ e de que Pope escreveu hum erudito Tractado. Mas (continuarào os Criticos) ao menos devias perguntar ao Autbor do tal canbe- nho, o sentido de^se Periodo para no-lo dares em bu« ma aota traduzido eoi Portuguez. Uonfebso, mepa tìe» 138 A VlSOM, POEMETO Mal que isto vejo, e escuto, irado exclamo, 64 Certo , ahi anda ilusom ! nom he possivel ! . . . a Moraes, quo he huin Phylosopho sisudo , « De Mulheres às plantas, requestando-as se Em phrases enigmalicas , e oucas! . . . ^c Moraes nom falla assi m ! . . . he falso! . . . he falso ! . . , &4 E dou a ma ventura o ^spelho , e Urganda!?^ (1) Nislo raivoso me levanto! ... e rindo Conheci que, dos Livros na tardanza Pensando, adormeci, e que sonhara Os destemperos, que eserevi , bem dignos De bum Poema Romantico a moderna! F 1 M, nhores, que o arbitrio hera excellente , e so Ihé acho o defeito de ser inpraticavel , e por diias razoes : 1.* porque o Author ja morreo ; 2/ porque, inda que fos- se vivo, hecrivel que, bem examinado este amphigou- ri, me réspondesse, nec ego quidem intdligo. (1) Outra expressom tàrabem mui usuai nos Li« vros de Cavallaria. 139 AO MUITO HABIL ARTISTA PORTUGUEZ MAURICIO JOSÉ SENDIM, ODE Por JOSE MARIA DA COSTA E SILVA. Me il Fhebeo lauro ^ alla tua dotta f reni e Premio^ e corona^ me d'ei sacri ingegni *Amor con santo , inviolabil nodo Distrinso teca. Belinelli, Xmitar co' pince! as varias Scenas , Que opulenta oferece a Natureza ; ta Edi^om , eli- tre OS que vam appontados na infraposta tabella, se nom depara al- gum essencial. Quanlo à Outhographìa , que adoptei , e que parece- rà estranha a nom poucos Leitores , eslou certo de que os Homens lidos nos Authores antigos a reconhecerào por Classica. Como osClas- 5ÌC0S dei a desinencia em am excepto na terceira Pessoa plural doFu* turo Indicativo , a todas as Pessoas dcs Verbos, que os Modernos ter- minam em aó , uso , ou abuso , que farìa crer que ha Dithonjos bre- ves , o que he bum absurdo. Terminei em o?n as terceiras Pessoas pluraes dos Preteritos , comò praticou Pero de Audrade Caminha , e todos os Antigos , cujas obras nom forom alteradas quanto a Lingua- gem pelos Editores modernos. Restimi ao singular dos nomes, que fazem o Piural em oos , aés ^ oés as swas genuinas termin 9oes, que ora comfusamente acabam em do , devendo ser em ad ^ am , om ^ comò Chrìstao. Cappitam. Rasom. Christaos. Cappitaès. Rasoès. Igualmente restilui a sua Orthographia a partìcula si, deferen- camdo-a do Pronome reciproco se , e d negativa ?iom , que os Antigos assim usarom , e alguns detìes escrevem nani. No resto cingi*me , o mais que pude, a Ethyraologia, piimeira Regra da boa escnpta , e da boa pronunciacom. Erros. Emendai. Prologo Pag. IV — Lìn. 6 — Progeto ...... Projeto -_ Lin. 18 — Nào . Nom Pag. VII! — Lin. ^% — da Magia, .... de Magia, Poema Pag. 13 — Nota — Nequeas Nìquea, Pag. 16 — Nota 4 — A madia Amadis Pag. 24 — Ver. 19 — Domicilio Domicilio, Pag. 25 — Ver. 12 — deves , deves. Pag. 29 — Ver. 32 — sobem . sobem. Pag. 30 — Ver. 1 -, — Esquadras . .... Esquadroes Pag. 52 — Ver. 30 — ondeando ondeante Pag. 58 — Ver. 12 — influio . ...... influii! Pag. 120 — Ver. 8 — onro curo Pag. 125 — Ver. 2 — fruclas, fructas 027 2509268